Monday, May 10, 2010

COLAPSO ANUNCIADO

“O problema não é que eles não enxergam uma solução, mas que eles não enxergam o problema.”
Charles F. Kettering
Mané Sassá Pé de Zuarte era trabalhador rural. Cobrava 500$00 pelos dias que trabalhava e gastava 500$00 todos os dias. Como não trabalhava todos os dias (na melhor das hipóteses trabalhava cinco dias por semana, vinte e dois por mês), tinha uma receita de onze contos e uma despesa de quinze. Como era um rapaz de boas famílias, honesto e trabalhador, sempre achava forma de cobrir os quatro mil escudos de que necessitava para manter o nível a que se habituara.
Chico Fino era operário numa fábrica de montagem de automóveis e a mulher trabalhava em uma fábrica de sapatos. Juntos, levavam para casa qualquer coisa como 1.100 Euros. A alimentação, os transportes, a escola dos putos, a amortização da casa e os arrebiques da patroa, colocavam a despesa do casal perto dos 1.300 Euros/mês. O 13º salário, o subsídio de férias e uns emprestimozitos (cada vez mais gordos) acabavam financiando a diferença entre as receitas e as despesas.
João Vaz era funcionário público. Tinha um ordenado líquido de 85.000$00 e a «patroa» levava para casa qualquer coisa como 45.000$00. A amortização dos empréstimos para aquisição das passagens das últimas férias nos Estados Unidos, do automóvel e da casa própria, a alimentação, o vestuário, o calçado, o salão de beleza e factura da discoteca da moda (gente jovem precisa se divertir, relaxar, caramba!) faziam com que as despesas do casal Vaz se situassem à volta dos 150 contos mês. Não tinham o 13º salário, nem subsídios de férias, mas, com um pedido de antecipação de salário aqui, um vale além, uma livrança acolá, lá seguiam a sua vidinha.
Passados dez anos sobre o início da verdadeira maratona de ginástica que era a sua vida, Mané Sassá tinha uma dívida que poderia ser considerada colossal se se levar em linha de conta os seus rendimentos (que não sofreram qualquer incremento, diga-se em abono da verdade). Devia ao conjunto dos credores quase um milhão de escudos: os quatro mil escudos mensais, durante 120 meses, mais os juros e demais alcavalas legais. Estava arruinado e continuava a precisar de mais do que ganhava.
Chico Fino e esposa estavam em situação similar. Com uma agravante – estavam desempregados. A montadora de automóveis decidira deslocalizar a fábrica para a Coreia e a fábrica de sapatos fechara diante da concorrência chinesa. O casal estava devendo qualquer coisa como 50.000 Euros (os 200 Euros mensais, com os juros, as custas judiciais e as despesas de procuradoria, tinham colocado a inadimplência do casal em tal patamar). Falência total.
João Vaz não estava em melhor situação. Nos dez anos decorridos, a dívida do casal Vaz estava raiando os 5.000.000$00. Os juros das livranças, o ágio dos vales (recebia 20 contos, mas passava um vale de 25), os juros dos adiantamentos de vencimentos, tudo somado, tinham levado o jovem casal ao precipício.
Que futuro para o Mané Sassá, para o Chico Fino e para o João Vaz? Pejados de dívidas, sem crédito, com o ordenado penhorado, como, sequer, sobreviver? Haverá alguma saída para os nossos amigos? Teriam podido evitar o colapso? Afinal, como foi mesmo que os nossos amigos chegaram à situação em que se encontram?
Os nossos amigos chegaram à situação deplorável em que se encontram por uma razão muito simples: gastavam mais do que ganhavam. E quem assim se comporta, não tem como escapar ao colapso.
A regra de ouro é esta: NUNCA GASTES MAIS DO QUE GANHAS. De facto, quem ganha 100, não pode gastar 110. Pode financiar a diferença hoje e amanhã (e a que preço!), mas não tem como manter a situação controlada. E não estou pensando apenas nos indivíduos. O princípio é válido tanto para indivíduos e casais, como para grupos, empresas e equipas de futebol (amador ou profissional, não importa). E para os Estados também.
Um país, como o nosso, pobre e insular; sem recursos naturais; que importa quase tudo que consome; e que exporta muito pouco (ou quase nada); não pode dar-se ao luxo de importar maçãs para alimentar porcos, por exemplo. Mas fizemo-lo: um antigo Primeiro-ministro se gabou do feito em uma campanha eleitoral cá no burgo. As viaturas que por aqui circulam, autênticas «bombas»; a quantidade de combustível queimado; os palácios e as mansões que foram aqui levantados; a decoração, das Mil e Uma Noites, dos mesmos palácios e mansões; a pompa com que saudamos os baptizados, o crisma e outros sacramentos; os exageros dos «juízes» que transformam festas em louvor a Santos em regabofes pagãos; os caros hábitos de gozo anual de férias nos Estados Unidos e na Europa; os excessos que começam a ser notados no volume e, sobretudo, no valor das prendas pelo Natal, Dia da Mãe, Dia do Pai, Dia dos Namorados, Dia da Mulher, Dia de São Nunca (que sei eu!?); a chusma de viaturas de chapa amarela que, nos fins-de-semana, queimam combustível pago pelo OGE; até a «nossa» Paródia de cada dia (onde não se pede nada menos do que whiskies de 12 anos); passam a imagem de um país onde se vive acima das reais posses: tanto os cidadãos, como os Governos (Municipal e Nacional).
Diante do que acontece agora na zona Euro (zona com a qual mantemos uma relação muito estreita), com os colapsos anunciados da Grécia, Portugal e Espanha, não será chegada a hora de repensarmos o nosso estilo de vida?
Tivemos a sorte de ter Ministros das Finanças super responsáveis, austeros mesmo, (Carlos Burgo, João Serra, even Cristina Duarte) e, talvez por isso, ainda tenhamos tempo para inverter a tendência das coisas. Mas para isso, seria preciso que já o Orçamento de Estado em execução tivesse sido mais… digamos, comedido. Vai sendo também preciso entregar, de facto, as rédeas da situação à Ministra das Finanças (que o Burgo e o Serra sofreram pressões de toda a ordem), permitindo que ela (mais a equipa) execute seu plano sem interferência do calendário eleitoral. Depois… depois, será decidir, de uma vez por todas, e enquanto ainda temos soberania e liberdade para jogar com as taxas de juros, o que é que pretendemos: se ESTIMULAR O CONSUMO, se ENCORAJAR A POUPANÇA. Se se quer embarcar na onda consumista, continuando na senda do endividamento das famílias e do Estado; ou se se quer adiar o consumo, encorpando a poupança nacional, permitindo aos cidadãos e às empresas nacionais participar na próxima vaga de privatizações.
Pense-se o que se pensar, a hora é para uma baita reflexão sobre como vivemos e sobre como queremos que seja o nosso amanhã. Para evitar que, como cantou Zeca de Nha Reinalda, tenhamos a dolorosa “surpresa da purgueira” - que NÔTI BERDE, MANCHÊ AMARELO (alusão a uma súbita, e amarga, mudança de status).

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