Monday, June 25, 2007

DA PRAIA, DA PRÓ-PRAIA, DO LEITE, DA NATA E… DO SORO


Quando em meados do segundo semestre de 2001 o meu amigo, compadre e afilhado Luís Cabral Correia (que também responde pelo nome de Cacá Boxêro) me contactou para juntos organizarmos um grupo para pensar a Praia e seus problemas, a primeira questão que lhe pus foi esta: «quem mais pensas envolver?»
Explicou-me que já contactara os manos Bebéto Aguiar, Mário Aguiar e Carlos Alberto «IRAS» Silva, o Mário Semedo, o Adriano de Pina, o Cipriano Fernandes, o Zézé de Nhâ Reinalda, o Gildo Ribeiro, o Cândido Carvalho, o Kiki de Nhâ Chumpinha, Fabião de Sousa... Pedi-lhe que parasse, já que eram todos gente de bem, pessoas que eu conhecia muito bem. E pusemo-nos a pensar em mais pessoas que poderiam incluir o núcleo duro do grupo de reflexão que, no momento, ninguém podia prever no que poderia desembocar.
Foi o grupo começar a se reunir para se ver enriquecido com figuras como José Jorge de Pina, Lito Semedo, Jorge Figueiredo, Tober Lopes da Silva, Filinto Elísio, Manuel «Bucha» Barreto, Luís Carlos Vasconcelos e muitos outros ilustres praienses.
Logo logo, as reflexões obrigaram-nos a ter que decidir que tipo de organização iríamos pôr de pé. Uma associação para defesa e protecção do consumidor (que encontrava em mim um grande defensor) ou uma associação para o desenvolvimento da Praia (apoiado pela maioria). Porque era de uma oficina democrática que se tratava, decidimos optar por uma associação que se preocupasse com o desenvolvimento da Praia.
Como se chamaria? Por sugestão minha (aclamada por todos) acabou por ser PRÓ-PRAIA – Associação para o Desenvolvimento da Praia. Na assembleia constituinte contámos com perto de 500 presenças registadas (nome, telefone, e-mail, profissão e disponibilidades de participação). A nata da sociedade praiense. Quem quiser que confira a pauta na sede da PRÓ-PRAIA (Pracinha da Escola Grande, telefone 2615151, e-mail propraia@cvtelecom.cv). E, caso raro em Cabo Verde, dos corpos gerentes não constavam muitos dos promotores do movimento, enquanto apareciam praienses sintonizados com os problemas da Praia mas que não pertenciam ao dito núcleo duro: Benilde Correia e Silva, Paula Almeida, Lena Ribeiro, Yolanda Monteiro, Águeda Monteiro, Ana Cristina Sousa, Josefa Lopes e muitos ilustres cabo-verdianas e cabo-verdianos.
A associação logo que começou a funcionar pôde contar com contributos inestimáveis de praienses engajados com o equacionamento dos problemas da cidade como Jacinto Santos, Felisberto Vieira, João Gomes (que viria a ser, sucessivamente, Vice-Presidente – sucedendo a Jorge Figueiredo que se elegeu Presidente da Câmara Municipal do Sal – e Presidente da Associação), José Maria Semedo, Carlos Barreto Santos, António Moniz, Ivo José Vera-Cruz, o engenheiro Silvino Lima, os arquitectos Pedro Martins, Luís Silva, Carlos Évora, Francisco Duarte e João Vieira (sem contar que sempre pudemos contar com conselhos e sugestões do mais velho Pedro Gregório Lopes e do Pepey Bettencourt, conquanto deslocado na ilha do Sal), os economistas Claudino Semedo, Alcides Oliveira, Óscar Santos, o sociólogo Domingos Mendes, Júnior, os gestores Orlando Mascarenhas, Júlio Almeida, Alfredo Carvalho, Alfredo Eugénio Barbosa Fernandes, enfim, uma plêiade de praienses que, conhecendo apenas o MANIFESTO, os ESTATUTOS e o carácter dos titulares dos órgãos, confiaram e apoiaram como puderam.
O maior risco que posso correr quando falo dos «MEUS» apoiantes, durante o tempo que fui Presidente da PRÓ-PRAIA, é pecar por defeito, porque sempre escapam nomes de gente que deu contributos decisivos, mas cuja discrição nos pode fazer omiti-los em um momento de homenagens, que não é o caso agora. ALFREDO CARVALHO (da TECNICIL), AQUILINO CAMACHO(INTERTRADE e PAPELARIA ACADÉMICA), CARLOS MOREIRA (da ADEGA, SA), BRÁZ DE ANDRADE, CARLOS FREIRE (da CALÚ & ÂNGELA), JOÃO FILOMENO (da CASA MENO SOARES), ANTÓNIO CORREIA (dos IRMÃOS CORREIA), ANTÓNIO MOURA (da MOURA COMPANY), LUÍSA LOBO (da TIPOGRAFIA SANTOS), FELISBERTO VIEIRA (da CMP) são apenas alguns dos nomes (quiçá os mais sonoros) que suportaram o crescimento da Associação. Mas há mais. Muito mais. E os meus veneráveis conselheiros, Abraão Levy, Anastácio Filinto Correia e Silva, Ruy de Aguiar, Napoleão Bonapartde dos Santos, Pedro Gregório Lopes, então?
Fazia, por isso, todo o sentido esperar que no FÓRUM para a IDENTIFICAÇÃO DE VOCAÇÕES, MEDIDAS DE POLÍTICA, INFRA-ESTRUTURAS E ATITUDES PARA O DESENVOLVIMENTO DA PRAIA, agendado para 27 de Abril de 2006, se reunisse a fina-flor da sociedade praiense. Veja-se apenas, por agora, a lista de temas, conferencistas e moderadores (onde não consta o nome de nenhum titular de órgãos da PRÓ-PRAIA):

Painel I
VOCAÇÃO E PRINCIPAIS MEDIDAS/PROJECTOS/ACTIVIDADES PARA O DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO DA PRAIA.
Conferencistas:
Oscar Santos: Vocações, medidas e atitudes
José Luís Fernandes: Projectos para a materialização das vocações
Moderador: Francisco Tavares
Painel II
URBANIZAÇÃO E SEGURANÇA – IMPACTOS, CAUSAS, CONSEQUÊNCIAS E PERSPECTIVAS
Conferencistas:
João Vieira: Urbanização (fenómeno espacial); ordenamento do território, etc..
Crisanto Barros: “Urbanização (fenómeno social e económico) e seus impactos em matéria de Segurança e Civismo” e “O exercício da autoridade e da Cidadania”.
Moderador: Francisco Duarte
Painel III
EDUCAÇÃO, CULTURA E DESPORTO – OS PILARES DA OUTRA FACE DO DESENVOLVIMENTO DA PRAIA:
Conferencistas:
António Fernandes: Educação
António Correia e Silva: Cultura
Emmanuel Charles Oliveira: Desporto
Moderador: Abraão Vicente
Painel IV
AMBIENTE, TURISMO E DESENVOLVIMENTO: DESAFIOS PARA UMA PRAIA MODERNA.
Conferencistas:
Luís Rosa: Ambiente e Desenvolvimento
Pedro Barros: Turismo e Desenvolvimento
Moderador: José Filomeno Carvalho

