Tuesday, November 23, 2010

QUEM TRAMOU FILÚ VIEIRA?

“Para o desesperado, a partida não parece menos impossível do que o retorno.”
THOMAS MANN
Quando a arraia miúda dos partidos sente que as coisas não estão como deviam estar, quando o seu faro diz que há algo mariado no Reino da Dinamarca, começa a ter aquela reacção típica do desgraçado abandonado em pleno deserto após uma lauta refeição rica em cloreto de sódio. Instala-se a confusão mental, sobrevêm as miragens, perde o norte e, se ninguém lhe dá a mão, pode acontecer o pior. Na fase de delírios e devaneios começam a ser acometidos pelo blue devil e aí é um Deus nos acuda. Consegue até identificar soluções para equações que tinham tantas incógnitas que até pareciam insolúveis. E, o pior, é que acredita piamente nas visões, nos deslumbramentos, nos blue devils.
Descobriu-se agora, por exemplo, que Filú foi um grande Presidente de Câmara, que fez obras maravilhosas, e que se mais não fez, foi porque uma certa Comunicação Social e a Associação ventoinha Pró-Praia não deixaram.
Filú é membro fundador da Associação PRÓ-PRAIA, tinha (e tem) relação de amizade com os principais dirigentes da PRÓ-PRAIA do tempo em que ele era Presidente e sempre teve com a Associação uma relação de respeito mútuo. É certo que a Associação cobrava os atrasados de Filú. Mas, verdade seja dita, quando a PRÓ-PRAIA interpelava Filú, levava numa mão os problemas identificados e, noutra, propostas de solução. A Associação elencou os problemas que encrencavam a cidade, e apresentou, junto, propostas de solução; identificou os problemas que afectavam as cercanias do mercado do Plateau e avançou com um PLANO DE RETORNO À NORMALIDADE NAS CERCANIAS DO MERCADO; identificou na proposta de Orçamento Municipal situações que constrangiam o futuro da cidade e pôs o dedo na ferida, sugerindo hipóteses para uma saída, mais ou menos airosa; a 13 meses das eleições, submeteu ao Presidente um conjunto de coisas que tinham ficado por fazer - e que, a não serem feitas, poderiam prejudicar o seu projecto de reeleição – e avançou aquelas estrategicamente relevantes e que poderiam ser feitas no decurso dos 13 meses. Chamou-se-lhe a prova de recurso da Câmara de Filú. Mas as coisas não aconteceram. Não se sabe ao certo se por Filú não ter levado as sugestões a sério ou se por os seus Conselheiros Populares lhe terem assoprado que, afinal, a Associação que ajudou a fundar, e de que era membro de pleno direito, à qual garantiu um belíssimo espaço no centro da cidade e que recebeu várias vezes no seu Gabinete, era, afinal, uma Associação... ventoinha, e, ipso facto, sua inimiga.
A verdade é que a dita Associação ventoinha nunca fez fretes a ninguém: nem ao MpD - que nunca escondeu, através de dirigentes do segundo e terceiro escalões, que contava com uma mãozinha na oposição à Câmara de Filú; nem o PAI – que através de tambarinas de segunda e terceira extracções, manteve a secreta esperança de que, com papas e bolos, poderia contar com o nosso beneplácito e, principalmente, com o nosso silêncio. Todos aqueles que, tácita ou expressamente, quiseram controlar a Associação PRÓ-PRAIA, deram com os burros na água. A Associação manteve-se firme na sua divisa: PARCEIRA DOS PODERES E DEFENSORA INTRANSIGENTE DOS INTERESSES DA CIDADE E DE SUAS GENTES. Parceiros enquanto se trabalhasse pela Praia e por suas gentes; e opositor, firme e ragalado, se e quando os interesses da Praia e de suas gentes fossem beliscados. Isso valeu-nos epítetos diversos, a nível local e nacional, mas valeu a pena. Existem por este país inúmeras associações, PRÓ-Qualquer-coisa, inspiradas no nosso posicionamento inequívoco a favor (pró) da Praia e jamais contra quem quer que fosse.
Lembro-me de, enquanto Presidente da Associação PRÓ-PRAIA, ter encabeçado várias delegações que foram recebidas pelo senhor Primeiro-ministro e pelo edil da Praia e recebemos a visita, na nossa sede, do Chefe do Governo. Na sede e no Palácio da Várzea, apresentámos ao PM um rol de preocupações e apresentamos resenhas do que entendíamos serem soluções para os problemas arrolados. E, vezes sem conta, apelámos ao senhor Primeiro-ministro que apoiasse a Câmara da Capital, insistindo no ponto de ela ser a cidade de todos nós, de ser problemática; de ainda não conseguir operacionalisar a sua capacidade de gerar recursos; de haver soluções que ultrapassam a capacidade financeira do município. Pedimos ao senhor Primeiro-ministro apoio para a Câmara para a ultimação do Plano Director Municipal (PDM) e dos Planos Detalhados, quando soubemos que as coisas estariam atrasadas por falta de recursos.
A Associação foi criada com fins simples e incorruptíveis, a saber:
1. Fomentar o surgimento de associações nas comunidades que ainda não tinham uma associação;
2. Liderar a federação das associações dos locais de residência em prol de intervenções concertadas;
3. Apoiar as comunidades no levantamento das suas necessidades e na definição das prioridades;
4. Levar as necessidades e as prioridades das comunidades para os centros decisão (CMP e Governo);
5. Assessorar as comunidades quando e se convidadas a tomarem parte na costura de orçamento participativo do município;
6. Apoiar o município da Capital na sua reivindicação por um orçamento de investimentos do Estado também participativo;
7. Assumir o papel de parceira dos poderes, com eles colaborando para a realização dos anseios dos munícipes da Praia;
8. Não tergiversar e assumir um papel de firme oposição às iniciativas que ameacem a Praia e suas gentes.
Uma Associação assim pensada, não tem espaço, nem tempo, para tramar ninguém. Aliás, quem tramou Filú foi a cúpula do PAI residente na Praia. Não escapou a ninguém o balão de ensaio lançado ao ar pelo partido de Filú, exactamente a meio do segundo mandato deste a frente da CMP. Cristina Fontes, José Maria de Pina, Eduardo Monteiro, e outros que tais, eram acenados como possíveis candidatos da Estrela Negra às autárquicas de 2008, numa mensagem clara para Filú: NÃO SERÁS O CANDIDATO DO PAI À CMP. Filú reagiu, desafiou o aparelho do seu partido, ameaçou partir a louça e ir à liça ancorado apenas na sua popularidade junto das massas. E, abandonado pelo seu partido, perdeu as eleições. Só que… não perdeu sozinho. O PAI perde as eleições, no cômputo geral, ficando sem qualquer Câmara no recém-criado círculo eleitoral de Santiago-Sul.
A tese de que o PAI tramou Filú assenta-se em uma análise fria dos resultados das eleições em pauta. O MpD conseguiu 23.906 votos, Filú 23.347 e UCID 433. Votos brancos: 752. Quer dizer, que o MpD tem apenas mais 559 votos do que Filú, número inferior aos votos brancos depositados nas urnas. E quem teria votado em branco? Rabentolas fazendo aquela fila incrível (resultado da redução de números de mesas de votação), ao Sol e ao vento e não votar MpD? Não cola! Tambarinas enfrentando filas quilométricas, em dia de vento e muito pó, e dobrar o papel em quatro, sem o X na Estrela Negra? Não convence! Onde enquadrar, então, os 752 eleitores que votaram em branco? Não foram eleitores quaisquer. Foi gente consciente, que percebe a força do discurso mudo contido no VOTO BRANCO, e que quis dar uma lição a alguém. Teriam de ser pessoas que, de forma alguma, nem em benefício da dúvida, votariam em Ulisses; mas que pretendiam dar uma lição ao Filú. Quem acham que teria elucubrações tão sinistras e assumido atitude tão firme, senão políticos que sabiam o que faziam, não pertencentes à área política do MpD (nem militante, nem amigo, nem simpatizante) e que tinham motivos para querer dar um correctivo ao Filú? Quem, senão aqueles que postularam a sua substituição quando o seu segundo mandato ainda ia a meio? Quem, senão aqueles que Filú desafiou, crendo-se mais forte do que o seu partido e capaz de ganhar com uma campanha sem símbolos partidários? Quem tramou Filú Vieira?! Não foi nenhuma Associação ventoinha, nem tampouco o MpD – que ficou espantada quando a vitória lhe caiu no regaço. Foram os barões do seu partido com residência eleitoral na cidade da Praia.
Valendo o que vale esta afirmação, cá fica, entretanto: EU VOTEI FILÚ, apesar dos pesares.

Friday, November 5, 2010

NUVEM E JUNO

“Nada é mais fácil do que se iludir, pois todo o homem acredita que aquilo que deseja seja também verdadeiro.”
DEMÓSTENES
Há cinco anos atrás, vivenciando um período similar ao presente, chamara a atenção de pessoas próximas de mim que pareciam acreditar que José Maria Neves seria um nabo, sem noção da realidade e que iria, ipso facto, perder as eleições do início de 2006. Alertei-as para o facto de estarem a laborar em um terrível equívoco já que Zé Maria não seria pêra doce para ninguém. Torceram o nariz ao meu aviso, ficaram na deles e… deram com os burros na água. Depois, foi aquele chorrilho de asneiras: que o cabo-verdiano não sabia votar, que então iria saber o que era bom para a tosse com um governo do PAI, etc. e tal. Até que, de cima, começaram a chover alegações de fraude. Deprimente!
Hoje, volvidos cinco anos, há gente que está tomando Nuvem por Juno. Desta feita, é o pessoal do PAI (militantes, simpatizantes e amigos) que está ensaiando a fuga em frente. Li, de um adepto ferrenho e habitué na lide de dar brilho aos metais do líder e do partido, que o máximo que o MpD vai conseguir é tornar a derrota ainda mais expressiva. De um antigo dirigente concelhio (Praia) li que o MpD não tirou as lições do que aconteceu em 2005/2006, que a vitória do PAI é assim tipo favas contadas e que, enfim, o MpD mesti muda.
Há dois/três meses atrás, eu próprio seria capaz de apostar na vitória do PAI nas eleições gerais de 2011. Veiga regressara, havia já um tempão, mas saltava à vista que não trouxera nada de novo: nada mais do que um discurso estafado, que parecia contar com a estafa do Governo de José Maria Neves para ganhar.
Sempre me parecera um erro táctico JMN começar a gastar pólvora com tchintchirote. Desde meados de 2008 (sensivelmente a meio da Legislatura) que o Primeiro-ministro e Presidente do PAI aproveita todas as oportunidades (as que cria e as que lhe caem no regaço) para apresentar a listagem das realizações do VII Governo Constitucional de Cabo Verde. Pensei com os meus botões: e quando aves suculentas, faisões e galinhas de Angola, começarem a sulcar o espaço, que munições usará o Premier?
Com a rentrée de Veiga, as coisas começaram a tornar-se descontroladas. Hoje parece claro que Veiga terá iludido o adversário, ao colar nele os rótulos de «estafado», «sem ideias», e quejandos. JMN querendo demonstrar que o Governo não estava estafado, nem tampouco ele, lança-se, num frenesi, a fazer coisas, a prometer coisas, a inventar coisas, parecendo pensar… cada vez menos. E é estranho. Coisa só explicável com recurso à síndrome do Segundo Mandato. Como consegue Veiga convencer Neves de que ele e o seu Governo estariam estafados, sem ideias, num momento em que a performance do Governo era absolutamente normal, própria de um Governo que em quatro anos dera corpo a um conjunto de coisas que prometera fazer em cinco? (É certo que com um pouco de malícia, JMN poderia ter doseado as coisas a modos de as concluir todas à beirinha do termo do mandato, ficando resguardado de qualquer incompreensão.) Mas não. Cai na armadilha, e, de lá para cá, está irreconhecível. E quando JMN não está tão lúcido como habitualmente, é todo o sistema PAI que entra em parafuso (uma das consequências da situação de partidos que «vivem» do brilharete do seu chefe: estando o comandante baralhado, toda a tropa fica de passo trocado). Veiga deve estar ainda espantado com os resultados alcançados.
Mas se os problemas do PAI se resumissem a esses percalços, as coisas ainda estariam bem. JMN é inteligente o suficiente para emendar a mão, conclamar seus generais, mudar estratégia e tácticas, e preparar a campanha com as doses certas de emoção, razão e malícia. O problema é que JMN escuta gente que acredita que este MpD pode ser derrotado como o de Agostinho em 2006. Confundir os dois momentos do MpD é tomar Nuvem por Juno. O que, só por si, baralharia qualquer conta.
Para começar, JMN enfrentou Agostinho em clima de completo relax. Tinha quase todos os trunfos na mão e sabia como usa-los; ao passo que Agostinho dava claros sinais de que pensava usar os poucos que tinha da pior forma. Um desastre anunciado e que JMN deixou em banho-maria até o momento crucial. Aí chegados, deu o golpe de misericórdia. Mas hoje tem um conjunto grande handicaps, coisas que em 2006 não o afectavam (nem pouco mais ou menos):
- O elenco governativo é o mais fraco, desde 2001;
- As sucessivas crises que abalaram o mundo, de 2007 a esta parte, deram uma terrível machadada nas metas propaladas e fruto de um voluntarismo inaceitável do Prime (crescimento a dois dígitos e desemprego a um dígito);
- A derrota nas autárquicas de 2008 foi, de longe, muito mais traumática do que a de 2004;
- A questão presidencial, que deixou fermentar, não tem qualquer paralelo com a de 2005/06;
- Lançou trunfos para a mesa, em momentos em que podia ir respondendo com «palhas» que não lhe deixariam falta, na fase crucial do jogo.
A agravar a situação, tem pela frente um Carlos Veiga que, tudo leva a crer, está muito bem assessorado, agindo com uma malícia que não estava ao alcance de Agostinho. Entre o MpD de Agostinho e este de HOJE, há um mundo de diferenças que, curiosamente, não está sendo tido em devida conta pelo adversário:
- Veiga, ao contrário de Agostinho, não nega os feitos do Governo. Pega no que falta fazer e estica-o até à exaustão;
- Veiga não se importa com o politicamente incorrecto. Mergulha na demagogia e expõe-se de uma forma despudorada, confiante apenas no poder da propaganda sobre as massas;
- Veiga não confronta JMN. Utiliza o MpD enquanto grupo, botando fortes remendos sobre os elos fracos, potenciadores de fissuras, e avança ostensivamente para envolver o PAI;
- Veiga, ao contrário de Agostinho, descartou a hipótese de um ONE against ONE - o famoso um contra um que ditou a (má)sorte de Agostinho – apostando claramente num duelo entre quem teve tempo de retemperar as forças (o MpD) e quem desbaratou energias e está sem alento (PAI). Consciente de que o seu fulgor já não é o de outrora e sentindo que, ao contrário de JMN – sempre um osso duro de roer -, o PAI pode ser uma presa fácil, puxa por um confronto PAIxMpD.
E o PAI e JMN devem estar mesmo envolvidos pelo MpD, já que parecem reagir como este quer. E a continuar assim, as previsões de António Neves e de José Maria de Pina parecem estar condenadas a falhar. Não sei quem está manobrando as coisas no campo do MpD, mas a verdade é que está conseguindo resultados melhores do que os esperados. E o curioso é que isso acontece mais por acomodação ao papel de complementar do PAI, do que propriamente pela «bondade» das proposições do MpD. Aliás, em termos de ideias e propostas, isto está um autêntico deserto: Veiga e o MpD ficam-se pelos outdoors carregados de demagogia, enquanto o PAI, embalado pela voz inebriante do seu chefe, elenca as infra-estruturas construídas, inaugura as últimas, lança as primeiras pedras das futuras, antecipa o pacote de projectos a financiar pelo MCC e vai ao paroxismo de pretender vender o Programa de Infra-estruturação para o período 2011/2015 como plataforma eleitoral para as eleições de 2011. Infra-estrutura é coisa boa e a gente gosta e precisa, mas nem só de infra-estruturas se vive. Aliás, chegados aonde chegamos, as nossas necessidades tornaram-se bem mais, digamos, requintadas, razão porque hoje o cabo-verdiano quer ver satisfeitas tanto as necessidades físicas como as espirituais. Se não for apenas para agigantar as possibilidades de Manuel Inocêncio, face à concorrência (interna e externa), por favor, apresentem-se propostas com soluções para os problemas que teimam em constranger o nosso desenvolvimento. Medidas e obras, sim, mas portadoras de soluções para os desafios do século e do milénio.
No momento, não sei de alguém, de bom senso, que garantisse qual dos lados sairá vencedor do pleito do início de 2011. Mas de uma coisa estou certo. Aliás, de duas:
- A primeira é de que se JMN se guiar pelas profecias de António Neves e de José Maria de Pina e continuar a seguir os dedos do prestidigitador que está por detrás de Veiga, perde as eleições;
- A segunda é de que se Veiga dormir à sombra da bananeira, pensando que tem JMN lá onde o quer (e que este não vai acordar do transe) e que pode continuar a tratar os eleitores da forma despudorada como vem fazendo, dar-se-á conta, porventura tardiamente, que esteve cavando a própria sepultura (política, entenda-se).
Talvez o melhor mesmo seja cada um, e cada qual, comprar um par de binóculos e assestá-lo para os céus. A ver se não confunde Nuvem com Juno.

