Friday, November 28, 2008

PRAIA: SOLUÇÃO E… SOLUÇÕES

“Resultados? Mas é claro que eu já consegui um monte de resultados! Hoje sei de mil coisas que não funcionam.”

Thomas A. Edison

Há Solução e… soluções. Conhecem aquela do fulano que, num acto de desespero, tragou uma medida de Solução para Bateria (H2SO4) e que, diante de morte iminente, rogou ao médico que não medisse esforços para o salvar.
- Senhor Doutor, arranje uma solução para o meu caso. Por favor – teria clamado.
- Não tenho solução nenhuma para o seu caso. A Solução que havia, o senhor bebeu-a toda.
Humor negro. Mas o cabo-verdiano, qual Poliana, consegue descobrir uma faceta lúdica, mesmo na desgraça. Própria ou alheia.
Ocorreu-me este trocadilho a propósito das soluções que o edil José ULISSES tem vindo a construir para a Cidade da Praia.
Começou com uma novidade: A AUDIÊNCIA TÉCNICA SOBRE O SANEAMENTO. Ponto para a Cidade. Ponto para ele. Há quem diga que os problemas da Praia há muito que estão identificados e que o que importa é a SOLUÇÃO para os mesmos. Importava, neste particular, não esquecer que pode acontecer um resfriado se transformar numa mortal pneumonia dupla. O que se atacaria no caso: o resfriado ou a pneumonia? Por isso, não pode ser considerado como tempo perdido o tempo que se leva na reavaliação do «doente». Pode conter uma SOLUÇÃO.
A segunda novidade teve a ver com a deslocação ao Norte de Portugal para assistir a uma corrida de aeronaves. Não sei que diga. Mas a verdade é que enquanto prioridade deixa muito a desejar. Seguramente não tinha no seu bojo nenhuma SOLUÇÃO para os ingentes problemas da cidade.
A terceira (se não considerarmos os diz-que-diz politiqueiros sobre o recrutamento de aficcionados e a dispensa de desafectos políticos, um fait-divers presente em todo o território nacional) terá sido a aquisição do TOYOTA LAND-CRUISER V8. A polémica que se seguiu à aquisição da viatura do Presidente não deixou claro se se era contra a aquisição de uma tal viatura por causa do preço ou se por causa do momento. Se toda a celeuma foi apenas por causa do preço, houve um exagero sem tamanho. Porque é que o presidente da Câmara Municipal da Praia (sem dúvida a mais importante do nosso universo autárquico) não pode ter um carro como o do Presidente da Câmara Municipal da Boavista, por exemplo? É certo que é um carro cujo preço andará à volta dos 7.000 contos (mais coisa, menos coisa), mas se o Tesouro assegura 75% do preço (em impostos e taxas), 4.250 contos não é nenhum desembolso por aí além, para um carro com uma garantia de, pelo menos, 04 anos? Compreenderia melhor se se questionasse a prioridade conferida à aquisição, mormente tendo em conta que o ST – 53- CJ é um tremendo de um VX da TOYOTA PRADO, que dava ainda p’ro gasto e que a situação financeira da edilidade, dizia-se, ser pouco menos que caótica. E resmungaria, principalmente, por saber que o V8 não foi a única aquisição automotora de luxo feito na ocasião. Será uma SOLUÇÃO para a mobilidade do Executivo municipal ou para um ego desmedido? Bem… de todo o modo, é um património (que pode ser utilizado, alienado, permutado, etc., a todo o tempo).
A quarta conquista tem a ver com a recuperação dos espaços dotacionais da Cidadela. Amplos espaços destinados à implantação de equipamentos sociais urbanos para servir o novo bairro, a maior parte deles não infra-estruturados (por exemplo, sei de fonte segura que pelo espaço que estava destinado ao campo de futebol não passava nem a rede de água, nem a de electricidade, mormente a de esgoto). Como se desenrascaria quem construísse em um dos lotes do espaço? Aí, tem de se bater palmas ao nosso síndico. Contém, sem dúvida, uma SOLUÇÃO (respeito pelos espaços dotacionais, exercício da autoridade).
A quinta grande medida pública tem a ver com o anúncio do RETORNO À NORMALIDADE NA RUA 5 DE JULHO E RESPECTIVAS PERPENDICULARES. Se se concretizar é ponto marcado junto de toda a população (velhos e moços). Exercício de autoridade, respeito pelo cidadão, sua saúde e tranquilidade, reconfiguração (início) das funções do Plateau. Sem dúvida uma SOLUÇÃO para um problema que já está ganhando barbas. Mas… concretizar-se-á? Vai o Presidente até ao fim? É a prova de fogo de José ULISSES. A ver vamos.
A sexta medida tem a ver com a ideia de um Terminal Rodoviário, Interurbano, de Transportes de Passageiros. A ideia é boa, mas não boto muita fé em um terminal rodoviário de transportes interurbanos localizado no coração da cidade. Um terminal rodoviário de transportes Interurbanos de Passageiros deve se localizar no limite (à entrada) da cidade. Os veículos de transporte interurbano deixam aí os seus passageiros, os quais serão transportados ao centro da cidade em veículos (autorizados) de transportes urbanos de passageiros. E nós até temos uma vantagem, rara noutras paragens: as nossas viaturas de transporte interurbano são menores que as de transporte urbano (um autocarro da Moura absorve os passageiros de dois ou três HIACES), o que garante que não haveria congestionamento do terminal. A localização na Achada São Filipe, por exemplo, facilitaria a vida aos fiscais rodoviários. Qualquer HIACE encontrado Achada São Filipe abaixo com passageiros poderia ser autuado sem rebuço. A presunção de que estaria em infracção resultaria do facto de os HIACES não estarem habilitados para o transporte urbano de passageiros. E não haveria grande problema em identificar um privado para uma PPP (Parceria Público-Privado): os espaços comerciais dos terminais rodoviários de passageiros valem oiro e são disputados à tapa em quase todas as latitudes. A MOURA COMPANY não se disponibilizaria?
Na zona que defendemos para a localização do terminal Rodoviário de Transportes Interurbanos de Passageiros já existem o MERCADO ABATECEDOR, o MATADOURO MUNICIPAL, um POSTO DE ABASTECIMENTO DE COMBUSTÍVEIS. Isso permitiria que se poderia ir ainda um pouco mais longe na organização da cidade: a par do terminal de passageiros, e na envolvente do MERCADO ABASTECEDOR, poderá ser instalado um terminal de carga. Os fornecedores grossistas descarregam no terminal, expõem e vendem no MERCADO ABASTECEDOR; os açougueiros descarregariam o gado directamente para o MATADOURO; os retalhistas adquirem no MERCADO ABASTECEDOR para oferecerem nos mercados (municipais e não só) da cidade. Seria a completa liberação das “margens” do Mercado do Plateau para outros fins: kyosques, expositores de flores e plantas ornamentais, gifts, postais, selos, etc.. Saber que a edilidade reconhece o papel de um terminal rodoviário de transportes interurbanos de passageiros na organização do tráfego urbano e de toda a cidade, já é um PONTO a favor. Agora SOLUÇÃO mesmo, seria dar-lhe uma localização estratégica.
Medida não anunciada (se anunciada seria a sétima) tem a ver com a reanimação dos SEMÁFOROS. Fiquei sumamente contente, feliz mesmo, quando vi, no último fim-de-semana, uma equipa internacional (uns europeus e alguns africanos) pintando e parecendo recuperar os postes que sustentam os semáforos da cidade. No primeiro encontro com o Presidente José ULISSES, pouco depois da posse, disse-lhe uma coisa que já dissera vezes sem conta ao seu predecessor: «SEI DE CIDADES QUE NÃO TÊM SEMÁFOROS; MAS NÃO SEI DE NENHUMA QUE JÁ TEVE E DEIXOU DE TER». E a minha cidade não quer se notabilizar pela negativa.
O momento é o ideal. A Capital clama por regulação automatizada do trânsito nos cruzamentos. Os semáforos seriam, por isso, bem vindos. E creio que cobririam eventuais deficits do executivo, derivados dos affaires «Corrida de Aeronaves» e «Aquisição do V8».
Negativo, negativo mesmo, só essa falta de capacidade de influenciação em relação ao programa de execução do Projecto «VIAS DA CIDADE DA PRAIA». É inadmissível que, quase um ano sobre o início dos trabalhos, o PLATEAU continue com o aspecto relaxado de um desengonçado canteiro de obras adiadas. A edilidade não pode ficar de fora da programação de obras tão importantes. Não pode calar-se, nem deixar que a calem. Que política é isso mesmo, Presidente: ADMINISTRAR RELAÇÕES DE PODER E CONQUISTAR ESPAÇOS DECISÓRIOS
A Praia tem solução, sim senhora. A questão é que ela não está à superfície. É preciso escavar (como quem escava um poço artesiano), localizá-la e bombeá-la, para resolver os problemas da cidade, de seus habitantes e de seus visitantes. Ainda que se tenha que chatear uns tantos.

