Wednesday, May 27, 2009

EU QUERO É MAIS!

“Não fizemos o suficiente, nunca teremos feito o suficiente enquanto ainda for possível ter algo valioso para dar.”

Dag Hammarskjold
Cabo Verde está onde está hoje e irá muito mais longe, com toda a certeza, porque sempre tivemos e manifestámos muita ambição. Nem sempre agindo no sentido de realizarmos os nossos anseios, é certo, mas querendo, desejando, exigindo sempre mais. MUITO MAIS. Escutamos, amiúde, compatriotas nossos pugnando por cada vez maior ambição e negando-se a estar à frente apenas de algumas realidades africanas. Estar ao nível ou à frente de Estados do club do Sahel ou da África sub-sahariana sempre foi considerado pouco. Muito pouco.
E não vejo razão para ser menos ambicioso quando o universo encolhe um pouco e passamos da realidade nacional para o cenário local. A Praia de 2009 não deve se contentar em estar APENAS melhor que a Praia de 2007, nem simplesmente à frente dos demais centros urbanos nacionais. Tem de estar muito acima. E nem é preciso o tal de estatuto administrativo especial. A cidade da Praia alberga mais de 25% da população de Cabo Verde; acolhe mais de 50% de todos os negócios feitos no país; tem umas forças vivas de dar água na boca aos seus rivais; tem quadros para dar e exportar; ganhou uma dinâmica impressionante. Porquê não ambicionar fazer dela também a Capital de boas práticas democráticas?
José Ulisses Pina Correia e Silva e sua equipa terão encontrado, na Câmara, uma pequena babel, herança de uma administração pouco dada ao planeamento, à organização e ao auto-controlo e resultado da crença de que uma maioria absoluta tudo permite. Mas não há como negar as vastas possibilidades que se abrem a uma equipa jovem e motivada, diante de uma realidade sócio-económica tão pujante quanto a da Cidade da Praia.
Os maiores inimigos da Praia invejam-na por ser a Capital constitucional de Cabo Verde e ficam verdes de raiva por a considerarem um grande sorvedouro de recursos públicos. Nada de mais falso: a Cidade/Município da Praia deve ser das autarquias cujo desenvolvimento menos deve aos investimentos do Orçamento do Estado. A Praia deve o seu crescimento e desenvolvimento à dinâmica imprimida pelas forças vivas em presença. Se já contasse com o contributo, que merece e precisa, do Estado, corporizado em um porto, um aeroporto e um Centro de Convenções, à medida das suas reais necessidades, estaria aí competindo com Ouagadougou, Dakar, Abidjan e Abuja. E nem se pense que o O.E. teria que desembolsar todos os recursos necessários: umas quantas Parcerias Público-Privado ajudariam, e de que maneira, a resolver muitos estrangulamentos. E tenho quase a certeza de que uma visitinha à Líbia poderia garantir-nos uma estrutura do tipo da Sofitel Ouaga 2000 (Hotel e Centro de Convenções).
Mas a Câmara de Ulisses pode ser ambiciosa e, muito mais do que isso, pode transformar a ambição em realizações. Imaginem que a actual equipa camarária se decida a investir forte na actualização do recenseamento dos fogos construídos e habitados na Cidade da Praia; que consiga fazer a actualização do valor matricial dos mesmos; que lance, liquide e cobre todo o IUP (Imposto dito Único sobre o Património) correspondente. Imaginem, ainda, que a equipa resolva abraçar a tarefa de definir, investir em e explorar, por si ou por interposta pessoa colectiva, os estacionamentos da Cidade da Praia. Imaginem ainda o que poderá acontecer se a equipa levar até ao fim a ideia de normalização da gestão dos resíduos sólidos urbanos. Imaginem que a equipa de José Ulisses resolva redimensionar o seu quadro de pessoal e terceirizar as funções que o privado pode fazer melhor e mais barato do que a Câmara. Imaginem só se o pessoal decidir ser um tantinho mais austero e apostar forte e feio na melhoria da qualidade das despesas da autarquia. Agora fechem os olhos e visionem a quantidade de recursos de que a Câmara Municipal disporia para levar de vencida os desafios que enfrenta e que – é bom dizê-lo – são mais do que muitos.