Monday, October 25, 2010

LIDERANÇA - Da Teoria do Grande Homem à Liderança Situacional

“A origem da liderança está na assimetria da relação interpessoal, decorrente da maior concentração do poder de influência em um dos participantes da relação.”
RUY DE ALENCAR MATTOS
A liderança constitui um fenómeno relacional ou interpessoal e não um atributo da personalidade individual. De um tal ponto de vista, é de todo impossível conceber-se o líder sem os liderados, assim como não se deve estranhar que alguém pode ser líder numa relação e liderado noutra.
A abordagem, hoje, da questão da liderança foi-me imposta pela realidade detectada, entre nós, por sucessivos estudos de opinião, de os líderes terem maior projecção do que os respectivos partidos, quando, ao cabo e ao resto, são estes que tornaram aqueles especiais. Em entrevistas que foram ao ar na passada Quinta-feira (21/10) na TCV, Carlos Veiga considerou que isso não era bom, enquanto José Maria Neves acha isso perfeitamente normal.
Para início de conversa, as referidas declarações dizem tudo dos respectivos autores: CV já experimentou desse cálice e não gostou; enquanto JMN demonstrou que não conseguiu aprender muita coisa com Pedro Pires, em relação a estilos de liderança, nem pretende aprender com os erros de que hoje Veiga se penitencia.
Pedro Pires dá-nos, no ano 2000, uma magnífica lição de liderança situacional. Nesse ano, depois de conduzir o PAI à sua primeira (e até agora única) vitória em eleições autárquicas – reconquista, em Santiago, as Câmaras da Praia (com Felisberto Vieira), de Santa Cruz (com Orlando Sanches), de Santa Catarina (com José Maria Neves) e só por causas estranhas e ainda não explicadas devidamente não ganha a do Tarrafal (com Arnaldo Andrade) – e de conquistar a pole position para as eleições gerais, pede, ainda assim, a convocação de um Congresso electivo. Quando tinha um mandato e uma legitimidade que lhe permitiam ficar à frente do partido até às Legislativas. Razões? Pires aprendera a lição com a derrota sofrida nas eleições de 91 e com as dificuldades de liderança por que passou o seu partido nos primeiros anos da II República. Regressando à liderança, formal, do PAI, desta feita, não açambarca o poder e abre espaço para a emergência de novos líderes. Deu espaço e chances a Felisberto Vieira (na esfera parlamentar e junto das massas); a José Maria Neves (junto da Juventude, das elites, e mesmo na frente parlamentar, onde, apesar de este o ter desafiado – com registos difíceis de esquecer como aquela de que PIRES JÁ TINHA DADO TUDO O QUE TINHA A DAR – não se opõe à sua escolha para a 2ª Vice-Presidência da AN); a Basílio Ramos (a quem abre o caminho para ocupar a posição de ideólogo/estratego do partido deixada vaga por Olívio Pires). Num segundo plano tinha ainda Aristides Lima, Arnaldo Andrade e Manuel Inocêncio e Júlio Correia, crescendo, crescendo. E foi vê-lo dando aos seus rapazes (Filú, Zé Maria, Basílio, Arnaldo, Djury) ampla autonomia (liderança situacional) por ocasião das eleições autárquicas de 2000. Zé Maria aproveita essa liberdade e personaliza a sua campanha em Santa Catarina, reduzindo ao mínimo a presença dos símbolos do partido e apresentando-se como um filho de Santa Catarina que escolheu servir o Município. Nem Veiga, nem JMN, nem Jorge Santos, nenhum deles nunca deu tamanha autonomia, por exemplo, aos seus candidatos a Presidente de Câmara. Por falta de confiança, por défice qualitativo dos candidatos, ou por vontade de açambarcar as atenções da mídia e deliciar-se com as luzes da ribalta, a verdade é que nenhum deles nunca teve nem a generosidade, nem o desprendimento de Pires. E isso faz de Pires o único exemplo nacional a ser seguido em matéria de estilo de liderança.
A comparação entre a história do MpD pós-Veiga e o que espera o PAI pós-JMN, por um lado, e a do PAI que Pires deixou, por outro, dá-nos a medida exacta de qual o estilo de liderança que serve melhor os partidos e que lhes dá a devida cotação. Enquanto Pires se retira e deixa o partido com uma plêiade de bons candidatos, todos com a necessária aptidão e carisma para assumir o partido e conduzi-lo ao poder, o MpD pós-Veiga ficou tão perdido que teve que apelar pelo regresso deste; e o PAI pós-JMN passará as passas do Algarve, em consequência da gestão que o líder faz dos espaços e das oportunidades: o líder ocupa demasiado do espaço nacional, deixando os seus generais, que deveriam ser co-líderes, circunscritos aos respectivos espaços de origem.
Contudo, os líderes com maior projecção do que o próprio partido, tipo Veiga e JMN, não são de todo responsáveis por tal estado de coisas. Sendo a liderança um fenómeno relacional, a assimetria de espaços ocupados pelos entes presentes na relação varia com a maturidade do grupo em questão. Quando a maturidade do grupo leva a que os seus integrantes cultuem o líder como «o Grande Homem», pouco menos que um Iluminado, Eleito ou Escolhido, vale a tese de Thomas Carlyle. Para Carlyle - um dos maiores responsáveis pela concepção do líder como «o Grande Homem» - “entre as massas indistintas e semelhantes a formigueiros existem homens iluminados e chefes, mortais superiores em poder, coragem e inteligência. A história da humanidade é a biografia desses indivíduos, a vida de seus grandes homens”. Aqui, na maioria dos casos, é o papel complementar assumido pelos liderados, dando demasiado espaço e liberdade ao líder (sobre o líder não é exercido qualquer controlo pelos liderados) o responsável pela subordinação de tudo e de todos aos desejos e ambições deste. As pessoas abdicam de toda a iniciativa, abrem mão de sonhos e ambições, e dedicam-se a servir e a glorificar «o Grande Homem».
Felizmente, a teoria do grande Homem não é monolítica. Várias correntes divergem e combatem a ideia do líder dominador, heróico e superior. Pedro Pires (o da II República) e eu próprio, estamos mais para a tese de John Stuart Mill. Com Stuart Mill, o «meu» líder é “um libertador da sociedade de seus grilhões de massificação e conformismo. Um indivíduo que aposte na criação de tantos centros de pensamento independente quanto possível, e cujos poderes de persuasão seriam utilizados para esclarecer os demais e lhes fornecer uma aptidão robusta para um pensamento crítico e independente”. William James melhora ainda um pouco as coisas, ao inserir na relação do líder com seus adeptos, ao invés da dominação, a necessidade da conquista da mútua compreensão e o fortalecimento da interdependência entre eles. Num quadro destes, o líder continua respeitado por mil anos que viva; o grupo sobrevive a qualquer intempérie; e a sucessão do líder não traz problemas de maior. E, principalmente, o grupo, o partido, ganha maior – muito maior – projecção do que qualquer liderança conjuntural.
Veiga tem razão em considerar não ser nada bom essa do líder com maior projecção do que o partido e sente-se que procurará melhores caminhos para garantir a continuidade do MpD após a sua partida definitiva. José Maria Neves vai precisando acautelar a sua sucessão. Não se lhe exige que escolha um delfim (sabendo que isto não é um delfinato, continua, ainda assim e como quem não quer nada, a investir no Inocêncio, tentando fazer dele seu delfim - sui generis, porque mais velho do que o protector), mas vai ter de dar mais espaço aos seus generais, admiti-los como co-líderes que são, e fornecer-lhes a tal robusta aptidão para um pensamento crítico e independente. Que o fundamental é o líder não preferir seguidores acríticos a colaboradores leais e, sobretudo, não recear que estes lhe façam sombra. É que não existe tal perigo.
O fenómeno só se verifica porque, na verdade, os partidos elegem um Chefe (Secretário-Geral, Presidente) e confiam que ele se transformará em Líder. Só que essa passagem não é fácil, nem linear. E dependendo do uso que fizer do seu poder de influenciação e da margem de manobra que lhe for concedido, a intervenção do chefe/líder, pode ir da simples emissão de alertas (liderança fraca) até à fanatização (liderança dominadora), num contínuo de intensidade de influência que passa pela sugestão, persuasão, orientação, imposição e sedução.
Ponham-se os militantes na pele de accionistas e considerem seu partido uma grande empresa e seu Presidente o CEO da empresa. Acham que é coisa boa o CEO da vossa empresa ter melhor cotação do que a empresa? Conseguem imaginar o que acontece às vossas acções se ele anunciar que vai deixar a empresa? Despencam! E isso é PÉSSIMO! Líderes com mais projecção, do que o partido que lhe dá visibilidade? Acontece. Mas não é NATURAL. Nem NORMAL. E, como se viu, pode ser PÉSSIMO.

Wednesday, October 20, 2010

VÍTIMA OU ALGOZ?