Monday, November 17, 2008

PAJEM: VOCAÇÃO, ESCOLHA OU PREPARAÇÃO?

“Coragem não é a ausência de medo; é antes o sentimento de que existe algo mais importante do que o medo.”
Ambrose Redmoon

Se calhar as três coisas juntas. Um fulano tem uma vocação, que dita uma escolha e que conduz a um programa de treinamento para ser o que sente que pode fazer com excelência. Só que eu não tenho vocação para, não escolhi ser, não me preparei para ser. Por isso, não posso aceitar ser, apenas para, eventualmente, satisfazer algum ego caprichoso.
Se calhar, pessoas com preparação superior à minha ou com um percurso muito mais rico, não tenham qualquer reserva em servirem como pajem, independentemente do título que ostentem.
Compreendo perfeitamente, por exemplo, os Secretários (com maiúscula), homens e mulheres que, com ou sem vocação, investiram em formação específica e se prepararam para secretariar executivos, empresários, políticos, governantes. Estes constituem uma classe indispensável. Da Secretária do Lar (a categoria mais modesta, mas que nem por isso deixa de ser imprescindível) aos Secretários Executivos (a categoria mais bem informada sobre o andamento das coisas na Alta Administração), passando por Secretários de pessoal dirigente, Secretários de governantes e Secretários de Estado, vai todo um contínuo de agentes leais que, com ou sem vocação, se prepararam para servir, e servem, com lealdade, dedicação e excelência. Presto-lhes aqui a minha homenagem.
Faço aqui um parêntese para registar as nuances e diferenças que podem ser detectadas dentro do grupo «Secretários de Estado»: ele há o Secretário de Estado sem Secretaria de Estado que é um ajudante de Ministro com responsabilidade muitíssimo limitada; há o Secretário de Estado com Secretaria de Estado que é quase Ministro, conquanto se subordine a um; e há o Secretário de Estado dos sistemas presidencialistas que, sem deixarem de ser, politicamente, Secretários do Chefe de Estado e de Governo, têm amplas responsabilidades, muitas vezes com responsabilidades superiores às dos Ministros de certos sistemas parlamentares (mitigados ou não). Veja-se, por exemplo, o caso dos Estados Unidos da América.
Mas, voltando à vaca fria, estava falando de Pajens não titulados como tal (aliás, categoria que não consta do Catálogo das Profissões existentes em Cabo Verde) e um pouco de mim mesmo e da minha mania de pretender jamais ser o que não quiser ser. Dizia que aceitava que houvesse quem tivesse vocação e que, possivelmente, haveria quem se preparasse para ser Pajem de facto e Secretário de direito; e rematava que eu, por não ter vocação, nem preparação técnica, nem pachorra (uma mera questão de feitio) e não tendo pedido para ser, não devo aceitar ser, ainda que com um rótulo pretensioso. Confuso? Vou tentar explicar: não aceitaria fazer papel de pajem de ninguém (nem do mais cotado executivo da praça, nem do Primeiro-ministro, nem do Presidente da República) ainda que me rotulassem como Secretário de Estado sem Secretaria de Estado, Assessor ou Director de Serviço. Acho que agora consegui ser mais claro, conquanto deva ter acordado um bando de demónios, fantasmas e gongons que, quais besouros enfurecidos, se vão atirar a mim nos próximos dias.
Mas tudo bem. Pagarei o preço justo pela minha coerência. E não é por ser mais valente do que aqueles que se deixam levar; nem é por ser algum tipo António Sem-medo. Nem digo que não receie as consequências de uma proclamação destas, numa altura destas. A questão é que – parafraseando Ambrose Redmoon – anima-me o sentimento de que existe algo mais importante do que o receio pelas eventuais consequências da minha rebelião. No caso, a coerência entre o que acredito e que, de certa forma, me define, e as cedências que poderia ser obrigado a fazer, e que poderiam me descaracterizar.
Já fiz o papel de repórter desportivo voluntário (do Fogo para o VOZ DI POVO); já fiz o papel de Formador de dirigentes intermédios da Administração Pública e gostei; já me fiz de Escritor, e até calhou ganhar um prémio, mais ou menos chorudo; tenho feito o papel de pai de adultos mais altos do que eu, e creio que tenho-me saído bem; estou fazendo de colunista do jornal A SEMANA, e estou gostando bastante do papel. Mas a verdade é que escolhi ser aduaneiro e fiz a carreira direitinho. Porque aceitaria agora, no finalzinho e depois de chegar lá em cima na carreira, o papel de pajem, agente de viagens, ou outro qualquer, ainda que remunerado como um alto cargo do Catálogo da Função Pública? Vou continuar a ser aduaneiro a tempo inteiro; Pai sempre que os meus filhos (adultos) quiserem ou precisarem; e colunista nas horas vagas. E é isso ou a reforma.
Pode parecer um abuso da paciência dos meus leitores e pode até ser uma forma espalhafatosa de escapulir de um destino perfeitamente esconjurável. Mas junto de quem mais conseguiria desabafar a valer, senão com os meus fiéis leitores? É uma forma de dizer-lhes que continuo o mesmo de sempre. Apesar dos pesares. Venha o que vier!

Friday, November 14, 2008

AGENDA DOS PEQUENOTES

«Qualquer criança quando nasce é um génio; 9.999 em cada 10.000 são completa e inadvertidamente silenciadas pelos adultos.»
Buckminster Fuller

«Que a educação e a formação para a cidadania e para o desenvolvimento constituem-se em factor de promoção social do cidadão, devendo a formação ser programática, levar menos tempo e responder, efectivamente, às necessidades do mercado e do desenvolvimento.

Que a grande fraqueza reside no facto de não existir um sistema articulado de formação profissional, sobretudo, porque o mesmo ainda não está suficientemente normalizado, razão por que é preciso investir na sua consolidação, com a definição de normas claras sobre espaços e conteúdos da formação profissional.

Que, analisando o papel da educação para a cidadania, se destaca não só o papel da escola como o do professor na formação não só dos alunos mas também da própria comunidade, enquanto veículos de transmissão de valores e de novas posturas de vida e para a vida em sociedade.»

Estas foram as conclusões do Fórum da PRÓ-PRAIA realizada há coisa de um par de anos aqui na Capital da República. O tema “Educação” foi introduzido pelo Engº António Rocha Mendes Fernandes, Ministro de Educação de um dos últimos Governos de Carlos Veiga. A leitura deste praiense tocou os participantes não só pela sua clarividência como pela simplicidade. Não estranha, por isso, que os participantes tenham determinado que se registasse esta recomendação:

«Que a igualdade de oportunidades no acesso à educação e à formação deve ser considerada uma questão importantíssima, à qual se devem juntar, obviamente, a vontade individual e a necessidade de equilibrar a oferta e a procura.»

