Wednesday, April 30, 2008

PRAIA, A CAPITAL DO EMPREENDEDORISMO

“Você e só você tem o poder de determinar o destino de cada nota de dólar que chega às suas mãos: gaste-a tolamente, escolheu ser pobre; gaste-a com passivos, fará parte da classe média; invista-a na sua mente e aprenda a adquirir activos e estará a escolher a riqueza como o seu objectivo e o seu futuro. A escolha é apenas sua”

Robert Kiyosaki e Sharon Lechter
Happy birthday to you, Praia de Santa Maria da Vitória. Com 150 anos de antiguidade na categoria, a cidade da Praia (Capital política da República de Cabo Verde) parece decidida a não deixar os seus créditos por mãos alheias: é também, indubitavelmente, a capital económica do Arquipélago.
Decidido a comemorar o dia 29 de Abril de uma forma especial - e chegada a hora de ajustar o nó da gravata para me dirigir à Assembleia Nacional para participar da sessão solene - soube como dar corpo à minha ideia: iria percorrer os bairros da capital, de Norte a Sul, de Leste a Oeste, do mar à serra.
A seriedade de propósitos do empresariado local, e dos seus empregados, chamou-me logo a atenção: apesar da tolerância de ponto concedido pelo Governo (o que noutros tempos dava sempre azo a pequenos arranca-rabos entre patrões e empregados) era visível a boa disposição dos empregados do atendimento e o afinco com que os empresários catalogavam papéis, alinhavam dossiers, atendiam fornecedores e despachavam clientes.
No novíssimo bairro da «Cidadela», a vida pulsava. Arruamentos sendo recuperados, vivendas nascentes, na fase intermédia e em acabamento. Cada uma mais bonita que a outra. Todas denotando uma certa personalidade, a nova marca da cidade. «Cidadela» é, nos dias que correm, um local de visita obrigatória.
Circulando pela «Cidadela», constata-se no rosto dos empreendedores a felicidade de quem conquistou um lugar ao Sol, ali onde sempre sonhou viver. E, de repente, dei-me conta que já estava na avenida principal do Palmarejo, uma das muitas cidades dentro da cidade da Praia. Tranquila a transição de uma urbanização para outra.
É sempre com prazer que percorro a avenida central do Palmarejo, do Sul para o Norte. Os néons identificando empresas de distribuição, de prestação de serviço, de restauração, de diversão, serviços públicos. O jornal «A SEMANA», o Instituto de Estradas, clínicas, farmácia, enfim, encontra-se tudo de que se precisa.
Nas duas rampas (a que dá acesso ao vale que separa Tira-Chapéu do Palmarejo e a, gêmea, que do vale nos conduz à estrada que liga a Cidade Velha à Praia) outra sucessão de estabelecimentos, todos ostentando sinais de franco progresso. O restaurante «A CASCATA», com a sua ousada fachada, a VAS CABO VERDE, distribuidora de Volkswagens, Audis e Skoda (e agora também de Mitsubishs), O Hipercompra, a Poupança, a REDE RECORD de televisão, a drogaria de TOTTY CÓIA, a COFRICAVE, enfim, a maior concentração de empresas por metro quadrado de Cabo Verde, e todas viradas para a disponibilização de soluções para os exigentes praienses do século XXI.
Chegada à estrada do eixo Cidade da Ribeira Grande de Santiago/Cidade da Praia, topa-se logo com o complexo comercial BRAZ DE ANDRADE, um mundo de modernidade, de ideias com gosto para compras felizes. Aliás, todo o segmento, desde as duas estações de serviço (gêmeas) da SHELL Cabo Verde até à fábrica de Betões da «Carlos Veiga, Lda.», respira-se empreendedorismo: as soluções em duralumínio e vidro oferecidas por Daniel «Padeiro» Santos, a «Cimentos de Cabo Verde», o colégio «A TURMINHA», a BOSSA NOVA, a ENAVI, as imponentes instalações da «Betões de Cabo Verde» (uma ideia genial, pela qual dão a cara os manos Carlitos e Zé Tomás), etc. Até chegar ao cruzamento com a Circular da Praia, passa-se pelo campus da Universidade Jean Piaget e delicia-se a vista com as belíssimas instalações do «Centro Educativo Miraflores» (onde as crianças entram pelo pré-escolar e podem ficar até completar o 12º ano, tendo sempre no horizonte um estabelecimento de ensino superior, no caso, a UniPiaget).
Ao longo da circular, são francamente visíveis as «sementes» das infra-estruturas e equipamentos previstos no PDM do município da Praia. E pode-se antecipar a escalada de preços no que a terrenos para a construção diz respeito.
Em Trindade, quase chorei. Está em decomposição o parque (que era equipada com mesas e assentos em concreto) onde as famílias levavam os filhos para ter os primeiros contactos com a Natureza e desapareceu a ponte que a ele dava acesso. Tive que me contentar com contemplar tudo de longe, a partir do estacionamento da «ÁGUAS DE CABO VERDE», a empresa que comercializa a já famosa água «TRINDADE».
Parei um pouco perto do Aeroporto Da Praia para assistir à aterragem do Boeing 737 (o «nosso»). Deu para ver que, por essas bandas, há alguns déficits a regularizar: falta um «taxi-way» (o aparelho que aterra é obrigado a dar volta, e demandar o estacionamento, pela mesma pista onde aterrou); faltarão uns 400 metros de pista; mais espaço para estacionamento de viaturas Sala VIP. E (porque não?!) mudar o visual de tenda de acampamento das Mil e Uma Noites. Diz quem sabe que a adopção do ILS como instrumento de aproximação de voo é outra prioridade.