“O homem poderoso que junta a eloquência à audácia torna-se num cidadão perigoso quando lhe falta bom senso.”
EURÍPEDES
Não parece ser difícil, em uma determinada situação, a identificação de quem é algoz e quem é vítima. Em um cenário em que se opõem o lobo e o cordeiro, não haverá dúvidas de que o lobo é o algoz e o cordeiro, coitado, a vítima. Numa disputa entre lobos, já fica difícil discernir quem é quem.
Aprendi, há que tempos, que o homem é o lobo do homem (Thomas Hobbes), querendo isso dizer que o instinto social do homem é pouco mais do que inexistente e que o homem não tem muitos pruridos quando resolve se desfazer do opositor. Ao contrário, por exemplo, dos lobos. Os lobos não se mordem, têm um instinto social muito desenvolvido, só se envolvendo em disputas quando se torna necessário conquistar a liderança da matilha. Que se saiba, nunca os lobos (nem nenhum outro animal, excepção feita ao HOMEM) planearam, organizaram e dirigiram a eliminação de seus semelhantes em confrontos de âmbito planetário.
Serve este intróito para chegar ao quadro em que se debatem o Engenheiro José Sócrates (Primeiro-ministro da República Portuguesa) e o Dr. Pedro Passos Coelho (líder do PPD/PSD).
José Sócrates lidera um Governo sem a necessária maioria para aprovar o Orçamento do Estado. Recebeu esse presente de grego nas eleições de Setembro de 2009, ficando refém dos demais partidos, maximé do PPD/PSD. Tendo, agora, que aprovar um orçamento super restritivo, com amplos cortes nas despesas e um agravamento doloroso dos impostos, Sócrates enfrenta tanto os partidos da direita (que entendem que ele está crucificando a classe média), como os da esquerda (que acham que ele está fazendo os mais pobres pagarem a crise e os dinheiros ofertados aos banqueiros aventureiros). Os fiscalistas, por seu lado, dizem que em vez agravar os impostos (que se traduzirá na lei do menor esforço, em que se faz com que aqueles que sempre pagaram paguem mais, deixando os relapsos tranquilos no seu canto) devia o Governo combater a evasão e a fraude fiscais (alargando a base tributária, fazendo com que aqueles que tradicionalmente fogem ao fisco passem agora a pagar). Um orçamento considerado pela maioria dos analistas como um mau orçamento.
Pedro Passos Coelho chega à liderança do PPD/PSD em meio a uma das maiores crises orçamentais do pós-Estado Novo. Face a um Governo sem a maioria necessária e com um Chefe ainda com alguns tiques do tempo em que usufruía de maioria absoluta, o jovem Passos Coelho entra e vai com alguma sede ao pote, deixando subentendido, não raras vezes, a possibilidade de fazer cair o Governo. Parecia, de facto, que havia soado a sua hora. Estimulado pelos primeiros resultados de estudos de opinião, inventa uma proposta de revisão constitucional que lhe deixa com água pelas barbas (que não usa). Começando a intervir às bolandas, dá algum espaço de manobra a Sócrates, que, matreiro, lá foi levando a água ao seu moinho, até à situação em que o actual Presidente da República já não pode dissolver o Parlamento (que levaria a subsequente queda do Governo).
As coisas chegaram a um ponto tal que, mesmo que o Orçamento de Estado não for aprovado, ainda que o Governo perca a confiança do Parlamento, o Governo, ainda assim, não cairá, imediatamente. Continuaria em gestão corrente até Maio de 2011. Quer dizer que se Passos Coelho fizer cair o Governo, vai ter de esperar até ao Verão para ir a eleições e tentar chegar a Primeiro-ministro. E digo tentar porque não resultará claro, para os eleitores, quem é o ALGOZ e quem é a VÍTIMA.
Portugal encontra-se numa situação económica muito parecida com aquela que levou Oliveira Salazar ao Ministério das Finanças, primeiro, e à Presidência do Conselho, mais tarde. A saída da crise, em democracia, não permitirá a tomada de posições unilaterais, do tipo daquelas assumidas por António Salazar e Afonso Costa. Hoje há que construir a maioria necessária para adoptar, democraticamente, o remédio para o mal que assola o país. Sócrates ensaia uma fuga em frente, mas, breve, volta aos carris e apresenta uma proposta de orçamento possível para ultrapassar a crise, isto é, para manter o défice, no próximo ano, nos 4,5%. As soluções poderão não ser as melhores, mas, no momento, mui dificilmente se terá tempo para ensaiar algo melhor. Há um amplo consenso acerca do facto de se estar perante um MAU orçamento.
Que resta a Passos Coelho fazer? Chumbar o MAU orçamento (e deixar o país sem orçamento) ou aprová-lo e deixar o seu nome e a sua liderança ligados a um tal orçamento? Chumbando o orçamento (votando CONTRA, assim com já prometeu a CDU, pela voz de Jerónimo de Sousa), o país fica sem orçamento e Sócrates pode ou não cair.
Imaginemos agora que Sócrates caia com o chumbo do orçamento. Nesse caso, o Governo de Sócrates, ou outro - de iniciativa presidencial - continuaria a fazer a gestão corrente, à base dos duodécimos do OE de 2010 (em parte responsável pelo agudizar da crise). As eleições só aconteceriam no Verão de 2011. E quem ganharia essas eleições antecipadas? Passos Coelho?
As eleições antecipadas do Verão de 2011 seriam, previsivelmente, ganhas pela vítima, que se identificar, do estado de coisas que levou à dissolução do Parlamento. E quem é a VÍTIMA? Se Passos Coelho conduzir as coisas com mão de ferro, se for precipitado e se deixar levar por ímpetos imediatistas, de tal modo que lhe possa ser debitada a queda do Governo, não será a VÍTIMA, mas o ALGOZ. E não será algoz apenas de Sócrates e do PS. Será algoz da economia portuguesa e do estilo de vida dos portugueses. Porque entre dotar o país de um mau orçamento e deixá-lo sem orçamento, não há dúvida possível: É PREFERÍVEL UM MAU ORÇAMENTO A NÃO TER ORÇAMENTO NENHUM. O país já tem fortes restrições de crédito lá fora, o dinheiro a que ainda tem acesso custa-lhe os olhos da cara, e estão os homens de Bretton Woods de malas feitas para marchar sobre Lisboa. E já se sabe: quando o FMI assume as rédeas da situação, há que fazer novos furos aos cintos. A doer. E quem fizer acender a luz verde para a intervenção do Fundo Monetário Internacional pagará uma pesada factura. Não restam dúvidas de que, nesse caso, ficaria difícil a Passos Coelho ganhar o direito a ocupar a Residência Oficial de S. Bento.
Pedro Passos Coelho tem apenas dois dilemas a resolver. E qualquer deles de solução simples. Entre dotar o país de um MAU ORÇAMENTO e deixá-lo SEM ORÇAMENTO, a solução é simples: na actual conjuntura, antes ter um MAU ORÇAMENTO do que não ter Orçamento nenhum. Entre ser ALGOZ e ser VÍTIMA, e não podendo vitimizar-se por aí além, basta-lhe não assumir o papel de algoz. Da economia, de Portugal, dos portugueses. Basta-lhe seguir os conselhos de Manuela Ferreira Leite, optar pela ABSTENÇÃO e, sobretudo, DECLARAR A INTENÇÃO DE SE ABSTER, ainda antes do dia 28 – dia agendado para discussão do OE no plenário da AR. No mais, será o aproveitamento da declaração de voto para alegar que só o seu alto sentido de estado, sua preocupação com a economia, com Portugal e com os portugueses e a consciência do mal que adviria se OE não fosse aprovado, é que o levaram a não chumbar um orçamento tão ruim. Fundamentalmente, Passos Coelho tem de evitar o estigma do algoz e evitar dar espaço para a vitimização de José Sócrates.
Já Sócrates precisa recorrer aos seus dotes histriónicos e se vitimizar até mais não poder. E ele e a sua clique têm até aos últimos momentos da votação do orçamento para provocarem a ira do jovem Passos Coelho e levá-lo a dar um mau passo, chumbando o orçamento e assumindo todo o odioso da situação em que o país ficará. Sócrates poderá cair, mas fá-lo-á na condição de mártir. E tudo fará para que a culpa não morra solteira, que é como quem diz, fará tudo para que a (ir)responsabilidade seja debitada a Passos Coelho e ao PPD/PSD.
Explorando ao máximo o trauma que tem sido a inexistência da maioria necessária para governar, não me estranharia que vítima e algoz se esforçassem por convencer o eleitorado a conferir, desta feita e nas eleições antecipadas, maioria absoluta à força vencedora.
À VÍTIMA OU AO ALGOZ? A José Sócrates ou a Passos Coelho? Ganhará aquele a quem não se puder assacar culpas pelo chumbo do orçamento e pela queda do Governo. Será o algoz a pagar as favas, digo, as facturas. Daí que seja importante identificar, definitivamente, quem é quem.

Wednesday, October 6, 2010

13º SALÁRIO

Em 2011 vamos ter o 13º Salário, de tão bem instalado que já está, como tema de campanha das duas forças políticas com vocação de poder.

Que tal se, para este ano, reivindicássemos o pagamento do diferencial de ordenado, devido à quase totalidade dos servidores públicos, proveniente da retroactividade das progressões na carreira, assim, a modos de começarmos a ter um cheirinho da nova realidade que nos estão propondo, i.e., um extra pela quadra festiva do Natal e Ano Novo?

Monday, September 13, 2010

MÍNIMOS

“No contexto actual, o sucesso das comunidades depende, em grande medida, do equilíbrio entre duas realidades essenciais: a perspectiva global e a vitalidade local (independentemente do tipo de agrupamento social em causa.)”

SERRANO, GONÇALVES e NETO*

Imagine-se o fuzué que seria o COI (Comité Olímpico Internacional) liberar geral a participação nos jogos olímpicos? A partir de 2012, os jogos olímpicos estariam abertos a todos os cidadãos livres que quisessem participar. Imagine-se a FIFA (Federação Internacional das Associações de Futebol) declarando que a Copa do Mundo, a disputar no Brasil em 2014 e nas subsequentes, estará aberta a todas as selecções nacionais de futebol e que, por isso, acabam de vez as provas para apuramento das melhores para participarem de uma fase final. Imagine-se ainda a UEFA (União Europeia das Associações de Futebol) resolver abrir o próximo Campeonato Europeu de Futebol de 2012 a todas as selecções europeias. Gilberto Madaíl poderia até desligar o piloto automático da selecção das quinas; a França teria algum tempo para se organizar… enfim, os calaceiros, os fracos, os desorganizados, todo o Mundo ficaria feliz. Até constatarem que esta aparente boleia não seria mais do que as portas do reino do caos se abrindo. E aí, seria um Deus nos acuda.
Portugal, jardim à beira-mar plantado, porta de entrada da Europa, ocupando uma posição invejável no ranking da FIFA, ainda assim tem que lutar para conseguir ser, no mínimo, um dos 04 melhores segundos lugares da fase de apuramento para o Campeonato Europeu de Futebol de 2012. Espanha, vencedora do Campeonato do Mundo de Futebol da África do Sul (que conheceu o seu término em 11 de Julho último) e campeã da Europa, em título, ainda assim, vai ter de lutar para conquistar um lugar no Campeonato Europeu de Futebol de 2012. O Cabo Verde de mister Lúcio Antunes (sobrinho do inesquecível TOKA) ganhou ao Mali e vai ter de suar as estopinhas para levar de vencida o Zimbabwe e demais equipas do seu grupo, para que possa participar do próximo CAN (Campeonato de África de Nações). O facto de ser, inequivocamente, um país africano não o exonera da obrigação de ficar entre os primeiros do seu grupo para que possa participar da fase final. Os nossos atletas, se quiserem participar dos Jogos Olímpico do Rio de Janeiro, terão de melhorar a sua performance, situar-se ao nível dos melhores. Noblesse oblige.
As coisas são assim. Ou então o Campeonato Europeu de Futebol seria no sistema todos contra todos, participando dele todos os países europeus; da Copa do Mundo participariam todos os países reconhecidos pela ONU; do CAN participariam todos os países africanos. Os jogos olímpicos estariam abertos a todos os atletas do planeta, independentemente do seu nível. E, convenhamos, que seria uma zorra total. Uma autêntica zona. Seria o caos.
E como é que se resolveu a questão da participação em tais competições? Estabelecendo os mínimos que cada atleta deve atingir para que possa participar do certame, no caso dos jogos olímpicos. Definindo a classificação mínima que as selecções devem atingir nas provas de apuramento para os campeonatos Africano (CAN), Europeu (UEFA) e do Mundo (FIFA). Até para sediar os J.O., a CAN, a Copa UEFA ou a Copa FIFA, as cidades, no primeiro caso, e os países, nos restantes, têm que reunir determinadas condições, submeterem-nas aos organizadores para, só depois, poderem disputar, com seus pares, o acolhimento do certame. Têm que reunir as condições indispensáveis à qualidade e ao sucesso dos eventos Não é para qualquer um. Não é para quem quer. É para quem, RECONHECIDAMENTE, reúna as pré-condições.
A ideia dos mínimos é a solução que tem garantido a qualidade dos certames, limitando a sua realização no tempo e no espaço e puxando pelos candidatos. Neste particular, querer não é poder. Há que querer - sim senhora - e lutar – também - para atingir os mínimos exigidos. Não há outra hipótese. E isso não é válido apenas para o desporto. É válida também para a catalogação dos aglomerados humanos: os aglomerados não seriam aldeias, vilas, ou cidades, em função do rótulo administrativo que neles forem colados. Entrariam numa ou noutra categoria em função de condições intrínsecas. Que é como que diz, devem cumprir os mínimos para entrarem na categoria que almejam. Os aglomerados teriam de reunir, por exemplo, as condições a), b) e c) para ser catalogados como ALDEIA; estas, mais as condições d), e), f) g) e h) para se integrarem na categoria VILA; as condições antecedentes, mais o restante do alfabeto (em condições) para serem reconhecidos como CIDADE. Em linguagem simples, e parafraseando o pessoal do COI, tinham de cumprir os mínimos exigidos para cada categoria de aglomerado humano.
Como encarar, então, o que aconteceu recentemente em Cabo Verde, por ocasião da promoção administrativa de lugarejos, aldeias e vilas a cidades? O que aconteceu recentemente em relação aos aglomerados populacionais sedes de Municípios que receberam o rótulo de CIDADE (juntando num mesmo saco Praia, Mindelo S. Filipe, Assomada, Porto Novo e João Teves, Vila das Pombas, Várzea da Igreja, Achada Igreja, Igreja, Cova Figueira, etc.) só encontraria paralelo no caso de o COI, a FIFA ou a UEFA, abrirem geral, deixando de exigir os mínimos para a participação nos certames.
Na reclassificação dos nossos aglomerados populacionais os mínimos foram mínimos, mesmo: SER SEDE DE MUNICÍPIO. Ponto final. Dir-me-ão que a Assembleia Nacional é soberana. Tem autoridade, autonomia e liberdade para decidir como bem entender. Pois é verdade. E eu diria que o COI, a FIFA e a UEFA também. Poderiam, querendo, liberar geral, que ninguém lhes pediria contas. A não ser… o FUTURO. E é aí que residem os limites do soberano Parlamento e dos todo-poderosos COI, FIFA e UEFA: não podem, melhor, NÃO DEVEM, hipotecar o futuro. Têm, eles também, um mínimo a respeitar – o MÍNIMO ÉTICO, a linha abaixo da qual estariam a ser vulgares, inconsequentes, irresponsáveis e mesmo censuráveis. Política e socialmente censuráveis. É que matariam a competitividade dos atletas, das selecções e, sobretudo, das comunidades. Sem contar que a distribuição aleatória de distinções - tanto a quem fez o trabalho de casa, como a quem não fez; a quem se esforçou para dotar o município de planos e instrumentos de ordenamento e gestão do território, como quem comprometeu as hipóteses futuras do território sob sua administração; enfim, a justos e a pecadores, à organização e ao desleixo, àqueles com potencial e aos casos perdidos – é, sempre, uma tremenda injustiça. Nem as comunidades, nem as selecções, nem os atletas, ninguém, precisaria se esforçar, esmerar, para CONQUISTAR, FAZER POR MERECER, um lugar ao Sol. Para quê, se basta o mínimo dos mínimos (o simples facto de existir) para que se receba distinção idêntica àqueles que se esmeraram?
Esta mania nacional de distribuir condecorações, distinções e promoções, a esmo, vai acabar banalizando o sentimento de excepção e «outstanding» que deve estar na base da discriminação positiva dos excepcionais, não dignificando, por isso, os distinguidos. Porque ficará sempre esta dúvida: É EXTRAORDINÁRIO OU É MAIS DO MESMO? SERÁ JUSTO PREMIADO OU ESTÁ-SE PERANTE MAIS UM MERO EXERCÍCIO DE SOBERANIA? PEDRA BADEJO FOI DE BOLEIA OU MERECIA MESMO? Pessoalmente, acho que a sede do Município de Santa Cruz poderia chegar lá, por mérito próprio; mas, em chegando pelo saco em que chegou… parece que são todos KÊL MÉ, como diria o outro. Decididamente, os santa-cruzenses gostariam que as coisas tivessem acontecido de forma diferente com Pedra Badejo. Tanto trabalho de casa, tanto investimento, tantos cuidados, para, no fim, ser metido em um obscuro saco sem fundo!? Não haveria melhor forma de fazer as coisas, Lando?
* SERRANO ANTÓNIO, GONÇALVES FERNANDO e NETO PAULO, in «Cidades e Territórios do Conhecimento um novo referencial para a competitividade».

