Monday, December 31, 2007

QUARENTA (40) DESEJOS PARA CABO VERDE

“Que a Madeira se torne independente e Cabo Verde volte a ser Portugal”

Miguel Sousa Tavares


Por razões compreensíveis, os meus desejos, em relação a Cabo Verde, são substancialmente mais ambiciosos que os de MST:
1. DESEJO QUE CABO VERDE SE JUNTE A PORTUGAL NO SEIO DA UNIÃO EUROPEIA (com quase todos os direitos dos PTOM – Pays et Territoires d’Outre Mer - e com as correspondentes obrigações);
2. Que a FCF (Federação Cabo-verdiana de Futebol) seja admitida na UEFA (Associação Europeia de Associações de Futebol);
3. Que, consequentemente, a selecção de Cabo Verde possa disputar a pré eliminatória para a fase final do Europeu de 2012 e que o campeão de Cabo Verde e o vencedor da Taça de Cabo Verde possam disputar as pré eliminatórias para a Champions League e para a Taça UEFA, respectivamente (à semelhança dos campeões de Israel e da Turquia);
4. Que as nossas divas possam participar do Festival Eurovisão da Canção;
5. Que os adeptos cabo-verdianos dos quatro grandes clubes de Portugal (por ordem alfabética, Futebol Club do Porto, Os Belenenses, Sporting Club de Portugal e Sport Lisboa e Benfica) sejam dispensados de VISTO prévio de entrada, quando pretenderem assistir aos derbies portugueses;
6. Que José Maria Neves, Victor Borges, José Tomás Veiga e Humberto Cardoso cheguem a acordo no concernente à integração, ou não, de Cabo Verde na CEDEAO;

7. Que o país reveja as suas opções em matéria de incentivos ao investimento e aprove um consequente CÓDIGO de incentivos, os quais devem ser ministrados, com equidade, tanto a favor do capital estrangeiro como do capital nacional;
8. Que aos beneficiários de incentivos fiscais e aos signatários de convenções ou contratos de estabelecimento sejam fixados um quadro claro de contrapartidas (estou pensando em formação profissional e na garantia de postos de trabalho diferenciados para os jovens);
9. Que a concorrência se instale definitivamente e o custo com as telecomunicações baixe, baixe, baixe…


10. Que a construção da via rápida Praia/Tarrafal arranque ainda em 2008 e que comecem logo os estudos relativos às pontes que ligarão, no futuro, Santiago ao Maio (por Pedra Badejo), e ao Fogo (Tarrafal/Mosteiros), Sanvicente a Santo Antão e a ilha do Fogo à ilha Brava (sonhar é preciso);
11. Que a Circular da Praia ganhe iluminação e postos de chamada para a Emergências Médicas e outras;
12. Que se conclua a asfaltagem da estrada de montanha Praia/Tarrafal, iniciada em São Domingos e interrompida em Santa Catarina;
13. Que as obras, apresentadas, com pompa e circunstância, no passado dia 06 de Novembro, pelo edil da Praia, se estendam às estradas que vão da PONTE DA VILA NOVA, PELA ESTRADA ANTIGA, ATÉ À SAÍDA DA REFERIDA POVOAÇÃO, NO CRUZAMENTO COM A ESTRADA PRINCIPAL; DA PONTE DE LÉM FERREIRA ATÉ AO PORTO DA PRAIA; da ligação da Sede da CVT com a Avenida dos Combatentes, passando pelas traseiras da Alfândega Velha e pelo armazém da Sociedade Luso-Africana; da Avenida Cidade de Lisboa (derivação junto ao palácio do governo) ao Cemitério da Praia; da Rotunda da CVTELECOM ao Sucupira, passando por baixo da Ponta Belém; DA AVENIDA CIDADE DE LISBOA (cruzamento do sucupira) AO BAIRRO CRAVEIRO LOPES ; o interior do bairro craveiro lopes ; a Avenida principal da Ponta d’Água ;
14. Que a cidade da Praia volte a ter uma Sala de Cinema (dessas onde se projectam filmes todos os dias);
15. Que o Ministério da Cultura chegue à conclusão que já é tempo de a Capital do país ter um Teatro construído de raiz;

16. Que o candidato do MpD à Presidência da Câmara Municipal da Praia apareça à população ANTES da campanha eleitoral;
17. Que o Coordenador do MpD na Praia ceda a vez ao candidato, quando se tratar de contestar e contrapor alternativas às políticas do actual titular (e candidato à própria substituição);
18. Que o Filú, desta feita, consiga montar uma lista à altura dos desafios do município da Capital;
19. Que Onésimo evite que no despique com a Isaura as coisas se resvalem para o puxão de cabelos, uma vez que, tendo ele mais cabelos e sendo ela naturalmente imberbe, as coisas podem bem pender para a única Presidenta de Câmara do país;
20. Que SCAPA, se voltar a ofender os badios no Sal, receba o devido correctivo no retorno a Santiago;
21. Que Daniel Lomba, Oswaldo, Raulinho, Bala e Tony Uostelino se entendam e puxem pela requalificação do seu Paiol Velho (dado o estado em que se encontra, todos os seus filhos saberão sempre a pouco);
22. Que a direcção da PRÓ-PRAIA se reencontre, a modos de a capital não perder uma liderança que, paulatinamente, se vinha consolidando (excepção feita à Igreja Católica e ao Desporto-Rei, a PRÓ-PRAIA é AINDA a única organização que fez os praienses saírem à rua);