Na Achada Grande frente a azáfama, novamente. Compra-se e vende-se de um tudo. A grosso e a retalho. Móveis, automóveis, material de construção, electrodomésticos.
Na Achada Grande trás chama-nos a atenção um negócio que só floresce em cidades poderosas: TOYOTAS, FORDS (Ah! o novo MONDEO, wonderfull!!), DAIHATSUS… O «SHOW ROOM» da MENO SOARES (uma nova filosofia de exposição de soluções); a Trading ADEGA, SA (a maior superfície privada de armazenagem de Cabo Verde, e onde se pode deliciar um lay-out ousadíssimo e uma exposição de produtos que é um verdadeiro colírio para os olhos e que plasma o nível de organização que vai pela mente de Carlos Tavares Moreira de Almeida).
O porto. Fica-se apreensivo diante da quantidade de viaturas por despachar: se o parque automóvel da cidade já é uma coisa monstra, como é que a nossa rede viária poderá suportar o incremento que os depósitos do porto da Praia prometem?
A gare marítima, pelo contrário, parece sub-dimensionada. É uma pena que uma decisão dessas tivesse sido tomada fora de portas. Enfim… ainda não se tem tudo. Algumas coisas, muitas decisões, infelizmente, ainda passam pelo crivo de pessoas que mantêm uma relação muito difícil com a Cidade da Praia.
Em Lém Ferreira, paredes-meias com os depósitos da Adega ROMARIGO, aí ao lado da Serração dos Herdeiros de Manuel Olímpio Lopes e da COFRICAVE, uma novidade: um empreendedor chinês tem em funcionamento ininterrupto uma estação de lavagem automática de veículos. Por um preço para lá de módico, 300$00 por unidade, lava-se o receptáculo do motor da viatura, o exterior da mesma, sendo o interior limpo, a seco. Entre descobrir a água do lençol que era acedida pela «Fonte do Cirilo» e extrapolar para a exploração do serviço de lavagem de viaturas, foi um piscar de olhos. Empreendedor funciona assim.
Para terminar o «tour», uma saltada até ao Supermercado «CALÚ & ÂNGELA» para aquisição de reforços para a despensa. Vã tentativa. Os estacionamentos faziam prever, pelo menos, centena e meia de compradores, a crer no número de viaturas estacionadas (à condição de um passageiro por viatura). Ledo engano. Lá dentro pontificava muito mais gente. As 12 caixas tinham filas com alguns respeitáveis metros. Desisti. Com pena. Mas, felizmente, Praia, a mãezona, oferece outras alternativas: Supermercados FELICIDADE (no Plateau e na Achada de Santo António); Palácio Fenícia; Poupança, Supercompra, MATILDE (na Vila Nova), etc., só para falar das maiores superfícies.
No regresso à casa, já a pé, e parando para trocar dois dedos de prosa no areópago da Praça da Universidade de Cabo Verde, sou assolado pela sensação de estar em Trocadero (Paris). Fecho os olhos e saboreio a babel de línguas que se conjugam na Esplanada do «Cyber-café Sofia»: alemão, inglês, francês, português, brasileiro, cabo-verdiano, castelhano, italiano e algumas outras que não consigo identificar, mas que soam a Europa de Leste.
Foi um autêntico banho de Praia. Uma excelente maneira de comemorar o aniversário (redondo) da ascensão da urbe à categoria de cidade. Uma revigorante forma de energização para continuar as lutas para que a cidade que me viu nascer receba tudo a que tem direito. Afinal, ela dá-se toda para todos!
A Cidade da Praia vai querer que, nos próximos 10/12 meses, mais do que comemorações, volte a ter Iluminação Pública em todos os bairros que a integram; que o mercado do Plateau seja deslocalizado para a confluência Paiol/Fazenda/Lém Cachorro; que a ribeira de Lém Ferreira deixe de ter aquele aspecto de cloaca e passe a oferecer um novo «look» para os turistas de cruzeiro que visitam a cidade; que venha o calçadão, DE FACTO; que a conexão entre os bairros seja substancialmente melhorada; que a questão do saneamento do meio continue a melhorar, e que chegue o esperado aterro sanitário; que o distrito financeiro não nasça coxo; que os rochedos que infestam o «piscinão» de Quebra Canela sejam removidos; que a estrada que liga a UniPiaget ao Centro Educativo Miraflores seja integrada, em processo de urgência, no projecto «Asfaltagem das Vias da Praia»; que ganhe corpo uma ampla parceria (proprietários, governo, poder local, empresariado local, Ordem dos Arquitectos, Ordem dos Engenheiros e outras ONGs) para levar de vencida o cinzentismo de alguns bairros periféricos, em flagrante contradição com o fulgor económico da cidade. Um governo ousado, com um bom programa para os próximos 04 anos; e um «djunta-mon» liderado pela «ÁGUAS DE CABO VERDE» (e envolvendo a Câmara Municipal e o Governo da República), para a recuperação do parque de piqueniques da Trindade e para a reconstrução da ponte caída; são duas prendas que, garanto, os praienses agradeceriam efusivamente.
Tenho dúvidas é se Ela ainda estará interessada no Estatuto Especial. Em relação à «Ladêra Sampadjudo», sou eu que já não me sinto à vontade para tocar no assunto, só esperando que o descaso das autoridades, neste particular, não venha colocar uma tarja negra no panorama risonho desta acolhedora, vigorosa e empreendedora cidade.
Longa vida à Cidade da Praia. Sucessos para os seus empreendedores. Progresso e bem-estar para as suas gentes.

