Friday, November 5, 2010

NUVEM E JUNO

“Nada é mais fácil do que se iludir, pois todo o homem acredita que aquilo que deseja seja também verdadeiro.”
DEMÓSTENES
Há cinco anos atrás, vivenciando um período similar ao presente, chamara a atenção de pessoas próximas de mim que pareciam acreditar que José Maria Neves seria um nabo, sem noção da realidade e que iria, ipso facto, perder as eleições do início de 2006. Alertei-as para o facto de estarem a laborar em um terrível equívoco já que Zé Maria não seria pêra doce para ninguém. Torceram o nariz ao meu aviso, ficaram na deles e… deram com os burros na água. Depois, foi aquele chorrilho de asneiras: que o cabo-verdiano não sabia votar, que então iria saber o que era bom para a tosse com um governo do PAI, etc. e tal. Até que, de cima, começaram a chover alegações de fraude. Deprimente!
Hoje, volvidos cinco anos, há gente que está tomando Nuvem por Juno. Desta feita, é o pessoal do PAI (militantes, simpatizantes e amigos) que está ensaiando a fuga em frente. Li, de um adepto ferrenho e habitué na lide de dar brilho aos metais do líder e do partido, que o máximo que o MpD vai conseguir é tornar a derrota ainda mais expressiva. De um antigo dirigente concelhio (Praia) li que o MpD não tirou as lições do que aconteceu em 2005/2006, que a vitória do PAI é assim tipo favas contadas e que, enfim, o MpD mesti muda.
Há dois/três meses atrás, eu próprio seria capaz de apostar na vitória do PAI nas eleições gerais de 2011. Veiga regressara, havia já um tempão, mas saltava à vista que não trouxera nada de novo: nada mais do que um discurso estafado, que parecia contar com a estafa do Governo de José Maria Neves para ganhar.
Sempre me parecera um erro táctico JMN começar a gastar pólvora com tchintchirote. Desde meados de 2008 (sensivelmente a meio da Legislatura) que o Primeiro-ministro e Presidente do PAI aproveita todas as oportunidades (as que cria e as que lhe caem no regaço) para apresentar a listagem das realizações do VII Governo Constitucional de Cabo Verde. Pensei com os meus botões: e quando aves suculentas, faisões e galinhas de Angola, começarem a sulcar o espaço, que munições usará o Premier?
Com a rentrée de Veiga, as coisas começaram a tornar-se descontroladas. Hoje parece claro que Veiga terá iludido o adversário, ao colar nele os rótulos de «estafado», «sem ideias», e quejandos. JMN querendo demonstrar que o Governo não estava estafado, nem tampouco ele, lança-se, num frenesi, a fazer coisas, a prometer coisas, a inventar coisas, parecendo pensar… cada vez menos. E é estranho. Coisa só explicável com recurso à síndrome do Segundo Mandato. Como consegue Veiga convencer Neves de que ele e o seu Governo estariam estafados, sem ideias, num momento em que a performance do Governo era absolutamente normal, própria de um Governo que em quatro anos dera corpo a um conjunto de coisas que prometera fazer em cinco? (É certo que com um pouco de malícia, JMN poderia ter doseado as coisas a modos de as concluir todas à beirinha do termo do mandato, ficando resguardado de qualquer incompreensão.) Mas não. Cai na armadilha, e, de lá para cá, está irreconhecível. E quando JMN não está tão lúcido como habitualmente, é todo o sistema PAI que entra em parafuso (uma das consequências da situação de partidos que «vivem» do brilharete do seu chefe: estando o comandante baralhado, toda a tropa fica de passo trocado). Veiga deve estar ainda espantado com os resultados alcançados.
Mas se os problemas do PAI se resumissem a esses percalços, as coisas ainda estariam bem. JMN é inteligente o suficiente para emendar a mão, conclamar seus generais, mudar estratégia e tácticas, e preparar a campanha com as doses certas de emoção, razão e malícia. O problema é que JMN escuta gente que acredita que este MpD pode ser derrotado como o de Agostinho em 2006. Confundir os dois momentos do MpD é tomar Nuvem por Juno. O que, só por si, baralharia qualquer conta.
Para começar, JMN enfrentou Agostinho em clima de completo relax. Tinha quase todos os trunfos na mão e sabia como usa-los; ao passo que Agostinho dava claros sinais de que pensava usar os poucos que tinha da pior forma. Um desastre anunciado e que JMN deixou em banho-maria até o momento crucial. Aí chegados, deu o golpe de misericórdia. Mas hoje tem um conjunto grande handicaps, coisas que em 2006 não o afectavam (nem pouco mais ou menos):