23. Que a Assembleia Nacional dote a Capital da República de um Estatuto Administrativo Especial substancialmente melhor que o proposto pelo Governo através do MDHOT;
24. Que o Governo volte a meter a zona industrial de Santa Catarina na Agenda;
25. Que os TACV - se tiverem de deixar de ser «nosso» - permitam ao Tesouro Público algum encaixe financeiro;
26. Que Carlos Veiga aceite substituir Jorge Santos, a modos de termos o prazer de ver, em 2011, um renhido Veiga/Neves, com ambos tentando um terceiro mandato (intermitente no caso de Veiga) como Primeiro Ministro;
27. Que Fernando Elísio Freire se autoavalie e se posicione como alternativa a Carlos Veiga, quando expirar o prazo de Jorge Santos;
28. Que, nas ilhas com mais de um município, nasçam, se reforcem e se consolidem a concertação entre os eleitos locais, caminhando pela via da constituição de autarquias supra-municipais;
29. Que, no Parlamento, os eleitos nacionais, não percam JAMAIS de vista que são, antes de mais, representantes dos círculos com cujos votos se elegeram;
30. Que o Chefe do Governo faça, para o triénio 2008/2010, novas primeiras escolhas, já que os novos desafios não se compadecem com recauchutagens (ainda por cima ditadas por saídas intempestivas);
31. Que o país cresça a dois dígitos, que o desemprego caia para um dígito e, sobretudo, que os cabo-verdianos sintam que a sua qualidade de vida melhorou em decorrência disso;
32. Que aconteça mais um consenso e o Supremo Tribunal de Justiça consiga consumar a sua renovação;
33. Que a gestão dos principais portos e aeroportos nacionais seja autonomizada, permitindo que cada um defina o seu percurso (adentro de uma estratégia nacional, é claro);
34. Que Lívio Lopes seja menos impermeável à opinião pública do que o seu antecessor;

35. Que a Agência da Aeronáutica Civil consiga ter mão nas companhias aéreas e nas agências de viagens (ao menos que, quando os TACV emitem um PTA e não tiverem um correspondente para o entregar ao beneficiário e os sponsors tenham que adquirir bilhetes para enviar em mãos, o reembolso seja a 100%);
36. Que o BCV tenha mãos na banca comercial (ao menos que intervenha para travar a violência praticada pelo BCA através do tristemente célebre documento de engajamento que o fiador/avalista é obrigado a subscrever);
37. Que as autoridades nacionais ao menos questionem como são pagas as importações referentes aos Títulos de Comércio Externo (TCE) que ficam na banca comercial a aguardar transferência (que acaba por não acontecer, sendo certo que não se conhece qualquer reclamação dos fornecedores por não pagamento da sua mercadoria);
38. Que as Autoridades de Regulação tomem consciência da sua Importância e Poder e pensem menos na renovação dos mandatos (ou que garantam a renovação pela via do desempenho esperado);

39. Que a malária não volte a atacar, que a SIDA e a Tuberculose não infectem mais nenhum cabo-verdiano, e que a hipertensão e a diabetes sejam mantidas sob controlo;
40. Que sejam removidos os condicionalismos e se avance para a realização de hemodiálises no país.

E é claro que desejo a todas as cabo-verdianas e a todos os cabo-verdianos, muito dinheiro honesto, muita paz e saúde de montão.