Monday, April 28, 2008

A SÍNDROME DO MICROFONE

“… os mansos possuirão a terra e deveras se deleitarão na abundância da paz.”

Salmos 37:11

Manso é coisa que me recuso a ser, apesar de tão tentador salmo. Prefiro me manter como sou desde que me lembro como gente: decente, coerente e irreverente perante os poderosos, seus esbirros e intermediários.
Fosse a história da Feitoria, que em 1975 se tornou República, algo como um conto de encantar, e eu seria, certamente, mais um manso e um sério candidato ao Reino dos Céus. Mas ela não é, nem pouco mais ou menos, parecida com a estória da Branca de Neve e dos Sete Anões; estará mais para a saga dos filhos da Negra de Azeviche com os Feitores vindos de Aquém Mar.
Longe da família (os ascendentes, a esposa e a prole ficavam, a maior parte das vezes, na Metrópole), o Feitor (personagem da saga) tem necessidade de garantir apoios e meios de defesa, precisa satisfazer as necessidades da carne e… fazer negócio.
O Feitor identifica, logo nos primeiros contactos, quem sempre se disponibiliza para ajudar e quem se balda à subserviência. Em um negócio montado tão longe de casa, a alma do negócio não é o segredo. Importa, antes de mais, fidelizar os colaboracionistas (arvorando-os em intermediários na domesticação dos demais) e segregá-los, física e mentalmente, dos resistentes.
Ao contrário da Branca de Neve, a Negra de Azeviche é obrigada a dar o corpo ao manifesto: carrega sacas, caixas e caixotes, durante o dia; à noite, deita-se com o bwana, ajudando-o a sublimar as saudades da legítima que, pela metrópole, se refastela com o cunhado play boy.
E o filhote do bwana com a Negra de Azeviche, sem necessidade de trabalhar (porque prover o sustento do lar é atribuição da fêmea) em playboyzinho de araque se transforma. La dolce vita: dormir de dia; tertúlias de esquina, ao cair da noite; queimar na night o dinheirinho suado que arranca da Negra de Azeviche (mãe, irmã, amásia e mercadoria). Quando as coisas apertam, e a situação ajuda, um servicinho como cicerone aqui, uma experienciazinha como proxeneta acolá; e quando a situação não colabora… o recurso à porrinha. Pudera! Há que financiar a night.
A necessidade de aculturação dos colaboracionistas é sentida de forma intensa. O Feitor, por essa altura, decidiu investir forte e feio na formatação de uma certa elite capaz de, a troco de muito pouco, garantir a intermediação no processo de dominação da massa que resistia à canga. Reza a lenda urbana que ele concentrou os seus mais fiéis apaniguados no andar de cima e que lhes disponibilizou um MICROFONE (um apetrecho aparentemente inócuo, mas que se revelaria de valia extraordinária na formatação do tipo de elite pretendido). Em off, ter-lhes-á garantido que tal instrumento lhes conferiria a qualidade de melhores filhos da Feitoria e que deles irradiaria a claridade bastante para iluminar e guiar os demais filhos de parida aqui e nas feitorias dos arredores.
Mas como é que UM simples microfone, ainda que ÚNICO, poderia fazer tanta diferença? Diz quem sabe que só se espanta quem não tenha tido a vivido a experiência de uma Roménia da era Nicolae Ceausesco: ter acesso a uma máquina de escrever ou a uma fotocopiadora era um privilégio reservado apenas aos homens que suportavam o regime. Porque um microfone, por sinal muito mais barulhento que a mais barulhenta máquina de escrever, não podia ser o símbolo que foi? Ficou tudo bem mais claro.
Pensando bem, uma mentira ciciada ao pé do ouvido é uma mentirinha… inofensiva; a mesma mentira repetida ao microfone soa a coisa cabeluda. De igual modo, uma grande verdade, veiculada através do boca-a-boca, não penetra, nem deixa mossa. A mesma verdade, dita ao microfone, atravessa montes e vales, cruza achadas e fajãs e, no processo de acrescentar um ponto a cada conto que se conta, acaba se tornando doutrina. Claramente uma delusão, mas, ainda assim, inquestionável para muito pobre de espírito.
Compreende-se, então, que a oferta do microfone pelo feitor fazia sentido. O microfone representava a capacidade de se fazer ouvir e um óptimo instrumento quanto a tarefa é catequizar. E se o microfone é único, então… é catequese one way garantida. Que é como quem diz MANIPULAÇÃO de certeza. E, de facto, durante muito tempo, os filhos da Negra de Azeviche do andar de cima foram uns privilegiados. Era a síndrome do microfone (primeiro e único) no seu auge.
Cedo, porém, os rapazes do andar de baixo se deram conta de que nem tudo que luz é ouro. Isto é, nem tudo que era apregoado pelo microfone era verdadeiro e libertador. Havia valores essenciais que seguiam sendo preteridos em favor de teses, princípios e valores do Feitor. Como acabar com isso? Como opor a garganta desarmada a um microfone ligado a um amplificador?
Mataram logo a charada. Só acedendo a outro microfone, claro. Mas viram-se logo confrontados com uma barreira aparentemente inultrapassável: era proibida a importação de microfones pelos nativos! Mas criativos como sempre foram, os vizinhos do andar de baixo fizeram-se presença quase que permanente no andar de cima. Confirmaram, então, que nem tudo que luzia era ouro; aprenderam que por lá se cultivava a máxima de que uma mentira mil vezes repetida se transformava em verdade; que os vizinhos afinal não eram donos das verdades que difundiam, nem dos secos e molhados que por lá se contrabandeava; e, principalmente, que o microfone era um instrumento tão poderoso que não podiam ficar sem, se, de facto, queriam ter um lugar ao sol. Isso porque o papel de intermediação da dominação a que os vizinhos de cima aderiram não lhes seduzia. Não era a praia deles.