É por estas e por outras que entendo que os munícipes da Praia devem ser exigentes para com o seu executivo municipal. Tem tudo para dar certo. A juventude e a capacidade técnica dos vereadores; os recursos latentes, à espera de serem explorados; o exemplo recente do que não deve ser uma administração municipal; o apoio dos munícipes; umas forças vivas de dar gosto; uma dinâmica de crescimento à prova de crise. Sem contar com incursões tributárias interessantes e que ainda não foram equacionadas. Penso, especialmente, nas «derramas»; na participação nos impostos indirectos lançados, liquidados e cobrados no território do município; na comparticipação nas receitas provenientes da arrecadação do ICE (Imposto sobre os Consumos Especiais); na municipalização da taxa ecológica; etc.
Estou com a Praia e não largo. Mesmo que isso me leve a chatear o governo local e a mobilizar os meus concidadãos a fazerem o mesmo. Da mesma forma que parabenizo o executivo municipal da Praia pelo esforço de organização da cidade, assim estarei cobrando pelas mazelas que ameacem instalar-se e ganhar foros de cidadania.
Dou boa nota ao esforço de organização do tráfego rodoviário (melhoria das sinalizações horizontal e vertical, com destaque para o regresso, ainda que tímido, dos semáforos); reconheço o esforço de marcar presença em todo o território municipal (embora o desequilíbrio entre o Plateau e o resto seja gritante); vejo com bons olhos o esforço de divisão territorial (visando aproximar a decisão dos administrados); saúdo a ideia dos Conselhos de Zona, da Juventude e dos Anciãos (se ainda não foi equacionado, já sabem o que penso da ideia); daria uma nota muito boa para as audiências públicas (caso não se tivesse ficado pela número um); saúdo a adopção da via concursal para acesso aos subsídios; dou nota positiva à transparência na distribuição das bolsas de estudo; enfim, avalio positivamente o primeiro ano do mandato da Câmara do Ulisses, do Óscar, do Tober, do Abailardo, do Coutinho, da Lila, da Edna, do Gilberto. E não tenho dúvidas acerca do contributo que a Assembleia Municipal terá dado para que as coisas estejam como estão, conhecendo, como conheço, a Presidente e o Secretário da Mesa.
Congratulo-me também com a atitude madura e elegante do Presidente Ulisses no último Sábado, durante a inauguração da estrada Praia/S. Francisco, quando elogiou o Governo nacional, pela obra inaugurada, ao mesmo tempo que deixava, mais ou menos claro, que se reservava o direito de criticar quando fosse caso disso. E faço votos que continue assumindo atitudes pró Praia, saudando tudo o que for bom para o município e insurgindo-se contra tudo que pareça poder beliscar os interesses da Praia e de suas gentes, venham as ameaças donde vierem, seja do Presidente do partido, seja do Governo nacional, de algum Ministro mais afoito, seja ainda da oposição municipal ou da classe empresarial.
Contudo, não me coíbo de chamar a atenção para o que se passa em matéria de prática democrática e da constituição do embrião da futura Polícia Municipal.
Critico veementemente a decisão de dividir a cidade em Circunscrições Administrativas sem consultar os munícipes. Uma tal divisão vai para além do que foi sufragado na urna. 50% dos votos expressos não reflectem a vontade de toda uma cidade, e não pode ser encarado como um cheque em branco endossado por todos os munícipes. A decisão correcta seria a devolução, pontual, do poder aos eleitores para dizerem de sua justiça. Mas nada está perdido: PODE-SE, E DEVE-SE, BUSCAR UM RESPALDO POPULAR PARA A DECISÃO. Defendo um referendo, mas se se encontrar outra forma democrática de resolver a questão, dava-me por satisfeito.