Não é um luxo ter um corpo de conferencistas e debatedores com tal nível? E que dizer da comissão de redacção? Os jornalistas Arminda Barros e Luís Carvalho (estando a escrever de memória, não sei se não haveria mais alguém na comissão) não fazem uma comissão de luxo? E os convites que havíamos enviado? Convites personalizados a todos os praienses (cidadãos, em si, que vivem, trabalham e educam os seus filhos na Cidade da Praia) que acreditávamos tinham muito a dar ao fórum; apelos pelos jornais (obrigados ASEMANA, HORIZONTE e EXPRESSO DAS ILHAS), pelas rádios (PRAIA FM, RCV e RÁDIO COMERCIAL, referindo-me às frequências que escutei na ocasião), pela televisão; tarjetas entregues a transeuntes.
De presunção e água benta, feliz ou infelizmente, cada um tem quanto quer: eu acreditei que conseguiria ter no fórum a nata da sociedade praiense (não fizemos por menos); outros podem ter acreditado que quem não recebesse convite personalizado era «não-nata».
A verdade verdadeira, porém, é que, apesar de mais tarde ter descoberto que alguns convites acabaram não sendo entregues por insuficiência de endereço, no fórum esteve a nata da sociedade praiense. NEM TODA A NATA, MAS A NATA. Fiquei com a impressão de que todos os praienses engajados com a cidade e que tiveram disponibilidade de tempo (nem todos puderam, já se tratava de um dia útil e nem todos são senhores do seu tempo) lá estavam. E quanto aos ausentes a única explicação que nos ocorreu era que, não sendo senhores do seu tempo, não tinham conseguido a competente dispensa para dignificarem o fórum com a sua presença. O que importava era que o fórum tinha sido um estrondoso sucesso!
Para a minha cidade sempre quis o melhor. Não consegui ainda? Que importa? Sou corredor de fundo. Não há pressas.

Tenho plena consciência de que quando se escreve ou se fala, se exterioriza o que nos vai na alma; mas que quando se lê, faz-se a interpretação, de acordo com as vivências, as experiências, a educação. Daí que a «leitura» não seja a captação fiel do que se viu ou ouviu, mas uma interpretação do interlocutor, com uma carga subjectiva muito forte. Pessoalmente, seja na qualidade de filho, de estudante, de jogador de futebol, de servidor público, de marido, pai, dirigente associativo (Sporting Club da Praia, ARFS, PRÓ-PRAIA), cronista, activista cívico ou escritor, acredito que, não raras vezes, as minhas palavras – escritas ou verbalizadas – terão traído o meu pensamento. É normal. Mas de uma coisa tenho a certeza: se alguém inferiu da declaração de que se esperava que no fórum estaria a nata da sociedade praiense, e do facto de não ter recebido um convite personalizado para o fórum, que era tido como personna non grata, é porque sofre de crónica necessidade de estima e reconhecimento, a que seremos, todos, absolutamente alheios. Acho mais crível a hipótese de auto-exclusão seguida de crise de remorso.
Porque considerar que se pretendeu dividir a sociedade praiense entre «nata» e... «soro», não convence ninguém. Desde logo porque nata + soro = leite e não há leite sem soro, o que nos conduz a que nata e soro sejam duas categorias verdadeiramente importantes e indissociáveis. Com mais ou menos natas, só se tem leite (inteiro, meio-gordo ou magro) se estas estiverem associadas ao soro. Por isso, e mesmo que se admitisse, por absurdo, que se pretendeu fazer discriminação, não seria tão grave quanto isso, se se tomasse o «soro» como oposto da «nata».
Bem… a não ser que, como sugeriu um conhecido meu, se tenha considerado que o oposto de «nata» seja «escumalha». Mas tenho a certeza de que não foi isso que aconteceu: quem me conhece sabe que não sou de descriminar ou dispensar braços e mentes, mormente sabendo, como sei, que mesmo se estivéssemos todos na mesma trincheira, ainda assim seríamos poucos para fazer com que as boas práticas ganhem foros de cidadania na gestão da coisa pública na Cidade da Praia.
Vamos deixar os fait-divers? Vamos dar as mãos e juntos pugnar por que a nossa cidade se transforme num lugar bom para viver, trabalhar, amar, educar os filhos e esperar pela morte? Vamos?
António Ludgero

Thursday, June 21, 2007

COMUNICAÇÃO APRESENTADA AO SYMPOSIUM ORGANIZADO PELO Xº ANIVERSÁRIO DO JORNAL «A SEMANA»

COMUNICAÇÃO SOCIAL: PODER OU CONTRAPODER*

As motivações do Homem
A história indica a ocorrência de quatro motivos fundamentais da existência humana: o Ser, o Poder, o Saber e o Ter.
O indivíduo motivado para SER caracteriza seu desempenho pela busca incessante da auto-realização de seu potencial, transcendendo a linha da normalidade social, em direcção ao desabrochar das faculdades superiores do ser humano.
O indivíduo cuja motivação predominante de sua vida é o PODER, tem como necessidade suprema a conquista, manutenção e ampliação de sua ascendência sobre os outros, objectivada através da influência, do controle ou da dominação dos comportamentos daqueles que, de alguma forma, lhe estão subordinados.
O indivíduo orientado para o TER caracteriza-se pela exacerbação da necessidade de adquirir e acumular bens materiais.
O indivíduo cuja motivação é o SABER faz do conhecimento filosófico ou científico a razão de sua existência.
No demais, serão os valores pessoais do indivíduo a dar sentido a estes motivos, segundo duas direcções: a satisfação do próprio ego (motivação egoística) e o servir aos outros (motivação altruística).

Qual destas motivações faz andar os órgãos de Comunicação Social? Órgãos com funções de informar, formar e conformar, o que os fará marchar? Informadores do que se passa à sua volta, formadores de opinião e de cidadania e conformadores de vontades, que motivação os fará marchar?
Parece-me claro que o que faz mexer a Comunicação Social é o PODER. Quem tem a função de informar, formar e conformar vontades precisa do poder como do pão para a boca. Precisa do poder para melhor servir a sociedade.