Que fazer então? Da convivência com o pessoal do andar de cima tinham feito o primeiro contacto com o termo CONTRABANDO. Se se contrabandeava bacalhau, perfume, bebidas alcoólicas, tabaco em cigarros, etc., porque não se aventurar a contrabandear um microfone? Era um delito grave, mas a causa era nobre. Primeiro ensaiaram um processo de produção de ideias; depois organizaram um manifesto de afirmação de cidadania, inalienável e imprescritível; finalmente contrabandearam e instalaram um microfone com capacidade para produzir os decibéis necessários e suficientes para atingir toda a comunidade. Contrapor o NOVO microfone do país ao até então microfone ÚNICO ficaria para mais tarde. Mas, quando pretendiam apregoar aos quatro ventos a instalação dos necessários apetrechos de afirmação cidadã, eis que o Feitor se vê obrigado a deixar a Feitoria. Uma violenta reviravolta na Metrópole leva os Feitores a deixarem, em estado de petição de miséria, seus intermediários na dominação, suas concubinas e respectiva prole.
Os vizinhos do andar de baixo abriram fraternalmente os braços para receber os irmãos pródigos do andar de cima. Os vizinhos são para essas ocasiões, caramba.
Mas pau que nasce torto… Os vizinhos, soberbos e mal habituados, não conseguiam adaptar-se à nova situação. É aquela estória: uma vez intermediário, sempre intermediário! Aliás, como conceber uma ponte que não liga nada a coisa alguma? Zás! Da intermediação da dominação do Feitor para a intermediação do novo Poder foi um piscar de olhos. Estavam de novo como o diabo gosta: uma casta fechada, vivendo de privilégios e dedicando-se a explorar o legado cultural do finado Feitor. Em função do barulho do microfone (que ficou; oferta é oferta, caramba!) lá conseguiram que um deles, sentado à direita do novo dono do Poder, ficasse responsável pelos cordões da bolsa pública. Mais tarde, quando as coisas voltaram a tremelicar, mudaram de faixa e, novamente, conseguiram fazer um deles se sentar à direita do novíssimo dono do poder. E tornaram-se mais ousados. Não voltaram a colocar todos os ovos no mesmo cesto. Distribuíram-se estrategicamente pelos acessos ao Poder. De tal sorte que, em um novo reequilíbrio de forças, lá estavam eles, de novo, e desta feita, ladeando o novo e virtual dono do poder (não fosse o diabo tecê-las).
E foi então que os vizinhos de baixo desembrulharam os microfones (já não era apenas um) e se puseram a incentivar o pessoal com este altissonante grito de guerra: FAÇAM BARULHO!
Mas contrariamente aos vizinhos do andar de cima, a palavra de ordem não era no sentido de qualquer subjugação do semelhante, nem de conseguir favores do poder, mormente tomar nada de ninguém. O que, diga-se de passagem, se enquadraria perfeitamente em uma perspectiva de ressarcimento por danos suportados. Mas não. Não seria de cristão. Simplesmente se deixava claro que, de futuro, as coisas iriam mudar. Que o que é do homem o bicho não come (e se comer, descome; o que, convenha-se, é bem mais doloroso do que, simplesmente, cuspir); que o princípio de «UM HOMEM, UM VOTO» é para valer (o que significa que ninguém chega LÁ sem o beneplácito dos habitantes do populoso andar de baixo); que já chega de fingir que se dá o doce todo ao enteado, quando se sabe que este tem de dar metade a cada um dos meios-irmãos que o ladeiam (e a aritmética nos ensina que quem de um dá duas metades, só fica com a ilusão de que tem alguma coisa entre mãos).
É então que os vizinhos do andar de cima, irmãos que insistem em se considerarem especiais, com direitos a prerrogativas especiais e que não perdoam a História pelas partidas que acham que Ela lhes pregou, desatinam: que o microfone é assunto deles; que eles é que estão vocacionados para ditar regras; e que aí estava o passado como testemunha da sua supremacia. E desatam a procurar culpados. E como não os encontram (porque, simplesmente, inexistem) fazem que nem o homem de Santa Comba Dão (o tal que rotulou Cabral, Neto, Kalungano, e respectivos seguidores, como terroristas) e apontam o dedo a quantos tenham qualquer assomo de irreverência diante do passado «glorioso» de intermediação, entre os poderosos e os outros. Que fazer diante de um tal quadro?
Ora essa! Exactamente o que faria qualquer parente, com siso (avós, pais, tios, irmãos mais velhos ou mais moços), perante um miúdo mimado, com manias de grandeza e com um crónico desfasamento em relação à realidade: umas boas palmadas no traseiro e uma matrícula permanente no divã de um analista. A ver se aprende que se as coisas mudam, as pessoas também têm de mudar; que quando se começa a apostar em túneis, as pontes devem pôr as barbas de molho; que não adianta chorar sobre o leite derramado, porque isso não adianta nada, não tem volta. Enfim, dizer-lhe que cresça e apareça, pois as mistificações desfazem-se em pó, quando todos têm acesso ao conhecimento. E ao microfone!
Mas talvez nem tudo esteja perdido. Pode bem acontecer que, vencidas as manias, todos possam AINDA vir a viver JUNTOS e FELIZES para sempre.
Com MICROFONES PARA TODOS, hoje e sempre!