No fundo, uma das coisas que o Fórum recomenda é que o Estado deve ser coerente com o que define como sendo seu papel tanto na Constituição da República como nas leis ordinárias, ou seja o ENSINO OBRIGATÓRIO (de, pelo menos, 07 anos) e o ENSINO GRATUITO (até ao 10º ano).
ENSINO OBRIGATÓRIO de 07 anos que implica a obrigação de generalizar o pré-escolar e de compelir os pais, tutores e encarregados de educação a matricularem e a acompanharem os seus rebentos, sob pena de sanção severa. Sanção para o Estado, em acção intentada pelo Ministério Público ou pelo povo, por cada criança e/ou comunidade a quem não for garantido o acesso ao pré-escolar; sanção para os pais, tutores e encarregados de educação que deixarem educandos em idade escolar fora do sistema. E não se me venha dizer que é difícil inventariar as crianças em idade de ir para a escola: da mesma forma que se identificam os mancebos em idade de serem recrutados para o serviço militar obrigatório, assim se deve operar em relação aos miúdos que atingem a idade de ir para a escola. E hoje, com a informatização das Conservatórias dos Registos, isso tornou-se tarefa bem fácil do que antes: é só aplicar um «filtro». O que vem faltando é a necessária vontade política para tratar com seriedade um assunto que é dos mais sérios que se possa imaginar.
Sanção para os faltosos? Doa a quem doer, alguém tem de responder pela infracção (contra-ordenação para muita gente, mas, para mim, crime inafiançável). É que não há obrigatoriedade sem uma sanção para as omissões. O que tem de ser combatido é a situação que hoje se vive, em algumas comunidades, com crianças que chegam à escola com um zero absoluto de conhecimentos escolásticos e são obrigados a conviver com crianças já iniciadas no pré-escolar. E logo naquela idade em que as crianças não são nada meigas com quem sentem estar inferiorizado. Nem se pode tolerar que miúdos em idade escolar fiquem perambulando por aí, ou já pegando no pesado, à revelia dos Direitos da Criança e das Leis e Convenções contra o trabalho infantil, sem qualquer consequência para os responsáveis. Às autoridades administrativas (escolas, Delegações do Ministério da Educação, Inspectores do Ensino, a Inspecção-Geral da Educação, Câmaras Municipais, a Polícia Nacional) e ao Ministério Público devem ser dadas (têm-no já, mas é reconfirmar para evitar omissões) prerrogativas de acção correccional para combater o laxismo dos pais, tutores e encarregados de educação e a discriminação do Estado. A Comissão Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) e o Instituto Cabo-verdiano da Criança e do Adolescente (ICCA) terão também de assumir as suas responsabilidades neste particular. É que a não generalização do ensino pré-escolar e a não inclusão de crianças no sistema de ensino, por negligência, são violentas formas de violação dos direitos das crianças, com consequências que podem comprometer o seu futuro (e o próprio futuro da Nação).
Falo em negligência, porque se o Estado respeitar o princípio do ENSINO GRATUITO (pelo menos para o pré-escolar e para o EBI) não haverá outras razões para tentar justificar o injustificável. Fala-se do ensino gratuito de 09 anos, mas, na prática, nunca a educação foi tão cara entre nós. Dos meus tempos do pagamento da «CAIXA ESCOLAR» de cinco tostões, aos pagamentos sistemáticos de uma panóplia de «coisas & loisas» que hoje foram inventados, vai um abismo. Por isso, torna-se cada vez mais ingente que o Estado confirme se há um período de EDUCAÇÃO OBRIGATÓRIO ou não; e, havendo, se decida, de uma vez por todas, qual a sua extensão; e, finalmente, começar a agir de forma consequente.
Vai ser preciso uma consulta popular para que o Estado, as famílias e as demais instituições saibam do que os miúdos precisam? Acredito que não será necessário. Se não, vejamos. Alguém duvida da escolha popular se as questões forem estas:
1. GENERALIZAÇÃO DO PRÉ-ESCOLAR: SIM NÃO
2. ESCOLARIDADE OBRIGATÓRIA: SIM NÃO
3. SE SIM, QUAL A EXTENSÃO: 4 ANOS 6 ANOSMAIS TEMPO
4. ENSINO GRATUITO: SIM NÃO
5. SE SIM, QUAL A EXTENSÃO: 6 ANOS 9 ANOS MAIS TEMPO
Eu responderia SIM ao primeiro, ao segundo e ao quarto quesitos; 06 ANOS em relação ao segundo; 10 ANOS (2º Ciclo) em relação ao quinto e último quesito.
E o senhor Primeiro-ministro responderia como? E a senhora Ministra da Educação? E a Ministra das Finanças? E o Ministro da Juventude, a Presidente do ICCA e a Presidente do ICIEG? E a Presidente da CNDH? E a Primeira-dama? E o Presidente da «Associação para a Solidariedade e Desenvolvimento ZÉ MONIZ»? E já que estamos em momento de interpelação, como responderia Vossa Excelência, senhor Presidente da República, na sua qualidade de mais alto Magistrado da Nação e garante da Constituição?
Mas o problema nem é a resposta popular e/ou das instituições da República. Ela advinha-se facilmente. O ponto é (e sempre foi) a vontade política, necessária e suficiente, para vincar uma relação biunívoca, e coerente, entre o que PRECISA (E DEVE) SER FEITO e o que o que SE FAZ (EFECTIVAMENTE).
E nem se venha com aquela velha treta da falta de dinheiro. O DINHEIRO CRIA-SE - Gualberto do Rosário, economista político, dixit. E está aí Gualberto do Rosário, banqueiro, a prová-lo.

