Monday, October 25, 2010

LIDERANÇA - Da Teoria do Grande Homem à Liderança Situacional

“A origem da liderança está na assimetria da relação interpessoal, decorrente da maior concentração do poder de influência em um dos participantes da relação.”
RUY DE ALENCAR MATTOS
A liderança constitui um fenómeno relacional ou interpessoal e não um atributo da personalidade individual. De um tal ponto de vista, é de todo impossível conceber-se o líder sem os liderados, assim como não se deve estranhar que alguém pode ser líder numa relação e liderado noutra.
A abordagem, hoje, da questão da liderança foi-me imposta pela realidade detectada, entre nós, por sucessivos estudos de opinião, de os líderes terem maior projecção do que os respectivos partidos, quando, ao cabo e ao resto, são estes que tornaram aqueles especiais. Em entrevistas que foram ao ar na passada Quinta-feira (21/10) na TCV, Carlos Veiga considerou que isso não era bom, enquanto José Maria Neves acha isso perfeitamente normal.
Para início de conversa, as referidas declarações dizem tudo dos respectivos autores: CV já experimentou desse cálice e não gostou; enquanto JMN demonstrou que não conseguiu aprender muita coisa com Pedro Pires, em relação a estilos de liderança, nem pretende aprender com os erros de que hoje Veiga se penitencia.
Pedro Pires dá-nos, no ano 2000, uma magnífica lição de liderança situacional. Nesse ano, depois de conduzir o PAI à sua primeira (e até agora única) vitória em eleições autárquicas – reconquista, em Santiago, as Câmaras da Praia (com Felisberto Vieira), de Santa Cruz (com Orlando Sanches), de Santa Catarina (com José Maria Neves) e só por causas estranhas e ainda não explicadas devidamente não ganha a do Tarrafal (com Arnaldo Andrade) – e de conquistar a pole position para as eleições gerais, pede, ainda assim, a convocação de um Congresso electivo. Quando tinha um mandato e uma legitimidade que lhe permitiam ficar à frente do partido até às Legislativas. Razões? Pires aprendera a lição com a derrota sofrida nas eleições de 91 e com as dificuldades de liderança por que passou o seu partido nos primeiros anos da II República. Regressando à liderança, formal, do PAI, desta feita, não açambarca o poder e abre espaço para a emergência de novos líderes. Deu espaço e chances a Felisberto Vieira (na esfera parlamentar e junto das massas); a José Maria Neves (junto da Juventude, das elites, e mesmo na frente parlamentar, onde, apesar de este o ter desafiado – com registos difíceis de esquecer como aquela de que PIRES JÁ TINHA DADO TUDO O QUE TINHA A DAR – não se opõe à sua escolha para a 2ª Vice-Presidência da AN); a Basílio Ramos (a quem abre o caminho para ocupar a posição de ideólogo/estratego do partido deixada vaga por Olívio Pires). Num segundo plano tinha ainda Aristides Lima, Arnaldo Andrade e Manuel Inocêncio e Júlio Correia, crescendo, crescendo. E foi vê-lo dando aos seus rapazes (Filú, Zé Maria, Basílio, Arnaldo, Djury) ampla autonomia (liderança situacional) por ocasião das eleições autárquicas de 2000. Zé Maria aproveita essa liberdade e personaliza a sua campanha em Santa Catarina, reduzindo ao mínimo a presença dos símbolos do partido e apresentando-se como um filho de Santa Catarina que escolheu servir o Município. Nem Veiga, nem JMN, nem Jorge Santos, nenhum deles nunca deu tamanha autonomia, por exemplo, aos seus candidatos a Presidente de Câmara. Por falta de confiança, por défice qualitativo dos candidatos, ou por vontade de açambarcar as atenções da mídia e deliciar-se com as luzes da ribalta, a verdade é que nenhum deles nunca teve nem a generosidade, nem o desprendimento de Pires. E isso faz de Pires o único exemplo nacional a ser seguido em matéria de estilo de liderança.
A comparação entre a história do MpD pós-Veiga e o que espera o PAI pós-JMN, por um lado, e a do PAI que Pires deixou, por outro, dá-nos a medida exacta de qual o estilo de liderança que serve melhor os partidos e que lhes dá a devida cotação. Enquanto Pires se retira e deixa o partido com uma plêiade de bons candidatos, todos com a necessária aptidão e carisma para assumir o partido e conduzi-lo ao poder, o MpD pós-Veiga ficou tão perdido que teve que apelar pelo regresso deste; e o PAI pós-JMN passará as passas do Algarve, em consequência da gestão que o líder faz dos espaços e das oportunidades: o líder ocupa demasiado do espaço nacional, deixando os seus generais, que deveriam ser co-líderes, circunscritos aos respectivos espaços de origem.