Monday, December 17, 2007

O «TEAM» PARA 2008/2011

O elenco governamental montado, em 2006, por José Maria Neves sofreu já uma significativa erosão. Digo erosão, não porque os novos actores não estejam à altura dos respectivos papéis, mas porque as saídas não foram planeadas.
Na economia, sector fundamental do Governo, quando a discussão girava à volta da necessidade, ou não, de um «team leader», saem tanto o Ministro das Finanças, Plano e Administração Pública como o da Economia Crescimento e Competitividade. Em sua substituição são chamados, a toque de caixa, dois titulares de outros dois sectores importantíssimos: a chefe da unidade de programação e gestão das privatizações e o Embaixador de Cabo Verde em Washington.
A substituição de Pereira Silva foi um parto para lá de doloroso. E foi necessário descobrir um santo para cobrir outro. E ainda hoje não se tem a certeza absoluta se se ganhou um bom Ministro ou se apenas se abriu mão de um comprovadamente bom embaixador. A nomeação de um ajudante para o Ministério da Economia Crescimento e Competitividade (e que é, aparentemente, a única entrada autónoma, isto é, em que o titular não entra para um lugar antes ocupado por outrem) deixou na maioria dos observadores uma sensação muito parecida com a deixada pelos spots publicitários que convidam a pagar um e a levar dois. Para o lugar de um J. Pereira Silva foram necessários dois J.: J. Britô e J. Borges.
O Ministério da Agricultura perdeu uma Secretária de Estado. Por razões de saúde, a titular teve de deixar o Governo. E o país todo viu confirmada uma suspeita que, de há muito, andava de boca em boca: que a ajudante da Ministra de Agricultura era absolutamente dispensável e que a sua entrada para o Governo não obedecia a critérios de eficácia, mormente de economia.
O Ministro dos Negócios Estrangeiros ficou também sem o seu ajudante. Desta feita, foi o Governo que se viu obrigado a devolver um diplomata à diplomacia de facto (ficando o MNE sem o seu ajudante e o PM sem o seu Conselheiro para assuntos diplomáticos). Pode ter sido a única saída planejada.
Agora, quando se esperava por uma remodelação, digamos estratégica, de adaptação do Governo para os desafios da era da parceria estratégica com a União Europeia, eis que as coisas se precipitam. Mais uma vez o Primeiro Ministro se vê obrigado a substituir um elemento da sua equipa em processo de urgência. Mas uma vez se lhe retira a possibilidade de operar uma mudança planejada.
Falo, obviamente, da saída do Ministro da Administração Interna. Mas a saída do Governo do titular do Ministério da Administração Interna não se compadecia com o amadurecimento de um plano de uma mais ou menos ampla remodelação ministerial. Sai pelas razões que invoca, mas estaria aprazada uma saída no quadro de uma «chicotada psicológica» na equipa responsável pelo combate à insegurança que vem afectando e incomodando residentes e visitantes.
Como nas «chicotadas psicológicas» nas unidades de produção ou nas equipas de futebol, o técnico não sai porque é mau, mas porque os resultados que vêm alcançando – ainda que para ele sejam satisfatórios - não agradam nem aos accionistas, nem aos utentes (consumidores, no caso das UP’s e torcedores no caso das equipas de futebol). E o titular do MAI já dava sinais de estafa no discurso. Muito científico, mas desgarrado da realidade empírica. Nhâ Balila (uma mui conhecida cidadã invisual da Capital do país) referiu, na última audiência pública concedida pelo Governo aos munícipes da Praia, que até ela «via» que faltam agentes de ordem pública na rua, para desencorajar algumas acções dos meliantes que grassam por aí. O Ministro respondeu da mesma forma que vinha respondendo de uns tempos a esta parte. Mais coisa, menos coisa, disse que nós outros não dominamos a ciência policial, que as coisas não são como pensamos, que ele sabe como é que essas coisas se resolvem e que vai fazendo por isso.
Mas uma parte da sua resposta deixou-me muito preocupado. Disse que para haver uma relação com as comunidades era preciso que estas estivessem minimamente organizadas. O que ele manifestou desconhecer é a realidade, perfeitamente dominada por um seu Subintendente que, enquanto Comissário e Comandante da Polícia na Praia, conseguiu identificar e dialogar com a quase totalidade dos líderes das associações de bairro (na Praia, salvas raríssimas excepções, todos os bairros têm uma associação, havendo caso de bairros com mais do que uma, casos da ASA, Várzea da Companhia, etc.), conseguindo, por essa via, algum recuo dos contraventores profissionais. Seria interessante pegar as coisas onde o Tchida chegara e aprofundar, a modos de ver até onde se poderá chegar por um tal caminho.
Sempre defendi que é mais avisado e mais barato prevenir do que remediar. Não tenho a mínima dúvida que a prevenção da criminalidade se faz mais através dos ministérios da Economia, do Plano, da Solidariedade Social e da Educação, do que através do da Administração Interna. Que é absolutamente indesejável que se transforme o país num estado policial por causa das diatribes de uns quantos sociopatas. Que é urgente um serviço de informação da República. Que é premente que as polícias tenham os seus serviços de inteligência, para orientação das acções de terreno dos operacionais. Mas é, TAMBÉM, absolutamente necessário que a polícia diga «presente» nas ruas e nos bairros do país, mormente na Capital que, ao que parece, escolheu o caminho e o destino de grandes metrópoles como São Paulo, Cidade do México ou New York.
Aqui, há que fazer de bombeiro e seguir apagando os fogos já deflagrados, ao mesmo tempo que se vai actuando na prevenção, evitando que pequenos focos se alastrem e criando condições para que não surjam novos focos de incêndio. Operacionais na rua limitando as margens de manobra dos criminosos e desencorajando a inscrição de novos adeptos nos gangs; investigadores utilizando toda sua ciência, experiência e vivência para antecipar as acções dos bandidos e orientar golpes cirúrgicos das brigadas móveis sobre o crime.
Mais do que a convicção das autoridades (o MAI é uma delas), a segurança é um estado de espírito. De que adianta as autoridades estarem convencidas de que o país é seguro, quando as populações não se SENTEM seguras?

Agora, tendo Primeiro Ministro falhado a «chicotada psicológica» (afinal o Ministro sai por uma questão de dignidade e coerência e em uma questão que não tem nada a ver com o clima de insegurança que VOLTA a incomodar os praienses), não podendo aguardar até ao momento da esperada remodelação para substituir o MAI, o que fazer, entretanto?
A nomeação de um novo titular, uma personalidade politicamente forte, mais aberto à opinião pública do que o seu antecessor (menos impermeável já estaria de bom tamanho), e capaz de entender que, mesmo quando se acredita que não há nada a negociar, é preciso sentar à mesa para demonstrar que, de facto, NÃO HÁ NADA A NEGOCIAR, seria a solução ideal. Mas, cadê uma tal figura?
Criticar é relativamente fácil. Já substituir um Ministro da Administração Interna na actual conjuntura (precisando recensear a população e organizar as eleições autárquicas e estando a braços com a questão da insegurança) é super complicado. Pode vir a ser um parto tão complicado como aquela que deu J. Brito ao MECC. Como vai Sexa o PM resolver a questão?
Tivesse ele um Ministro da Justiça com boa aceitação, poderia associar a Administração Interna à Justiça e nomear um Secretário de Estado para coadjuvar o Ministro. Não seria nunca uma grande saída juntar a problemática Administração Interna com a mil vezes reclamada Justiça (conquanto as reclamações tenham mais a ver com a morosidade dos Tribunais), até porque poderia acreditar-se numa certa subalternização das questões eleitorais e dos problemas de segurança e ordem públicas.
A asserção pode parecer estafada, mas é a única que me vem à mente neste momento: PARA GRANDES MALES, GRANDES REMÉDIOS! E o grande remédio poderá ser – CASO O PM NÃO ENCONTRE NA CARTOLA A SOLUÇÃO IDEAL – o próprio Primeiro Ministro a assumir a pasta da Administração Interna. Para melhor agilizar as coisas, poderá nomear um Secretário de Estado. Transitoriamente, e para além da ajuda do Secretário de Estado, poderá precisar da colaboração de uma das Ministras da Chefia Política do Governo, para a supervisão das questões eleitorais. Cristina Fontes seria uma boa opção.
No momento, «Boas Festas e cabeça fria» deve ser o melhor voto de qualquer cabo-verdiano para o seu Primeiro Ministro. Por isso, cá vai:
«BOAS FESTAS E CABEÇA FRIA». Muito fria. Para o agora e para a montagem do novo «team» para 2008/2011.