Tuesday, July 6, 2010

35 ANOS DE HISTÓRIA - UM BALANÇO

INDEPENDÊNCIA (05 DE JULHO DE 1975)
- Liceus apenas nos dois principais centros urbanos
- Inexistência de Estabelecimentos de Ensino Superior (EES)
- Reduzido número de quadros com formação superior
- Reduzido número de médicos
- Professores (maioria) sem formação pedagógica

- Saúde na periferia confiada a enfermeiros
- Existência de rede de agentes (voluntários) de autoridade
- Acesso a alguns Serviços públicos barrado à mulher

- Tecido empresarial incipiente (Importação e Distribuição)
- Serviço público de Abastecimento de géneros alimentícios


35 ANOS DEPOIS
- Massificação do ensino secundário
- Surgimento de Estabelecimentos de Ensino Superior (EES)
- Aumento exponencial de quadros c/ formação superior
- Professores com formação técnica e pedagógica
- Boom de médicos nacionais

- Presença de médicos na periferia
- Acesso a cuidados de saúde diferenciados
- Participação da mulher em todos os sectores
- Razoável acesso às novas TIC (computadores, televisão por cabo, Internet, etc.)
- Presença Receptores de rádio, televisão e telefones na maioria dos lares

- Democracia política
- Poder local instalado

- Bancos comerciais em concorrência
- Um bom número de operadores económicos


DÉFICITS
- Problemas de qualidade no ensino secundário
- Deficit de pesquisa e investigação
- Controlo deficiente dos Estabelecimentos e Institutos de Ensino Superior privados
- Deficit de EES Técnico e/ou Profissional
- Lacuna no Pós-Secundário (profissionalizante)
- Formação profissional (titubeante)
- Tratamento marginal do Pré-escolar

- Deficit de equipamentos de diagnóstico e tratamento
- Evacuações para receber cuidados de saúde hoje presentes em quase todos os países


- Concentração de operadores no Comércio
- Inexistência de indústrias
- Deficit na regulação do mercado, em geral, e dos monopólios, em particular
- Risco iminente de cartelização na banca, no sector petrolífero, no sector farmacêutico, nos transportes

- Perpetuação da crise energética
- Deficit de iluminação pública
- Deficit de transparência na gestão da coisa pública
- Politização da direcção da administração pública

- Crispação social (depois de «portugueses versus contra-a-a-nação», «melhores filhos da nossa terra x os outros», é agora a vez do «PAI versus MpD») com laivos de irracionalidade
- Dictat do crime organizado
- Ausência de princípios científicos na actuação da polícia
- Controlo deficiente das empresas de segurança
- Incremento da criminalidade e crise de segurança
- Morosidade dos Tribunais
- Grande crise de valores
- A Juventude entregue a si própria
- Deficit de espaços de lazer, para crianças e para a Juventude, e de espaços verdes

PRECISA-SE CONSOLIDAR
- A OPINIÃO PÚBLICA NACIONAL E O EXERCÍCIO DA CIDADANIA
- A EDUCAÇÃO CÍVICA
- O ENSINO OBRIGATÓRIO E O ENSINO GRATUITO
- A PESQUISA E A INVESTIGAÇÃO

- A DESCENTRALIZAÇÃO
- A DEMOCRACIA POLÍTICA E O RESPEITO PELO VOTO POPULAR
- O SISTEMA DE INCOMPATIBILIDADE DOS PARLAMENTARES
- O SISTEMA DE RESPONSABILIZAÇÃO DOS TITULARES DE CARGOS POLÍTICOS
- A MORALIZAÇÃO NA GESTÃO DA COISA PÚBLICA
- A PROFISSIONALIZAÇÃO DA A.P.
- A REGULAÇÃO TÉCNICA E ECONÓMICA
- UM SISTEMA DE QUARENTENA PARA EX-TITULARES DE CARGOS EM ÓRGÃOS DE REGULAÇÃO E/OU FISCALIZAÇÃO
- A PROTECÇÃO DO CONSUMIDOR

- OS SERVIÇOS DE INFORMAÇÃO DA REPÚBLICA
- A INTELIGÊNCIA NO COMBATE AO BANDITISMO
- O QUADRO DE PESSOAL E AS COMPETÊNCIAS DO MINISTÉRIO PÚBLICO
- UM SISTEMA DE RESPONSABILIZAÇÃO DAS MAGISTRATURAS
- A PROTECÇÃO DAS CRIANÇAS E DAS MINORIAS

"The Myth of Multitasking"

"The Myth of Multitasking"

Uma leitura obrigatória (da obra) para os eternos «ocupados»; os «não tenho tempo nem para me coçar»; e quejandos; e que, A FINAL e em termos de resultados, não apresentam nada palpável.
Parafraseando o Zona (Jorge Carlos Fonseca) desconfio sempre dessa gente que não pode atender ninguém, não tem um tempinho para os amigos, está indisponível até para a família, leva trabalho para casa, etc. Via de regra, a sua passagem pelos cargos deixa os mesmos registos que um passeio pela areia da praia, em momento de preia-mar, i.e., NOTHING.

Tuesday, June 29, 2010

PARA O PACTO DE REGIME SOBRE A AGRICULTURA

PARA O PACTO DE REGIME SOBRE A AGRICULTURA


A AGRICULTURA
→ NECESSITA
ÁGUA
SOLO ARÁVEL
HOMEM

ÁGUA
BARRAGENS DE RETENÇÃO
DESSALINIZAÇÃO
NOVAS TECNOLOGIAS DE IRRIGAÇÃO


SOLO
COMBATE À EROSÃO
PERÍODOS DE REPOUSO/ROTAÇÃO DE CULTURAS
NOVAS TECNOLOGIAS DE REGA

HOMEM
MENTE ABERTA
ESPÍRITO EMPREENDEDOR
DISPONIBILIDADE PARA ENFRENTAR DESAFIOS

O PAPEL DO ESTADO
→ FOMENTO
EXTENSÃO RURAL E PROTECÇÃO VEGETAL
LINHAS DE CRÉDITO
ASSOCIAÇÃO (EMPRESARIAL E OUTRAS)
SEGURO COLHEITA (SEQUEIRO)

Tuesday, June 22, 2010

CEDEAO: PRÊT-À-PORTER OU CONSTRUÇÃO?

“Resultados? Mas é claro que eu já consegui um monte de resultados! Hoje eu sei de mil coisas que não funcionam.” Thomas A. Edison