O que é o poder?
Mas, afinal, o que vem a ser o poder?
O poder pode ser entendido como o potencial de influência de uma pessoa ou grupo sobre outras pessoas ou outros grupos; ou, simplesmente, a capacidade de influenciar, mudando maneiras de pensar, agir, ser.
Tal influência, porém, pode ou não se exercida, na medida em que está condicionada à sua aceitação ou legitimação pelo papel complementar.
A questão que se pode pôr agora é esta: a CS tem, em potencial, a capacidade de influenciar, de mudar maneiras de pensar, de agir e de ser?
A resposta no que concerne ao potencial só pode ser positiva. Aliás os objectivos estratégicos perseguidos pela CS pressupõem a existência prévia de um capital de influência.
A questão que se impõe agora será: em que grau os órgãos de CS conseguem passar do potencial ao desempenho efectivo? Porque uma coisa é ter potencial outra bem diferente é a capacidade de fazer desabrochar o potencial e transformá-lo em efectiva acção.
Aqui a resposta não pode ser única.
Haverá órgãos muito bem aceites, há-os de credibilidade média e existem outros cujos créditos andam muito em baixo.
O que se precisa, pois, é mexer as coisas de modo a fazer com que todo o potencial existente se transforme em efectivo desempenho de qualidade.

Uma figura um tanto ou quanto lírica pode dar-nos uma ideia do que aqui se preconiza como a passagem do potencial à acção efectiva. Imagine-se um botão de rosa. É uma flor em POTENCIAL. Pode desabrochar numa linda rosa ou murchar e morrer mesmo antes de abrir.
No exemplo do botão de rosa cabe ao jardineiro cuidar das coisas de modo a que o botão se transforme numa linda flor. E no caso da Comunicação Social?

Ter poder e ser poder
Passar do potencial à acção pressupõe, no caso cabo-verdiano, um salto qualitativo que, a um tempo, restabeleça a bonna fides dos órgãos e garanta um produto final de qualidade.
Mexer em sistemas tão complexos como a Comunicação Social exige, via de regra, que se mexam nos seus eixos vitais.
E quais seriam os eixos vitais a alterar no sistema Comunicação Social?
Seriam, a meu ver, os eixos “INOVAÇÃO”, “PESSOAS” e “RESULTADOS”.

Mexer com o eixo inovação significará investir fortemente nas novas tecnologias de modo a ter um produto final de qualidade.
Mas, atenção, investir em tecnologias não deverá nunca ser “verter dinheiro cegamente nas tecnologias” o que, no dizer de Michael Hammer, sempre foi como deitar pérolas a porcos. A diferenciação estratégica reside em mudar a forma de pensar a relação da tecnologia com a qualidade total do bem ou serviço.
A ideia não será, pois, usar as novas tecnologias para fazer as mesmas coisas em ritmo acelerado mas arrancar com o que nunca nos passou pela cabeça fazer. Isso é que é inovar.

Mexer com o eixo pessoas significará outro grande investimento, desta feita em Recursos Humanos. Não o mero desenvolvimento profissional mas, e principalmente, um forte desenvolvimento humano. Afinal esse homem novo que se quer actuante na CS, terá, de entre outras, as funções de informar, formar e conformar vontades; participará na formação dos cidadãos que estarão diariamente escrevendo páginas da história de Cabo Verde e da Humanidade.

Mexer com o eixo resultados significará a assumpção de novos e mais ambiciosos desafios.
A aceitação geral como pessoa de bem; a adopção do inconformismo como elemento fundamental da cultura organizacional dos órgãos; a oferta de um serviço de qualidade, sério, credível, capaz de influenciar os utentes, mudando suas maneiras de pensar, de agir e de ser; esses serão objectivos que têm que ser atingidos em decorrência das mudanças a introduzir.
Conquistando, ampliando e renovando a sua capacidade de influência, dir-se-á que a CS é detentora de poder.

Mas, ter poder é ser poder?
Ficamos em que ter poder significa ter capacidade de influenciar, mudando maneiras de pensar, agir, ser.
Ser poder, no meu entender, significa fazer uso sistemático e reiterado do poder, de forma ética e paradigmática, de forma a se tornar uma referência para a sociedade e um limite aos demais poderes.
Conquistando, ampliando e reforçando o poder e dele fazendo uso de forma reiterada e sistemática, poder-se-á dizer que a CS é um poder. Mais um poder, o QUARTO PODER, se se preferir.

O poder na relação
O poder é um fenómeno relacional. Exerce-se sempre na relação. Se se exerce influência, haverá sempre um que influencia e, pelo menos, um outro que é influenciado.
Na relação há, contudo, tendência a que ocorram alterações, de tempos em tempos ou progressivamente, mesmo sem qualquer perturbação de origem externa. Bateson chamou essa tendência de cismogénese e identificou dois tipos de cismogénese: a complementar e a simétrica.

A cismogénese complementar ocorre quando, por exemplo, o poder de influência de A reforça a submissão de B e esta reforça, ainda mais, o poder de influência de A; e assim por diante, até à completa subjugação de B.

A cismogénese simétrica ocorre quando detentores de poder equivalente entram em interacção mantendo atitudes e/ou comportamentos de independência em relação ao outro, não aceitando submeter-se.

A cismogénese simétrica parece-nos ser um fenómeno que, devidamente monitorado, poderá erigir a CS em efectivo QUARTO PODER.

A cismogénese complementar, por outro lado, parece ser de evitar a todo o custo por quem se bate pela ética e pela formação da cidadania. Daí a necessidade de se chamar a atenção para as questões éticas derivadas do uso do poder da Comunicação Social.

Sobre um contínuo de intensidade de influência que vá do INFORMAR ao DESTRUIR, passando por ALERTAR, SUGERIR, PERSUADIR, ORIENTAR, IMPOR, SEDUZIR, FANATIZAR e SUBJUGAR, a acção da CS não pode, nem deve, ficar aquém do alerta nem ir para além do fanatismo. É imperioso que a intensidade de indução do influenciador (no caso a CS) deixe uma margem de liberdade ao complementar.

Poder e Contra-poder
O poder ou a capacidade de influenciar pessoas ou grupos, mudando formas de pensar, de agir e de ser, claramente aceite e legitimado pelo complementar confere à CS o estatuto de sistema de poder.

Mantendo, ampliando, reforçando o poder e exercendo-o com ética, e de forma sistemática e reiterada, arvorando-se em agente de mudança diria que a CS é poder. Quer dizer, se a CS assume a co-liderança (ou mesmo a liderança) dos processos de mudança, ajuda a definir novos valores culturais, as novas regras do jogo, se assume a proactividade necessária a se manter na crista da onda da mudança, confirmar-se-á como poder de per si.

Se, pelo contrário, e apesar de ser detentora do poder, se posicionar na reacção, isto é, se se deixa surpreender pelos acontecimentos, se se deixa levar pela onda da mudança, ficando-se pelos comentários e críticas perante factos consumados e regendo-se por novas regras impostas de fora e que mal dominará, poderá somar alguns pontos mas não passará de mero contra-poder.
Nos tempos que correm, ou se é parte do problema ou se é parte da solução. Não há meio termo.

Ser parte do problema significa ser-se levado pela enxurrada da mudança, passar a funcionar em um ambiente desconhecido, com regras que não se domina e agindo a reboque dos demais poderes.

