Thursday, April 15, 2010

DJOY, NHA TONGA E LICÍNIA

«Qualquer criança quando nasce é um génio; 9.999 em cada 10.000 são completa e inadvertidamente silenciadas pelos adultos.»
BUCKMINSTER FULLER
Djoy, Nha Tonga e Licínia. Parece a linha média de uma equipa que tenha optado pelo esquema táctico 4x3x3, 4x1x3x2, ou estratégia similar. E, de certa forma, reflecte a composição de um meio-campo: é o elenco da linha média que influenciou, decisivamente, a vida e o futuro de Nha Tonga. Era para ser um losango, mas o vértice inferior do quadrilátero – a família - baqueou. Desertou. Confuso? Vamos contar a estória do princípio.
Era uma vez um rapaz chamado Nha Tonga (o nome adveio-lhe da amizade que o ligava à senhora que distribuía as refeições quentes na Escola da Vila Nova, de seu nome Nha Tonga, viúva do saudoso Val). Nha Tonga levava uma vida normal, até que escutou umas estórias narradas por retornados, as quais faziam com que actos considerados de delinquência parecessem simples partidas pregadas a incautos. De tanto escutar, Tonga resolveu montar seu próprio grupo e estabelecer ele próprio as regras do jogo. Só havia um óbice: como sair em altas cavalgadas, noite adentro, sem que os familiares, lá de casa, dessem pela sua ausência? Experimentou um dia chegar depois da meia-noite e… nada. Ninguém o chamou à atenção. Experimentou ficar na rua até às 3 da manhã e… nada. Resolveu um dia não dormir em casa e… népias. Concluindo que ninguém já se interessava pelo que lhe pudesse acontecer, lança-se na operacionalização das ideias que lhe iam pela mente: cria o grupo Al-qaeda, de que seria o chefe absolutista. Nha Tonga relata que fez e desfez, que mergulhou fundo no reino dos thugs, até que… apareceu Djoy na sua vida.
Djoy é um jovem de uma família numerosa (oito irmãos, sete rapazes e uma rapariga) que teve a sorte de sempre poder contar com o arrimo de um trinco irrepreensível – a família – que enobrece a camisa 6 que enverga. Vendo o rumo que a vida de Nha Tonga tomava, Djoy (que trabalhava na secretaria da Escola Secundária Alternativa) convida este a voltar à escola. Sem possibilidade de pagar as propinas, lá vão os dois jovens da Vila Nova, aos trancos e barrancos, levando a ideia avante. Diante das investidas da Licínia (Marques – a dona da escola) Nha Tonga safa-se pela tangente até terminar o 10º ano. No 11º ano aparecem-lhe alguns bicos e paga, como pode, alguns meses. Precisando do certificado do 11º ano, para poder se candidatar a um emprego mais seguro, Nha Tonga só obtém o precioso documento porque Licínia entra jogada e arrisca passar o documento, apesar de não ter recebido nem a metade das propinas devidas. Entretanto, Nha Tonga apaixona-se por uma colega do 12º ano e decide juntar os trapinhos com a eleita do seu coração. No momento, Nha Tonga e a amada curtem, babados, o filho nascido do seu amor; tem o seu emprego garantido; paga as suas propinas a tempo e horas; e discute as notas que os professores lhe atribuem no 12º ano, que lhe está a correr de feição. A Amizade do Djoy, a Solidariedade da Licínia, o Amor da sua cara-metade, e a Empatia dos colegas da Escola Alternativa, libertaram Nha Tonga da vida de violência que abraçara (quando não vislumbrava alternativa nenhuma para a sua vida) e transformaram-no em trabalhador-estudante de sucesso e em prova viva de que, nesta vida, há solução para tudo. E, sobretudo, a rua ficou com menos um thug. Aliás, Nha Tonga não era um thug qualquer. Era, nem mais, nem menos, um chefe: o chefe da Al-qaeda da Vila Nova.
Mas Nha Tonga não se satisfaz apenas com a sua conversão. Com o apoio de Djoy (novamente este herói), leva onze membros do seu antigo grupo para frequentar a Escola Alternativa. Fornecem-lhes cadernos, esferográficas, tudo o que as suas reduzidas posses lhes permitiam. Mas aí, veio ao de cimo a intransigência dos colegas da escola: os mesmos que se renderam à simpatia de Nha Tonga (ele é, de facto, irresistível) apontaram o dedo aos ex-integrantes da Al-qaeda, não tiveram a mínima generosidade, levando a que acontecesse o inevitável – os discípulos de Nha Tonga abandonaram o «mestre» e voltaram às ruas, indo engrossar a fileira dos thugs.