Definitivamente condenável foi a saída encontrada para o preenchimento dos Conselhos de Zona: em nome da DEMOCRACIA e do respeito pelos cidadãos desta urbe, deve a Câmara rever a sua opção. Que Conselhos de Zona por cooptação do Presidente da Câmara NÃO! Acredito haver ainda espaço e tempo para mudar. Errar é humano; reconhecer o erro é inteligente; dar a mão à palmatória e voltar atrás é divino. Aposte nessa, Ulisses.
Ninguém ainda disse que os limonzinhos de hoje vão ser os policiais municipais de amanhã. Ainda não. Mas está-se trilhando um caminho muito perigoso. Aos agentes da Polícia Municipal não se pode exigir menos do que aos da Polícia Nacional: 12º ano de escolaridade, formação policial de base e actualização contínua e postura irrepreensível. Menos do que isso será inaceitável. E aqui, o Governo Nacional tem um papel importante: na Lei de Bases da Polícia Municipal deve inscrever essas exigências de forma clara, estipulando, de forma expressa, o papel da PN no enquadramento e na tutela da PM. E se os limonzinhos não são o núcleo de base da PN, seria de bom-tom que, desde já, não se lhes alimentem as expectativas e, sobretudo, que sejam limitadas as admissões. Isso porque, mais tarde, por ocasião da instalação da Polícia Municipal e do mais que certo redimensionamento dos quadros de pessoal da CMP, poderá causar verdadeiros amargos de boca e sofrimento atroz aos envolvidos, muitos deles chefes de família.
A Praia pode ser e dar mais aos moradores e aos visitantes. Por isso, EU QUERO É MAIS. EXIJO MAIS E MELHOR. Em realizações, em qualidade de vida e, principalmente, em práticas democráticas.

Monday, May 18, 2009

ADMINISTRAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO

“Guardamos a regra de ouro na memória; está na hora de colocá-la em prática.”

Edwin Markham
Creio haver um consenso de que a eficácia da administração resulta da conjugação dos melhores coeficientes de vínculo espacial e de lapso temporal. O corolário lógico de uma tal assumpção é a aceitação de que a administração eficaz é aquela com menor vínculo espacial (a descentralizada) e com a capacidade de reagir no menor coeficiente temporal (a desconcentrada). Perante a convicção de que para equacionar correctamente e resolver de forma irreversível os constrangimentos que obstam a que tenhamos a qualidade de vida urbana que almejamos, imprescindível e inadiável, portanto, se torna a instalação de uma administração eficaz.
Contudo, antes de avançar com o tema e em jeito de parêntesis, quero deixar aqui registado que uma tal administração precisa contar com uma sociedade civil organizada, engajada e actuante na defesa de uma boa qualidade de vida e na sustentabilidade das soluções. Sociedade civil que pugne pela instalação de uma administração eficaz, que colabore com ela e que cobre dela o cumprimento das obrigações implícitas e dos políticos o cumprimento das promessas das campanhas eleitorais.
Voltando à vaca fria e para início de conversa, vamos ter que clarificar alguns conceitos. Por exemplo, a necessidade da presença da vontade do Estado próxima do cidadão, para a consecução do tal vínculo espacial, de que falamos atrás, configura uma DESCENTRALIZAÇÃO, que poderemos definir como sendo o processo destinado a conferir ao poder autárquico responsabilidades, competências, RECURSOS (humanos, materiais, financeiros, patrimoniais, técnicos e tecnológicos) e poderes de decisão em matérias até então situadas a nível do Poder Central, SEM DIREITO DE AVOCAÇÃO. Importará não confundir descentralização com DESCONCENTRAÇÃO (que vem a ser o processo administrativo que se destina a transferir para agentes locais do Poder central poderes de decisão até então situados a nível do centro político, mantendo, entretanto o delegante o poder de avocação – que pode ser exercido a todo o tempo) também importante iniciativa e que pode representar tanto um coeficiente de eficiência no sentido temporal como um esforço de redução da macrocefalia da administração central.