Ser parte da solução significa ser proactivo, antecipar soluções a problemas apenas intuídos, ser agente de mudança e tendo a vantagem de funcionar em ambiente de que se conhece bem as regras do jogo. É-se, de facto, um verdadeiro poder em si.

Ser PODER ou CONTRA-PODER, em meu entender, é uma questão de postura.
Ou se tem uma postura proactiva, se é agente de mudanças, e é-se PODER ou se tem uma postura reactiva, se vive a reboque dos outros poderes, e é-se apenas CONTRA-PODER.

A sustentabilidade do poder da CS
Saber onde se está e para onde se pretende ir é já meio caminho andado.
Os caminhos a trilhar terão que ser os da independência, da objectividade, da honra, do respeito, do inconformismo, da proactividade, em suma, os caminhos para a conquista, manutenção e ampliação do capital de poder dos órgãos.
A chegada ao destino só acontecerá quando os profissionais tiverem palmilhado os mesmos caminhos dos órgãos.
Isso porque o poder dos profissionais, e da classe, conferirá, sempre, poder aos órgãos, enquanto a inversa nem sempre será verdadeira.
O poder da Comunicação Social deverá estar, pois, ancorada ao poder dos profissionais e da classe dos fazedores da Comunicação Social. Daí a enorme responsabilidade que impende sobre a classe.

Conclusão
A CS, pelos objectivos estratégicos que persegue, tem vocação de poder.

Se não passa o potencial de poder para o exercício efectivo do poder é porque há problemas que clamam por urgente intervenção.

Removendo os constrangimentos, (r)estabelecendo a sua mui comprometida bonna fides e disponibilizando-se para uma permanente renovação da legitimidade terá poder efectivo.

Conquistando, mantendo e ampliando a sua capacidade de influenciar dir-se-á que tem poder. Reforçando e legitimando, em permanência, o capital de poder e alcandorando-se ao patamar de referência dos cidadãos e de limite aos demais poderes, poder-se-á dizer que é PODER. O QUARTO PODER.

Poder que deverá ser usado adentro de limites éticos, sendo de condenar todo e qualquer mau uso ou abuso. Afinal, o poder da CS deve servir para libertar e fazer crescer e, por isso, jamais deverá ser usado para manipular, subjugar ou destruir.

Ser poder ou contra-poder tem mais a ver com a iniciativa no exercício do poder: ou se é proactivo e se é PODER de per si ou se vai a reboque dos demais poderes e é-se mero CONTRA-PODER.

O poder da Comunicação Social deve ancorar-se mais ao poder dos seus profissionais e da classe do que ao poder dos órgãos em si. A luta terá que ser, pois, não só para a afirmação dos órgãos (que são importantes, sem dúvida) mas, e sobretudo, para o sucesso e para a afirmação da classe dos profissionais da Comunicação Social.

* Comunicação apresentada no Fórum Internacional organizado pelo jornal A SEMANA, por ocasião das comemorações do seu X aniversário.

COMUNICAÇÃO FEITA POR OCASIÃO DO ANIVERSÁRIO DA POLÍCIA DE ORDEM PÚBLICA

POLÍCIA E A URBE*
- O ontem, o hoje e o amanhã -

Pediram-me que abordasse o tema “UMA POLÍCIA PARA O FUTURO / A POLÍCIA E A URBE”.
Vou falar do mesmo que falaria se seguisse o título proposto, mas prefiro que o título abarque (a) o histórico da função policial, (b) um ponto da situação da relação que HOJE a POP mantém com a Cidade e (c) a projecção do que se espera sejam as relações futuras entre a POP e as comunidades urbanas.
Em intervenções do género desta, uma retrospectiva história é sempre desejável. Desejável porque ajuda a compreender a origem das coisas. Desejável também porque permite fazer um balanço dos desvios e acertos e desejável, principalmente, porque propicia oportunidades para um correcto equacionamento do futuro.

A HISTÓRIA
Vêm a talho de foice estas questões:

“QUEM É MAIS ANTIGA: A POLÍCIA-CORPORAÇÃO OU A POLÍCIA-FUNÇÃO?” “E O QUE VEM A SER, AFINAL, A POLÍCIA”?

Originariamente, a polícia era o conjunto de funções necessárias ao funcionamento e à conservação da cidade-Estado (polis grega, daí a etimologia de polícia e civita romana, daí civil, isto é, inerente à civita - cidade).
Quando as pessoas começaram a se sedentarizar, agrupando-se em núcleos permanentes, rodeados pelos seus pertences e haveres, cedo surgiu a necessidade de algumas regras. Estabelecidas as regras, necessário se tornou um ente que fizesse com que os vizinhos respeitassem as regras, se respeitassem e respeitassem as propriedades uns dos outros. É aí que nasce o Estado. Com efeito, a protecção do indivíduo ou do grupo contra qualquer violência à sua pessoa, a seus bens ou a seus direitos, enfim a segurança pública, sempre foi uma das razões fundantes do Estado. E a função polícia foi das primeiras funções estatais.
A função policial nasce, pois, com as cidades, de quem, aliás, ganham o apelido. Polícia vem de polis, que em grego significa cidade.
Sem o policiamento (entendido como o exercício da função de polícia) a organização social “cidade” não sobreviveria.
Na origem e na essência, policiar é civilizar, porquanto a vida civilizada (vida na civita, em comunidade) implicava e implica em refreamentos do que não é civilizado, do que não é urbanidade (civita e urb, são raízes latinas para a ideia de virtude).
Faço aqui a distinção entre a polícia-função e a polícia-corporação porque uma coisa antecede a outra e nem sempre os responsáveis pelo policiamento foram chamados de policiais.
Veja-se o caso português (a que voltaremos, por razões óbvias). No século XIV D. Fernando editava as primeiras leis sobre a organização, nomeação e atribuições dos titulares da função de policiamento das urbes. Eram designados QUADRILHEIROS e assim foram chamados até 1755.
O terramoto de Lisboa de 1º de Novembro de 1755 veio pôr a nu as fragilidades de que enfermava a organização dos Quadrilheiros. É a primeira vez que na história de Portugal (um pouco nossa também) aparece o termo POLÍCIA designando não uma função, mas uma corporação. Porém, a organização só viria a conhecer uma fase boa com PINA MANIQUE, a quem D. Maria I nomeou Intendente, confiando-lhe os destinos da polícia.
Com o Marquês de Pombal a polícia tinha sido desviada das suas atribuições, tendo sido utilizada mais com objectivos políticos do que de segurança social.

O PRESENTE

O dilema fundamental era (e ainda é) pelo menos, em tese: liberdade sem segurança ou segurança sem liberdade.

Tal era o peso da responsabilidade herdada por PINA MANIQUE.

Mas o desafio perante o qual se encontram nossos Comandantes e Oficiais é este: liberdade em segurança e segurança sem restrição da liberdade.

