Thursday, February 24, 2011

O PARBIÇA

“Embora o terreno ideal do socialismo-comunismo tenha se desmoronado, os problemas que ele pretendeu resolver permanecem: o uso descarado da vantagem social e o desordenado poder do dinheiro que, muitas vezes, dirige o curso dos acontecimentos. E se a lição global do século XX não servir como uma vacina curativa, o imenso turbilhão vermelho pode repetir-se em sua totalidade.”


ALEXANDER SOLJENITSIN
A poucos dias das eleições legislativas de 06 de Fevereiro, último, respondendo a um inquérito, classificava a nossa jovem democracia como uma «democracia imperfeita». Quer dizer uma democracia no bom caminho, com, pelo menos, dois partidos com vocação de poder, penalizada apenas por algum défice de cultura democrática. Os resultados do pleito, porém, vieram chamar a nossa atenção para o facto de estarmos mais para uma «democracia de partido dominante», tipo África do Sul, Angola (para citar apenas exemplos do nosso Continente), caracterizada pela existência de um único partido da área do poder (Governo Nacional) embora pontifiquem outros partidos, mais ou menos fortes, com boa representação parlamentar e/ou controlo de governos locais. Não é tão natural como isso que um partido ganhe todas as eleições locais realizadas neste século e morra, sistematicamente, na praia, quando a missão é a conquista de uma maioria parlamentar. Mas daí não adviria mal algum ao país, desde que houvesse democracia interna no partido do poder, esforço de renovação nos principais partidos de oposição, vigilância apertada do Quarto Poder, o reforço do exercício da cidadania, tudo convergindo para o respeito pela diferença e pelo diferente.
Mas eis que nos confrontam com um conjunto articulado de actos que apontam para alguma orgia do poder.
Depois de um discurso de vitória para ninguém botar defeito (governar em diálogo com a sociedade, abertura do Governo para entrada de independentes, etc.); após uma fantabulástica (muitíssimo mais do que fantástica) entrevista ao jornal «PÚBLICO», de Portugal (dando conta da intenção de se auto-impor um limite para estar à frente dos destinos do país, de pretender deixar o partido para se dedicar à Academia, de não querer açambarcar o poder, etc.); eis que nos dão conta de uma monumental manipulação do Conselho Nacional do PAI (o mais importante órgão partidário entre dois Congressos) no sentido de levar o delfim do patrão do partido à Suprema Magistratura da Nação. Diz quem sabe que o agendamento da reunião do Conselho Nacional antes da divulgação da composição do novo Governo foi, em si, um tremendo instrumento de pressão sobre os Conselheiros. Havendo uma infinidade de jobs ainda por distribuir pelos boys, ninguém se aventurou a contrariar o desejo público do boss em ter o seu afilhado na Presidência da República. De facto, havia tantos lugares por distribuir, que, jogando com a ambição e com as aspirações (legítimas, diga-se de passagem) dos Conselheiros, tornava-se fácil ao Primeiro-ministro indigitado levar a água ao seu moinho. Entre Ministros e de Secretários de Estado (que acabaram dando lugar a um dos mais pesados Governos da história do país) 21 efectivos; Embaixadores (para além das Embaixadas que vão ter mudança de titulares, existe já a apetecível Embaixada de Cabo Verde em Lisboa, deixada vaga por Arnaldo Andrade); Presidência de Institutos Públicos; Conselhos de Administração de empresas públicas e participadas; lugares no Quadro Especial; etc., eram demasiados e mui suculentos os iscos para que, esgrimidos com a devida maestria, não conduzissem aos resultados a que conduziram.
Outro poderoso instrumento de pressão teria sido a atitude desempoeirada do Presidente do partido em relação ao preenchimento do lugar de Presidente da Mesa da Assembleia Nacional (Terceira figura do país, havendo quem diga que devia ser a Segunda). Passando por cima de Júlio Correia (um ganhador das batalhas políticas em que entra), que na Legislatura anterior desempenhou o cargo de Primeiro Vice-Presidente da Assembleia Nacional, indigita o Vice-Presidente do partido (que, por acaso, sofreu derrotas em quantos enfrentamentos o Júlio saiu vencedor) para a chefia da Casa Parlamentar. Seria um acto normal, se não mantivesse o Correia como número Dois. Assim como as coisas foram feitas, soou a «os incomodados que se retirem que aqui mando eu». Júlio não escondia que aspirava à promoção para a vaga aberta pelo final da era Aristides Lima (que esteve dez anos à frente da instituição) e Felisberto Vieira não desgostava de receber um tal prémio pelo tremendo desempenho que teve nas últimas eleições.
A sensação que se tem é que se está assistindo a uma certa orgia de poder. A ideia com que se fica é a de que o Chefe do partido do poder está assim a modos que diskontroladu. Dispara em todas as direcções; liquida a oposição interna; tenta impor ao país um triunvirato centrado na sua pessoa (é, directamente, Chefe do Governo e pretende ser, indirectamente, Chefe de Estado); submete parceiros a humilhação pública (caso do Júlio e mesmo o caso do Felisberto - que aparece em posição subalterna no elenco governamental, atrás de figuras menores do partido e de “independentes”).
Aliás, quem nos garante que a pasta atribuída ao Filú não seja para o queimar definitivamente, deixando o caminho livre para um dos protegidos do chefe, quando soar a hora da rendição de JMN? Ministério do Desenvolvimento Social e Família! Um dos aspectos menos conseguidos dos Governos do Dr. José Maria Pereira Neves foi exactamente a questão do desenvolvimento social, em descompasso com algum sucesso conseguido na área económica: o aumento da criminalidade juvenil, o aumento da sensação de insegurança, a proliferação de gangs, o descomprometimento das famílias, o aparente divórcio com a acção social das Igrejas, enfim a desconstrução de um sistema de coisas que até pode funcionar de per si, mas que, em situações de crise, pode desmoronar, com consequências imprevisíveis na paz e na tranquilidade públicas e com impactos na estabilidade das comunidades e das famílias. Entregar um tal Ministério a um fulano com as origens e o percurso do Dr. Felisberto Vieira e, por exemplo, sonegar-lhe os recursos necessários para a implementação das políticas públicas que delinear, seria um presente de grego, seria a morte do artista. Perante o actual estado de coisas, poder-se-á descartar a hipótese de se estar tramando a liquidação política do antigo líder da Lista F?
As políticas de desenvolvimento social e para a família (DSF) não são para serem tratadas por um único departamento governamental. O DSF é uma questão transversal que exige poderes de coordenação/articulação das políticas de outros Ministérios que tenham a ver com o desenvolvimento social e com a família. O Ministério do Dr. Felisberto não tem tal autoridade. Aliás, está colocado na 11ª posição da listagem, sempre hierarquizada, dos Ministérios e dos Ministros. Fosse ele Ministro Adjunto (na terminologia actual) ou Ministro de Estado (na terminologia dos tempos de BMR e de MIS) poderia articular as políticas públicas da área social no sentido de um “desenvolvimento” social que, somado ao “desenvolvimento” económico, poderia conduzir ao Desenvolvimento, tout court, do país. Terão razão aqueles que defendem que Filú não deveria ter aceitado a pasta com que o brindaram, nas condições em que as coisas se deram (esvaziamento de um conjunto de dossiers e de Institutos que estiveram na pasta no tempo dos seus antecessores)?
A questão que persiste, teimosamente, é esta: O QUE TERÁ ACONTECIDO ENTRE O DISCURSO DA VITÓRIA E A ENTREVISTA AO «PÚBLICO» E O QUEBRAR DA LOIÇA NA CABEÇA DAS FIGURAS DA OPOSIÇÃO INTERNA? Será que JMN se cansou de gerir os precários equilíbrios internos e resolveu partir a loiça, agora que não precisa de tolerar figurinhas arreliantes que não se mancam e teimam em não se render ao poder do chefe? Seja lá o que for que tenha acontecido, a verdade é que os respingos da solução de força adoptada pelo Presidente do partido extravasaram as fronteiras partidárias, mexendo com a confiança dos cidadãos na integridade e no futuro da nossa jovem democracia. E em se tratando de uma democracia de partido dominante todo mundo deve estar alerta a sinais que, em outras situações, só interessariam aos militantes do partido no poder.
Mas a democracia de partido dominante talvez nem seja o nosso maior pesadelo. Pior do que isso é a nossa jovem democracia ficar refém da facção dominante (ou será dominadora?) de um partido ou, quiçá, de um homem. Pelas orgias de poder que pode permitir e de que esta amostra – o diskontrolu do chefe – pode ser uma (muito) pálida amostra.