Refazer o percurso da construção europeia é sempre um excelente recurso didáctico para ajudar a compreender o esforço de integração económica regional em África. O afro-pessimismo transformar-se-ia em uma mola impulsionadora caso houvesse uma boa compreensão do fenómeno, dos sacrifícios que exige e da veia empreendedora necessária.
A União Europeia (UE), conquanto pareça, a muito boa gente, ser o resultado feliz conseguido por um povo iluminado, ela é, na verdade, o resultado de uma construção penosa, com altos e baixos, que já dura para além de meio século, e, ainda assim, está por concluir. E é bem achada a expressão «construção europeia» usada orgulhosamente pelos europeus. É que é disso mesmo que se trata. O Tratado de Roma perseguia a construção de um Mercado Comum (MC) europeu. Do ponto de partida, à União Europeia, que hoje conhecemos, várias foram as etapas percorridas: a CEE (Comunidade Económica Europeia); a CE (a Comunidade Europeia); a UE (União Europeia). Começou com uma Europa dos 6 e quase estagnou na Europa dos 12; só chegando agorinha à Europa dos 27. Mas seguem sonhando com uma União Política e uma Constituição federalista. Apesar de haver uma Moeda Única que não é adoptada pela totalidade dos 27; do Acordo de Schengen não obrigar todos os 27; do Tratado de Maastrich não vincular todos os Estados membros; and so on. E isso, sem contar as experiências precursoras do Tratado de Roma, caso da EFTA (sigla inglesa da Associação Europeia de Comércio Livre); da CECA (Comunidade Europeia do Carvão e do Aço); do BeNeLux (associação juntando a Bélgica, os Países Baixos e o Luxemburgo).
O que falta aos afro-cépticos cabo-verdianos é a consciência de que (1) se está perante um processo; (2) que a CEDEAO terá de ser o resultado de uma construção em que todos se devem envolver; (3) que a nossa sub-região tem problemas do arco-da-velha, mas que também a Europa teve um percurso dolorosíssimo. Só no século XX aconteceram, nada mais, nada menos, um holocausto (ocorrido durante a II Guerra Mundial) e episódios de limpeza étnica (no pós Guerra-Fria). Persistem ainda conflitos surdos, só que, geralmente, melhor administrados do que em África (a questão basca e a resistência à supremacia do castelhano em Espanha; a questão que opõe Valongos a Flamengos, na Bélgica; a questão que opõe católicos a protestantes, na Irlanda; a resistência de Belmiro Azevedo, Jorge Nuno Pinto da Costa, Rui Rio e Comandita ao pessoal de Lisboa e Vale do Tejo, em Portugal, etc.).
Nós adoramos o prêt-à-porter, soluções chave-na-mão. Mas não é possível ter uma CEDEAO com a performance da UE, do NAFTA, do Mercosul, ou mesmo da SADCC, sem enfrentar as dificuldades que se nos apresentarem. Há ditaduras na Região? Então desiste-se da construção. Há acentuadas assimetrias regionais de desenvolvimento? Então não vale a pena perder tempo. Há Estados-membros de dimensões continentais a par de pequenos países, ainda por cima insulares? Não dá, viremo-nos para o Norte. A população dos Estados-membros é paupérrima? Então, vamos voltar-lhes as costas. Com posturas do tipo, o melhor mesmo é desistir. Mas desistir a valer. Porque se não enfrentamos os desafios; se não conseguimos ver o produto final como resultado de um processo histórico em que nós todos devemos ser actores intervenientes; se não vislumbramos o sucesso como consequência de conjugação e gestão de sinergias; se queremos uma Comunidade Económica de geração espontânea; ou se continuarmos a achar que pobreza, deficit democrático, intolerância e assimetrias de desenvolvimento são males sem cura; então teremos que nos quedarmos por estas ilhas de mar, Sol e vento. Orgulhosamente sós. Nada de CEDEAO; nada de União Africana; nada de Macaronésia; nada de Parceria Especial com a União Europeia; nada de APE; nada de Nada. A construção da CEDEAO tem de ser encarada como processo histórico que é. Processo que não poderá perder de vista as experiências vividas por outros povos na construção de unidades económicas; que deverá considerar as assimetrias de desenvolvimento existentes; que deverá encarar, de frente, o desafio da democracia; que nunca, jamais, em tempo algum, deverá perder de vista a pobreza das populações; que não deverá ver os demais espaços económicos, ou países terceiros, como inimigos.
No momento, a CEDEAO está a braços com a construção da União Aduaneira, o que significa um salto grande, que exige muita ponderação. Uma União Aduaneira pressupõe a supressão de barreiras na circulação de bens dentro do território da União e a aprovação de uma Pauta Exterior Comum, aplicável às importações provenientes de países terceiros. Mas tanto a livre circulação de bens, como a adopção de uma Pauta Exterior Comum levantam questões que devem ser equacionadas e resolvidas com bom senso. A livre circulação de bens (sem pagamentos de impostos de porta, pois) implica em perdas de receitas fiscais que, para países com o perfil de Cabo Verde – dependente de receitas fiscais, que importa quase tudo, que não exporta quase nada, e com um nível de pobreza nada despiciendo – são como o oxigénio para a vida. No entanto, nada que não possa ser ultrapassado com a criação de um Fundo de Compensação. Aliás, uma das maiores pechas da CEDEAO é a inexistência de um Fundo de Compensação pelas perdas de receitas derivadas da remoção das barreiras alfandegárias. O posicionamento concertado nas relações comerciais com países terceiros, traduzido na Pauta Exterior Comum (TEC, na sigla em francês) não pode olvidar os compromissos, que vêm de trás, dos Estados-membros, casos, p.e., da OMC (Organização Mundial do Comércio), para aqueles que pertencem à organização e dos APE´s (Acordos de Parceria Económica) com a UE. E nem se deve apostar em alíquotas que possam cheirar a declaração de guerra contra países terceiros ou convidem à prática de fraude (contrabando, descaminho e outras contravenções). A ideia de uma alíquota única - válida para todas as posições pautais – e a retenção da tarifa mais elevada em vigor nos Estados-membros é um exemplo do que não deve ser feito. Porque, se feito, terá forte repercussão na nossa capacidade de penetração nos mercados dos países visados. E estou pensando em tratamento recíproco mais do que em verdadeiros actos de retaliação.
A União precisaria, também, institucionalizar fundos para a redução das assimetrias regionais de desenvolvimento. Fundos que, tal como os de Compensação, fazem parte do essencial dos instrumentos de política das uniões económicas. Os fundos e demais políticas da União (CEDEAO, no caso) teriam de estar talhados para consolidar o mercado, combater a pobreza, reforçar a democracia, reduzir as assimetrias de desenvolvimento e potenciar o desenvolvimento.
O compromisso com o desenvolvimento por parte de todos os líderes da região; o benchmarking junto de experiências de integração económica de sucesso; o respeito pelas regras do jogo; o empowerment das instituições da União; e o engajamento dos cidadãos; podem ser os ingredientes que faltam para que a construção possa se traduzir em uma Comunidade de que nos orgulhemos. Que o básico existe já: um mercado de mais de 260 milhões de consumidores, em um território de 5 milhões de quilómetros quadrados (Km2) de extensão. Entre nós, o mais urgente agora é trabalhar no sentido da construção de consenso prévio sobre a questão. Para envolver os afro-pessimistas locais; para responder às exigências do Acordo de Parceria Especial com a UE; para demonstrar a nossa utilidade na região.
Aos cépticos, que acreditam no país (Cabo Verde), mas duvidam da seriedade dos propósitos dos nossos vizinhos ou da sua seriedade para encarar desafios que impliquem esforço para construção do estado de direito, consolidação da democracia, tolerância, diálogo e compromisso, um desafio: que tal trabalharmos, todos juntos, para a assumpção da liderança do projecto, ainda que tenhamos que correr o risco de pisar os calos (ou os calcanhares) aos gigantes Níger, Mali e Nigéria (o bicho-papão da região)?

TAXA ECOLÓGICA

“Dificuldades reais podem ser resolvidas; apenas as imaginárias são insuperáveis.” Theodore N. Vail
Quem, como eu, defende a municipalização da taxa ecológica tem obrigação de demonstrar como é que se pode consumar a materialização da ideia.
Mas antes de mais talvez seja de bom-tom registar o que penso da referida taxa. Taxa que tem características de imposto (por ser uma subtracção de riqueza, com carácter unilateral, sem qualquer contrapartida, portanto) e de sanção, à la carte, (subtracção de riqueza, com carácter unilateral, e destinada a conformar comportamentos), isto é, uma sanção previamente enunciada como punição por eventual comportamento à margem da ordenação social vigente: assumindo o comportamento esperado, não se paga a taxa ecológica; caso contrário, o operador é obrigado a pagar a referida taxa, com muito fracas possibilidades de repercuti-la no consumidor final.
A ideia subjacente à taxa ecológica é levar o operador e o consumidor a ter comportamentos ecologicamente correctos. Se, na sanha por maiores lucros ou na persecução do balato li sin, operador económico ou consumidor final optarem por taras one way ou por embalagens não biodegradáveis, ficam sujeitos à taxa ecológica, a qual deve ter taxas suficientemente pesadas e convincentes, a modos de sentirem necessidade de pegarem em lápis e papel e começarem a fazer contas, antes de fazer a opção pelo tipo de embalagem para os produtos que importa e/ou consome. E é claro que a opção por taras retornáveis ou por embalagens biodegradáveis deve ser premiada com uma taxa nula (zero) em sede de taxa ecológica.
Depois do duplo parêntese, torna-se necessário fundamentar a defesa da municipalização do «imposto». Tanto o Governo nacional como os governos locais têm programas de animação e gestão ambiental, mas é nas comunidades que as coisas acontecem: é lá que vêm ao de cima as necessidades de educação ambiental, lá é que surgem as necessidades de intervenção, e é lá que é a tapadinha da luta pela preservação da qualidade ambiental. Não se pretende que o Estado seja uma realidade virtual e convencional, mas tão-somente que é nos municípios, nas suas comunidades, suas ruas, encostas, cutelos e ribeiras que o Governo nacional e os governos locais atacam a questão ambiental. Então, e diante disso, porque não elaborar programas conjuntos (Estado/município) e costurar orçamentos conjuntos de intervenção? E porquê brigar pela titularidade dos recursos? Coisa de louco, né? A municipalização da taxa ecológica garantiria ao Governo nacional e aos governos locais que todas as receitas arrecadadas nessa rubrica ficariam integralmente disponíveis para as intervenções da Administração Pública (directa e indirecta) nas comunidades, em matéria de política ambiental.
Como operacionalizar a municipalização? Simples.
Sendo um «imposto» de porta, continua a ser cobrada, à entrada das taras, nas estâncias aduaneiras. Deixa, simplesmente, de ser contabilizado como receita do Tesouro, passando a ser escriturado como operação de tesouraria. Só isso.
Como chegarão os recursos aos municípios? Simples.
No final do mês, ou de um período que se entender razoável, o sistema informático instalado nas estâncias aduaneiras (o famoso SYDONIA++) apura o montante arrecadado, o qual será transmitido aos destinatários finais dos recursos. Na verdade, o SYDONIA++ permite muito mais do que isso: os interessados podem saber, a cada minuto, o montante acumulado de receitas provenientes da liquidação e cobrança da taxa ecológica. Basta instalar o módulo «account» do SYDONIA no terminal do Presidente da Associação Nacional dos Municípios (e/ou nos terminais dos Presidentes de Câmara). Haveria a máxima transparência em matéria dos montantes arrecadados. A questão de quanto caberia a cada município ou a cada projecto, dependendo do destino que se pretender dar aos recursos - engrossar as receitas municipais, tout court, ou financiar projectos de intervenção ambiental. Pessoalmente, defendo a consignação dos recursos para financiamento de projectos pré-aprovados do programa ambiental municipal.
Mas uma chamada de atenção deve ser registada agora: os recursos arrecadados não podem ser consignados ao município da área territorial da estância aduaneira de importação das mercadorias que dão lugar à cobrança do imposto. Seria, de todo, injusto: a maior parte das importações acontecem no porto da Praia, mas tais mercadorias são, posteriormente, distribuídos por quase todo o território nacional, exceptuando S. Vicente e Santo Antão. Se é certo que a entrada no território nacional se dá pelo porto da Praia, a verdade é que tais mercadorias são consumidas um pouco partout. A distribuição deve ser, pois, feita com base em dados do INE sobre o consumo (o consumo é que libera as taras não biodegradáveis que vão atacar o ambiente, perigando o futuro) e mediante fórmula previamente aprovada pelo Parlamento, sob proposta do Governo nacional e ouvida a Associação Nacional dos Municípios.
O que deve ficar claro, para todos, é que a taxa ecológica, diferentemente dos demais impostos, não deve ser considerada um mero expediente para obter recursos adicionais. A ideia deve ser, e não se pode perder isso de vista, empurrar os operadores e os consumidores para comportamentos ecologicamente aceitáveis em matéria de opção do tipo de embalagens que levam para casa. Tem um efeito pedagógico, com métodos muito próximos dos dos professores da primária dos tempos do meu pai, baseada em prémio e castigo: quem tem um ditado com zero erros ganha um doce; quem comete erros leva palmatoadas em quantidade e violência directamente proporcionais ao número de erros cometidos. Portanto, taxa ecológica para quem opte por taras one way e embalagens não biodegradáveis (plástico, vidro, folha de flandres e outros materiais que levam centenas de anos a desaparecer) e discriminação positiva (a identificar) a favor de quem opte por taras retornáveis e embalagens em materiais biodegradáveis (papel reciclável, papel reciclado e outros materiais que se desfazem em pouco tempo). Mas taxa ecológica que mexa com o bolso do consumidor: nada menos do que 30$00 por cada garrafa PET de 1,5 litros; nem menos do que 20$00 por uma garrafa de vidro de litro; ou 15$00 por uma garrafa de 33 centilitros ou lata de 330ml. E isso sem contar com a obrigação de os operadores exibirem produtos embalados em material biodegradável em posições de destaque no seu estabelecimento e com a disponibilização de contentores bem identificados para a recolha de embalagens one way e/ou não biodegradáveis.
Não se deve descurar também contrapartidas extras (para além do não pagamento da taxa ecológica) aos operadores que optem por taras retornáveis e embalagens biodegradáveis. Estou pensando, por exemplo, no caso da Padaria PÃO QUENTE. Esta unidade tem feito um esforço considerável, merecedor de público destaque, no sentido de fornecer o pão e os produtos de pastelaria fina, de sua produção, em embalagens de papel. Uma distinção, um diploma ou um qualquer incentivo outorgado à PÃO QUENTE, pelo comportamento ecologicamente correcto, daria motivação extra aos sócios, ao mesmo tempo que se erigiria a empresa em exemplo a ser seguido. Pelas empresas do ramo e não só.
E porque não lançar um repto aos Grupos CALÚ & ÂNGELA; ADEGA, SARL; HERDEIROS EDMUNDO RODRIGUES BARBOSA, LDA; e LEADER PRICE (PALÁCIOS FENÍCIA); para que substituam os sacos de plástico por sacos de papel reciclado? São empresas reconhecidas pela sua grande responsabilidade social e que bem poderiam se transformar em bandeiras da Capital, caso viessem a dar provas da sua consciência ecológica: substituindo sacos de compras em plástico, por sacos em papel reciclado; instalando ecopontos; distribuindo refrigerantes e cervejas em taras retornáveis; etc. Alguém acharia demasiado, qualquer discriminação positiva que a Câmara Municipal da Praia fizesse em relação a essas empresas? Não seria justo que a fiscalidade lhes fosse favorável, em função disso? E não seriam merecedoras de pública distinção? Aqui ficam as sugestões. Para os referidos Grupos económicos; para a CMP; para o Governo da República. Uma parceria público-privado envolvendo o Governo nacional, o governo local e as maiores empresas do ramo da distribuição pode produzir, pelo menos na Capital, impactos de longe mais benéficos do que os esperados em consequência taxa ecológica. Taxa ecológica cuja proposta de lei veio pôr a nu o analfabetismo ecológico de figuras com obrigações especiais na condução da política ambiental.
Seria pretensão a mais esperar que sejam estabelecidas parcerias entre o Estado e as produtoras nacionais de águas, cervejas e refrigerantes? Pessoalmente acredito que seria possível esgrimir a fiscalidade com alguma maestria, dispensando, p.e., um tratamento fiscal diferenciado às operadoras que aderirem ao princípio de disponibilização das bebidas produzidas em embalagens retornáveis e/ou biodegradáveis[VAC1] .
Mais do que de uma simples Lei sobre a «taxa ecológica», o país precisa é de um pacote legislativo substancial em matéria ambiental, passando, é certo, pela taxa ecológica, mas avançando em domínios ainda inexplorados (ou deficientemente explorados), como sejam a fiscalidade, a parceria público-privado (Estado/produtores, Municípios/distribuidores) e, last but not least, parcerias Governo nacional/Autarquias locais.
Complementarmente, e diante dos boatos, que por aí correm acerca de fraudes ligadas à restituição ilícita dos montantes de taxa ecológica liquidados e pagos em sede própria, competirá à Administração Fiscal a blindagem do mecanismo de restituição da taxa ecológica: em se optando pela sua municipalização, conquanto continue a ser cobrada pelas estâncias aduaneiras, o reembolso deve ficar por conta do destinatário final, após comprovação inequívoca de errada liquidação e/ou cobrança.
Finalizo com uma prece: por favor, senhores deputados, não façam joguinhos com coisas sérias. E a questão ambiental e o equilíbrio ecológico são coisas demasiado sérias: delas dependem tanto o nosso futuro, como o futuro dos nossos netos e do próprio planeta TERRA.