Como Nha Tonga, existirão centenas de jovens que foram forçados a deixar a escola; filhos a quem os pais, empenhados na busca do pão, não deram a atenção necessária; meninos que escutam, aqui e ali, estórias de delinquentes que se deram, aparentemente, bem; adolescentes que ficam sabendo que são inimputáveis; teenagers ávidos de poder (poder paralelo, mas, quand-même, poder), que lhes permita contar com uma réstia de respeito na comunidade (na verdade, infundem é temor, que confundem com respeito); enfim, miúdos que, muito cedo, tiveram que conquistar o respeito necessário para poderem continuar a viver na selva que são as nossas ruas. Mas… quantos Djoys e quantas Licínias existirão para os Nha Tongas desta vida? E a generosidade dos colegas (os tais que têm a sorte de poder contar com o arrimo da família) vai até onde? Na Alternativa, acharam que doze Nha Tongas eram demais. E, agindo em consequência, abortaram o processo de recuperação de 11 jovens e puseram em causa (ou não deixaram vincar o suficiente) uma estratégia que poderia salvar centenas de jovens.
Que lição tirar deste capítulo da história da vida de Nha Tonga? Muitas. Todos os jovens a quem chamamos thugs têm pais e/ou padrinhos e/ou tios e tias e/ou primos e primas e/ou amigos e amigas, antigos professores, antigos colegas de escola, vizinhos. Se em cada uma dessas relações, as partes mais estáveis assumissem o respectivo papel, imitassem o Djoy, quantos jovens não sentiriam tremer na base a convicção de que não tem outra alternativa senão a delinquência? Se optassem seguir a solidariedade e a generosidade da Licínia, quantos jovens não veriam seu horizonte ampliado (possibilidade de concluir os estudos, de encontrar uma colega bonita e jeitosa e um emprego que garanta o pão-de-cada-dia)? Se acreditassem na capacidade de regeneração do parente, amigo, «conhecido», vizinho, ex-colega, ex-aluno, quantos jovens mais poderiam triunfar, i.e., abandonar a violência e a delinquência, concluir os estudos, conseguir emprego, formar família? Afinal, se o meio-campo que apoiou Nha Tonga conseguiu os resultados que conseguiu, porque outras linhas médias, se montadas a preceito, não conseguiriam? Se Djoy, Licínia e Nha Tonga (sem a disponibilidade deste, nem a Amizade, nem a Solidariedade, nem a Compreensão e nem mesmo o Amor, conseguiriam os resultados conseguidos), porque outros não conseguiriam?
Mas será que nos empenhamos o suficiente? Não desistimos cedo demais dos entes das nossas relações que descarrilaram? O facto de termos metido na cabeça que compete ao Estado, em regime de exclusividade, a resolução dos problemas que nos oprimem, não complica um pouco? O facto de o próprio Governo, durante algum tempo, ter deixado perpassar tal ideia, equacionando intervir apenas pela via repressiva, recrutando mais e mais agentes para a Polícia Nacional, não terá desmobilizado muita gente?
Agora, diante do sucesso da iniciativa do Djoy, não será chegada a hora de, cada um, na sua esfera de influência, contribuir, com a sua quota-parte, para a resolução do problema que nos aflige? Os jovens – todos, os que têm apoio familiar e os outros, os entregues ao «Deus dará» - disponibilizando-se para fazerem parte da solução do problema, envolvendo-se na procura das melhores soluções para cada caso (que cada caso é um caso). O Estado, esse, assumindo a liderança do processo. É que não tem como escapar de tal papel. Competir-lhe-á não só ir apagando os «incêndios» já deflagrados (com recurso aos militares, sendo necessário, apesar dos riscos inerentes à preparação que estes recebem – aniquilar o inimigo), como também investindo na prevenção de incêndios futuros (com recurso a coerentes políticas para a juventude, educação, saúde, emprego, desporto), e não perdendo nunca de vista que prevenir sempre foi melhor, e mais barato, do que remediar.
Bem hajam o Djoy, a Licínia, o Nha Tonga, e todas as mulheres e homens de boa-vontade que se disponibilizarem para participar em um processo que vise equacionar e resolver o problema de violência que nos inquieta.
Podemos esperar resultados positivos? Respondamos com Barack Obama: YES, WE CAN.

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