Monday, November 10, 2008

A PÁTRIA DE GERONIMO

Cherokees, Apaches, Sioux, Navajos, Blackfeet, Cheyennes. Jeronimo, Nuvem Vermelha, Touro Sentado. Klu Klux Klan. Irlandeses, Italianos, Britânicos, Africanos. Martin Luther King, Jesse Jackson. Steven Spielberg, Eliah Kazan, Frank Capra, Fellini. Marlon Brando, Laureen Bacall, Clark Gable. John, Bob e Edward Kennedy. George Washington, Thomas Jefferson, Franklin Delano Roosevelt. Destes grupos, qual foi olimpicamente esquecido nas comemorações da vitória de BARACK HUSSEIN OBAMA? Exactamente aqueles com cujo sangue foi regado o solo donde brotou a Nação americana: os ÍNDIOS.
Se Marlon Brando fosse ainda vivo, acredito que as coisas seriam de outro modo. Não deixaria ficar no esquecimento os reais donos das terras conquistadas pelos aventureiros europeus, massacrados e dizimados na sanha da construção de uma pátria de além Atlântico.
A pátria de OBAMA já foi de GERÓNIMO, de TOURO SENTADO, de NUVEM VERMELHA. Por Manitu, não tenhamos memória curta.
Honra e Glória à MEMÓRIA dos ÍNDIOS! Saravá Brando (um grande e coerente americano), lá onde estiveres.

Wednesday, November 5, 2008

Discurso de Obama, pronunciado diante de mais de 100 mil pessoas no Grant Park de Chicago (Illinois).