- O elenco governativo é o mais fraco, desde 2001;
- As sucessivas crises que abalaram o mundo, de 2007 a esta parte, deram uma terrível machadada nas metas propaladas e fruto de um voluntarismo inaceitável do Prime (crescimento a dois dígitos e desemprego a um dígito);
- A derrota nas autárquicas de 2008 foi, de longe, muito mais traumática do que a de 2004;
- A questão presidencial, que deixou fermentar, não tem qualquer paralelo com a de 2005/06;
- Lançou trunfos para a mesa, em momentos em que podia ir respondendo com «palhas» que não lhe deixariam falta, na fase crucial do jogo.
A agravar a situação, tem pela frente um Carlos Veiga que, tudo leva a crer, está muito bem assessorado, agindo com uma malícia que não estava ao alcance de Agostinho. Entre o MpD de Agostinho e este de HOJE, há um mundo de diferenças que, curiosamente, não está sendo tido em devida conta pelo adversário:
- Veiga, ao contrário de Agostinho, não nega os feitos do Governo. Pega no que falta fazer e estica-o até à exaustão;
- Veiga não se importa com o politicamente incorrecto. Mergulha na demagogia e expõe-se de uma forma despudorada, confiante apenas no poder da propaganda sobre as massas;
- Veiga não confronta JMN. Utiliza o MpD enquanto grupo, botando fortes remendos sobre os elos fracos, potenciadores de fissuras, e avança ostensivamente para envolver o PAI;
- Veiga, ao contrário de Agostinho, descartou a hipótese de um ONE against ONE - o famoso um contra um que ditou a (má)sorte de Agostinho – apostando claramente num duelo entre quem teve tempo de retemperar as forças (o MpD) e quem desbaratou energias e está sem alento (PAI). Consciente de que o seu fulgor já não é o de outrora e sentindo que, ao contrário de JMN – sempre um osso duro de roer -, o PAI pode ser uma presa fácil, puxa por um confronto PAIxMpD.
E o PAI e JMN devem estar mesmo envolvidos pelo MpD, já que parecem reagir como este quer. E a continuar assim, as previsões de António Neves e de José Maria de Pina parecem estar condenadas a falhar. Não sei quem está manobrando as coisas no campo do MpD, mas a verdade é que está conseguindo resultados melhores do que os esperados. E o curioso é que isso acontece mais por acomodação ao papel de complementar do PAI, do que propriamente pela «bondade» das proposições do MpD. Aliás, em termos de ideias e propostas, isto está um autêntico deserto: Veiga e o MpD ficam-se pelos outdoors carregados de demagogia, enquanto o PAI, embalado pela voz inebriante do seu chefe, elenca as infra-estruturas construídas, inaugura as últimas, lança as primeiras pedras das futuras, antecipa o pacote de projectos a financiar pelo MCC e vai ao paroxismo de pretender vender o Programa de Infra-estruturação para o período 2011/2015 como plataforma eleitoral para as eleições de 2011. Infra-estrutura é coisa boa e a gente gosta e precisa, mas nem só de infra-estruturas se vive. Aliás, chegados aonde chegamos, as nossas necessidades tornaram-se bem mais, digamos, requintadas, razão porque hoje o cabo-verdiano quer ver satisfeitas tanto as necessidades físicas como as espirituais. Se não for apenas para agigantar as possibilidades de Manuel Inocêncio, face à concorrência (interna e externa), por favor, apresentem-se propostas com soluções para os problemas que teimam em constranger o nosso desenvolvimento. Medidas e obras, sim, mas portadoras de soluções para os desafios do século e do milénio.
No momento, não sei de alguém, de bom senso, que garantisse qual dos lados sairá vencedor do pleito do início de 2011. Mas de uma coisa estou certo. Aliás, de duas:
- A primeira é de que se JMN se guiar pelas profecias de António Neves e de José Maria de Pina e continuar a seguir os dedos do prestidigitador que está por detrás de Veiga, perde as eleições;
- A segunda é de que se Veiga dormir à sombra da bananeira, pensando que tem JMN lá onde o quer (e que este não vai acordar do transe) e que pode continuar a tratar os eleitores da forma despudorada como vem fazendo, dar-se-á conta, porventura tardiamente, que esteve cavando a própria sepultura (política, entenda-se).
Talvez o melhor mesmo seja cada um, e cada qual, comprar um par de binóculos e assestá-lo para os céus. A ver se não confunde Nuvem com Juno.

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