[VAC1]Na Dinamarca, por exemplo, e proibido distribuir a cerveja nacional em embalagem one way

NUMEROLOGIA

“Existe algo muito mais escasso, fino e raro que o talento. É o talento para reconhecer os talentosos.” Elbert Hubbart

Faço-vos hoje uma proposta diferente. Vamos falar de números e da sua influência sobre a história recente de Cabo Verde. Em boa verdade, não vamos falar de números, mas de um número – o 41.
Em 1975, quando Cabo Verde ascendeu à independência, a chefia do Governo foi assegurada por um jovem. O Major Pedro Pires tinha já entrado na história por outras portas, mas será sempre lembrado como o primeiro Chefe de Governo da República de Cabo Verde. Tinha 41 anos quando abraçou tal missão. Diga-se o que se disser do homem, ninguém poderá negar-lhe o feito de ter tornado Cabo Verde um país viável. Pires terá interpretado mal o momento histórico em que chegou à Primatura da recém-nascida República de Cabo Verde, enveredando-se pela tal da Democracia Nacional Revolucionária (caracterizada, essencialmente, pelo regime de partido único) e terá pecado ao persistir no erro, mesmo depois de o ter identificado. Eventualmente, terá cometido muitos mais erros nos 15 anos do seu consulado. Mas a verdade é que também tem créditos. Muitos: conseguiu pôr de pé (com a contribuição de todos os cabo-verdianos, é certo) uma rede de serviços e de empresas públicas apetecíveis; e que em 1990 conseguiu ler bem os sinais dos tempos, aderindo à vaga de democratização dos regimes monolíticos. Os seus principais detractores não podem negar que só houve privatizações da década de 90… porque havia o que privatizar. De todo o modo, tenho por mim que os inegáveis sucessos alcançados pelo povo cabo-verdiano nos primeiros 15 anos de independência devem, em muito, à juventude e à irreverência do Major Pedro Pires.
Em 1991, aquando da dita abertura política, os destinos de Cabo Verde foram confiados, de novo, a um jovem. Carlos Veiga, que completara 41 anos em Outubro de 1990, venceu as primeiras eleições democráticas em Janeiro de 1991 e assumiria os destinos do país em Fevereiro seguinte. Os 10 anos da gestão do Governo chefiado por Carlos Veiga terão sido decisivos para que Cabo Verde tenha atingido o estádio de desenvolvimento onde hoje se encontra. Tiveram lugar grandes e ousadas reformas, só possível graças à juventude e à ousadia de uma equipa jovem, sonhadora e dirigida, superiormente, por um jovem. A gestão de Veiga estará isenta de erros? Longe disso. Não fosse ele um ser humano, com todas as virtudes e todos os defeitos da espécie. Falhou o timing das privatizações; endeusou-se a meio do percurso (resultado previsível quando a côrte não tem a estatura humana do soberano); tornou-se arrogante; e protagonizou momentos de extrema tensão e roturas, em situações perfeitamente administráveis. Mas é o chefe incontestado da equipa que promoveu a liberalização económica e financeira do país; que conseguiu o acordo cambial com Portugal (e a Europa); que democratizou as relações Estado/cidadão; que devolveu auto-estima aos cabo-verdianos, nas ilhas e na diáspora; que deu passos reais no sentido da descentralização. Foi durante o consulado de Veiga que Cabo Verde ocupou um assento no prestigiado Conselho de Segurança da ONU. O Dr. Carlos Veiga, que já era uma referência para a sua geração, com uma carreira na administração realmente assombrosa para a sua idade, entra, verdadeiramente, na história de Cabo Verde pelo facto de, aos 41 anos de idade, ter chegado a Primeiro-ministro do seu país e ter conduzido, com sucesso, um conjunto grande de reformas.
Em 14 de Janeiro de 2001, José Maria Neves, à frente do PAI, vence as eleições gerais e é escolhido para ser o 3º Primeiro-ministro da história de Cabo Verde. Toma posse como Chefe do Governo em Fevereiro e no mês seguinte completa 41 anos de idade. Cumprirá a sina dos seus antecessores, Pires e Veiga?
Pires, revolucionário, parte do nada; Veiga, reformador, pretende também ter partido do nada, mas é falso: teve um ponto de partida interessante, conquanto muito complicado. Pessoalmente, tenho sérias dúvidas sobre quem assumiu desafio mais radical. Se Pires, se Veiga. Pires tinha todo o mundo mobilizado para a RECONSTRUÇÃO NACIONAL, tinha o social-imperialismo soviético (ainda com algum poderio) por detrás, e era namorado pelo imperialismo norte-americano (representando todo o capitalismo ocidental). E tinha o Kuwait, o Iraque, um mundo de gente ávida por ajudar. Veiga tinha a população de Cabo Verde dividida, pela primeira vez, mercê da desestabilizadora, e por vezes aviltante, campanha eleitoral, começada em 1990 e que só conheceria alguma acalmia quando começou a separação de águas dentro da Frente política para a democracia, registada MpD. Era preciso «fincar» as três pedras do fogão (de lenha) e os fins justificavam os meios. Com um maniqueísmo e um cinismo de fazer inveja ao próprio Maquiavel, conseguiu-se rachar a unidade que fora fundamental na (re)construção nacional levada a cabo de 1975 a 1990.
Mas, voltando à vaca fria, Neves tinha uma missão em tudo diferente da dos seus antecessores. Tinha como missão principal, harmonizar os cabo-verdianos desavindos, recuperar a credibilidade externa do país, manter e desenvolver o acordo cambial, continuar as reformas do sector financeiro, consolidar a democracia, investindo, particularmente a democracia económica, fazer crescer a economia, reduzir o desemprego, trabalhar a protecção social do cabo-verdiano. Neves interpreta bem a missão que tinha pela frente, mas não se coíbe de, como seus antecessores, levar um bom tempo se lamentando da herança recebida, quedando-se lambendo as feridas, em vez de pegar o touro pelos chifres.
Assim como Pires (e os seus acólitos) perderam um bom tempo a culpar os colonialistas por tudo que não corria de feição (até por não chover como desejaríamos); Veiga (e seguidores) se babava todo, culpando os 15 anos de partido único por tudo que fosse ruim no país; Neves, esse, inventou o COFRE VAZIO e, com tal desculpa, seguiu, nas várias frentes (Burgo, no Governo e Sidónio, no Parlamento, eram os principais intérpretes) lamentando a herança dos 10 anos do MpD, levando algum tempo a fazer o que tinha de ser feito. O colonialismo foi um problema? Foi um grande problema. Aliás, não fosse o caso, a independência não teria a adesão que teve de todas as camadas da população. Os 15 anos de partido único e as diatribes que então tiveram lugar foram um problema? Foram um terrível factor de atraso, sim senhora. Mas não fosse isso, mudar para quê? Mudar porquê? Cofre vazio é um problema? Claro que é. Conquanto os cofres do Estado não sejam armazéns de dinheiro, sendo, antes, ponto de passagem do dinheiro em circulação. Subtrair riqueza aos cidadãos para encher cofres nunca foi função do imposto. A ideia do imposto é a subtracção de riqueza e o papel do Estado é a redistribuição da riqueza subtraída. Não há, em um tal circuito, tempo, nem oportunidade, para ter dinheiro encalhado nos cofres. A verdade verdadeira, porém, é que quando pararam a choradeira, todos eles realizaram verdadeiras proezas, prova provada de que andaram perdendo um tempo precioso, apelando para a compaixão da comunidade internacional e para a complacência dos governados.
Neves consegue recuperar a credibilidade externa do país; resgata (como gosta de dizer) a auto-estima que voltara a estar periclitante; leva o país ao rol dos países de rendimento médio; enceta uma interessante abordagem na relação com a União Europeia e que poderá vir a dar lugar a uma parceria especial; tem intervenções interessantíssimas no sentido da protecção social dos cidadãos; aposta com força e coerência na infra-estruturação do país, enfim, um desempenho interessante. Contudo, enreda-se em uma política energética que não satisfaz; um esquema de partilha de poder que, vezes sem conta, o manieta; falhou em matéria de segurança e ordem pública; e ficou a quilómetros de metas que ele próprio fixou (de forma exuberantemente voluntarista, diga-se de passagem) como o crescimento a dois dígitos e a taxa de desemprego a um dígito. Se é certo que a crise deu uma terrível machadada nas suas pretensões, não é menos certo que um Primeiro-ministro não deve navegar à vista: é que a tal da crise não foi de geração espontânea. Levou anos se desenhando e pessoas com responsabilidades de governação precisam ter maior parcimónia na definição de metas, principalmente quando estas não dependem apenas do seu desempenho. Até porque, quando se está no apogeu (e havia a percepção de que tínhamos atingido um ponto muito alto, que poderia ser o tal)… há que olhar à volta e tentar vislumbrar o que aí vem. Fomos, desta feita e mais uma vez, demasiado basofos.
Do que não restarão dúvidas, porém, é que estes três cabo-verdianos que, aos 41 anos, assumiram os destinos do país, se saíram bem. Pessoalmente, acho que muito bem até. E não me restam dúvidas de que isso teve muito a ver com a sua juventude. E isso coloca-nos perante a questão seguinte: ONDE ENCONTRAR, NOS TEMPOS QUE CORREM, UM JOVEM DE 41 ANOS CAPAZ DE DAR CONTINUIDADE A ESTA SAGA? Não esquecer que, por ocasião da comemoração dos 41 anos de Cabo Verde como Estado independente (em 2016), estaremos iniciando a IX Legislatura. Estará disponível e maduro, algures, entre o MpD e o PAI, alguém com 41 anos, capaz de ombrear com Pires, Veiga e Neves? Eu não creio em bruxas, pero que los hay… los hay. E esta da numerologia e da influência do 41 nos destinos do país, mormente quando é o próprio país a fazer, ele também, 41 anos, deixa-me muito aberto a um monte de coisas. Não estou pedindo a ninguém que acredite nas coisas em que a meia-idade me faz acreditar. Apenas que meditem.
E fica aqui o desafio aos jovens, estando ou não na política, que completam 41 anos ao mesmo tempo que Cabo Verde: invistam em vocês e, principalmente, na vossa disponibilidade e sentido de missão. Quem sabe não caiba a um de vós colocar este nosso Cabo Verde no lugar cimeiro que merece no concerto das Nações?!

PLATAFORMA ELEITORAL

“Vamos ouvir especialistas e a partir dali elaborar o nosso programa de governação.” Jorge Santos

Quase uma vida inteira lendo, analisando, pesquisando, sobre a relação candidato/eleitorado, partidos/comunidades, deixou em mim a convicção (partilhada e reforçada na relação com pessoas que me são próximas) de que a primeira etapa da elaboração de um programa de governação deve ser política. O candidato visita as comunidades, estimula a leitura e a discussão dos dados da realidade, mas sob a óptica dos cidadãos, e traça um diagnóstico participativo. Esse processo de livre-pensar, de diálogo e de construção da visão de futuro da comunidade propicia o levantamento de muitas ideias. Depois de definido o sonho colectivo, o candidato pode (deve, mesmo) reunir uma equipe mais técnica, de profissionais, para analisar os aspectos jurídicos, financeiros e a viabilidade das acções e projectos capazes de atender às expectativas apresentadas pela população.

Em relação ao conteúdo, nunca tive dúvidas de que o que deve prevalecer é a razão política, com subsídios técnicos. É que o programa de governo não deve vender ilusões nem difundir a ideia de que tudo é possível. Ou seja, nas várias etapas de sua elaboração, o candidato pode se valer da competência técnica e da experiência de profissionais, mas todo o conteúdo tem que ser submetido à apreciação e estar subordinado à visão política da comunidade e de suas lideranças, sejam elas partidárias ou não. E o programa de governo, tem que ser simples e claro, para que a maioria do eleitorado possa visualizar com facilidade quatro coisas: o que será feito, como será feito, quando será feito e para qual público.

Para quem tenha bem arraigada um modus faciendi como o expendido atrás, difícil se torna compreender que um partido político deixe escapar para a imprensa que o eixo principal de elaboração de propostas para o eleitorado seja a visão do mundo que especialistas próximo do partido tenham. Levar especialistas a cada ilha, passar as ideias de alguns iluminados do partido pelo crivo dos técnicos, para depois as despejar sobre o eleitorado, parece-me um exemplo acabado do que não deve ser feito. Nesse modo de pensar, o eleitorado não é tido, nem achado. É tipo um saco vazio de ideias que pode ser preenchido com ideias de quem sabe e assumiu decidir sobre o futuro de todos. Alguém registou já que o que se diz que é feito para a comunidade, mas sem a participação da comunidade, só pode ser contra a comunidade. Pessoalmente, não «compraria» um programa de tal jaez. Nem pagaria para ver. Diante de uma tal acção de coisificação do eleitorado, a resposta só pode ser uma: voltar as costas ao proponente. Com uma tal atitude, de certeza que não se roubam os votos dos militantes do partido adversário, nem se captam os votos dos não militantes, correndo-se mesmo o risco de empurrar para a abstenção os militantes mais esclarecidos. Por estas e por outras, é que temos o nível da abstenção que temos.