Aqui a questão-chave é:

que fazer para controlar a selvajaria da criminalidade, da violência e da corrupção que tende a se generalizar e que nos assusta a todos, e ao mesmo tempo garantir a segurança sem bulir com as liberdades individuais?

Poder de polícia é conceito jurídico atinente à adequação da rivalidade existente no binómio indivíduo/grupos versus público/social, ou seja, é o poder que garante a compatibilidade necessária entre os direitos do indivíduo ou de grupos e os interesses e direitos da colectividade. Enfim, o poder de polícia é a essência característica do Estado que veio civilizar a vida selvagem anterior do homem. Por isso, polícia é, então, a organização administrativa (vale dizer da polis, da civita, do Estado=sociedade politicamente organizada) que tem por atribuição conformar a liberdade individual ou de grupos aos interesses e direitos da colectividade, podendo recorrer ao uso da força, mas na (exacta) medida necessária para a salvaguarda e a manutenção da ordem pública. Aqui o desafio é a medida da força para a limitação das liberdades individuais. Tem que ser na medida justa e exacta da necessidade de salvaguardar a ordem pública: qualquer excesso configuraria uma situação de abuso.

A questão da polícia na urbe, pode até ser posta nestes termos:

não há cidade sem polícia. Um agrupamento populacional pode ter tudo o que precisar, mas se não tiver quem exerça o poder policial (uma força policial) não pode ser catalogada como cidade.

De igual modo, não existiria razão para alguém inventar a polícia não fosse a sedentarização e a emergência de urbes.

Isso dito, como se poderá interpretar o que se passa na cidade da Praia, capital da República de Cabo Verde. Aqui cada um faz o que bem entende. E assim, das duas uma. Ou não é cidade (no que a Constituição nos desmente) ou os titulares dos poderes de polícia não têm o mandato que se esperava tivessem: o de policiar e civilizar, porquanto a vida civilizada (vida na civita, em comunidade) implica em refreamentos do que não é civilizado, do que não é urbanidade (civita e urb, são raízes latinas para a ideia de virtude). E não é o que se vê. Não é o que se sente.
Ainda me ressoa na memória esta modinha:

polícia / associal / bá timbora / bá timborinha.

Como foi possível chegar-se ao extremo de os cidadãos (que exigiram que o Estado encontrasse um modo de os proteger e aos seus bens) se levantassem contra a polícia (a mão que o Estado lhes estendeu)?
Os policiais – mais do que a polícia – precisam estar atentos aos fenómenos que se manifestam à sua volta. A sua actividade está sujeita ao interesse e exigência da sociedade para cuja protecção estão vocacionados.
E essa atenção – que cada vez mais se posiciona criticamente acerca do desempenho das forças de segurança, que parte para a denúncia de irregularidades – essa atenção, dizia, deve ser entendida como sintoma de uma sociedade livre e civilizada, onde as pessoas esperam mais e melhor da sua polícia, exigindo qualidade e profissionalismo.
Mas tais vozes, atentas e críticas, são também solidárias. Estão dispostas a conferir empowerman à sua polícia para que esta não esmoreça na sua digna e espinhosa missão de civilizar as relações na cidade.
E é bom que os policiais (e a polícia-corporação também) saibam que os cidadãos criticam porque sabem que os nossos policiais são capazes de mais e de melhor. As questões a pôr são, pois, estas

“O QUE TOLHE A POLÍCIA?”
O que vai vai mal nesta relação?

Vejamos o que os cidadãos mais têm reclamado da sua polícia:

1) Que ela se mostre capaz de garantir a manutenção da ordem, da segurança e da tranquilidade públicas;

2) Que ela se mostre capaz de garantir a segurança das pessoas e de seus bens;

3) Que ela se disponibilize para liderar um processo de formação e informação em matéria de segurança dos cidadãos, fazendo de cada cidadão um parceiro na luta pelo reforço da segurança e contra a expansão da criminalidade.

4) Que ela se mostre decidida a criar e a manter as condições de segurança que assegurem o normal funcionamento das instituições democráticas.

De facto, os cidadãos não estão a ser demasiado exigentes. Pedem hoje o que pediram no princípio dos tempos, quando resolveram se sedentarizar e viver segundo regras. Qual então a dificuldade?
A mim me parece estar-se perante um enorme deficit de diálogo, potenciado por uma crónica carência de recursos.
Os cidadãos estão querendo cada vez mais (e estão no seu direito); o Governo promete muito e não dá tanto; a polícia continua contando tostões para tudo: para fardamento, para combustível, para equipamentos. E é o stress gerado por esta incapacidade de satisfação das demandas que vai minando umas relações que deveriam ser de parceria e tendem a se transformar em confrontamento.
Vejamos as reclamações dos cidadãos:

a) Os cidadãos reclamam o regresso do policiamento ostensivo;

b) Os cidadãos reclamam do descaso dos piquetes quando solicitados (seja presencialmente, seja via telefone);

c) Os cidadãos reclamam de alguma localizada arrogância na relação agentes/cidadãos;

d) Os cidadãos reclamam de alguma permissividade em relação a determinados grupos sociais, o que poderá indiciar falta de brio profissional.

No fundo, os cidadãos não querem mal aos seus policiais. Antes pelo contrário. Quere-los mais pertos. Se não, vejamos:

(i) querem mais policiamento ostensivo (ou seja o policial mais perto dos cidadãos);

(ii) querem um piquete mais humanizado (porque acha que são as pessoas mais vocacionadas para os socorrer em momentos de aflição, o que não deixa de ser uma manifestação de confiança);


(iii) quere-los briosos (E longe da boca do mundo), porque um desvio ético de um conspurcaria A todos, indiscriminadamente – os homens de azul);


Descobrimos aqui mais uma questão-chave:

“Porque não dar aos cidadãos o policiamento ostensivo por que tanto anseiam?”
Eu acredito que isso mudava tudo. Abrir-se-iam as portas para uma nova (e mais sã) convivência.

O FUTURO
O ponto da situação que ensaiamos atrás mostra-nos uma relação simples que se tornou difícil por razões facilmente ultrapassáveis. O futuro pode e deve ser melhor do que o presente.

COMO, ENTÃO, EQUACIONAR O FUTURO DAS RELAÇÕES POLÍCIA/COMUNIDADES?
Quando se abraça o desafio de equacionar o futuro, há três aspectos que têm que ficar claramente estabelecidos:

(1) quem somos; (2) onde estamos; (3) e para onde vamos.