Contudo, os líderes com maior projecção do que o próprio partido, tipo Veiga e JMN, não são de todo responsáveis por tal estado de coisas. Sendo a liderança um fenómeno relacional, a assimetria de espaços ocupados pelos entes presentes na relação varia com a maturidade do grupo em questão. Quando a maturidade do grupo leva a que os seus integrantes cultuem o líder como «o Grande Homem», pouco menos que um Iluminado, Eleito ou Escolhido, vale a tese de Thomas Carlyle. Para Carlyle - um dos maiores responsáveis pela concepção do líder como «o Grande Homem» - “entre as massas indistintas e semelhantes a formigueiros existem homens iluminados e chefes, mortais superiores em poder, coragem e inteligência. A história da humanidade é a biografia desses indivíduos, a vida de seus grandes homens”. Aqui, na maioria dos casos, é o papel complementar assumido pelos liderados, dando demasiado espaço e liberdade ao líder (sobre o líder não é exercido qualquer controlo pelos liderados) o responsável pela subordinação de tudo e de todos aos desejos e ambições deste. As pessoas abdicam de toda a iniciativa, abrem mão de sonhos e ambições, e dedicam-se a servir e a glorificar «o Grande Homem».
Felizmente, a teoria do grande Homem não é monolítica. Várias correntes divergem e combatem a ideia do líder dominador, heróico e superior. Pedro Pires (o da II República) e eu próprio, estamos mais para a tese de John Stuart Mill. Com Stuart Mill, o «meu» líder é “um libertador da sociedade de seus grilhões de massificação e conformismo. Um indivíduo que aposte na criação de tantos centros de pensamento independente quanto possível, e cujos poderes de persuasão seriam utilizados para esclarecer os demais e lhes fornecer uma aptidão robusta para um pensamento crítico e independente”. William James melhora ainda um pouco as coisas, ao inserir na relação do líder com seus adeptos, ao invés da dominação, a necessidade da conquista da mútua compreensão e o fortalecimento da interdependência entre eles. Num quadro destes, o líder continua respeitado por mil anos que viva; o grupo sobrevive a qualquer intempérie; e a sucessão do líder não traz problemas de maior. E, principalmente, o grupo, o partido, ganha maior – muito maior – projecção do que qualquer liderança conjuntural.
Veiga tem razão em considerar não ser nada bom essa do líder com maior projecção do que o partido e sente-se que procurará melhores caminhos para garantir a continuidade do MpD após a sua partida definitiva. José Maria Neves vai precisando acautelar a sua sucessão. Não se lhe exige que escolha um delfim (sabendo que isto não é um delfinato, continua, ainda assim e como quem não quer nada, a investir no Inocêncio, tentando fazer dele seu delfim - sui generis, porque mais velho do que o protector), mas vai ter de dar mais espaço aos seus generais, admiti-los como co-líderes que são, e fornecer-lhes a tal robusta aptidão para um pensamento crítico e independente. Que o fundamental é o líder não preferir seguidores acríticos a colaboradores leais e, sobretudo, não recear que estes lhe façam sombra. É que não existe tal perigo.
O fenómeno só se verifica porque, na verdade, os partidos elegem um Chefe (Secretário-Geral, Presidente) e confiam que ele se transformará em Líder. Só que essa passagem não é fácil, nem linear. E dependendo do uso que fizer do seu poder de influenciação e da margem de manobra que lhe for concedido, a intervenção do chefe/líder, pode ir da simples emissão de alertas (liderança fraca) até à fanatização (liderança dominadora), num contínuo de intensidade de influência que passa pela sugestão, persuasão, orientação, imposição e sedução.
Ponham-se os militantes na pele de accionistas e considerem seu partido uma grande empresa e seu Presidente o CEO da empresa. Acham que é coisa boa o CEO da vossa empresa ter melhor cotação do que a empresa? Conseguem imaginar o que acontece às vossas acções se ele anunciar que vai deixar a empresa? Despencam! E isso é PÉSSIMO! Líderes com mais projecção, do que o partido que lhe dá visibilidade? Acontece. Mas não é NATURAL. Nem NORMAL. E, como se viu, pode ser PÉSSIMO.