Thursday, February 3, 2011

A MINHA ESCOLHA


O homem social é um emaranhado de relações e um entrelaçado de papéis. Ele é filho, é irmão, é afilhado, é amigo, é marido, é genro, é pai, é sogro, é cunhado, é padrinho.

E, no meu caso e agora, já há netos, noras e genros. E há o jornal A SEMANA, a TÍVER, a TCV, a RCV e a RTP. O DIÁRIO DE NOTÍCIAS, A VOZ DA AMÉRICA e A VOZ DA ALEMANHA. E há os SCP – o Sporting Club de Portugal e o Sporting Club da Praia. E é a escrita, com as crónicas e os livros. Enfim, um denso perfil sociográfico e um acervo de coisas boas que a vida nos ensina a apreciar.

A consequência é a necessidade imperiosa de descobrir e conservar um ambiente catalizador capaz de manter tudo isso vivo e dinâmico. Tenho por mim que esse ambiente é gerado pela coerência que deve presidir à vida de quem vive por si e sente necessidade de participar da vida dos que o rodeiam.

E é essa coerência que dita as escolhas que a gente é forçada a fazer o tempo todo. Obrigado a manter equidistância e independência quando se está no papel social de opinion maker, analista ou comentador, quando chega a hora de agir, enquanto ELEITOR, o jeito é deixar a razão falar mais alto e escolher o que nos parecer melhor para as ilhas e para as suas gentes.

No momento, mais do que PAI, MpD, UCID, PTS ou PSD, a escolha é entre Carlos Wahnon Veiga e José Maria Neves, os dois candidatos a Primeiro-ministro. O meu emaranhado de relações, a teia de papéis sociais e o denso perfil sociográfico apontam-me JOSÉ MARIA NEVES como sendo o homem a escolher para a Primatura na Legislatura que vai começar. Não por ser o nec plus ultra, mas por ser, de entre os que se perfilaram, se não o melhor, certamente o menos ruim.

Votarei JOSÉ MARIA NEVES, mas continuarei crítico actuante e cobrador incansável, sempre que os interesses do povo das ilhas estiverem na berlinda. E se cair na tentação de entregar o poder a outrem para se candidatar à Suprema Magistratura da Nação (hipótese que não creio que venha a se verificar) ele ter-me-á à perna.

POR UMA MELHOR QUALIDADE DE VIDA PARA TODOS OS CABO-VERDIANOS, SEMPRE!