Monday, April 14, 2008

TACV: DA TUTELA E DA PRIVATIZAÇÃO (OU ALIJAMENTO)

“Eu não pago salários. O produto sim.”
Henry Ford
TACV. Jurei não meter foice em tal seara. Por uma infinidade de razões. Desde logo, porque o conflito que opõe os trabalhadores ao administrador é um tanto ou quanto atípico: todos se acusam, mas ninguém disponibiliza dados que alimentem uma simpatia sustentada pela causa. Depois, porque jamais se viu um conflito tão agudo, dentro de uma empresa, pondo em causa a sua própria credibilidade e segurança, sendo seguido (estará, de facto sendo seguido?) de uma forma tão displicente, por uma postura tão low profile, dos accionistas. E se os accionistas não se mexem, porque cargas de água um cidadão teria de se preocupar?
Mas aí, as coisas subiram de tom. Falou-se de conquistas que poderiam ir para o escambau; de mercados que podem mudar de mãos; de dinheiros que estão deixando de ser ganhos e de dinheiro que está sendo atirado pela janela. Que casta de accionistas serão estes que nem buscam esclarecer as coisas? Accionistas que não se importam com o dinheiro que deixam de ganhar? Pior, que nem se importam com o dinheiro em caixa e que, diz-se, está voando pelo espaço, que nem os aparelhos da empresa? Mas quem serão tais accionistas?
De repente, lembrei-me que se falara também (e muito) da privatização da empresa. Espera aí? Se a empresa vai ser privatizada, quer dizer que ela é pública ou de capitais públicos. Sendo pública ou de capitais públicos, então EU sou um dos accionistas da empresa. ALTO AÍ! A coisa agora é também comigo.
E isso acontece exactamente no momento em que a Bolsa de Valores de Cabo Verde avisa aos accionistas da CECV e da SCT que, entre 17 e 18 de Abril, estarão recebendo 400$00 e 604$17 por acção, respectivamente, a título de dividendos. Daí a pensar que NÓS os accionistas dos TACV, em vez de recebermos dividendos, iríamos receber uma convocatória para entrarmos com dinheiro para cobrir o prejuízo, foi um passo. E um arrepio correu-me pela espinha. É certo que os fundos não vão sair directamente do meu bolso, mas o Tesouro Público é também NOSSO, caramba. E os recursos do Tesouro têm tantos destinos mais nobres do que cobrir as merdas produzidas pelos paxás que gerem as empresas (acções e participações) do Estado na base de fillings, cientes de que os seus chorudos honorários estarão garantidos, chova ou faça Sol!
Mas ainda aí, fiquei na minha. Preocupado, é certo, mas confiante no sistema representativo. Gilles Filialtreault representa (ou devia representar) a Dra. Cristina Duarte. (É verdade, sim senhora. Não é ao Ministro dos Transportes que compete tutelar a gestão das empresas, das acções e das participações do Estado, ainda que no ramo dos transportes. A gestão de capitais públicos compete ao Ministério das Finanças. E se as coisas não estão como deviam, ou há usurpação de poderes ou alguém extrapolou na sua função de redistribuir tarefas. É que há uma abissal diferença entre poder para DEFINIR políticas de transporte e prerrogativa para tutelar a GESTÃO dos capitais públicos investidos em empresa(s), ainda que no sector dos transportes. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa) A Dra. Cristina Duarte representa o Governo. O Governo é emanação da Assembleia Nacional. A Assembleia Nacional representa a Nação. A Nação: EU, VOCÊ, TODOS NÓS. Eu confio na competência técnica da Dra. Cristina Duarte e parece que o Chefe do Governo também. A moção de confiança que JMN fez passar no parlamento diz-me que a AN confia no Primeiro Ministro. E como na representação pela AN todos nós confiamos, conquanto continuasse preocupado, não perdi a fé no sistema representativo.
Mas quem me aparece para falar da gestão da empresa de capitais inteiramente públicos, registada TACV, SA? O Ministro das Infra-estruturas, Transportes e Mar. Deve vir falar da política nacional de transportes aéreos, pensei com os meus botões. Alguém, provavelmente a Ministra das Finanças e Administração Pública, aparecerá, mais tarde, para falar da situação financeira e das projecções futuras da empresa e do estádio em que se encontra o processo de recuperação da empresa, vis-à-vis da sua próxima privatização. O homem chega, diz que a situação financeira e laboral e o posicionamento no mercado da empresa estão exactamente onde se esperava que estivessem, e vai embora. Epa, epa, epa! Mau! Fiquei com a pulga atrás da orelha. Já eram coisas demais desafinando. E quando é que aparece a MFAP para nos falar, com conhecimento de causa, do que se passa na MINHA/NOSSA empresa? Será que o Premier confundiu as coisas e confiou a gestão dos capitais investidos nos TACV ao seu Vice-Presidente predilecto (para muitos, a eminência parda deste Governo)? Um homem da Fundação Getúlio Vargas - o MIT (EME AI TI) do hemisfério Sul, em matéria de gestão e administração - não comete um tal lapso. Um político da geração de JMN não confunde dirigentes do partido com dirigentes do Estado. O que estará se passando, então? Terão razão aqueles que defendem a tese de que JMN é refém de uns tantos barões do seu partido, por lhe terem confiado a liderança do partido no momento certo para chegar à primatura? Diz quem sabe que, na altura, foi JMN quem socorreu os barões e não o contrário. De todo o modo, ainda que algum equívoco envolvesse a relação, nada justifica que JMN, no seu segundo mandato (de cuja conquista foi, indubitavelmente, o artífice-mór), ainda se mantenha refém. Bem… a não ser que esteja sendo acometido por uma espécie de Sindroma de Estocolmo.