Wednesday, October 20, 2010

VÍTIMA OU ALGOZ?

“O homem poderoso que junta a eloquência à audácia torna-se num cidadão perigoso quando lhe falta bom senso.”
EURÍPEDES
Não parece ser difícil, em uma determinada situação, a identificação de quem é algoz e quem é vítima. Em um cenário em que se opõem o lobo e o cordeiro, não haverá dúvidas de que o lobo é o algoz e o cordeiro, coitado, a vítima. Numa disputa entre lobos, já fica difícil discernir quem é quem.
Aprendi, há que tempos, que o homem é o lobo do homem (Thomas Hobbes), querendo isso dizer que o instinto social do homem é pouco mais do que inexistente e que o homem não tem muitos pruridos quando resolve se desfazer do opositor. Ao contrário, por exemplo, dos lobos. Os lobos não se mordem, têm um instinto social muito desenvolvido, só se envolvendo em disputas quando se torna necessário conquistar a liderança da matilha. Que se saiba, nunca os lobos (nem nenhum outro animal, excepção feita ao HOMEM) planearam, organizaram e dirigiram a eliminação de seus semelhantes em confrontos de âmbito planetário.
Serve este intróito para chegar ao quadro em que se debatem o Engenheiro José Sócrates (Primeiro-ministro da República Portuguesa) e o Dr. Pedro Passos Coelho (líder do PPD/PSD).
José Sócrates lidera um Governo sem a necessária maioria para aprovar o Orçamento do Estado. Recebeu esse presente de grego nas eleições de Setembro de 2009, ficando refém dos demais partidos, maximé do PPD/PSD. Tendo, agora, que aprovar um orçamento super restritivo, com amplos cortes nas despesas e um agravamento doloroso dos impostos, Sócrates enfrenta tanto os partidos da direita (que entendem que ele está crucificando a classe média), como os da esquerda (que acham que ele está fazendo os mais pobres pagarem a crise e os dinheiros ofertados aos banqueiros aventureiros). Os fiscalistas, por seu lado, dizem que em vez agravar os impostos (que se traduzirá na lei do menor esforço, em que se faz com que aqueles que sempre pagaram paguem mais, deixando os relapsos tranquilos no seu canto) devia o Governo combater a evasão e a fraude fiscais (alargando a base tributária, fazendo com que aqueles que tradicionalmente fogem ao fisco passem agora a pagar). Um orçamento considerado pela maioria dos analistas como um mau orçamento.
Pedro Passos Coelho chega à liderança do PPD/PSD em meio a uma das maiores crises orçamentais do pós-Estado Novo. Face a um Governo sem a maioria necessária e com um Chefe ainda com alguns tiques do tempo em que usufruía de maioria absoluta, o jovem Passos Coelho entra e vai com alguma sede ao pote, deixando subentendido, não raras vezes, a possibilidade de fazer cair o Governo. Parecia, de facto, que havia soado a sua hora. Estimulado pelos primeiros resultados de estudos de opinião, inventa uma proposta de revisão constitucional que lhe deixa com água pelas barbas (que não usa). Começando a intervir às bolandas, dá algum espaço de manobra a Sócrates, que, matreiro, lá foi levando a água ao seu moinho, até à situação em que o actual Presidente da República já não pode dissolver o Parlamento (que levaria a subsequente queda do Governo).
As coisas chegaram a um ponto tal que, mesmo que o Orçamento de Estado não for aprovado, ainda que o Governo perca a confiança do Parlamento, o Governo, ainda assim, não cairá, imediatamente. Continuaria em gestão corrente até Maio de 2011. Quer dizer que se Passos Coelho fizer cair o Governo, vai ter de esperar até ao Verão para ir a eleições e tentar chegar a Primeiro-ministro. E digo tentar porque não resultará claro, para os eleitores, quem é o ALGOZ e quem é a VÍTIMA.
Portugal encontra-se numa situação económica muito parecida com aquela que levou Oliveira Salazar ao Ministério das Finanças, primeiro, e à Presidência do Conselho, mais tarde. A saída da crise, em democracia, não permitirá a tomada de posições unilaterais, do tipo daquelas assumidas por António Salazar e Afonso Costa. Hoje há que construir a maioria necessária para adoptar, democraticamente, o remédio para o mal que assola o país. Sócrates ensaia uma fuga em frente, mas, breve, volta aos carris e apresenta uma proposta de orçamento possível para ultrapassar a crise, isto é, para manter o défice, no próximo ano, nos 4,5%. As soluções poderão não ser as melhores, mas, no momento, mui dificilmente se terá tempo para ensaiar algo melhor. Há um amplo consenso acerca do facto de se estar perante um MAU orçamento.