O primeiro aspecto está devidamente esclarecido: a polícia é o garante da civilização; é o factor que transformou aglomerações humanas na realidade económica e social que hoje se denomina “cidade”; tem um casamento de interesses com a cidade (não há cidades sem polícia e, muito provavelmente, não haveria polícia não fosse o surgimento das polis).
O segundo aspecto também não oferece grandes problemas. Vive-se a complicação de umas relações que eram para ser simples (porque naturais), mas o ponto da situação feito dá-nos a exacta medida de “onde estamos”.
Em relação ao terceiro aspecto cumprirá estabelecer o que queremos que sejam as futuras relações da polícia com as comunidades (ou as urbes se preferirem). Para onde vamos?
O apelo ao policiamento ostensivo; o desejo de ter a polícia por perto; a vontade manifestada de participar na luta por uma maior segurança e por uma menor taxa de criminalidade; tudo isso parece apontar como solução uma maior aproximação da polícia às comunidades e vice-versa. A solução poderá ser abraçar o que nos meios policiais hodiernos se denomina de policiamento de proximidade.
Existem actualmente muitos conceitos ou definições de policiamento de proximidade. Embora as expressões sejam diferentes, a filosofia e os conceitos em que se baseiam são praticamente iguais em todos os países em que este tipo de policiamento tem sido implementado.
A definição seguinte é aquela que me parece a mais compreensível tendo em conta o que é pretendido que sejam as relações futuras com as comunidades:

O policiamento comunitário é, na essência, a colaboração entre a comunidade e a Polícia, com o objectivo de identificar e resolver os problemas da comunidade, Deixando a Polícia de ser a única guardiã da lei e da ordem e tRANSFORMANDO-SE TOdos os membros da comunidade EM elementos activos no esforço conjunto para melhorar a segurança e a qualidade de vida.

As implicações nas relações POLÍCIA/COMUNIDADE são, contudo, bem mais vastas: propicia uma visão mais ampla da prevenção e controlo da criminalidade; confere uma ênfase maior à participação activa dos cidadãos no processo de resolução de problemas e exige profundas alterações na organização policial.
Neste tipo de relação, o principal papel do agente policial, apoiado pela estrutura policial, passa a ser ajudar os cidadãos e as entidades que integram a comunidade a mobilizar os apoios e a obter os recursos necessários à resolução dos problemas e à melhoria da sua qualidade de vida. Os membros da comunidade transmitem aos agentes as suas preocupações, derrubando as barreiras da apatia e da desconfiança, a modos enformar parcerias estáveis e empenhadas.
O sucesso da estratégia de policiamento comunitário baseia-se em laços fortes e mutuamente vantajosos entra a polícia e os cidadãos da comunidade em pauta.

O policiamento comunitário consiste em duas componentes complementares: uma parceria comunitária e um processo de resolução de problemas.
Para desenvolver uma parceria comunitária a polícia deve criar um conjunto de relações positivas com a comunidade, envolvê-la na sua luta para prevenir e controlar a criminalidade e juntar os seus recursos aos da comunidade para fazer face às preocupações mais urgentes dos cidadãos. A resolução de problemas é o processo através do qual algumas das preocupações específicas da comunidade são identificadas e resolvidas através de medidas estudadas e concertadas. E isso reforça os laços.
E não há que recear qualquer perda de autoridade ou redução da importância das missões da polícia. Antes pelo contrário. As entidades públicas locais, os serviços sociais, escolas, entidades religiosas, comerciantes, enfim, as forças vivas (i.e., todos aqueles que vivem e trabalham na comunidade e têm interesse na sua segurança e estabilidade) disponibilizando as capacidades e recursos existentes no seio da comunidade e participando da responsabilidade de encontrar soluções viáveis para os problemas que se colocam para a segurança e bem estar da comunidade, libertarão a polícia de muitos dos seus encargos, permitindo-lhe assim maior cobertura territorial e maior capacidade de intervenção.
O objectivo do policiamento comunitário é a redução da criminalidade e manutenção da ordem através de uma análise pormenorizada das características e origens de determinados problemas que se colocam a uma comunidade, resolvê-los através do recurso às soluções mais adequadas.
Um par de questões obrigatórias, neste momento:

É ISSO QUE QUEREMOS? É PARA AÍ QUE QUEREMOS CAMINHAR?
Se estivermos de acordo quanto à nossa identidade, quanto à situação em que nos encontramos e sobre o futuro que queremos para as nossas relações com as urbes, só nos resta identificar umas quantas certezas que nos aproximam e montar as estratégias, definir as metas e partir para a operacionalização de umas e outras.

Façamos, então, um levantamento das certezas:
1. QUE é mister um sistema nacional de segurança pública bem fundado e forte, livre de corporativismos prejudiciais e sem tentações de se imiscuir em questões políticas ou de outra índole que desviem a polícia da sua função precípua;
2. QUE é mister apostar em um sistema de educação/cultura, orientado e guiado por valores e princípios virtuosos/dignos, para que se possa alcançar a sociedade que queremos, merecemos e temos condições para começar construir, JÁ HOJE;
3. “QUE É MAIS FÁCIL, MAIS ÚTIL E MAIS ECONÓMICO PREVENIR DO QUE REPRIMIR, Beccaria dixit (1775), e que isso é tarefa mais dos Ministérios da Economia, do Planeamento, da Saúde, da Educação (emprego, saúde e educação são fatores essencialmente anticriminogénicos) do que da Polícia ou dos Ministérios da Justiça ou da Administração Interna;
4. QUE a Sociedade Civil está aberta, atenta e expectante e quer estebelecer parcerias com a Polícia para a construção da sociedade que queremos e merecemos.

VAMOS COMEÇAR? HOJE? AGORA?

* Comunicação apresentada na escola de Polícia “Daniel Monteiro”, em 2004, integrado nas comemorações de mais um aniversário da POP – Polícia de Ordem Pública.

Wednesday, June 20, 2007

Comunicação ao fórum para desenvolvimento de Santiago

SANTIAGO:
- COOPERAÇÃO E CONCERTAÇÃO INTERMUNICIPAL COMO ESTRATÉGIA DE DESENVOLVIMENTO.


Propuseram-me que falasse da Cooperação Intermunicipal como um dos eixos do desenvolvimento da Ilha de Santiago. Pensando na proposta e delineando a abordagem do tema, cheguei à conclusão de que seria mais profícuo promover uma reflexão à volta da concertação e da cooperação entre municípios, eleitos, eleitores e forças vivas viradas para a construção da ideia de uma Ilha de Santiago sincronizada e sintonizada para os desafios do desenvolvimento. Acho que é este o verdadeiro eixo.

Realmente, adoptar a Ilha de Santiago como uma unidade de pensamento e de acção é mais do que mera opção de cidadãos amantes do seu torrão natal. É uma incontornável estratégia de desenvolvimento.

Como conceber, por exemplo, o desenvolvimento da Cidade da Praia dissociada do resto de Santiago? Que futuro terá a Grande Ilha se Assomada e Praia não juntarem sinergias, identificando os pontos fortes e fracos, as ameaças e as oportunidades e, sobretudo, descobrirem formas e vias de se complementarem? Como planear o desenvolvimento de Santiago com as sub-regiões se digladiando, cada um buscando mais e melhores brasas para a SUA sardinha?