Quase soçobrado sob o peso das interrogações, ainda assim arranjo forças para me manter um fiel adepto do sistema representativo e dos seus mecanismos de correcção de desvios. JMN vai voltar a pôr o trem nos trilhos.
A minha confiança não fica, nem por isso, abalada quando o Premier promete falar no momento certo. Apesar de me parecer que o momento certo JÁ fosse aquele, concordei com o Chefe do Governo quando disse que não iria agir sob pressão. O Governo (ou governante) que abrir o precedente de resolver as coisas no momento em que a pressão é exercida lerpa-se. Embora, pessoalmente, acredite que a melhor maneira (e que é determinante para a escolha do melhor momento) de agir, de modo a manifestar respeito pela opinião pública nacional e a demonstrar atenção aos fenómenos que se manifestam na sociedade, é ser-se proactivo, é jogar na antecipação. Mas mantive-me fiel às minhas crenças: esperando que Cristina Duarte e/ou JMN chamassem a comunicação social para uma entrevista colectiva.
Mas nada disso aconteceu. O MFAP parece continuar à margem deste assunto. O Conselho de Ministros não evidencia sinais de querer avocar o dossier. E as trocas de mimos entre aqueles que eram supostos liderar a empresa, pelo menos formalmente (por um lado) e as lideranças informais forjadas nesta luta (por outro), sobem de tom. E a minha confiança na cadeia de mando ameaçou ruir. A minha fé no sistema representativo vacilou. A confiança na minha capacidade de leitura e interpretação das situações ficou abalada. Algo estava muito errado. Em nome do quê, aparece o MITM a tutelar a gestão de uma empresa de capitais inteiramente públicos (e um processo de privatizações, é bom não perder isso, também, de vista) em vez do MFAP? Porque uma companhia de bandeira desceria tão baixo na discussão de questões laborais e de estratégias de actuação? Que casta de gestor acreditaria que pode levar uma empresa a bom porto, tendo todos os trabalhadores da empresa contra ele? Que espécie de trabalhadores seriam capazes de, depois de dedicarem à empresa grande parte da sua juventude e o melhor do seu savoir-faire, pôr tudo em causa por mero capricho? O que é que se passa que, de tão terrível e terrífico, nem GF, nem as várias organizações dos trabalhadores, nem o Governo, se atrevem a verbalizar? Que terrível segredo sela as bocas de Gilles, dos porta-vozes dos trabalhadores e de JMN e mantém Cristina Duarte afastada? Esse angú tem caroço! E eu, co-proprietário da panelinha de angú, quero saber do que se trata.
Quando, apesar dos pesares, ainda pretendia ficar na minha, eis que cai no copo da minha paciência a gota que o faz transbordar: DIZEM-ME QUE SUA EXCELÊNCIA O SENHOR MINISTRO DE ESTADO E DAS INFRA-ESTRUTRAS, TRANSPORTE AÉREO E MAR DISSE QUE A SAÍDA PARA A SITUAÇÃO É A PRIVATIZAÇÃO, O MAIS RAPIDAMENTE POSSÍVEL, DA COMPANHIA AÉREA DE BANDEIRA, A NOSSA ARRELIANTE (MAS NOSSA, QUAND MÊME) TACV.
Que diabos! Se quiserem manter a Dra. Cristina Duarte à margem, que faça bom proveito a quem isso interessar. Mas que chamem o Dr. Veríssimo Pinto e lhe peçam algumas lições sobre «MOMENTOS PARA COMPRAR E MOMENTOS PARA VENDER». Ele que não emita parecer algum sobre os TACV. Que se limite a elucidá-los de que há um momento certo para VENDER, outro, bem distinto, para COMPRAR, e um terceiro (com contornos um poucochinho mais flexíveis) para CONSERVAR (acções, empresas, etc.). E não tenho dúvida nenhuma de que, no final da prelecção, os responsáveis chegariam à conclusão de que este não é o momento para VENDER os TACV. Para doar, oferecer ou alijar, talvez.
Mas, ainda assim, a doação à SATA não seria uma boa ideia. Já que nos rendemos (abrir mão da empresa, AGORA, no seu pior momento, soa a rendição, desistência, confissão de incapacidade), então rendamo-nos à TAP ou a outra companhia de bandeira. Ou ofereçam-na a Alfredo Carvalho. Ele já tinha dito que a queria. Há mais de dez anos atrás!
Quero deixar claro que quando me refiro a um mau momento da empresa não significa que perfilhe qualquer das posições veiculadas pelos beligerantes. Penso é nos processos pouco claros, na quebra da liderança, na ausência de confiança nas relações entre administradores e trabalhadores, na tutela controversa, no desbaratar da credibilidade, na péssima publicidade que se vem fazendo da empresa. Que uma empresa não se resume a firma, capitais, know-how e mercado. Isso tudo é importante, sim senhora. Mas a empresa é muito mais do que isso. As relações que nela nascem, medram e lhe conferem identidade e cultura próprias, fazem a diferença. Enformam a empresa. Conferem-lhe personalidade e potenciam a qualidade do serviço. Se acontece deteriorarem-se…
Mas chega de tró-ló-ló. Privatizar a empresa neste EXACTO momento configura uma fuga em frente e uma atitude claramente lesiva dos interesses da Nação. A concretizar-se, seria mais uma cabo-verdura, a que TODOS NÓS, accionistas da res publica, deveremos nos opor. Do Presidente da República ao mais modesto eleitor.