YES, WE CAN!
"Olá, Chicago! Se alguém aí ainda dúvida de que os Estados Unidos são um lugar onde tudo é possível, que ainda se pergunta se o sonho de nossos fundadores continua vivo em nossos tempos, que ainda questiona a força de nossa democracia, esta noite é sua resposta.
É a resposta dada pelas filas que se estenderam ao redor de escolas e igrejas em um número como esta nação jamais viu, pelas pessoas que esperaram três ou quatro horas, muitas delas pela primeira vez em suas vidas, porque achavam que desta vez tinha que ser diferente e que suas vozes poderiam fazer esta diferença.
É a resposta pronunciada por jovens e idosos, ricos e pobres, democratas e republicanos, negros, brancos, hispânicos, indígenas, homossexuais, heterossexuais, incapacitados ou não-incapacitados.
Americanos que transmitiram ao mundo a mensagem de que nunca fomos simplesmente um conjunto de indivíduos ou um conjunto de Estados vermelhos e Estados azuis.
Somos, e sempre seremos, os EUA da América. É a resposta que conduziu aqueles que durante tanto tempo foram aconselhados por tantos a serem céticos, temerosos e duvidosos sobre o que podemos conseguir para colocar as mãos no arco da História e torcê-lo mais uma vez em direção à esperança de um dia melhor.
Demorou um tempo para chegar, mas esta noite, pelo que fizemos nesta data, nestas eleições, neste momento decisivo, a mudança chegou aos EUA. Esta noite, recebi um telefonema extraordinariamente cortês do senador McCain.
O senador McCain lutou longa e duramente nesta campanha. E lutou ainda mais longa e duramente pelo país que ama. Agüentou sacrifícios pelos EUA que sequer podemos imaginar. Todos nos beneficiamos do serviço prestado por este líder valente e abnegado.
Parabenizo a ele e à governadora Palin por tudo o que conseguiram e desejo colaborar com eles para renovar a promessa desta nação durante os próximos meses.
Quero agradecer a meu parceiro nesta viagem, um homem que fez campanha com o coração e que foi o porta-voz de homens e mulheres com os quais cresceu nas ruas de Scranton e com os quais viajava de trem de volta para sua casa em Delaware, o vice-presidente eleito dos EUA, Joe Biden.
E não estaria aqui esta noite sem o apoio incansável de minha melhor amiga durante os últimos 16 anos, a rocha de nossa família, o amor da minha vida, a próxima primeira-dama da nação, Michelle Obama.
Sasha e Malia amo vocês duas mais do que podem imaginar. E vocês ganharam o novo cachorrinho que está indo conosco para a Casa Branca.
Apesar de não estar mais conosco, sei que minha avó está nos vendo, junto com a família que fez de mim o que sou. Sinto falta deles esta noite. Sei que minha dívida com eles é incalculável.
A minha irmã Maya, minha irmã Auma, meus outros irmãos e irmãs, muitíssimo obrigado por todo o apoio que me deram. Sou grato a todos vocês. E a meu diretor de campanha, David Plouffe, o herói não reconhecido desta campanha, que construiu a melhor campanha política, creio eu, da história dos EUA da América.
A meu estrategista chefe, David Axelrod, que foi um parceiro meu a cada passo do caminho. À melhor equipe de campanha formada na história da política.
Vocês tornaram isto realidade e estou eternamente grato pelo que sacrificaram para conseguir. Mas, sobretudo, não esquecerei a quem realmente pertence esta vitória. Ela pertence a vocês. Ela pertence a vocês.
Nunca pareci o candidato com mais chances. Não começamos com muito dinheiro nem com muitos apoios. Nossa campanha não foi idealizada nos corredores de Washington. Começou nos quintais de Des Moines e nas salas de Concord e nas varandas de Charleston.
Foi construída pelos trabalhadores e trabalhadoras que recorreram às parcas economias que tinham para doar US$ 5, ou US$ 10 ou US$ 20 à causa.
Ganhou força dos jovens que negaram o mito da apatia de sua geração, que deixaram para trás suas casas e seus familiares por empregos que os trouxeram pouco dinheiro e menos sono.
Ganhou força das pessoas não tão jovens que enfrentaram o frio gelado e o ardente calor para bater nas portas de desconhecidos, e dos milhões de americanos que se ofereceram como voluntários e organizaram e demonstraram que, mais de dois séculos depois, um governo do povo, pelo povo e para o povo não desapareceu da Terra.
Esta é a vitória de vocês. Além disso, sei que não fizeram isto só para vencerem as eleições. Sei que não fizeram por mim.
Fizeram porque entenderam a magnitude da tarefa que há pela frente. Enquanto comemoramos esta noite, sabemos que os desafios que nos trará o dia de amanhã são os maiores de nossas vidas - duas guerras, um planeta em perigo, a pior crise financeira em um século.
Enquanto estamos aqui esta noite, sabemos que há americanos valentes que acordam nos desertos do Iraque e nas montanhas do Afeganistão para dar a vida por nós.
Há mães e pais que passarão noites em claro depois que as crianças dormirem e se perguntarão como pagarão a hipoteca ou as faturas médicas ou como economizarão o suficiente para a educação universitária de seus filhos.
Há novas fontes de energia para serem aproveitadas, novos postos de trabalho para serem criados, novas escolas para serem construídas e ameaças para serem enfrentadas, alianças para serem reparadas.
O caminho pela frente será longo. A subida será íngreme. Pode ser que não consigamos em um ano nem em um mandato. No entanto, EUA, nunca estive tão esperançoso como estou esta noite de que chegaremos.
Prometo a vocês que nós, como povo, conseguiremos. Haverá percalços e passos em falso. Muitos não estarão de acordo com cada decisão ou política minha quando assumir a presidência. E sabemos que o Governo não pode resolver todos os problemas.