A ideia de convidar especialistas para levar a cada ilha os temas que lhe são mais caros, em substituição de encontros dos políticos com as lideranças locais para auscultação das suas necessidades, sua contribuição para o programa, seus anseios e expectativas, nem parece coisa de político de um país com o percurso de Cabo Verde. Antes de mais, porque nada pode substituir o encontro, olho-no-olho, entre o candidato e o eleitorado; depois, porque essa «dos temas que lhe são mais caros», mais parece coisa de djabacoso: se a consulente é nova, fala-lhe de viagens, do amor, do namorado, do casamento, essas coisas; se de meia-idade, fala-lhe do marido, das amantes deste, da saúde dos filhos, etc; se estiver raiando a terceira idade, fala-lhe da saúde, da menina-moça que está dando em cima do marido, do filho embarcado. Na verdade, está-se nas tintas para a verdade e para o que as aflige. Fala-lhes do que do que acha que elas querem ouvir falar, dos temas que lhe são mais caros. Quer mesmo é ganhar o dele. Explorando a boa-fé e a bolsa das coitadas.

Os cabo-verdianos querem sentir-se fortemente atraídos entre duas propostas democráticas, consistentes e concisas. Propostas que contemplem o essencial das suas necessidades presentes e de suas expectativas em relação ao futuro. Os militantes sentir-se-iam deliciados se o seu partido tivesse uma plataforma eleitoral para ninguém botar defeito: o mais abrangente possível e, ao mesmo tempo, também redutível a poucas metas substantivas, factíveis, de forte apelo e de rápida compreensão popular. Facilitaria a sua acção junto da família, dos vizinhos, colegas do trabalhado, parceiros da bisca semanal e da confraria da cervejinha estupidamente gelada. Os não militantes deliciar-se-iam em dissecar as propostas, analisando seu grau de sinceridade e exequibilidade, questionando sua pertinência, buscando, enfim, razões para votar numa e deixar cair a outra.

No fundo, em cada campanha eleitoral, espera-se pela apoteose dos nossos políticos: que se excedam a si próprios, que ponham o futuro destas ilhas acima de tudo, que dêem o seu melhor, por amor à terra que os viu nascer, que desçam às fontes para recolher subsídios para a elaboração de suas propostas, que alimentem as nossas esperanças. E o que temos recebido, de facto? Promessas. Promessa de que vamos transformar mamonas em macieiras; que nos vamos transformar no Japão da África; que vamos construir centenas de túneis; que vamos crescer a dois dígitos; que vamos voltar a alimentar porcos a base de maçãs e a engordar gatos à base de gemada, esquecendo-se que hoje é tempo de canequinha. E que em tempo de canequinha, o mais importante é criar as bases necessárias para se sair do buraco. E programa bom é aquele feito pensando na gente, para a gente, com a gente, valorizando a gente, e claramente perceptível para a gente. Envolvendo técnicos, sim senhora; com a participação de especialistas, certamente; mas nunca, jamais, em tempo algum, obra de especialistas para consumo do comum dos mortais ou em que os especialistas substituem a comunidade no processo.

Porque ainda espero ver a apoteose dos nossos políticos no ano que vem, aqui fica o alerta. Que o goal keeper, se não quiser prejudicar a equipa, não volte a jogar a bola com as mãos fora da área de defesa da sua baliza. A não ser que esteja seguindo instruções do mister. Sendo o caso, já cá não está quem falou. Voltaria a minha atenção para o match Portugal/Brasil, a ver como se comportam os pupilos de Mister Queiroz.

Monday, May 10, 2010

COLAPSO ANUNCIADO

“O problema não é que eles não enxergam uma solução, mas que eles não enxergam o problema.”
Charles F. Kettering
Mané Sassá Pé de Zuarte era trabalhador rural. Cobrava 500$00 pelos dias que trabalhava e gastava 500$00 todos os dias. Como não trabalhava todos os dias (na melhor das hipóteses trabalhava cinco dias por semana, vinte e dois por mês), tinha uma receita de onze contos e uma despesa de quinze. Como era um rapaz de boas famílias, honesto e trabalhador, sempre achava forma de cobrir os quatro mil escudos de que necessitava para manter o nível a que se habituara.
Chico Fino era operário numa fábrica de montagem de automóveis e a mulher trabalhava em uma fábrica de sapatos. Juntos, levavam para casa qualquer coisa como 1.100 Euros. A alimentação, os transportes, a escola dos putos, a amortização da casa e os arrebiques da patroa, colocavam a despesa do casal perto dos 1.300 Euros/mês. O 13º salário, o subsídio de férias e uns emprestimozitos (cada vez mais gordos) acabavam financiando a diferença entre as receitas e as despesas.
João Vaz era funcionário público. Tinha um ordenado líquido de 85.000$00 e a «patroa» levava para casa qualquer coisa como 45.000$00. A amortização dos empréstimos para aquisição das passagens das últimas férias nos Estados Unidos, do automóvel e da casa própria, a alimentação, o vestuário, o calçado, o salão de beleza e factura da discoteca da moda (gente jovem precisa se divertir, relaxar, caramba!) faziam com que as despesas do casal Vaz se situassem à volta dos 150 contos mês. Não tinham o 13º salário, nem subsídios de férias, mas, com um pedido de antecipação de salário aqui, um vale além, uma livrança acolá, lá seguiam a sua vidinha.
Passados dez anos sobre o início da verdadeira maratona de ginástica que era a sua vida, Mané Sassá tinha uma dívida que poderia ser considerada colossal se se levar em linha de conta os seus rendimentos (que não sofreram qualquer incremento, diga-se em abono da verdade). Devia ao conjunto dos credores quase um milhão de escudos: os quatro mil escudos mensais, durante 120 meses, mais os juros e demais alcavalas legais. Estava arruinado e continuava a precisar de mais do que ganhava.
Chico Fino e esposa estavam em situação similar. Com uma agravante – estavam desempregados. A montadora de automóveis decidira deslocalizar a fábrica para a Coreia e a fábrica de sapatos fechara diante da concorrência chinesa. O casal estava devendo qualquer coisa como 50.000 Euros (os 200 Euros mensais, com os juros, as custas judiciais e as despesas de procuradoria, tinham colocado a inadimplência do casal em tal patamar). Falência total.
João Vaz não estava em melhor situação. Nos dez anos decorridos, a dívida do casal Vaz estava raiando os 5.000.000$00. Os juros das livranças, o ágio dos vales (recebia 20 contos, mas passava um vale de 25), os juros dos adiantamentos de vencimentos, tudo somado, tinham levado o jovem casal ao precipício.
Que futuro para o Mané Sassá, para o Chico Fino e para o João Vaz? Pejados de dívidas, sem crédito, com o ordenado penhorado, como, sequer, sobreviver? Haverá alguma saída para os nossos amigos? Teriam podido evitar o colapso? Afinal, como foi mesmo que os nossos amigos chegaram à situação em que se encontram?
Os nossos amigos chegaram à situação deplorável em que se encontram por uma razão muito simples: gastavam mais do que ganhavam. E quem assim se comporta, não tem como escapar ao colapso.
A regra de ouro é esta: NUNCA GASTES MAIS DO QUE GANHAS. De facto, quem ganha 100, não pode gastar 110. Pode financiar a diferença hoje e amanhã (e a que preço!), mas não tem como manter a situação controlada. E não estou pensando apenas nos indivíduos. O princípio é válido tanto para indivíduos e casais, como para grupos, empresas e equipas de futebol (amador ou profissional, não importa). E para os Estados também.
Um país, como o nosso, pobre e insular; sem recursos naturais; que importa quase tudo que consome; e que exporta muito pouco (ou quase nada); não pode dar-se ao luxo de importar maçãs para alimentar porcos, por exemplo. Mas fizemo-lo: um antigo Primeiro-ministro se gabou do feito em uma campanha eleitoral cá no burgo. As viaturas que por aqui circulam, autênticas «bombas»; a quantidade de combustível queimado; os palácios e as mansões que foram aqui levantados; a decoração, das Mil e Uma Noites, dos mesmos palácios e mansões; a pompa com que saudamos os baptizados, o crisma e outros sacramentos; os exageros dos «juízes» que transformam festas em louvor a Santos em regabofes pagãos; os caros hábitos de gozo anual de férias nos Estados Unidos e na Europa; os excessos que começam a ser notados no volume e, sobretudo, no valor das prendas pelo Natal, Dia da Mãe, Dia do Pai, Dia dos Namorados, Dia da Mulher, Dia de São Nunca (que sei eu!?); a chusma de viaturas de chapa amarela que, nos fins-de-semana, queimam combustível pago pelo OGE; até a «nossa» Paródia de cada dia (onde não se pede nada menos do que whiskies de 12 anos); passam a imagem de um país onde se vive acima das reais posses: tanto os cidadãos, como os Governos (Municipal e Nacional).
Diante do que acontece agora na zona Euro (zona com a qual mantemos uma relação muito estreita), com os colapsos anunciados da Grécia, Portugal e Espanha, não será chegada a hora de repensarmos o nosso estilo de vida?
Tivemos a sorte de ter Ministros das Finanças super responsáveis, austeros mesmo, (Carlos Burgo, João Serra, even Cristina Duarte) e, talvez por isso, ainda tenhamos tempo para inverter a tendência das coisas. Mas para isso, seria preciso que já o Orçamento de Estado em execução tivesse sido mais… digamos, comedido. Vai sendo também preciso entregar, de facto, as rédeas da situação à Ministra das Finanças (que o Burgo e o Serra sofreram pressões de toda a ordem), permitindo que ela (mais a equipa) execute seu plano sem interferência do calendário eleitoral. Depois… depois, será decidir, de uma vez por todas, e enquanto ainda temos soberania e liberdade para jogar com as taxas de juros, o que é que pretendemos: se ESTIMULAR O CONSUMO, se ENCORAJAR A POUPANÇA. Se se quer embarcar na onda consumista, continuando na senda do endividamento das famílias e do Estado; ou se se quer adiar o consumo, encorpando a poupança nacional, permitindo aos cidadãos e às empresas nacionais participar na próxima vaga de privatizações.
Pense-se o que se pensar, a hora é para uma baita reflexão sobre como vivemos e sobre como queremos que seja o nosso amanhã. Para evitar que, como cantou Zeca de Nha Reinalda, tenhamos a dolorosa “surpresa da purgueira” - que NÔTI BERDE, MANCHÊ AMARELO (alusão a uma súbita, e amarga, mudança de status).

Thursday, May 6, 2010

ESTATUTO ADMINISTRATIVO ESPECIAL – AGAIN

“Praia é o concelho mais povoado de Cabo Verde e continuará a crescer o seu peso no todo nacional. A Praia alberga cerca de um quarto da população de Cabo Verde, devendo o seu peso atingir 27% em 2010.”

Censo 2000 (INE)
Again. And again, and again. Porque a Capital política da República de Cabo Verde precisa ter um Estatuto Especial. Porque a Constituição política da República de Cabo Verde lhe outorga o direito a um ESTATUTO ADMINISTRATIVO ESPECIAL. Para início de conversa.
Mas qual o âmbito do EAEC? Qual deverá ser a substância do EAEC? Quais os limites do EAEC?
O ESTATUTO ADMINISTRATIVO ESPECIAL DA CAPITAL da República de Cabo Verde deverá ater-se apenas a questões que tenham a ver com a organização administrativa? Se assim fosse, teria uma tal preocupação dignidade constitucional? O legislador constitucional preocupar-se-ia, em sede de revisão constitucional, em fazer valer um tão inócuo dispositivo? Tendo a Cidade da Praia uma função iminentemente política (Capital Politica da República de Cabo Verde), um Estatuto Especial que lhe fosse outorgado em função do seu status constitucional teria como não ser, também, politicamente especial?
E porque é que o EAEC não conseguiu ainda ver a luz do dia? Porque a proposta não se ficou pelo ADMINISTRATIVO, enveredando-se pelo POLÍTICO? Porque se queimaram etapas imprescindíveis no processo da apresentação do projecto ao Parlamento? Terá a ver com a influência da partidarite crónica, a doença infantil que acomete os centros nacionais de decisão? Ou teria a ver com a esperteza saloia de uns tantos, tentando passar o pau a outros tantos? Ou seria o condicionamento imposto pela agenda política dos partidos, maximé o calendário eleitoral? Birras de uns tantos? Inveja de uns quantos? A ideia de que ou há estatuto especial para todos ou não há nada para ninguém?
E como fazer para que o Estatuto Especial, consagrado na CR, para a Capital Política da República de Cabo Verde, venha a ganhar corpo? Como chegar a um projecto que não entre em contradição com a Lei Magna? Como convencer as pessoas de que o carácter Especial do Estatuto da Capital não tem obrigações para com a tradição da organização política e administrativa das autarquias nacionais? Que o especial deve, de certa forma, confrontar o tradicional e contrapor-se ao geral? Como vencer algumas resistências e convencer que o EAEC é o novo e que, por cause, deve romper com estereótipos?
O espaço de reflexão que o Conselho Municipal de Concertação e Estratégia montou, Sexta-feira passada, no Hotel Trópico, permitiu a construção de alguns consensos básicos. Básicos, mas consistentes o bastante para dar alguma esperança, fazer vislumbrar uma fugaz réstia de luz ao fundo do túnel. Destaco alguns desses pontos consensuais:
1. Que, mesmo que não se concorde com o projecto depositado (pelo Governo) no Parlamento, não se deve fazer tábua rasa do documento, devendo ser analisado para que se avancem propostas de melhoria ou, no limite, se apresente uma nova proposta;
2. Que na elaboração da proposta de melhoria ou de uma contraproposta (inteiramente nova, portanto) esteja todo o mudo vacinado contra partidarite, a tal endemia nacional que impede que se veja algo de bom vindo do adversário;
3. Que, em consequência, se caminhe para uma proposta da cidadania, posteriormente revista, sistematizada e compatibilizada com a CR, pelos juristas que se mostrarem disponíveis (e vacinados, of course);
4. Que se aproveite tudo quanto for aproveitável, das propostas já apresentadas, na consecução de um projecto de Estatuto Especial que dignifique a Capital e o País;
5. Que seja criada uma task force que se organizaria de forma ágil, a modos de ter preparado, em 90 dias, um projecto a ser discutido (e eventualmente validado) em mais uma sessão (possivelmente mais alargada do que a da passada Sexta-feira) organizada pelo Conselho Municipal de Concertação e Estratégia (CMCE).
Sem entrar em pormenores, pessoalmente entendo que o projecto (ou proposta de lei) que aprove o Estatuto Administrativo Especial da Capital Política de Cabo Verde deve considerar os aspectos seguintes:
a. saneamento financeiro DA AUTARQUIA
b. Resolução do déficit em infra-estruturas económicas e equipamentos sociais urbanos
c. ASSUMPÇÃO, PELO OGE, DOS CUSTOS DA CAPITALIDADE