Tuesday, April 8, 2008

FRONTEIRAS

"O mundo é um lugar perigoso de se viver, não por causa daqueles que fazem o mal, mas sim por causa daqueles que observam e deixam o mal acontecer." Albert Einstein

Quando se pára para ver o esforço de separação e afirmação dos Estados que foram mantidos, durante anos, preso na utopia da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas; quando se constata o esforço de afirmação de cada uma das nações dos Balcãs que, durante décadas, se viram manietadas pela camisa-de-forças que era a Jugoslávia; ou quando se pára para observar como, em África, um mesmo povo, de repente, passou a viver em países diferentes (caso dos Dogan no Burkina Faso, na Costa do Marfim e em outros países vizinhos; dos Tutsis e dos Hutus distribuídos por várias Repúblicas da África do Centro, só para citar os mais emblemáticos), fica-se com uma pequena ideia do papel das fronteiras e da violência daqueles que, fazendo orelhas moucas à história, seguiram traçando o destino dos povos na ponta de um lápis de cor.
D. Carlos (um dos últimos reis de Portugal) diante da arrogância dos ingleses teve a “brilhante” ideia de pintar de cor-de-rosa todo o segmento da parte austral do continente africano, ligando as costas do Índico (Moçambique) e do Atlântico (Angola), reivindicando-o para a coroa portuguesa. A D. Carlos só escapou o facto de que, para fazer valer o mapa cor-de-rosa, precisava de poderio militar significativo no local. Coisa que não tinha. Só para ter uma ideia do peso psicológico de uma linha qualquer de fronteira (ainda que riscada por uns aventureiros, sem levar em consideração os povos que ficam separados pelo traçado), hoje, se o mapa cor-de-rosa tivesse vingado, teríamos o Mugabe na CPLP e uma ligação bem mais forte com a SADC.
Mas as linhas de fronteira não separam apenas países e os problemas que trazem não são apenas políticos.
Veja-se o que acontece, por exemplo, nos povoados da linha de fronteira que separa o Brasil dos países vizinhos. Delinquentes brasileiros, desplazados da Colômbia e contrabandistas de várias nacionalidades, acabam transformando a fronteira em terra de ninguém, uma autêntica selva onde impera a lei do mais forte.
Virando-nos para dentro, somos confrontados com a situação de que nos dá conta a página 13 do número 843 (de 04/04/08) do Jornal «A SEMANA». O articulista, conquanto afoito por mostrar serviço (com a inflamação característica de um jovem que quer marcar a diferença), ainda assim consegue passar uma mensagem clara: a Vila Nova e os vila-novenses são vítimas da sua posição «geo-estratégica».
Na verdade, Vila Nova começou por ser o primeiro ponto de contacto, das pessoas que vinham do interior da ilha, com a cidade da Praia; com a expansão da cidade, perdeu esse papel para a Achada de São Filipe.
Entretanto, para se chegar ao Plateau (ou Riba-Praia, que para muita gente, é ainda, simplesmente, «a Praia») ou aos bairros novos do Sul da cidade, os residentes da Achada São Filipe, Monte-Agarrinha de Nhâ Joana, Safende, Tchetchénia, Calabaceira (e demais bairros nascidos da expansão da cidade, para Norte), precisam passar por Vila Nova, fazendo desse antigo bairro de açougueiros, comerciantes e mestres-de-obras, um ponto de passagem, pouco menos que incontornável. É a Vila Nova no seu novo papel de fronteira entre o novo e o velho; entre a situação social, económica e laboral do Sul e do Norte; entre a presença e a ausência de equipamentos sociais urbanos; entre a ausência e a presença de investimentos; entre remediados e desesperados.
E na fronteira tudo se mistura, tudo se confunde, nada se resolve. E é assim que um bairro (que tinha tudo para dar certo) começa a ganhar estigmas e ameaça se transformar em favela. Primeiro é a inépcia das autoridades que se deixaram surpreender pelas migrações e se deixaram levar pelos acontecimentos; depois é ausência das autoridades que deixa a regulação das diferenças nas mãos dos interessados; agora é a substituição dos poderes instituídos pela força das armas dos marginais. E há um problema novo no horizonte: o caciquismo. Muito possivelmente estimulado pelo desempenho de António Fagundes, no papel de Juvenal Antena, na novela «DUAS CARAS», da Globo.
Juvenal é rei e senhor da PORTELINHA, uma favela que ajudou a fundar. Populista, paternalista e déspota, recorre a um controlo férreo sobre tudo o que acontece na favela (lançando e cobrando «impostos», inclusivé) para determinar a sorte de cada morador. Nada acontece sem o seu beneplácito. Socorre os aflitos, mas, em troca, exige fidelidade absoluta e inquestionável; protege a favela, mas, em contrapartida, cobra choruda comparticipação nos lucros dos negócios; utiliza a Associação dos moradores e amigos da favela para exercer o controlo sobre a vida de todos. Ninguém se aventura a tomar qualquer decisão, por mais íntima que seja, sem o consultar. E veja-se o escarcéu que produziu, com ameaça de bazuca e tudo, por ter sabido, por terceiros, que o afilhado Evilázio estava para sair Vereador sem o haver, previamente, consultado. Felizmente, na novela, perde para seu afilhado, amigo e antigo braço direito. Na realidade, e no bairro, o cacique putativo perde para si próprio: nem consegue convencer o deputado do seu partido a incluí-lo na lista. E o compadre só não saiu candidato porque não quis. Porque nunca quis.