Monday, December 10, 2007

STATUS: PROTECTORADO DA ONU

Ficou estafado, entre nós, a discussão sobre o Estado: se mais ou menos Estado; melhor Estado; Estado mínimo; Estado omnipresente; Estado regulador; etc.
Parece que acordamos aceitar que o fundamental é que tenhamos (ou sejamos) um ESTADO. Menos Estado, mas melhor Estado, é outro ponto de acordo. Um preciosismo, é certo, mas uma opção clara do que se quer e para onde se pretende ir.
O problema seria haver dúvidas se somos (ou temos) um Estado ou não. Que aí, por mais organizada que uma Nação seja (ou esteja), não haveria quem nos pudesse salvar. Não haveria ajudas ao desenvolvimento que nos valessem. Ninguém nos aceitaria como igual. Não haveria, por isso, parcerias connosco: nem económica, nem especial, NADA!

E para quem esteja num buraco como esse, qual seria a saída?
Antes de mais, seria necessário descrever o buraco. Escuro (sem luz), com várias etnias rivais (e buscando se alternarem no poder), com lideranças de duvidosa ética (a quem muita gente não hesita de chamar de PADRINHOS), com um exército de generais maioritariamente analfabetos (que não sabem fazer mais nada na vida senão pelejar). E sem qualquer ideologia séria ou inteligível. Um devorador de recursos que não gera quaisquer proveitos.
Embora o «nosso» buraco tenha potencialidades para ser auto-suficiente em matéria de produção de alimentos (tem rios caudalosos, árvores de fruto a dar com pau, terreno fértil, abundantes e saborosos frutos do mar e dos rios) ainda anda de mão estendida.

Qual a saída? Ainda insistem?
Agora que descrevemos, em breves e generalíssimas linhas, o «nosso» buraco, é hora de o caracterizarmos. Ali, a discussão ainda não é sobre o tamanho e a abrangência do Estado. Ali, a questão é: HÁ ou NÃO HÁ ESTADO? E eu acho que o «nosso» buraco é um NÃO-ESTADO. E está tudo dito.
A nossa discussão sobre o Estado até parece brincadeira de intelectuais diante da atroz realidade dos «nossos» irmãos que não têm um Estado. Labutam dentro de um NÃO-ESTADO, com tudo de negativo e inqualificável que isso implica.
A saída passa, certamente, pela CONSTRUÇÃO DE UM ESTADO. Antes de mais. Antes de tudo.

E como operacionalisar isso?
Posso parecer radical, mas a minha receita passa pelos pontos que alinho abaixo:
1. Assumpção, pela Assembleia-geral da ONU (e, eventualmente, pelo seu Conselho de Segurança) de que um território (mais as nações que o habitam) deve se constituir em um Estado, com claras obrigações de provisão de bens, serviços e de toda a protecção do que a sua população precisa;
2. Declaração (pela mesma entidade) da situação de NÃO-ESTADO dos «nossos» irmãos e vizinhos;
3. Transformação do território em PROTECTORADO das Nações Unidas, com a clara missão de, EM UM PRAZO PREESTABELECIDO, criar as condições para o surgimento e subsequente instalação de um ESTADO no território identificado;
4. Desmobilização das forças armadas (todas as armas) e sua substituição (temporária) por capacetes azuis (ou forças de intervenção de organizações do continente ou da sub-região);
5. Formação (em academias especializadas) de um contingente de oficiais de elite para prepararem as forças armadas do futuro (isso se não se optar por um futuro de NEUTRALIDADE absoluta e consequente abolição das forças armadas);
6. Findo o prazo, levar a cabo o recenseamento eleitoral geral da população e a organização da eleição de uma ASSEMBLEIA CONSTITUINTE, com um mandato claro e restrito no tempo;
7. Aprovada a nova CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, apoiar a organização de eleições para a ASSEMBLEIA LEGISLATIVA;
8. Manter um, digamos, protectorado mais mitigado até que sejam realizadas as primeiras eleições de órgãos do PODER LOCAL;
9. Fim do protectorado, mas com a manutenção de um ESCRITÓRIO das NAÇÕES UNIDAS, virado para o monitoramento e apoio ao desenvolvimento;
10. Adesão, faseada, do NOVO ESTADO às organizações sub-regionais, regionais, internacionais e mundiais (inter e supra governamentais), com o apoio da ONU e mediante a constatação da vigência de um ESTADO SOCIAL E DE DIREITO DEMOCRÁTICO.