Em Cabo Verde, como um pouco por todo o lado, a descentralização foi, inicialmente, o que se pode chamar de DESCENTRALIZAÇÃO DE OFERTA. Isto é, o Poder Central, de motu proprio, criou e instalou o Poder Local, passando-lhe responsabilidades, competências e poderes de decisão em matérias até então por Ele detidas. No entanto, aos poucos, foi-se constatando alguma inadequação entre os recursos e as responsabilidades repassados às autarquias locais, ao mesmo tempo que se tomava consciência de que há mais «serviços» que o Governo Local pode prestar com maior eficácia de que o Poder Central. Daí surgiram as primeiras reivindicações no sentido da exigência de mais recursos (transferências de mais dinheiro, de tecnologias e de capacidade de gestão) e da descentralização de mais poderes (acompanhados, obviamente, de recursos coerentes). Aqui chegados, a descentralização já não é uma oferta do Poder Central, mas, antes, uma demanda dos cidadãos e das suas autarquias. É o que se pode chamar DESCENTRALIZAÇÃO DE DEMANDA, uma questão bem mais complexa: já não é o Governo nacional a alijar, segundo as suas conveniências, dores de cabeça para os Governos locais, mas são estes e os cidadãos locais a exigirem uma inegável erosão do poder central em prol do reforço do poder e da cidadania locais. Os aparentes abrandamentos do fenómeno terão a ver, necessariamente, com a necessidade de apropriação das situações novas, por parte das autarquias; e da dura digestão da nova realidade (a demanda de descentralização, com a consequente redução da influência local do Governo nacional) por parte Poder central. A solução vai ter de passar por oficinas de construção democrática de consensos, preocupadas com a melhoria permanente da qualidade de vida nas comunidades.
Mas a cada vez maior responsabilidade dos Governos locais perante os cidadãos locais obriga a que tais Governos sejam senhores das suas decisões de GASTO e ARRECADAÇÃO, o que implicaria em maior acutilância, seja da tutela inspectiva do Poder Central, seja do controlo social. Autonomia de GASTO que não rima com despesas sem a desejável qualidade; e a autonomia de ARRECADAÇÃO que pressupõe, de entre outras coisas, um bicho-de-sete-cabeças denominado descentralização tributária. Não sendo uma questão tabu, é, contudo, um assunto a tratar com luvas de pelica. Descartar o debate sobre o assunto não será uma atitude séria, como ficou demonstrado no recente Fórum Internacional sobre «Governança Local e Desenvolvimento Territorial», realizado na Capital da República nos dias 14 e 15 de Maio decorrente.
Caracterizada pela transferência de funções (que passam a ser exercidas localmente); pela autonomia na provisão dos serviços (sem interferência externa nos serviços nem nos gastos); pela autonomia tributária (assumpção de fontes tributárias pelos Governos locais e liberdade para definir a base tributável e as alíquotas); por alguma liberdade para endividamento; com transferências de recursos (devidamente protegidas por fórmulas e sem condições); e pela liberdade política (definições específicas quanto à forma de realização das vontades colectivas) a descentralização resulta muito sedutora. E é vantajosa para as comunidades, não haja dúvidas. Porém, ela não está imune a ciladas e armadilhas. Ciladas e armadilhas que não devem ser escamoteadas, que não devem servir de desculpas para não trilhar um tal caminho, mas que devem ser conhecidas, a modos de poderem ser devidamente prevenidas.
