Wednesday, October 20, 2010

VÍTIMA OU ALGOZ?

“O homem poderoso que junta a eloquência à audácia torna-se num cidadão perigoso quando lhe falta bom senso.”
EURÍPEDES
Não parece ser difícil, em uma determinada situação, a identificação de quem é algoz e quem é vítima. Em um cenário em que se opõem o lobo e o cordeiro, não haverá dúvidas de que o lobo é o algoz e o cordeiro, coitado, a vítima. Numa disputa entre lobos, já fica difícil discernir quem é quem.
Aprendi, há que tempos, que o homem é o lobo do homem (Thomas Hobbes), querendo isso dizer que o instinto social do homem é pouco mais do que inexistente e que o homem não tem muitos pruridos quando resolve se desfazer do opositor. Ao contrário, por exemplo, dos lobos. Os lobos não se mordem, têm um instinto social muito desenvolvido, só se envolvendo em disputas quando se torna necessário conquistar a liderança da matilha. Que se saiba, nunca os lobos (nem nenhum outro animal, excepção feita ao HOMEM) planearam, organizaram e dirigiram a eliminação de seus semelhantes em confrontos de âmbito planetário.
Serve este intróito para chegar ao quadro em que se debatem o Engenheiro José Sócrates (Primeiro-ministro da República Portuguesa) e o Dr. Pedro Passos Coelho (líder do PPD/PSD).
José Sócrates lidera um Governo sem a necessária maioria para aprovar o Orçamento do Estado. Recebeu esse presente de grego nas eleições de Setembro de 2009, ficando refém dos demais partidos, maximé do PPD/PSD. Tendo, agora, que aprovar um orçamento super restritivo, com amplos cortes nas despesas e um agravamento doloroso dos impostos, Sócrates enfrenta tanto os partidos da direita (que entendem que ele está crucificando a classe média), como os da esquerda (que acham que ele está fazendo os mais pobres pagarem a crise e os dinheiros ofertados aos banqueiros aventureiros). Os fiscalistas, por seu lado, dizem que em vez agravar os impostos (que se traduzirá na lei do menor esforço, em que se faz com que aqueles que sempre pagaram paguem mais, deixando os relapsos tranquilos no seu canto) devia o Governo combater a evasão e a fraude fiscais (alargando a base tributária, fazendo com que aqueles que tradicionalmente fogem ao fisco passem agora a pagar). Um orçamento considerado pela maioria dos analistas como um mau orçamento.
Pedro Passos Coelho chega à liderança do PPD/PSD em meio a uma das maiores crises orçamentais do pós-Estado Novo. Face a um Governo sem a maioria necessária e com um Chefe ainda com alguns tiques do tempo em que usufruía de maioria absoluta, o jovem Passos Coelho entra e vai com alguma sede ao pote, deixando subentendido, não raras vezes, a possibilidade de fazer cair o Governo. Parecia, de facto, que havia soado a sua hora. Estimulado pelos primeiros resultados de estudos de opinião, inventa uma proposta de revisão constitucional que lhe deixa com água pelas barbas (que não usa). Começando a intervir às bolandas, dá algum espaço de manobra a Sócrates, que, matreiro, lá foi levando a água ao seu moinho, até à situação em que o actual Presidente da República já não pode dissolver o Parlamento (que levaria a subsequente queda do Governo).
As coisas chegaram a um ponto tal que, mesmo que o Orçamento de Estado não for aprovado, ainda que o Governo perca a confiança do Parlamento, o Governo, ainda assim, não cairá, imediatamente. Continuaria em gestão corrente até Maio de 2011. Quer dizer que se Passos Coelho fizer cair o Governo, vai ter de esperar até ao Verão para ir a eleições e tentar chegar a Primeiro-ministro. E digo tentar porque não resultará claro, para os eleitores, quem é o ALGOZ e quem é a VÍTIMA.
Portugal encontra-se numa situação económica muito parecida com aquela que levou Oliveira Salazar ao Ministério das Finanças, primeiro, e à Presidência do Conselho, mais tarde. A saída da crise, em democracia, não permitirá a tomada de posições unilaterais, do tipo daquelas assumidas por António Salazar e Afonso Costa. Hoje há que construir a maioria necessária para adoptar, democraticamente, o remédio para o mal que assola o país. Sócrates ensaia uma fuga em frente, mas, breve, volta aos carris e apresenta uma proposta de orçamento possível para ultrapassar a crise, isto é, para manter o défice, no próximo ano, nos 4,5%. As soluções poderão não ser as melhores, mas, no momento, mui dificilmente se terá tempo para ensaiar algo melhor. Há um amplo consenso acerca do facto de se estar perante um MAU orçamento.