No que ao Estatuto Administrativo Especial da Capital, propriamente dito, diz respeito, defenderia as finalidades seguintes: (i) permitir uma nova forma de organização do poder na Cidade, (ii) estabelecer novos paradigmas de gestão, (iii) dotar a Cidade dos recursos necessários para enfrentar os custos da capitalidade e (iv) abrir espaço para uma maior participação dos cidadãos na condução da cidade que é de todos os cabo-verdianos, dada a sua condição de capital Política da República. E nessa perspectiva estariam indicados:

a. NOVA FORMA DE ORGANIZAÇÃO POLÍTICA E ADMINISTRATIVA DA AUTARQUIA
b. MECANISMOS ÁGEIS DE CONTROLO DO PODER
c. DESCENTRALIZAÇÃO FISCAL
i. REFORMATAÇÃO DOS IMPOSTOS LOCAIS
ii. PARTICIPAÇÃO NOS IMPOSTOS COBRADOS NO TERRITÓRIO DA CAPITAL
iii. FISCALIDADE VIRADA PARA A TRANSFORMAÇÃO DA CAPITAL NUMA CIDADE INTELIGENTE (COM CAPACIDADE PARA ATRAIR CÉREBROS E INVESTIMENTOS)
d. AUTONOMIA FINANCEIRA (PERMITINDO MAIOR LIBERDADE NA CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMOS DE MÉDIO E LONGO PRAZOS)
e. AMPLA LIBERDADE NA COOPERAÇÃO DESCENTRALIZADA

Tenho consciência do problemão que será o equacionamento da transição dos paradigmas autárquicos, que presidem à organização e gestão o Município da Praia (Estatuto dos Municípios) para os termos do Estatuto Especial da Capital, a Carta da Cidade e dos Cidadãos que, doravante, presidirá ao governo (no sentido mais lato do termo) da Capital. O exercício da definição das disposições transitórias e do momento da entrada em vigor do EAEC será um autêntico bico d’obra e será o momento em que todos os intervenientes deverão estar devidamente inoculados e prevenidos contra as demências ditadas pela tal de partidarite.
Depois… depois, será apostar em parcerias com o Governo da República e com privados, em bases sérias e com ganhos para todos, para se atingir o desiderato de se poder contar com ENERGIA ELÉCTRICA E ÁGUA EM PERMANÊNCIA; TELECOMUNICAÇÕES DE PONTA A PREÇO COMPETITIVO E EM PERMANÊNCIA; VIAS DE COMUNICAÇÃO EM BOM ESTADO DE CONSERVAÇÃO [com ordem no trânsito e uma mui coerente política de transportes (urbanos e interurbanos) de passageiros]; AEROPORTO E PORTO OPERACIONAIS; E PAZ (muita PAZ) E TRANQUILIDADE SOCIAIS.
A vez, agora, a nós, cidadãos da Capital, de dar o nosso contributo para o desanuviamento do ambiente que tem rodeado, quer a preparação, quer a discussão e ainda a aprovação do Estatuto Administrativo Especial para a Capital da República de Cabo Verde.

Thursday, April 15, 2010

DJOY, NHA TONGA E LICÍNIA

«Qualquer criança quando nasce é um génio; 9.999 em cada 10.000 são completa e inadvertidamente silenciadas pelos adultos.»
BUCKMINSTER FULLER
Djoy, Nha Tonga e Licínia. Parece a linha média de uma equipa que tenha optado pelo esquema táctico 4x3x3, 4x1x3x2, ou estratégia similar. E, de certa forma, reflecte a composição de um meio-campo: é o elenco da linha média que influenciou, decisivamente, a vida e o futuro de Nha Tonga. Era para ser um losango, mas o vértice inferior do quadrilátero – a família - baqueou. Desertou. Confuso? Vamos contar a estória do princípio.
Era uma vez um rapaz chamado Nha Tonga (o nome adveio-lhe da amizade que o ligava à senhora que distribuía as refeições quentes na Escola da Vila Nova, de seu nome Nha Tonga, viúva do saudoso Val). Nha Tonga levava uma vida normal, até que escutou umas estórias narradas por retornados, as quais faziam com que actos considerados de delinquência parecessem simples partidas pregadas a incautos. De tanto escutar, Tonga resolveu montar seu próprio grupo e estabelecer ele próprio as regras do jogo. Só havia um óbice: como sair em altas cavalgadas, noite adentro, sem que os familiares, lá de casa, dessem pela sua ausência? Experimentou um dia chegar depois da meia-noite e… nada. Ninguém o chamou à atenção. Experimentou ficar na rua até às 3 da manhã e… nada. Resolveu um dia não dormir em casa e… népias. Concluindo que ninguém já se interessava pelo que lhe pudesse acontecer, lança-se na operacionalização das ideias que lhe iam pela mente: cria o grupo Al-qaeda, de que seria o chefe absolutista. Nha Tonga relata que fez e desfez, que mergulhou fundo no reino dos thugs, até que… apareceu Djoy na sua vida.
Djoy é um jovem de uma família numerosa (oito irmãos, sete rapazes e uma rapariga) que teve a sorte de sempre poder contar com o arrimo de um trinco irrepreensível – a família – que enobrece a camisa 6 que enverga. Vendo o rumo que a vida de Nha Tonga tomava, Djoy (que trabalhava na secretaria da Escola Secundária Alternativa) convida este a voltar à escola. Sem possibilidade de pagar as propinas, lá vão os dois jovens da Vila Nova, aos trancos e barrancos, levando a ideia avante. Diante das investidas da Licínia (Marques – a dona da escola) Nha Tonga safa-se pela tangente até terminar o 10º ano. No 11º ano aparecem-lhe alguns bicos e paga, como pode, alguns meses. Precisando do certificado do 11º ano, para poder se candidatar a um emprego mais seguro, Nha Tonga só obtém o precioso documento porque Licínia entra jogada e arrisca passar o documento, apesar de não ter recebido nem a metade das propinas devidas. Entretanto, Nha Tonga apaixona-se por uma colega do 12º ano e decide juntar os trapinhos com a eleita do seu coração. No momento, Nha Tonga e a amada curtem, babados, o filho nascido do seu amor; tem o seu emprego garantido; paga as suas propinas a tempo e horas; e discute as notas que os professores lhe atribuem no 12º ano, que lhe está a correr de feição. A Amizade do Djoy, a Solidariedade da Licínia, o Amor da sua cara-metade, e a Empatia dos colegas da Escola Alternativa, libertaram Nha Tonga da vida de violência que abraçara (quando não vislumbrava alternativa nenhuma para a sua vida) e transformaram-no em trabalhador-estudante de sucesso e em prova viva de que, nesta vida, há solução para tudo. E, sobretudo, a rua ficou com menos um thug. Aliás, Nha Tonga não era um thug qualquer. Era, nem mais, nem menos, um chefe: o chefe da Al-qaeda da Vila Nova.
Mas Nha Tonga não se satisfaz apenas com a sua conversão. Com o apoio de Djoy (novamente este herói), leva onze membros do seu antigo grupo para frequentar a Escola Alternativa. Fornecem-lhes cadernos, esferográficas, tudo o que as suas reduzidas posses lhes permitiam. Mas aí, veio ao de cimo a intransigência dos colegas da escola: os mesmos que se renderam à simpatia de Nha Tonga (ele é, de facto, irresistível) apontaram o dedo aos ex-integrantes da Al-qaeda, não tiveram a mínima generosidade, levando a que acontecesse o inevitável – os discípulos de Nha Tonga abandonaram o «mestre» e voltaram às ruas, indo engrossar a fileira dos thugs.
Como Nha Tonga, existirão centenas de jovens que foram forçados a deixar a escola; filhos a quem os pais, empenhados na busca do pão, não deram a atenção necessária; meninos que escutam, aqui e ali, estórias de delinquentes que se deram, aparentemente, bem; adolescentes que ficam sabendo que são inimputáveis; teenagers ávidos de poder (poder paralelo, mas, quand-même, poder), que lhes permita contar com uma réstia de respeito na comunidade (na verdade, infundem é temor, que confundem com respeito); enfim, miúdos que, muito cedo, tiveram que conquistar o respeito necessário para poderem continuar a viver na selva que são as nossas ruas. Mas… quantos Djoys e quantas Licínias existirão para os Nha Tongas desta vida? E a generosidade dos colegas (os tais que têm a sorte de poder contar com o arrimo da família) vai até onde? Na Alternativa, acharam que doze Nha Tongas eram demais. E, agindo em consequência, abortaram o processo de recuperação de 11 jovens e puseram em causa (ou não deixaram vincar o suficiente) uma estratégia que poderia salvar centenas de jovens.
Que lição tirar deste capítulo da história da vida de Nha Tonga? Muitas. Todos os jovens a quem chamamos thugs têm pais e/ou padrinhos e/ou tios e tias e/ou primos e primas e/ou amigos e amigas, antigos professores, antigos colegas de escola, vizinhos. Se em cada uma dessas relações, as partes mais estáveis assumissem o respectivo papel, imitassem o Djoy, quantos jovens não sentiriam tremer na base a convicção de que não tem outra alternativa senão a delinquência? Se optassem seguir a solidariedade e a generosidade da Licínia, quantos jovens não veriam seu horizonte ampliado (possibilidade de concluir os estudos, de encontrar uma colega bonita e jeitosa e um emprego que garanta o pão-de-cada-dia)? Se acreditassem na capacidade de regeneração do parente, amigo, «conhecido», vizinho, ex-colega, ex-aluno, quantos jovens mais poderiam triunfar, i.e., abandonar a violência e a delinquência, concluir os estudos, conseguir emprego, formar família? Afinal, se o meio-campo que apoiou Nha Tonga conseguiu os resultados que conseguiu, porque outras linhas médias, se montadas a preceito, não conseguiriam? Se Djoy, Licínia e Nha Tonga (sem a disponibilidade deste, nem a Amizade, nem a Solidariedade, nem a Compreensão e nem mesmo o Amor, conseguiriam os resultados conseguidos), porque outros não conseguiriam?
Mas será que nos empenhamos o suficiente? Não desistimos cedo demais dos entes das nossas relações que descarrilaram? O facto de termos metido na cabeça que compete ao Estado, em regime de exclusividade, a resolução dos problemas que nos oprimem, não complica um pouco? O facto de o próprio Governo, durante algum tempo, ter deixado perpassar tal ideia, equacionando intervir apenas pela via repressiva, recrutando mais e mais agentes para a Polícia Nacional, não terá desmobilizado muita gente?
Agora, diante do sucesso da iniciativa do Djoy, não será chegada a hora de, cada um, na sua esfera de influência, contribuir, com a sua quota-parte, para a resolução do problema que nos aflige? Os jovens – todos, os que têm apoio familiar e os outros, os entregues ao «Deus dará» - disponibilizando-se para fazerem parte da solução do problema, envolvendo-se na procura das melhores soluções para cada caso (que cada caso é um caso). O Estado, esse, assumindo a liderança do processo. É que não tem como escapar de tal papel. Competir-lhe-á não só ir apagando os «incêndios» já deflagrados (com recurso aos militares, sendo necessário, apesar dos riscos inerentes à preparação que estes recebem – aniquilar o inimigo), como também investindo na prevenção de incêndios futuros (com recurso a coerentes políticas para a juventude, educação, saúde, emprego, desporto), e não perdendo nunca de vista que prevenir sempre foi melhor, e mais barato, do que remediar.
Bem hajam o Djoy, a Licínia, o Nha Tonga, e todas as mulheres e homens de boa-vontade que se disponibilizarem para participar em um processo que vise equacionar e resolver o problema de violência que nos inquieta.
Podemos esperar resultados positivos? Respondamos com Barack Obama: YES, WE CAN.