Logo à primeira vista ressaltam alguns “perigos” como, por exemplo, a forte probabilidade de agravamento das assimetrias regionais de crescimento; a possibilidade de agravamento das dificuldades económicas do país; e a eventualidade de perda de alguma capacidade do Poder Central em promover o desenvolvimento do país e a estabilização da economia. De facto, a autonomia dos Governos Locais pode acabar privilegiando as comunidades mais ricas (com maior capacidade de mobilizar recursos), o que poderia redundar num agravamento das assimetrias regionais, na contra-mão do programa do Governo Central. E pode acontecer também que o grau de liberdade que o Poder Central tem para implementar políticas estabilizadoras (penso, por exemplo, no controlo da inflação) pode ficar reduzido, em função da descentralização tributária e de um conjunto de outras cedências em favor dos Governos Locais. É que diante do novo quadro e da nova correlação de poderes, aumenta o número de orçamentos a serem equilibrados e de endividamentos excessivos a serem contidos (no nosso caso, há um orçamento do Estado e 22 orçamentos locais, sem contar com o voluntarismo dos nossos autarcas no que à realização de despesas diz respeito).
É claro que estas ciladas e/ou armadilhas, uma vez conhecidas, podem (e devem) ser prevenidas. Conduzindo a descentralização de forma ordenada; mantendo nas mãos do poder central as bases impositivas de maior dinamismo; aprovando e implementando medidas que conduzam a ganhos de responsabilidade e de eficiência na gestão dos recursos (penso na questão incontornável da qualificação das despesas e no comprometimento com a efectividade e a equidade da acção tributária); pode evitar dissabores e amargos de boca e, principalmente, pode contribuir para uma significativa melhoria da qualidade de vida nas comunidades.
Como diria Peter Drucker, a descentralização é o novo e precisa ser feito. Desde que, digo eu, não se percam de vista os requisitos essenciais a uma boa descentralização, destacando-se (i) a capacitação das instâncias locais; (ii) o desenho das relações entre os poderes; (iii) a funcionalidade das instituições políticas. O que já não dá é fazer como o outro e deixar tudo como está, para ver como fica. EM NOME DE UMA MAIOR EFICÁCIA DA ADMINISTRAÇÃO DE PROXIMIDADE E POR UMA MELHOR QUALIDADE DE VIDA.
Refrerências:
- Celina SouzaRelações Intergovernamentais e a Reforma da Administração Pública Local;
- Amaury Patrick GreamaudDescentralização na América Latina: Benefícios, Armadilhas e Requisitos

Monday, May 11, 2009

SISTEMA DE GOVERNO: MAIS UM TABU?

«Existe uma grande diferença entre aquilo que podemos fazer e aquilo que devemos fazer.»
Juiz Potter Stewart
Estávamos em Janeiro - e Carlos Veiga era ainda apenas advogado e candidato à Presidência da República - quando preenchi a minha coluna com o tema «FORMAS DE ESTADO E SISTEMA DE GOVERNO», introduzindo o texto com uma sentença de Heinz G. Konsalik (ele mesmo, o tal das «NÚPCIAS DE SANGUE EM PRAGA»): La Liberté? Qu’est-ce que cela? Une plaisenterie que les politiciens se raconte à voix basse, en ricanant…
É que quando começaram as colocações a propósito da revisão constitucional pensei que todos podiam falar de tudo. Inclusive do sistema de Governo. E foi convencido de que poderia exercer, na plenitude e sem autorização prévia, a minha liberdade de expressão (a rainha das liberdades, no dizer de Humberto Cardoso) que fechei a coluna com a expressão do meu sentimento:
- «Se me fosse dado votar, votaria pelo reforço dos poderes presidenciais e pelo SEMI-PRESIDENCIALISMO. Mas colocaria uma condição à aceitação das candidaturas à mais Alta Magistratura da Nação: que os candidatos sejam obrigados a instruir os respectivos processos de candidatura com uma DECLARAÇÃO DE COMPROMISSO, em que se comprometem, preto no branco, a participar em, pelo menos, dois debates públicos durante a campanha eleitoral, na primeira volta, e em, pelo menos, um, na segunda, sendo o caso.»