Este pode parecer o retrato da GUINÉ-BISSAU (país irmão e amigo). Podia até ser. Mas não ela não seria caso único no «nosso» continente.
Pode (ainda) parecer ter sido despoletado pelo escândalo de não se ter preparado, devidamente, para assumir a organização do mais importante certame desportivo da sub-região – a TAÇA AMÍLCAR CABRAL (o pai da nacionalidade guineense) e pelos escândalos surgidos acerca da eventual protecção dispensada aos narcotraficantes. Pode parecer… mas não foi… só. Quando muito, essas foram as duas gotas que fizeram transbordar o copo.
As idas e vindas (ao poder) do Comandante Vieira; a eliminação de figuras (Osvaldo Vieira, major Paulo, Ansumane Mané, havendo até quem inclua Chico Té no rol das vítimas); todo o «consulado» de Kumba Ialá; o incumprimento dos compromissos internacionais; a impossibilidade de pagar os salários na Administração Pública; os quartéis abarrotados e prontos para intervirem por dá-cá-aquela-palha; a manipulação permanente das etnias, seja para a conquista, seja para a manutenção do poder; o descalabro das finanças públicas; o endémico desequilíbrio da Contabilidade Social; a perpetuação das endemias e epidemias; o estado caótico do serviço nacional de saúde (se é que se pode falar de um SNS); a corrupção galopante; a violação sistemática dos direitos humanos; as denúncias de DIDINHO e outras; fazem-nos crer que algo vai muito mal no «país-irmão». Muito mal mesmo.
De tal forma que o melhor seria mesmo baralhar e voltar a dar. Que é como quem diz, passar o rodo pelas «instituições» que não funcionam; reconhecer-se (com a alma sangrando, embora) a inexistência de um Estado; e submeter-se à protecção da ONU. E, a prazo, pensar na organização de umas novas forças armadas; eleger uma AC e aprovar uma nova Constituição; construir um ESTADO (social e de direito democrático); implantar o PODER LOCAL; e voltar (de novo) à comunidade dos E-S-T-A-D-O-S (com todas as letras e direitos).
Para grandes males… grandes remédios. E um PROTECTORADO, nos nossos dias, não deve ser uma coisa tão ruim como isso.

Wednesday, November 28, 2007

O LIVRO BRANCO DA PARCERIA UE/CV

A parceria especial destina-se a reforçar a concertação e a convergência entre ambas as partes (UE/CV), permitindo acrescentar um quadro de interesses comuns à relação tradicional dador/beneficiário. Esta a finalidade da parceria, conforme se vê do documento que a Comissão submeteu ao Parlamento Europeu e ao CAGRE.
Perceberam agora o que é a propalada parceria UE/CV? Não? Arre! Vamos lá a ver se nos entendemos.
Você quer estar entre PhD’s mas ainda não se doutorou. É bom aluno; discorre articulado, com ciência e profundidade, sobre vários assuntos da actualidade; ministra cursos sob a batuta de um catedrático; tem um pensamento filosófico avançado; há muito que avançou das abordagens superficiais para interpretações filosóficas das questões; enfim, você pode ser confundido com um PhD, mas, formalmente, ainda não é um PhD. Certo? Como resolver isso?
Vai ter com um dos seus tutores e diz-lhe: Mestre, quero ter um título académico que me coloque, ao menos formalmente, ao nível de V.. Quero reger a minha própria cátedra. Quero que a nossa relação protegido/protector avance para uma, digamos, parceria. O que acha que poderá acontecer?
O mais certo é o Mestre - se ele for um cara porrêta, amigo mesmo, e se reconhecer que você tem potencial e que pode, de facto, vir a ser um bom parceiro – assumir-se como teu mentor; te ajudar a montar um belo programa de doutoramento; a identificar uma boa Universidade; e a conseguir uma belíssima bolsa de estudos. O que tem D. Carlos a ver com o barco?
Tudo. Imagina o nosso Cabo Verde, mais a sua indómita vontade de crescer e aparecer, como sendo o fulano muito bom, mas a quem falta o canudo. Será difícil fazer a União Europeia trajar as vestes do velho Mestre, catedrático porrêta, amigo mesmo, daqueles que não têm medo da sua sombra e que são capazes de dar luzes a quantos queiram ser iluminados? Parece que não. É-te difícil abstrair e considerar «les six piliers» do PLANO DE ACÇÃO como sendo as disciplinas centrais do PROGRAMA DE DOUTORAMENTO? BOA-GOVERNAÇÃO, SEGURANÇA/ESTABILIDADE, INTEGRAÇÃO REGIONAL, CONVERGÊNCIA TÉCNICA E NORMATIVA, SOCIEDADE DO CONHECIMENTO e LUTA CONTRA A POBREZA. Podes ou não entender que os fundos e a assistência técnica constituem uma espécie de bolsa de estudos? Entendes ou não que se não obtiveres bons resultados a bolsa pode ser suspensa?