Mas, sempre serei sincero com vocês sobre os desafios que nos afrontam. Ouvirei a vocês, principalmente quando discordarmos. E, sobretudo, pedirei a vocês que participem do trabalho de reconstruir esta nação, da única forma como foi feita nos EUA durante 221 anos, bloco por bloco, tijolo por tijolo, mão calejada sobre mão calejada.
O que começou há 21 meses em pleno inverno não pode acabar nesta noite de outono.
Esta vitória em si não é a mudança que buscamos. É só a oportunidade para que façamos esta mudança. E isto não pode acontecer se voltarmos a como era antes. Não pode acontecer sem vocês, sem um novo espírito de sacrifício.
Portanto façamos um pedido a um novo espírito do patriotismo, de responsabilidade, em que cada um se ajuda e trabalha mais e se preocupa não só com si próprio, mas um com o outro.
Lembremos que, se esta crise financeira nos ensinou algo, é que não pode haver uma Wall Street (setor financeiro) próspera enquanto a Main Street (comércio ambulante) sofre.
Neste país, avançamos ou fracassamos como uma só nação, como um só povo. Resistamos à tentação de recair no partidarismo, na mesquinharia e na imaturidade que intoxicaram nossa vida política há tanto tempo.
Lembremos que foi um homem deste estado que levou pela primeira vez a bandeira do Partido Republicano à Casa Branca, um partido fundado sobre os valores da auto-suficiência e da liberdade do indivíduo e da união nacional.
Estes são valores que todos compartilhamos. E enquanto o Partido Democrata conquistou uma grande vitória esta noite, fazemos com certa humildade e a determinação para curar as divisões que impediram nosso progresso.
Como disse Lincoln a uma nação muito mais dividida que a nossa, não somos inimigos, mas amigos. Embora as paixões os tenham colocado sob tensão, não devem romper nossos laços de afeto.
E àqueles americanos cujo apoio eu ainda devo conquistar, pode ser que eu não tenha conquistado seu voto hoje, mas ouço suas vozes. Preciso de sua ajuda e também serei seu presidente.
E a todos aqueles que nos vêem esta noite além de nossas fronteiras, em Parlamentos e palácios, a aqueles que se reúnem ao redor dos rádios nos cantos esquecidos do mundo, nossas histórias são diferentes, mas nosso destino é comum e começa um novo amanhecer de liderança americana.
A aqueles que pretendem destruir o mundo: vamos vencê-los. A aqueles que buscam a paz e a segurança: apoiamo-nos.
E a aqueles que se perguntam se o farol dos EUA ainda ilumina tão fortemente: esta noite demonstramos mais uma vez que a força autêntica de nossa nação vem não do poderio de nossas armas nem da magnitude de nossa riqueza, mas do poder duradouro de nossos ideais: democracia, liberdade, oportunidade e firme esperança.
Lá está a verdadeira genialidade dos EUA: que o país pode mudar. Nossa união pode ser aperfeiçoada. O que já conseguimos nos dá esperança sobre o que podemos e temos que conseguir amanhã.
Estas eleições contaram com muitos inícios e muitas histórias que serão contadas durante séculos. Mas uma que tenho em mente esta noite é a de uma mulher que votou em Atlanta.
Ela se parece muito com outros que fizeram fila para fazer com que sua voz seja ouvida nestas eleições, exceto por uma coisa: Ann Nixon Cooper tem 106 anos.
Nasceu apenas uma geração depois da escravidão, em uma era em que não havia automóveis nas estradas nem aviões nos céus, quando alguém como ela não podia votar por dois motivos - por ser mulher e pela cor de sua pele.
Esta noite penso em tudo o que ela viu durante seu século nos EUA - a desolação e a esperança, a luta e o progresso, às vezes em que nos disseram que não podíamos e as pessoas que se esforçaram para continuar em frente com esta crença americana: Podemos (Yes, we can).
Em uma época em que as vozes das mulheres foram silenciadas e suas esperanças descartadas, ela sobreviveu para vê-las serem erguidas, expressarem-se e estenderem a mão para votar. Podemos (Yes, we can).
Quando havia desespero e uma depressão ao longo do país, ela viu como uma nação conquistou o próprio medo com uma nova proposta, novos empregos e um novo sentido de propósitos comuns. Podemos (Yes, we can).
Quando as bombas caíram sobre nosso porto e a tirania ameaçou ao mundo, ela estava ali para testemunhar como uma geração respondeu com grandeza e a democracia foi salva. Podemos (Yes, we can).
Ela estava lá pelos ônibus de Montgomery, pelas mangueiras de irrigação em Birmingham, por uma ponte em Selma e por um pregador de Atlanta que disse a um povo: "Superaremos". Podemos (Yes, we can!).
O homem chegou à lua, um muro caiu em Berlim e um mundo se interligou através de nossa ciência e imaginação. E este ano, nestas eleições, ela tocou uma tela com o dedo e votou, porque após 106 anos nos EUA, durante os melhores e piores tempos, ela sabe como os EUA podem mudar. Podemos (Yes, we can!).
EUA avançamos muito. Vimos muito. Mas há muito mais por fazer.
Portanto, esta noite vamos nos perguntar se nossos filhos viverão para ver o próximo século, se minhas filhas terão tanta sorte para viver tanto tempo quanto Ann Nixon Cooper, que mudança virá? Que progresso faremos?
Esta é nossa oportunidade de responder a esta chamada. Este é o nosso momento. Esta é nossa vez.
Para dar emprego a nosso povo e abrir as portas da oportunidade para nossas crianças, para restaurar a prosperidade e fomentar a causa da paz, para recuperar o sonho americano e reafirmar esta verdade fundamental, que, de muitos, somos um, que enquanto respirarmos, temos esperança.
E quando nos encontrarmos com o ceticismo e as dúvidas, e com aqueles que nos dizem que não podemos, responderemos com esta crença eterna que resume o espírito de um povo: Podemos (Yes, we can).
Obrigado. Que Deus os abençoe. E que Deus abençoe os EUA da América".