O paralelismo entre as duas comunidades é inevitável: a PORTELINHA é uma favela modelo, que faz a fronteira entre a Barra (e outros bairros «in» do Rio de Janeiro) e as favelas ditas «barras-pesadas»; VILA NOVA é (ainda) um bairro (velho, relho e gasto, é certo) com história, que faz fronteira com bairros mais novos, a braços com problemas sociais. E como fronteira, repesca o pior dos vizinhos e acaba sendo sede de confrontos com que, a maior parte das vezes, não tem nada a ver.
Mas os locais de fronteira não têm de ser, necessariamente, terras de ninguém; não há qualquer razão aparente para que a lei e a ordem primem pela ausência; não é forçoso que a população sucumba a qualquer projecto caciquista. Os desmandos que se verificam nas localidades fronteiriças encontram terreno propício porque as autoridades dos países vizinhos optaram por soltar a batata quente, quando o mais avisado seria sentarem-se a uma mesma mesa, para discutirem, equacionarem e resolverem a questão do exercício da soberania nessas localidades. São terra de ninguém porque não têm ouro, nem petróleo. Tivessem…
As localidades que, como a Vila Nova, se transformaram em fronteira entre bairros (ou grupos de bairros) de status diferenciados, em consequência da sua localização, não podem, também, ser deixadas ao Deus dará. Nem Vila Nova, nem os demais bairros que lhe ficam a montante e às quais dá passagem.
Vila Nova, Calabaceira, Safende, Tchetchénia, Monte Agarrinha de Nhâ Joana, Achada São Filipe e Ponta d’Água, precisam também ser vistos sob um novo prisma. Antes de mais, porque não é por culpa dos moradores que as coisas chegaram aonde chegaram. Depois, porque a redução das assimetrias internas de desenvolvimento e o investimento no reforço da coesão social constituem obrigação dos poderes. Ninguém poderá falar de desenvolvimento em Cabo Verde enquanto persistirem (e seguirem sendo aprofundadas) as assimetrias regionais de desenvolvimento. Ninguém ousará falar do desenvolvimento da Cidade da Praia (por sinal Capital da República de Cabo Verde) enquanto persistirem os hiatos sociais e as assimetrias de desenvolvimento entre os bairros periféricos do Norte, Sudeste e Sudoeste, por um lado, e os bairros planificados do Centro e do Sul. Como diria o grande «Che» Guevara, «ou há café para todos ou não há para ninguém».
Quanto mais fundo caírem a Vila Nova, a Calabaceira, Safende, Tchetchénia, Ponta d’Água, etc., mais frágil será a coesão social, mais complexos e mais complicados os conflitos, menos eficazes as autoridades, e mais insegura a cidade.
É preciso investir forte e célere na recuperação desses bairros e na qualidade de vida de suas gentes. É preciso que os poderes e as autoridades digam PRESENTE!, para que não sejam substituídos pelas gangs e por projectos de cacique.
E nesse propósito, Vila Nova pode desempenhar um papel importantíssimo. Estou imaginando uma delegacia municipal e uma delegação da Administração do Território sedeados em Vila Nova e comandando e coordenando as acções a partir de tal centro para o Norte. (1) Fazendo um levantamento circunstanciado das necessidades em infra-estruturas básicas e equipamentos sociais urbanos; um recenseamento sério dos jovens em idade activa e que estão no desemprego; um recenseamento rigoroso de jovens em idade escolar e que se encontram fora do sistema de ensino; um levantamento descomplexado das necessidades de orientação social (estou pensando na intervenção de assistentes sociais e de religiosos); um estudo sério virado para a revisão das relações da polícia com essas comunidades; um estudo aturado para identificação do que seria necessário para estabelecer, em Vila Nova, uma nova centralidade, desta feita positiva e virada para sociabilização das comunidades vizinhas. (2) Administrando incentivos à prática do desporto (futebol, basquetebol, vólei, futsal, andebol), da música, da dança, do teatro, cinema (pourquoi pas?); iniciativas aproximando as escolas aos pais e à comunidade em geral; apostas na organização da produção, com investimentos no know-how existente nessas comunidades; cooperação com as Igrejas visando tirar partido da experiência destas na mobilização e orientação da juventude. Estas podem ser algumas, de entre tantas possíveis, formas de intervenção na Vila Nova, e nos bairros circunvizinhos, com o escopo de (i) melhorar a qualidade de vida e minimizar os problemas sociais, (ii) esconjurar apetites caciquistas, (iii) reduzir as assimetrias de desenvolvimento, (iv) reforçar a coesão social e (v) dar um grande contributo para a instalação do clima de paz e de tranquilidade sociais por que almejamos todos e que, nos tempos que correm, têm um valor (de mercado) nada despiciendo.
E isso precisa ser feito agora. JÁ!