Talvez porque fosse uma posição comungada por muita gente, ninguém chamou ninguém a capítulo, ninguém se sentiu no direito de condicionar a minha liberdade de expressão. Mais: um antigo candidato à suprema magistratura da Nação quis assumir a paternidade da posição, quase exigindo que fosse citado nas notas de rodapé, por antes (diz ele) ter assumido posição idêntica em livro que, diga-se de passagem, nunca li, nem penso, já agora, vir a ler.
Desta feita, e talvez porque já nem tanta gente assume a defesa do sistema presidencialista, surgem manifestações, com laivos de intolerância, em relação à posição alegadamente defendida em «2011: VEIGA versus NEVES», quando, também a fechar a coluna, registo «A questão que fica no ar é esta: PORQUE NÃO FAZER, JÁ AGORA, A OPÇÃO PELO SISTEMA PRESIDENCIALISTA DE GOVERNO?» E, curioso, é novamente um antigo candidato à Presidência da República que reage. Não, como o outro, para invocar a paternidade da ideia, mas esconjurando-a e exigindo pergaminhos especiais a quantos pretendam opinar sobre tal matéria.
E aí me rio, lembrando o pensamento de Konsalik em relação à Liberdade apregoada pelos políticos. De facto, o pessoal tem umas ideias muito giras acerca da liberdade de expressão: se se diz algo que pareça servir os seus interesses, tudo bem; mas se se diz algo com o qual não concordam (ou lhes pareça que possa prejudicá-los) fazem cair o Carmo e a Trindade. De facto, para o pessoal participante das lutas pelo poder, a liberdade é uma piada que contam em voz baixa, a uns papalvos, enquanto se riem por dentro, até mais não poder. Felizmente que, hoje, a gente sabe o que faz correr os políticos. E sabe-se também que, embora não lhes falte vontade de morder, já não têm licença para usar os dentes nos livres-pensadores.
Defendo a solução semi-presidencialista (e acreditem que eu sempre sei do que falo) e o reforço dos poderes presidenciais. Por convicção. E também por uma questão de coerência e de optimização dos recursos: se se investe na eleição directa do Chefe de Estado, o mínimo que se pode esperar é que ele tenha poderes condizentes com a sua forma de eleição, com a sua base de legitimação. Se quiserem que explicite em que se fundamenta a minha convicção… poderemos arranjar um espaço, outro que não o jornal, para discutir isso.
Mas não me repugna o sistema Presidencialista. Antes, pelo contrário. Funciona bem nos States, funciona no Brasil, funciona em alguns países da América Latina. A África… é a África. Não serve de paradigma. Ora, qualquer sistema de Governo funciona normalmente em estados de direito democrático, independentemente da latitude. O que falhou em África não foi o sistema Presidencialista, mas sim a DEMOCRACIA de tipo ocidental imposta a martelo pelas instituições de Bretton Woods e comandita. E diante da iminência da consolidação consuetudinária do presidencialismo de Primeiro-ministro, faz todo o sentido, sim senhora, questionar se não valerá a pena optar por um presidencialismo constitucional. E já agora - e para que fique registado - nunca me socorri da questão da economia de recursos para defender tal sistema.
Penso e falo em economia de recursos, quando constato a vigência do dito «presidencialismo do Primeiro-ministro» coabitando com um Chefe de Estado eleito por sufrágio universal, directo e secreto. É aí que questiono (e comigo muito boa gente) se valerá a pena gastar-se tanto dinheiro com uma eleição directa de um Chefe do Estado com tão limitados poderes. E entre nós nem se poderá dizer que a figura será um mero corta-fitas. Que, por aqui, quem corta as fitas são os Ministros, com o Chefe à cabeça. Perguntem aos Presidentes de Câmara.