Monday, November 3, 2008

UMA ESTÓRIA DE CEGOS, SURDOS E MUDOS

“ A coisa mais fraca de todas as coisas fracas é uma virtude que não tenha sido ainda testada no fogo.”
Mark Twain
Sempre acreditei que sendo o Mercado cego, surdo e mudo aos problemas que os seus próprios processos geram, competia ao Estado estar de olho vivo, ouvidos abertos e de megafone na mão, para evitar o caos social que pudesse advir do autismo do Mercado, rei e senhor. Mas em boa verdade, o senhor Mercado só é insensível aos problemas dos outros. Agora é vê-lo, perante o precipício que se abriu à sua frente, e atento aos clamores dos seus pares, gritando a plenos pulmões por ajuda. De quem? Do Estado. O senhor Estado, aquele mesmo senhor que, fanático pelas virtualidades da economia de mercado, fez orelhas moucas às tropelias do mercado e às súplicas das suas vítimas. Afinal, esta é uma estória de cegos, surdos, mudos e paralíticos que afinal vêem, escutam, berram e se movimentam… quando lhes convém. O mercado, arrogante e auto-suficiente, acreditando que pode tudo, e que agora se prova ter sido inconsequente; e o Estado, crédulo e irresponsável, que abdicou de grande parte da sua autoridade em favor do Mercado. Resultado: uma grande salgalhada. E para salvar o Mercado, o Estado lança agora mão de soluções que abomina e que vem condenando há décadas. Mas o mais chocante é saber que quem vai pagar a factura é o Zé-povinho – o único que nunca viu a cor do dinheiro volatilizado.