Então é isso mesmo. Os seis pilares do Plano de Acção são seis desafios que são postos a Cabo Verde, seus governantes e governados. Entendendo-se que seja possível atingir-se bons níveis nessas seis disciplinas e reconhecendo-se que será preciso dedicação a tempo integral, para poder dar conta delas, oferece-se, concomitantemente, um mecanismo de financiamento. O FEDER, o FED, incluindo as facilidades de investimento geridas pelo BEI, o OG da União, recursos próprios do BEI, etc., estarão acessíveis para ajudar o amigo Cabo Verde a sair-se bem dos desafios lançados e aceitos. É exactamente a situação de um bolseiro que quer cursar um doutoramento. Tem um programa, tem uma bolsa e o correspondente benfeitor, e tem a OBRIGAÇÃO de não fazer feio. Se tudo correr bem, o Conselho Científico outorga-lhe o título, após a defesa da tese. Se não, se se limitar a somar reprovações, o benfeitor corta-lhe a bolsa. É que há mais candidatos à bolsa.
Então, as conquistas são, de facto, enormes: a admissão ao programa de doutoramento; o apoio inequívoco de um orientador experimentado; e a magnífica bolsa de estudo. Estudando com afinco, vencendo os desafios, não só conservará a bolsa de estudos, como pode obter o almejado doutoramento e, quem sabe, os pós-doutoramentos que desejar. E aí, ostentará os mesmos títulos que o mentor, poderá acordar parcerias outras com os seus «novos iguais» e, who knows, poderão até passar a frequentar o mesmo country club.
Mas há dois erros que, na nossa situação, não podemos cometer: menosprezar a importância da bolsa de estudos e considerarmo-nos, JÁ, PhD.
Seria muito difícil vencer os desafios que aceitamos (BOA-GOVERNAÇÃO, SEGURANÇA/ESTABILIDADE, INTEGRAÇÃO REGIONAL, CONVERGÊNCIA TÉCNICA E NORMATIVA, SOCIEDADE DO CONHECIMENTO e LUTA CONTRA A POBREZA), atingir os patamares esperados pela Comissão Europeia (os critérios de convergência serão muito exigentes), sem um plano de financiamento associado ao Acordo. Seria de bom-tom não menosprezar a importância dos fundos europeus. E é mesmo um erro proclamar que eles não são tão importantes como isso. Eles são IMPORTANTES e fomos atrás deles, sim senhor.
Outro erro seria cair no embalo do Dr. Mário Soares e acreditar que nós somos dos melhores que há e que podemos dar conta dos desafios da União Europeia (que aceitamos, orgulhosamente) com uma perna às costas. A UE não se dará por satisfeita com a nossa fasquia em matéria de boa governação, vai exigir muito mais; não seremos nós a aferir os níveis de satisfação em matéria de segurança e estabilidade; a questão da integração regional, maximé em relação à CEDEAO, terá que ser perseguida como um compromisso nacional sério, pelo que não poderá continuar dependente da carolice de uns tantos e sob o bombardeio contínuo de uma boa franja de intelectuais afro-pessimistas; não vai ser fácil a convergência técnica e normativa, uma vez que os critérios vão ser muito exigentes, obrigando-nos, por vezes, a andar aos pulinhos; construir a sociedade do conhecimento - e esconjurar os riscos de exclusão que lhe estão associados - vai nos dar água pelas barbas; os programas de luta contra a pobreza vão ter que dar frutos e frutos visíveis (lembram-se daquela passagem da Bíblia, que diz que toda a árvore que não der bons frutos será cortada e deitada ao fogo?).
Ora muito bem. A parceria especial abriu-nos as portas da Universidade, disponibilizou-nos um bom orientador, ajudou-nos a definir um bom programa de doutoramento, garantiu-nos bolsa de estudos e explicadores (assistência técnica). Ser ou não ser doutor, só vai depender de nós. Do nosso empenho, do engajamento de todos. Aqui e na diáspora. Da situação e da oposição. Da sociedade civil - dos patrões, dos empregados, dos investigadores. E se há questão que clama por um pacto de regime, é esta.
Mas estaremos suficientemente maduros para entendermos que todos queremos o mesmo e que as eventuais divergências se situam mais nos caminhos escolhidos (os meios) para chegar ao desenvolvimento (o fim)? É que se metermos na cabeça que a alternância poderá ser “inquinada” por este acordo ter sido conseguido durante o mandato de José Maria Neves… temos o caldo entornado. Os fundos europeus e a disponibilidade da União Europeia estarão para Cabo Verde, nesta FASE, assim como uma bolsa de estudos e um orientador de doutoramento estão para um doutorando. Se bobear, perde o orientador e perde a bolsa. E pode ver-se obrigado a retornar ao ponto de partida.
Este acordo é, sem sombras para dúvidas, uma grande conquista. Mas encerra um enorme potencial de risco. Si nu da pa dodu, teremos que nos contentar, quando muito, com um mero APE (Acordo de Parceria Económica) como um qualquer membro do grupo ACP (África, Caraíbas e Pacífico).
E desenganem-se aqueles que acreditam (como eu, inicialmente) que tínhamos ainda um LIVRO BRANCO para preencher. O LIVRO até pode existir. Pode até estar, AINDA, em BRANCO. Mas não seremos nós (cabo-verdianos) a preenchê-lo. Disso tenho a certeza absoluta.

