Tuesday, June 22, 2010

NUMEROLOGIA

“Existe algo muito mais escasso, fino e raro que o talento. É o talento para reconhecer os talentosos.” Elbert Hubbart

Faço-vos hoje uma proposta diferente. Vamos falar de números e da sua influência sobre a história recente de Cabo Verde. Em boa verdade, não vamos falar de números, mas de um número – o 41.
Em 1975, quando Cabo Verde ascendeu à independência, a chefia do Governo foi assegurada por um jovem. O Major Pedro Pires tinha já entrado na história por outras portas, mas será sempre lembrado como o primeiro Chefe de Governo da República de Cabo Verde. Tinha 41 anos quando abraçou tal missão. Diga-se o que se disser do homem, ninguém poderá negar-lhe o feito de ter tornado Cabo Verde um país viável. Pires terá interpretado mal o momento histórico em que chegou à Primatura da recém-nascida República de Cabo Verde, enveredando-se pela tal da Democracia Nacional Revolucionária (caracterizada, essencialmente, pelo regime de partido único) e terá pecado ao persistir no erro, mesmo depois de o ter identificado. Eventualmente, terá cometido muitos mais erros nos 15 anos do seu consulado. Mas a verdade é que também tem créditos. Muitos: conseguiu pôr de pé (com a contribuição de todos os cabo-verdianos, é certo) uma rede de serviços e de empresas públicas apetecíveis; e que em 1990 conseguiu ler bem os sinais dos tempos, aderindo à vaga de democratização dos regimes monolíticos. Os seus principais detractores não podem negar que só houve privatizações da década de 90… porque havia o que privatizar. De todo o modo, tenho por mim que os inegáveis sucessos alcançados pelo povo cabo-verdiano nos primeiros 15 anos de independência devem, em muito, à juventude e à irreverência do Major Pedro Pires.
Em 1991, aquando da dita abertura política, os destinos de Cabo Verde foram confiados, de novo, a um jovem. Carlos Veiga, que completara 41 anos em Outubro de 1990, venceu as primeiras eleições democráticas em Janeiro de 1991 e assumiria os destinos do país em Fevereiro seguinte. Os 10 anos da gestão do Governo chefiado por Carlos Veiga terão sido decisivos para que Cabo Verde tenha atingido o estádio de desenvolvimento onde hoje se encontra. Tiveram lugar grandes e ousadas reformas, só possível graças à juventude e à ousadia de uma equipa jovem, sonhadora e dirigida, superiormente, por um jovem. A gestão de Veiga estará isenta de erros? Longe disso. Não fosse ele um ser humano, com todas as virtudes e todos os defeitos da espécie. Falhou o timing das privatizações; endeusou-se a meio do percurso (resultado previsível quando a côrte não tem a estatura humana do soberano); tornou-se arrogante; e protagonizou momentos de extrema tensão e roturas, em situações perfeitamente administráveis. Mas é o chefe incontestado da equipa que promoveu a liberalização económica e financeira do país; que conseguiu o acordo cambial com Portugal (e a Europa); que democratizou as relações Estado/cidadão; que devolveu auto-estima aos cabo-verdianos, nas ilhas e na diáspora; que deu passos reais no sentido da descentralização. Foi durante o consulado de Veiga que Cabo Verde ocupou um assento no prestigiado Conselho de Segurança da ONU. O Dr. Carlos Veiga, que já era uma referência para a sua geração, com uma carreira na administração realmente assombrosa para a sua idade, entra, verdadeiramente, na história de Cabo Verde pelo facto de, aos 41 anos de idade, ter chegado a Primeiro-ministro do seu país e ter conduzido, com sucesso, um conjunto grande de reformas.
Em 14 de Janeiro de 2001, José Maria Neves, à frente do PAI, vence as eleições gerais e é escolhido para ser o 3º Primeiro-ministro da história de Cabo Verde. Toma posse como Chefe do Governo em Fevereiro e no mês seguinte completa 41 anos de idade. Cumprirá a sina dos seus antecessores, Pires e Veiga?
Pires, revolucionário, parte do nada; Veiga, reformador, pretende também ter partido do nada, mas é falso: teve um ponto de partida interessante, conquanto muito complicado. Pessoalmente, tenho sérias dúvidas sobre quem assumiu desafio mais radical. Se Pires, se Veiga. Pires tinha todo o mundo mobilizado para a RECONSTRUÇÃO NACIONAL, tinha o social-imperialismo soviético (ainda com algum poderio) por detrás, e era namorado pelo imperialismo norte-americano (representando todo o capitalismo ocidental). E tinha o Kuwait, o Iraque, um mundo de gente ávida por ajudar. Veiga tinha a população de Cabo Verde dividida, pela primeira vez, mercê da desestabilizadora, e por vezes aviltante, campanha eleitoral, começada em 1990 e que só conheceria alguma acalmia quando começou a separação de águas dentro da Frente política para a democracia, registada MpD. Era preciso «fincar» as três pedras do fogão (de lenha) e os fins justificavam os meios. Com um maniqueísmo e um cinismo de fazer inveja ao próprio Maquiavel, conseguiu-se rachar a unidade que fora fundamental na (re)construção nacional levada a cabo de 1975 a 1990.