Eu até compreendo o comportamento do mercado. É típico: qualquer besta, deixada com as rédeas soltas, toma o freio nos dentes e sai correndo desembestado. Até à exaustão… se antes não lhe aparecer um precipício pela frente. E a culpa não é, obviamente, da besta, mas daquele a quem competia manter as rédeas firmes e regular o freio. No caso, o senhor Estado.
A propalada, e unanimemente apoiada, saída do Estado da economia, tinha a ver com o papel de operador que vinha desempenhando (de forma insatisfatória, diga-se em abono da verdade) e com algumas soluções administrativas que impunha à economia (contra-natura, portanto). O dever e a obrigação de garantir que o mercado não se transformaria numa selva, onde imperaria a lei do mais forte, mantinham-se intactos. Diria mesmo que, em consideração aos mais fracos, a vigilância devia ser tomada muito a sério. E não foi. Falhou muita coisa na passagem do Estado operador e interventor ao Estado Regulador. Não me atrevo a escalpelizar a passagem ao nível global, mas, à luz da curta experiência cabo-verdiana, sempre podem ser tiradas algumas ilações.
Uma autoridade reguladora, para ser ágil, eficaz e efectiva, precisa escorar-se em, pelo menos, três bases: um quadro normativo moderno e claro; um quadro de competências amplas e inequívocas, capazes de outorgarem aos reguladores os necessários poder e autoridade; um corpo de reguladores capazes de se assumirem como verdadeiros magistrados (no sentido mais nobre do termo). Um investimento em benchmarking, mormente para quem esteja ensaiando os primeiros passos, pode também ser decisivo.
Mas as bases têm de funcionar cumulativamente. De nada serve, por exemplo, ter-se um quadro normativo claro e um quadro de competências amplas (amovibilidade garantida e tudo) se o regulador se revelar canhestro, tímido, burocrata ou simplesmente cobarde. Daria cabo de tudo. Por outro lado, também de nada serviria recrutar uns nec plus ultra para a regulação, se o quadro de competências for restrito e castrador. Pode acontecer ainda, depois de uma boa experiência de benchmarking, o regulador se meter a reproduzir, acriticamente, o que viu ser feito lá fora, com consequências imprevistas. E põe-se ainda a questão do modelo da regulação em si: VITAL MOREIRA manifestou, há coisa de três meses, numa Conferência na Cidade da Praia, algumas reservas em relação à regulação do sector financeiro pelo Banco Central. O B.C. não deixa de ser um banco, uma instituição financeira, o que poderia dar azo a algum corporativismo.
E há indícios preocupantes: (i) não escapa aos mais avisados que há por aqui um banco comercial que é «mais igual» que os outros e que dita regras para os demais; (ii) apesar de se ter feito um escarcéu dos diabos, durante muito tempo as agências de viagens seguiram ditando a taxa de conversão do dólar a aplicar no cálculo dos preços dos bilhetes (o dólar rolava ladeira abaixo, mas nas agências a cotação do dólar mantinha-se colada à do Euro); (iii) pessoalmente, denunciei um modelo de declaração que um banco da praça dá aos clientes (e aos seus avalistas e fiadores) a assinar que é um verdadeiro atentado à liberdade dos visados, mas a autoridade reguladora não tugiu nem mugiu; (iv) meio mundo reclamou já da famigerada taxa de expediente (400$00, mínimo) que se debita para cobrar um juro de 7$00, mas o regulador continua quedo e mudo; questiona-se que, com o nível das tecnologias de informação e comunicação de hoje e da plataforma (a mesma) onde os bancos comerciais se movimentam, só se possa movimentar uma conta a débito 24 horas depois, em caso de depósito em numerário, e 48 horas depois, no que ao cheque diz respeito (a compensação garante a boa cobrança já no final do dia), mas o regulador permanece cego. Escutam-se queixas de que as seguradoras aproveitam (quando não inventam) mil pretextos para pagarem menores prémios (ou não pagarem) e a autoridade reguladora mantém um silêncio confrangedor; a lei diz que as seguradoras têm direito de regresso em relação aos prémios que pagam quando o condutor que provocar o acidente age com dolo; e vão as seguradoras de dar o significado que lhes convém ao conceito de «dolo», exigindo pagamentos indevidos (esquecendo ou fingindo não saber que o Código Penal define quando é que se considera haver «dolo»), e o regulador… cego, surdo e mudo. Enfim, um mundo de «pequenas coisas» que clamam pela intervenção da autoridade reguladora do sector e que ficam em águas de bacalhau. Alguém acredita que não haverá também «grandes coisas» sendo objecto do mesmo laissez faire, laissez passer? Até que um dia a casa venha abaixo. E será então chegado o momento de fazer as vítimas pagarem pelos seus algozes. Como vem acontecendo por esse mundo afora, nesta crise provocada.
A Regulação, sendo uma questão séria, como tal deveria ser tratada. E, verdade seja dita, se tomarmos o caso cabo-verdiano como paradigma, o cenário é desolador. E se a presente crise servir para fazer as coisas entrarem nos carris (chez nous et partout), então terá valido a pena. Apesar dos pesares.