A saída para o desenvolvimento de Santiago está, a nosso ver, fortemente dependente da forma como as comunidades e respectivos representantes pensarem a sua Região. Se a pensarem como uma manta de retalhos, com os 09 municípios virados para dentro e contando que as geminações contêm a solução para todos os seus males, o processo de desenvolvimento será longo, penoso e de duvidoso sucesso; se, pelo contrário, a pensarem como uma unidade que se alimenta da diversidade das suas comunidades componentes, que precisa de ajuda mas que tem que auto-ajudar-se, o processo de desenvolvimento será, necessariamente, mais tranquilo, mais solidário, mais pujante e, sobretudo, mais sustentado.

Qual a opção mais inteligente? Qual a estratégia? E qual a melhor forma de implementá-la?

«PRAIA, A CIDADE QUE NOS UNE» tem sido o lema da cidade da Praia. Porque não um lema parecido para a realidade maior que é a Ilha de Santiago? «SANTIAGO, A ILHA QUE NOS UNE»! Um tal lema sugerir-nos-ia, à partida, os caminhos a seguir para uma estratégia concertada virada para o desenvolvimento da Ilha.

O que nos une, dentro de Santiago? No plano físico, as estradas e os caminhos; os portos e o aeroporto; as bacias hidrográficas; os negócios; a agricultura e a pecuária; a Cidade da Praia; o Mercado da Assomada; a Cidade Velha, o mar. Num outro plano, encontramos a cultura (a língua, a educação, a religião, as tradições, a história, a esperança, os anseios), a amizade, o amor, os laços familiares, a convivência de séculos.

E o que nos separa? Ou nada nos separa? Infelizmente, há muita coisa nos separando. E, o pior de tudo, é que estão em causa institutos e instituições que nos deviam aproximar até mais não. Estou pensando no sistema representativo, nos partidos políticos e na militância fanática. Não diria que o sistema de planeamento e a divisão administrativa do território sejam elementos que nos separam; mas não são, de todo, instrumentos pensados para o desenvolvimento integrado de Santiago.

Quero deixar aqui claro que os pontos de vista que aqui exponho são, evidentemente, pessoalíssimos. E nem podia ser de outro modo. Mas posso assegurar-vos que privo com muitos democratas que, obviamente, acreditam no sistema representativo, nos partidos políticos e na participação popular, mas que comungam comigo a mágoa da constatação de que há sério desvio no sistema representativo, que há uma exacerbada exploração pelos partidos da influência que exercem sobre os seus militantes e que há um fanatismo político, enjoativo e obscurantista, gerado e alimentado pelas forças políticas.

Sem pretender ser exaustivo, parecem ser estes os principais factores dos nossos acertos e desacertos. E não tenho grandes dúvidas de que nesse «mato» estarão os principais factores geradores dos constrangimentos NÃO NATURAIS que tolhem a nossa unidade e o nosso desenvolvimento.

Então, um exercício prático e muito interessante seria analisar o que fazer para potenciar as nossas forças; como ultrapassar as nossas fraquezas; traçar estratégias para a transformação das ameaças em oportunidades; e, finalmente, aproveitar, CRIATIVAMENTE, todas as oportunidades que surgirem. Que o importante, no momento, é saber onde estamos (e as razões porque estamos onde estamos) e ter a ideia clara para onde queremos ir. Como vamos fazer a caminhada e a transição, com que recursos, a que ritmo e com que parcerias, será o passo seguinte. Logo se verá.

Aqui e agora gostaria de sugerir a concertação das sinergias como uma das estratégias a reter. As vertentes fundamentais de uma tal estratégia poderiam ser:

1. Que se apostem todas as fichas na cooperação inter-municipal, em todos os níveis. A ideia é instituir e alimentar uma cooperação intermunicipal, multilateral, e trabalhar no sentido de se construir a UNIÃO DOS MUNICÍPIOS DE SANTIAGO.

2. Concomitantemente, concertação, em sede da ASSOCIAÇÃO DOS MUNICÍPIOS DE SANTIAGO, virada para o reforço dos factores que nos unem, para a debelação daqueles que nos separam e para a eliminação ou banimento dos factores nitidamente perniciosos ao desenvolvimento de Santiago. A ideia é ir-se, por esta via, para além de uma formal associação de municípios, podendo-se instalar uma informal autarquia supra-municipal forte e coesa, com uma equipa de autarcas capaz de influenciar a montagem de um plano regional para a Ilha, e de gerir e administrar os recursos e as complementaridades pensando no desenvolvimento integral da Ilha, sem perder de vista as idiossincrasias das diversas comunidades.

3. A concertação dos Deputados eleitos pelos círculos eleitorais da Ilha de Santiago, também virada para o reforço dos factores que nos unem, para a debelação daqueles que nos separam e para a eliminação ou banimento dos factores nitidamente perniciosos ao desenvolvimento de Santiago. Defendo um processo político que deve desembocar numa FRENTE PARLAMENTAR POR SANTIAGO, ainda que informal. A ideia não é subtrair os Deputados às estratégias dos respectivos grupos parlamentares, mas tão-somente tê-los disponíveis, concertados e actuantes na defesa e na promoção do território e das gentes que os elegeram. E poderão jogar uma forte cartada na recuperação da confiança dos cidadãos no sistema representativo e nos partidos políticos e na valorização da militância consciente.

4. Forte e inequívoco investimento de todos os actores políticos de Santiago na aprovação e implementação do ESTATUTO ADMINISTRATIVO ESPECIAL PARA A CAPITAL. É fundamental e estruturante para Santiago e para Cabo Verde. A Capital precisa urgentemente de todos os instrumentos e recursos que lhe permitam exercer cabalmente o seu papel político e o não menos importante papel de Cidade Nacional de Referência. A FRENTE PARLAMENTAR POR SANTIAGO poderia ter aí o seu «baptismo de fogo». Aqui não estão em causa as estratégias políticas e politiqueiras dos grupos parlamentares, razão porque os deputados devem sentir-se livres para se assumirem inteiramente como deputados dos respectivos círculos e eleitores. Da mesma forma, a ASSOCIAÇÃO DOS MUNICÍPIOS DE SANTIAGO poderá realizar a sua primeira acção concertada: nada impede que dispam os coletes partidários e empunhem a bandeira de Santiago e da sua Capital.

5. URGENTE redefinição do papel da Cidade de Assomada, tendo presente o desenvolvimento integrado da Ilha de Santiago. Assomada tem que ser reformatada, de modo a assumir o papel de centro vital da Sub-região do Centro-Norte da Ilha. O desenvolvimento de Santiago só será válido se tiver um impacto visível na qualidade de vida dos santiaguenses. Para isso, mister se torna que se aposte fortemente na redução das assimetrias de desenvolvimento, na real integração social de todos os cidadãos e na aproximação entre os serviços e a respectiva clientela. E é aí que entra a Cidade de Assomada. Parece claro que a preparação de Assomada para assumir de forma eficaz o papel de capital da referida Sub-região não será tarefa apenas dos autarcas e dos demais eleitos pelo círculo de Santa Catarina. Sendo, como é, um primeiro esforço de organização e estruturação da autarquia supra-municipal de Santiago (ainda que informal, num primeiro momento) deve envolver todas as forças vivas da Ilha engajadas com o processo. As mesmas sinergias mobilizadas e canalizadas para a aprovação do EAEC serão precisas para preparar Assomada para os novos desafios.