Mas, voltando à vaca fria, Neves tinha uma missão em tudo diferente da dos seus antecessores. Tinha como missão principal, harmonizar os cabo-verdianos desavindos, recuperar a credibilidade externa do país, manter e desenvolver o acordo cambial, continuar as reformas do sector financeiro, consolidar a democracia, investindo, particularmente a democracia económica, fazer crescer a economia, reduzir o desemprego, trabalhar a protecção social do cabo-verdiano. Neves interpreta bem a missão que tinha pela frente, mas não se coíbe de, como seus antecessores, levar um bom tempo se lamentando da herança recebida, quedando-se lambendo as feridas, em vez de pegar o touro pelos chifres.
Assim como Pires (e os seus acólitos) perderam um bom tempo a culpar os colonialistas por tudo que não corria de feição (até por não chover como desejaríamos); Veiga (e seguidores) se babava todo, culpando os 15 anos de partido único por tudo que fosse ruim no país; Neves, esse, inventou o COFRE VAZIO e, com tal desculpa, seguiu, nas várias frentes (Burgo, no Governo e Sidónio, no Parlamento, eram os principais intérpretes) lamentando a herança dos 10 anos do MpD, levando algum tempo a fazer o que tinha de ser feito. O colonialismo foi um problema? Foi um grande problema. Aliás, não fosse o caso, a independência não teria a adesão que teve de todas as camadas da população. Os 15 anos de partido único e as diatribes que então tiveram lugar foram um problema? Foram um terrível factor de atraso, sim senhora. Mas não fosse isso, mudar para quê? Mudar porquê? Cofre vazio é um problema? Claro que é. Conquanto os cofres do Estado não sejam armazéns de dinheiro, sendo, antes, ponto de passagem do dinheiro em circulação. Subtrair riqueza aos cidadãos para encher cofres nunca foi função do imposto. A ideia do imposto é a subtracção de riqueza e o papel do Estado é a redistribuição da riqueza subtraída. Não há, em um tal circuito, tempo, nem oportunidade, para ter dinheiro encalhado nos cofres. A verdade verdadeira, porém, é que quando pararam a choradeira, todos eles realizaram verdadeiras proezas, prova provada de que andaram perdendo um tempo precioso, apelando para a compaixão da comunidade internacional e para a complacência dos governados.
Neves consegue recuperar a credibilidade externa do país; resgata (como gosta de dizer) a auto-estima que voltara a estar periclitante; leva o país ao rol dos países de rendimento médio; enceta uma interessante abordagem na relação com a União Europeia e que poderá vir a dar lugar a uma parceria especial; tem intervenções interessantíssimas no sentido da protecção social dos cidadãos; aposta com força e coerência na infra-estruturação do país, enfim, um desempenho interessante. Contudo, enreda-se em uma política energética que não satisfaz; um esquema de partilha de poder que, vezes sem conta, o manieta; falhou em matéria de segurança e ordem pública; e ficou a quilómetros de metas que ele próprio fixou (de forma exuberantemente voluntarista, diga-se de passagem) como o crescimento a dois dígitos e a taxa de desemprego a um dígito. Se é certo que a crise deu uma terrível machadada nas suas pretensões, não é menos certo que um Primeiro-ministro não deve navegar à vista: é que a tal da crise não foi de geração espontânea. Levou anos se desenhando e pessoas com responsabilidades de governação precisam ter maior parcimónia na definição de metas, principalmente quando estas não dependem apenas do seu desempenho. Até porque, quando se está no apogeu (e havia a percepção de que tínhamos atingido um ponto muito alto, que poderia ser o tal)… há que olhar à volta e tentar vislumbrar o que aí vem. Fomos, desta feita e mais uma vez, demasiado basofos.
Do que não restarão dúvidas, porém, é que estes três cabo-verdianos que, aos 41 anos, assumiram os destinos do país, se saíram bem. Pessoalmente, acho que muito bem até. E não me restam dúvidas de que isso teve muito a ver com a sua juventude. E isso coloca-nos perante a questão seguinte: ONDE ENCONTRAR, NOS TEMPOS QUE CORREM, UM JOVEM DE 41 ANOS CAPAZ DE DAR CONTINUIDADE A ESTA SAGA? Não esquecer que, por ocasião da comemoração dos 41 anos de Cabo Verde como Estado independente (em 2016), estaremos iniciando a IX Legislatura. Estará disponível e maduro, algures, entre o MpD e o PAI, alguém com 41 anos, capaz de ombrear com Pires, Veiga e Neves? Eu não creio em bruxas, pero que los hay… los hay. E esta da numerologia e da influência do 41 nos destinos do país, mormente quando é o próprio país a fazer, ele também, 41 anos, deixa-me muito aberto a um monte de coisas. Não estou pedindo a ninguém que acredite nas coisas em que a meia-idade me faz acreditar. Apenas que meditem.
E fica aqui o desafio aos jovens, estando ou não na política, que completam 41 anos ao mesmo tempo que Cabo Verde: invistam em vocês e, principalmente, na vossa disponibilidade e sentido de missão. Quem sabe não caiba a um de vós colocar este nosso Cabo Verde no lugar cimeiro que merece no concerto das Nações?!

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