Que resta a Passos Coelho fazer? Chumbar o MAU orçamento (e deixar o país sem orçamento) ou aprová-lo e deixar o seu nome e a sua liderança ligados a um tal orçamento? Chumbando o orçamento (votando CONTRA, assim com já prometeu a CDU, pela voz de Jerónimo de Sousa), o país fica sem orçamento e Sócrates pode ou não cair.
Imaginemos agora que Sócrates caia com o chumbo do orçamento. Nesse caso, o Governo de Sócrates, ou outro - de iniciativa presidencial - continuaria a fazer a gestão corrente, à base dos duodécimos do OE de 2010 (em parte responsável pelo agudizar da crise). As eleições só aconteceriam no Verão de 2011. E quem ganharia essas eleições antecipadas? Passos Coelho?
As eleições antecipadas do Verão de 2011 seriam, previsivelmente, ganhas pela vítima, que se identificar, do estado de coisas que levou à dissolução do Parlamento. E quem é a VÍTIMA? Se Passos Coelho conduzir as coisas com mão de ferro, se for precipitado e se deixar levar por ímpetos imediatistas, de tal modo que lhe possa ser debitada a queda do Governo, não será a VÍTIMA, mas o ALGOZ. E não será algoz apenas de Sócrates e do PS. Será algoz da economia portuguesa e do estilo de vida dos portugueses. Porque entre dotar o país de um mau orçamento e deixá-lo sem orçamento, não há dúvida possível: É PREFERÍVEL UM MAU ORÇAMENTO A NÃO TER ORÇAMENTO NENHUM. O país já tem fortes restrições de crédito lá fora, o dinheiro a que ainda tem acesso custa-lhe os olhos da cara, e estão os homens de Bretton Woods de malas feitas para marchar sobre Lisboa. E já se sabe: quando o FMI assume as rédeas da situação, há que fazer novos furos aos cintos. A doer. E quem fizer acender a luz verde para a intervenção do Fundo Monetário Internacional pagará uma pesada factura. Não restam dúvidas de que, nesse caso, ficaria difícil a Passos Coelho ganhar o direito a ocupar a Residência Oficial de S. Bento.
Pedro Passos Coelho tem apenas dois dilemas a resolver. E qualquer deles de solução simples. Entre dotar o país de um MAU ORÇAMENTO e deixá-lo SEM ORÇAMENTO, a solução é simples: na actual conjuntura, antes ter um MAU ORÇAMENTO do que não ter Orçamento nenhum. Entre ser ALGOZ e ser VÍTIMA, e não podendo vitimizar-se por aí além, basta-lhe não assumir o papel de algoz. Da economia, de Portugal, dos portugueses. Basta-lhe seguir os conselhos de Manuela Ferreira Leite, optar pela ABSTENÇÃO e, sobretudo, DECLARAR A INTENÇÃO DE SE ABSTER, ainda antes do dia 28 – dia agendado para discussão do OE no plenário da AR. No mais, será o aproveitamento da declaração de voto para alegar que só o seu alto sentido de estado, sua preocupação com a economia, com Portugal e com os portugueses e a consciência do mal que adviria se OE não fosse aprovado, é que o levaram a não chumbar um orçamento tão ruim. Fundamentalmente, Passos Coelho tem de evitar o estigma do algoz e evitar dar espaço para a vitimização de José Sócrates.
Já Sócrates precisa recorrer aos seus dotes histriónicos e se vitimizar até mais não poder. E ele e a sua clique têm até aos últimos momentos da votação do orçamento para provocarem a ira do jovem Passos Coelho e levá-lo a dar um mau passo, chumbando o orçamento e assumindo todo o odioso da situação em que o país ficará. Sócrates poderá cair, mas fá-lo-á na condição de mártir. E tudo fará para que a culpa não morra solteira, que é como quem diz, fará tudo para que a (ir)responsabilidade seja debitada a Passos Coelho e ao PPD/PSD.
Explorando ao máximo o trauma que tem sido a inexistência da maioria necessária para governar, não me estranharia que vítima e algoz se esforçassem por convencer o eleitorado a conferir, desta feita e nas eleições antecipadas, maioria absoluta à força vencedora.
À VÍTIMA OU AO ALGOZ? A José Sócrates ou a Passos Coelho? Ganhará aquele a quem não se puder assacar culpas pelo chumbo do orçamento e pela queda do Governo. Será o algoz a pagar as favas, digo, as facturas. Daí que seja importante identificar, definitivamente, quem é quem.

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