6. Elegendo a concertação e a cooperação como eixo fundamental do desenvolvimento de Santiago, não podia deixar de me referir a um elemento que pode ser preponderante na realização do desiderato comum: é ele a VIA RÁPIDA CIDADE DA PRAIA/TARRAFAL (ou CIDADE DE SANTIAGO DE CABO VERDE/TARRAFAL), PELO LITORAL. Inanimado e caríssimo, mas, mais do que mera infra-estrutura, é, sim senhor, um «parceiro» decisivo e incontornável para o desenvolvimento da Ilha de Santiago. Praia Baixo, Pedra Badejo, Calheta, Tarrafal e todas as pequenas praias, baías e enseadas por onde passará irão beneficiar grandemente. E desta tribuna, digo ao representante do Governo o seguinte: SE HÁ INVESTIMENTO QUE PODE CONTRIBUIR PARA QUE A ECONOMIA DE CABO VERDE DÊ O SALTO – O TAL CRESCIMENTO A DOIS DÍGITOS – É A CONSTRUÇÃO DESTA VIA RÁPIDA. A VIA QUE, AFINAL, NOS UNIRÁ! Pode apostar! E aqui vai ser preciso que os municípios de Santiago e o Governo de Cabo Verde se entendam para que juntos possam buscar e estabelecer parcerias sem sobressaltos. Uma PPP poderá ser a solução para o financiamento da infra-estrutura. O parceiro privado pode até explorar a portagem eternamente, se for essa a sua exigência para encarar a construção, a gestão e a manutenção da VIA RÁPIDA! Às forças vivas de Santiago competirá explorar DEVIDAMENTE as vantagens advenientes de se ter disponível um tal «parceiro» de ouro (e asfalto, naturalmente) – A VIA RÁPIDA, estamos entendidos.

Alguém virá aqui falar do Turismo, das Indústrias, dos Serviços, da Agricultura, das Pescas e de outras actividades. A proposta que aqui vos deixo é esta: fale-se do que se falar acerca do desenvolvimento de Santiago, imaginem e comparem o hoje (do «cada um por si e Deus por Todos» e dos macadames esburacados que não permitem a devida exploração da faixa litoral Leste), com o que nos espera no amanhã (com a concertação e a cooperação municipal multilateral e a VIA RÁPIDA PRAIA/TARRAFAL, PELO LITORAL).

No mais, é ter fé em Deus e... esperar que os autarcas, os Deputados, as Forças Vivas e o Governo sejam coerentes.


MUITO OBRIGADO.

Wednesday, June 6, 2007

O BOM SAMARITANO

As preocupações do Governo com a questão da sobrevivência do sistema de previdência social não são comungadas, ainda, pelos SINDICATOS. O aumento da idade da reforma e do tempo de serviço e os mecanismos de transição constituem outros tantos pomos de discórdia. Enquanto o Governo tem presente que em 1975 (por alturas da Independência Nacional) o tempo de serviço que dava direito a pensão completa era de 40 anos e que ao colocá-lo no patamar de 36 anos está apenas tentando corrigir uma atitude voluntarista e algo irresponsável dos gestores revolucionários dos primeiros anos da independência, tendo presente o incremento da esperança de vida das cabo-verdianas e cabo-verdianos; os trabalhadores e, provavelmente, os SINDICATOS (digo provavelmente porque estes ainda não se pronunciaram, pelo menos publicamente) exigem a salvaguarda dos direitos adquiridos, das expectativas geradas, dos planos feitos.

Os genes da questão do 13º salário estão aí germinando, germinando. O INE quer o respeito por direitos adquiridos; os profs querem o reconhecimento desse direito; há organismos da Administração Pública indirecta que já auferem este benefício (por sinal estes até têm os primeiros 12 salários de bom nível); a maioria das empresas privadas nacional já pagam o 13º salário (em alguns casos até um 14º). É uma questão que está aí despoletando e que irá exigir um bom nível de confiança e de relacionamento entre o empregador Estado e os SINDICATOS. «O Estado paga o que os cabo-verdianos podem pagar», JMN dixit. É uma grande verdade, sem dúvida. Mas, se o Estado se meter a desafiar os SINDICATOS no seu próprio terreno, será que estes pararão, SEQUER, para ouvir as boas razões do senhor Primeiro Ministro?

A flexibilização das relações de trabalho é outro núcleo de divergência entre o Governo (desta feita, tanto na qualidade de empregador como na de administrador político do território). Havendo confiança e disponibilidade para o diálogo, seria sempre possível chegar-se a um entendimento; na falta de confiança, o diálogo será substituído por monólogos cruzados (o dito diálogo de surdos) e os entendimentos serão bem mais difíceis. Todo mundo (empregadores e SINDICATOS) sabe que precisamos apostar na criatividade, na qualidade e na produtividade se queremos ser competitivos; todo mundo tem (ou devia ter) bem presente que se sufocarmos o empregador com exigências que ele não consegue encaixar, corre-se o risco de ficar sem empregador (e sem emprego, of course); todo mundo sabe (ou tinha a obrigação de saber) que se hostilizarmos gratuitamente os nossos trabalhadores corre-se o risco de se instalar, intra-murros, uma quinta coluna, com todas as consequências daí advenientes. Há um mundo de coisas unindo empregadores e empregados, numa espécie de casamento de conveniência, de tal modo que o equilíbrio, a confiança, o respeito e a responsabilidade devem ser administrados com ciência e consciência.

Só o amor constrói – cantou Wanderley Cardoso (que velho que já estou!). Só a CONFIANÇA mantém um casamento – diz o vulgo. Principalmente os de CONVENIÊNCIA - resmungo eu.

Não meter a foice em seara alheia (mesmo não havendo nenhuma delimitação formal); não invadir o espaço do outro (ainda que não haja nenhuma cerca separando os espaços); não hostilizar (independentemente da força ou fraqueza de quem esteja do outro lado); manter intacta a bona fides (e considerá-la um bem precioso em qualquer processo negocial); são alguns dos ingredientes de uma boa receita para a prevenção e a resolução de conflitos.

Nos tempos que correm, quem não faz ao próximo aquilo que não gostaria que o próximo lhe fizesse, já pode ser considerado um «bom samaritano».

Haverá controvérsia em relação a esta sentença? Claro que há! Tudo pode ser questionado, compañeros. Bem, à excepção desta sentença de ouro: NINGUÉM É DONO DA VERDADE ABSOLUTA!