Monday, November 19, 2007

A VIZINHANÇA, O VIZINHO E EU

“Um elefante, em qualquer local de trabalho, é um problema. Mas ninguém quer falar nele, pois de certeza que isso implica trabalho e dificuldades, para não falar do cheiro.”
Marianne M. Jennings

Havia muito tempo que não parava para pensar nos vizinhos, na vizinhança, nas relações impostas pela proximidade. Minha avó tinha uma máxima porreta que se farta e, orientando-me por ela, não me preocupava nada pela proximidade geográfica.
FAZ O BEM, NÃO OLHES A QUEM! – não se cansava Nhâ Mariazinha de repetir. E ela era coerente. Não me lembro dela frequentando a igreja, mas passava um tempão rezando.
- Porque é que a senhora reza tanto? – perguntei um dia.
- Rezo por ti, pelas tuas irmãs, pelos meus outros netos, pelo Caetano, pela Augusta, pela Lídia, e por aqueles que não sabem rezar e não têm quem por eles reze.
- Como assim? – quis saber.
- Rezo e largo. Vai servir a quantos precisem – explicou.
Uma filosofia de vida como a da minha avó marca para sempre. É assim que eu estou sempre disponível para o próximo, esteja ele onde estiver. E o próximo, para mim, é aquele que estiver na situação do desgraçado da parábola do BOM SAMARITANO. Não importando se é amigo ou inimigo, parceiro ou adversário, precisando e eu podendo ajudar, lá vou eu.
No entanto, houve momentos em que tive que para pensar ou repensar o conceito de vizinho e vizinhança. Numa das primeiras vezes que falei com a Zelinda Cohen, ela se reportou a mim, dizendo:
- Já o conhecia de cara. É meu vizinho.
Fiquei confuso. Eu estava morando no Platô e o Tó e a Zelinda num dos bairros novos do extremo Sul da cidade. Ainda pensei que talvez fosse por causa do sogro, o meu bom amigo senhor Filinto. Mas aí, interpretando bem a confusão que a minha face não conseguia esconder, explicitou:
- Somos vizinhos de página. No A SEMANA – completou.
Rimo-nos, é claro. Ele há cada vizinhança a considerar!
Mas foi interessante o que aquela situação despoletou em mim. E verifiquei, com espanto, que muitas das coisas que sei fazer, aprendi-as com vizinhos. Velhas, moças, colegas.
A primeira vez que comi uma gemada foi na casa de uma velha vizinha. Estava na terceira classe. Escrevi uma carta para a filha dela que estava cumprindo um contrato em São Tomé e Príncipe e ele me deu um ovo em pagamento. Era o meu primeiro pagamento por ter aprendido a escrever.
- É para fazeres uma gemada – sugeriu Nhâ Maria da Paz.
Ela foi perspicaz e logo entendeu que se eu já ouvira falar de gemada, com certeza não sabia ainda fazer uma.
- Vou te ensinar a fazer uma gemada – decidiu.
E gostei muito. E aprendi a fazer.
Li o meu primeiro livro sem imagens na casa de um vizinho muito especial. Meu tio Néné di Nhâ Pomba. Já não me lembro do título. Mas falava da fundação da Califórnia, ou a minha memória já me começa a pregar partidas. E muitos outros livros li ali, naquela biblioteca improvisada, paredes-meias com a marcenaria do meu tio.
Conheci, e aprendi a respeitar, usos e costumes do interior de Santiago e das ilhas. Aprendi a conviver com o diferente, com o que não percebia muito bem. Aprendi a dizer que estava farto quando me pediam para comer algo que não conhecia ou de que não gostava. Aprendi a jogar às cartas. A jogar damas e ouril. E a apostar no sete-e-meio, no nove, no vinte-e-um e no trinta-e-um.
Nasci e cresci na Travessa, um lugar sobranceiro e à parte, na Vila Nova. E na Vila Nova se aprende de um tudo.
E quantas asneiras não aprendi fora de casa, na vizinhança? Quase todas.
O vizinho é o teu familiar mais chegado – dizia minha avó. Diante do meu ar de incompreensão, explicava: se te acontecer alguma coisa, e antes que a família possa chegar, tens aí um vizinho te socorrendo. Fantástico. Entendi. E nunca mais esqueci. E hoje repito os mesmos conselhos.
Mas hoje a vizinhança e o vizinho são realidades bem mais complexas. Estamos todos fechadinhos na nossa concha. A televisão não nos dá uma aberta para escutar as estórias da avó do nosso amiguinho. Os avós moram a quilómetro, quando não quilómetros, de distância. E as estorinhas vão caindo no esquecimento.
Pessoalmente, e apesar dos pesares, ainda acho o vizinho um parceiro importante. E quanto menos vizinhos, mais importantes se tornam. E, nos dias que correm, são exactamente como os familiares: a gente não os escolhe; encontramo-nos na vida, estamos muito pertos um do outro, e não há como nos desvencilharmos um do outro sem mágoas. Bem diferente de amigos. Que esses, a gente escolhe. E, ao contrário dos vizinhos, não escolhemos um qualquer como amigo. E não nos aceitam só porque estamos por perto. Amigos, como diz o outro, a gente guarda do lado esquerdo do peito. Vizinhos têm confrontação connosco: pelo Norte, pelo Sul, pelo Leste ou pelo Poente; no andar de cima, na porta ao lado ou no andar de baixo. Na página ao lado, numa qualquer página de um número de um jornal ou revista, também.
Como em tudo na vida, há vizinhos de que a gente gosta e há-os que a gente abomina.
Gostei de ter Nhâ Maria da Paz, Chico de Maria, Tói Serra, José Manaia, Nhâ Maria Sábo e muitos outros como vizinhos de proximidade na minha infância; adoro poder contar com o senhor João (melhoras, João) e dona Aldina como vizinhos; sinto um certo orgulho em ter tido a Zelinda como vizinha de página; gostaria de poder ter o Oscar Santos como vizinho de página; honra-me a vizinhança do velho Firmo Pinto e do jovem Baluka Brazão.
Mas detesto certas vizinhanças e determinados vizinhos. Não sou santo. Nunca fui e espero não vir a ser. Ou deixava de ser o vosso amigo LUDGERO. Suporto-os porque cultivo a tolerância e o respeito pelas diferenças e pelo diferente. Mas confesso que me custa.
A minha sorte é que tenho uma belíssima vizinhança de proximidade. Moradores, comerciantes, profissionais liberais que são um verdadeiro must. Classe A. Desses não pretendo me afastar nunca mais. Da minha parte, só penso fazer mais uma mudança de residência. A definitiva. Para a Cidadela dos Pés juntos. E oro para que os meus vizinhos continuem pela Rua da Horta (Miguel Bombarda, Justino Lopes, ou como a quiserem chamar no futuro) até ao fim dos tempos.
Em relação às outras vizinhanças, e se deles quiser, de facto, distância, valerá o ditado «O INCOMODADO QUE SE RETIRE». E eu me confesso «O INCOMODADO». Só que… retirar-me seria fugir (mais uma vez) da sede onde se travam as batalhas. Primeiro fugi das lutas políticas, invocando a fragilidade do meu estômago e a hipersensibilidade do meu nariz. E agora estou inventando e somando razões para voltar as costas à luta pela cidadania. Seria uma cobardia sem nome. Não apenas pelo facto de voltar às costas à luta (que isso seria de somenos, já que outros valores mais altos se levantariam, cobrindo, com vantagem, o espaço deixado vago), nem porque estaria dando alegria para o outro lado, mas porque estaria encorajando e dando mais força ao vizinho desafecto. E isso seria mau. Muito mau. É que, rompido o equilíbrio, se o mau vizinho ficar na mó de cima, a vizinhança ficaria pior. Para todos. E eu me sentiria culpado. Por não ter feito valer os meus argumentos.
Espero não vir a ter de fugir. Vou combinar com o meu síndico uma modalidade de coexistência pacífica. Vou dizer-lhe que só ocuparei o meu espaço quando o espaço do vizinho que me incomoda estiver vazio, e que, para tanto, agradecer-lhe-ia imenso que me mantivesse informado acerca das idas e vindas do indesejado, prevenindo, assim, qualquer acidental proximidade. Que não é treta minha, não senhor. Tenho, de facto, o estômago muito fraco. E tenho de o poupar. Não concordam?