Que resta a Passos Coelho fazer? Chumbar o MAU orçamento (e deixar o país sem orçamento) ou aprová-lo e deixar o seu nome e a sua liderança ligados a um tal orçamento? Chumbando o orçamento (votando CONTRA, assim com já prometeu a CDU, pela voz de Jerónimo de Sousa), o país fica sem orçamento e Sócrates pode ou não cair.
Imaginemos agora que Sócrates caia com o chumbo do orçamento. Nesse caso, o Governo de Sócrates, ou outro - de iniciativa presidencial - continuaria a fazer a gestão corrente, à base dos duodécimos do OE de 2010 (em parte responsável pelo agudizar da crise). As eleições só aconteceriam no Verão de 2011. E quem ganharia essas eleições antecipadas? Passos Coelho?
As eleições antecipadas do Verão de 2011 seriam, previsivelmente, ganhas pela vítima, que se identificar, do estado de coisas que levou à dissolução do Parlamento. E quem é a VÍTIMA? Se Passos Coelho conduzir as coisas com mão de ferro, se for precipitado e se deixar levar por ímpetos imediatistas, de tal modo que lhe possa ser debitada a queda do Governo, não será a VÍTIMA, mas o ALGOZ. E não será algoz apenas de Sócrates e do PS. Será algoz da economia portuguesa e do estilo de vida dos portugueses. Porque entre dotar o país de um mau orçamento e deixá-lo sem orçamento, não há dúvida possível: É PREFERÍVEL UM MAU ORÇAMENTO A NÃO TER ORÇAMENTO NENHUM. O país já tem fortes restrições de crédito lá fora, o dinheiro a que ainda tem acesso custa-lhe os olhos da cara, e estão os homens de Bretton Woods de malas feitas para marchar sobre Lisboa. E já se sabe: quando o FMI assume as rédeas da situação, há que fazer novos furos aos cintos. A doer. E quem fizer acender a luz verde para a intervenção do Fundo Monetário Internacional pagará uma pesada factura. Não restam dúvidas de que, nesse caso, ficaria difícil a Passos Coelho ganhar o direito a ocupar a Residência Oficial de S. Bento.
Pedro Passos Coelho tem apenas dois dilemas a resolver. E qualquer deles de solução simples. Entre dotar o país de um MAU ORÇAMENTO e deixá-lo SEM ORÇAMENTO, a solução é simples: na actual conjuntura, antes ter um MAU ORÇAMENTO do que não ter Orçamento nenhum. Entre ser ALGOZ e ser VÍTIMA, e não podendo vitimizar-se por aí além, basta-lhe não assumir o papel de algoz. Da economia, de Portugal, dos portugueses. Basta-lhe seguir os conselhos de Manuela Ferreira Leite, optar pela ABSTENÇÃO e, sobretudo, DECLARAR A INTENÇÃO DE SE ABSTER, ainda antes do dia 28 – dia agendado para discussão do OE no plenário da AR. No mais, será o aproveitamento da declaração de voto para alegar que só o seu alto sentido de estado, sua preocupação com a economia, com Portugal e com os portugueses e a consciência do mal que adviria se OE não fosse aprovado, é que o levaram a não chumbar um orçamento tão ruim. Fundamentalmente, Passos Coelho tem de evitar o estigma do algoz e evitar dar espaço para a vitimização de José Sócrates.
Já Sócrates precisa recorrer aos seus dotes histriónicos e se vitimizar até mais não poder. E ele e a sua clique têm até aos últimos momentos da votação do orçamento para provocarem a ira do jovem Passos Coelho e levá-lo a dar um mau passo, chumbando o orçamento e assumindo todo o odioso da situação em que o país ficará. Sócrates poderá cair, mas fá-lo-á na condição de mártir. E tudo fará para que a culpa não morra solteira, que é como quem diz, fará tudo para que a (ir)responsabilidade seja debitada a Passos Coelho e ao PPD/PSD.
Explorando ao máximo o trauma que tem sido a inexistência da maioria necessária para governar, não me estranharia que vítima e algoz se esforçassem por convencer o eleitorado a conferir, desta feita e nas eleições antecipadas, maioria absoluta à força vencedora.
À VÍTIMA OU AO ALGOZ? A José Sócrates ou a Passos Coelho? Ganhará aquele a quem não se puder assacar culpas pelo chumbo do orçamento e pela queda do Governo. Será o algoz a pagar as favas, digo, as facturas. Daí que seja importante identificar, definitivamente, quem é quem.

Wednesday, October 6, 2010

13º SALÁRIO

Em 2011 vamos ter o 13º Salário, de tão bem instalado que já está, como tema de campanha das duas forças políticas com vocação de poder.

Que tal se, para este ano, reivindicássemos o pagamento do diferencial de ordenado, devido à quase totalidade dos servidores públicos, proveniente da retroactividade das progressões na carreira, assim, a modos de começarmos a ter um cheirinho da nova realidade que nos estão propondo, i.e., um extra pela quadra festiva do Natal e Ano Novo?