E por aí se chega ao Parlamentarismo. Realizam-se as eleições legislativas; a maioria forma um Governo; e o Parlamento, enquanto colégio eleitoral, elege o Chefe de Estado. Prontos. Há uma única eleição consumindo recursos; há um Chefe de Governo forte; uma maioria que, por razões mais do que óbvias, não fiscaliza o Governo comme il faut; e há um Chefe de Estado que não levanta ondas e segue representando o Estado lá onde o Chefe do Governo lhe der espaço. Alguém se lembra quem era o Chefe de Estado em Cuba, quando Fidel era Primeiro-ministro? Alguém sabe o nome completo do Chefe de Estado de Israel? Não sabe? Não se escandalize: muito pouca gente sabe. E é esse o destino (o limbo e o esquecimento) dos Chefes de Estado nesses sistemas. Ainda assim, não sou contra o sistema. As regras do jogo são claras, e cada actor sabe, auparavant, o que lhe espera. O parlamentarismo não só não me repugna, como até seria capaz de fazer a sua apologia, em nome da coerência e da economia dos sempre escassos recursos públicos. Aí sim! É que não custa pouco uma eleição presidencial. Imaginem só que, para além dos elevadíssimos custos operacionais, o Tesouro paga aos candidatos, por cada voto, 400 mil réis. E só esta pequena fracção das despesas do Estado com uma eleição presidencial representa, num universo de 300 mil eleitores, qualquer coisa como 120.000.000$00 (de facto, muitíssimo mais do que os cerca de 12 mil contos de honorários pagos ao Primeiro-ministro durante toda uma Legislatura).

A liberdade de expressão duramente conquistada dá-nos o direito de dizermos o que pensamos, sem ter de pedir permissão a quem quer que seja. Aliás, bem lá no fundo, a reacção do antigo candidato tem o seu quê de interesse pessoal. E não estou criticando. Que os meus posicionamentos também têm a ver com a polarização do momento. Mas não escapa a ninguém que uma opção, AGORA, pelo sistema presidencialista cortaria cerce as aspirações de muito boa gente. Em 2011, José Maria Pereira Neves seria o candidato apoiado pelo PAI e Carlos Alberto Wahnon Carvalho Veiga teria o apoio do MpD. E não sobraria espaço para nenhuma outra candidatura com alguma hipótese de sucesso. E aí, muito boa gente ficaria offside. Estou pensando em Aristides Lima, em David Hopffer Almada e no Comandante Silvino da Luz, à esquerda; em Jorge Carlos Fonseca, em Jorge Santos e em Isaura Gomes, à direita. Nenhum deles gostaria, portanto, que se aventasse a hipótese de mudança para o Presidencialismo, numa oportunidade que consideram única e sua. Em podendo, tudo fariam para obstar a uma tal solução. E compreender-se-ia bem a reacção deles, coerente com as suas aspirações. Mas que não se iludam: não enganariam ninguém se dissessem que se opõem ao sistema presidencialista porque… estamos em África. E conquanto seja verdade que o Parlamentarismo mitigado ainda não tenha entrado em panne, nos 16 anos de sua vigência, sua bondade, brandida AGORA por qualquer dos potenciais prejudicados por eventual opção pelo sistema presidencialista, soaria sempre a defesa de interesse pessoal. Pessoalíssimo.
E, chegado a este ponto, apraz-me registar algumas questões, polémicas qb: PORQUÊ BLOQUEAR OU TENTAR BLOQUEAR O DEBATE SOBRE O SISTEMA DE GOVERNO? OU PORQUÊ CIRCUNSCREVÊ-LO A UM NICHO DE ILUMINADOS? NÃO SERIA MAIS AVISADO ESTENDÊ-LO A TODOS OS CABO-VERDIANOS, NAS ILHAS E NA DIÁSPORA? OU SERÁ QUE O SISTEMA DE GOVERNO ESTÁ FADADO A SER O NOVO TABU-CV?