Tuesday, November 13, 2007

CRISE INSTITUCIONAL GRAVE?!

O que teria de acontecer para que se considere estar-se perante uma crise institucional grave, para efeitos do nº 2 do artigo 142º da Constituição da República de Cabo Verde?
Uma situação que esteja bloqueando o regular funcionamento das instituições democráticas configuraria uma crise institucional grave, para efeitos do comando legal registado atrás?
A impossibilidade sistemática de construção de uma maioria de 2/3 (dois terços), necessária para que a Assembleia Nacional tome decisões cruciais para o regular funcionamento do sistema democrático, pode configurar uma crise institucional grave?
O protelamento do recenseamento eleitoral e um eventual adiamento sine die das eleições autárquicas não será uma consequência suficientemente nefasta para que, em decorrência, se considere estar perante uma crise institucional grave?
A possibilidade de o Presidente da República não optar pela dissolução da Assembleia Nacional, mesmo que sejam rejeitadas duas moções de confiança ao Governo ou aprovadas quatro moções de censura, com medo de não se conseguir eleger uma nova assembleia, diante da não existência, no país, de uma Comissão Nacional de Eleições, não configura uma pré-crise institucional grave?
Imagine-se, por absurdo, que o processo de constituição da nova CNE dure o tempo que vem demorando o processo da escolha do 5º Juiz do Supremo Tribunal de Justiça (STJ). Diante disso, não poderiam ser realizadas nem as autárquicas do próximo ano, nem as legislativas previstas para 2011. Por criar obstáculos ao processo eleitoral, por prolongar mandatos, à revelia da Lei, a impossibilidade de se construir a maioria necessária para a eleição da CNE não configura uma crise institucional grave?
E não será tão absurdo assim, se se considerarem os sinais de autismo que emanam do centro constitucional do poder em Cabo Verde. A título meramente exemplificativo, transcrevemos abaixo o nº 1 do artigo 180º (COMPETÊNCIA EM RELAÇÃO A OUTROS ÓRGÃOS) da CR e os órgãos que não funcionam porque não foi possível a composição da maioria necessária para a sua eleição:
- “ARTIGO 180º DA CR
1. Compete à Assembleia Nacional eleger, por maioria de dois terços dos Deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções:
- Os Juizes do Tribunal Constitucional;
- O Provedor de Justiça;
- O Presidente do Conselho Económico e Social;
- Os membros da Comissão Nacional de Eleições;
- Os membros do Conselho Superior da Magistratura Judicial e do Conselho Superior do Ministério Público;
- Os membros do Conselho da Comunicação Social e de outros órgãos cuja designação lhe seja cometida pela Constituição ou pela lei.
2… “
- O papel do Tribunal Constitucional vem sendo desempenhado, em regime de acumulação, pelo STJ; não há Provedor de Justiça (deixando uma lacuna claramente perceptível no arcabouço do Estado de direito democrático); desconhece-se quem seja o Presidente do Conselho Económico e Social (o próprio Conselho prima pela ausência); não há Comissão Nacional de Eleições (e, a continuar assim, corre-se o risco de também não haver eleições); não se consegue chegar a consenso para a eleição do Conselho da Comunicação Social.
Do rol dos órgãos que são eleitos pela AN, por maioria de dois terços, só se conseguiu pôr de pé os Conselhos Superiores da Magistratura Judicial e do Ministério Público. Convenhamos que é pouco. Muito pouco.
Em meu entender, a situação é grave. Está-se, salvo melhor opinião em contrário, perante uma crise institucional. A questão a pôr (e a responder) agora é esta: A PRESENTE SITUAÇÃO CONFIGURARÁ UMA CRISE INSTITUCIONAL GRAVE?
Eu não sei responder. Melhor: tenho medo das consequências da resposta que possa dar. Isso, tendo em vista o conteúdo do nº 2 do artigo 142º da Constituição da República, que transcrevo abaixo:
2. A Assembleia Nacional poderá ainda ser dissolvida em caso de crise institucional grave, quando tal se torne necessário para o regular funcionamento das instituições democráticas, devendo o acto, sob pena de inexistência jurídica, ser precedido de parecer favorável do Conselho da República. (sublinhado meu).
Perguntar-se-á: O QUE TEM DEMAIS UM PRESIDENTE DA REPÚBLICA DISSOLVER O PARLAMENTO, A VER SE SE CONSEGUE, NA ELEIÇÃO SEGUINTE, UMA NOVA CORRELAÇÃO DE FORÇAS CAPAZ DE DESBLOQUEAR A SITUAÇÃO?
Realmente, não seria nada demais. Seria a instituição Presidente da República funcionando, desfazendo o nó cego dado por outros actores políticos. Não seria nada demais… não fosse a inexistência de uma CNE e, logo, a impossibilidade de realizar umas eleições antecipadas sem o órgão gestor do processo eleitoral. Só isso.
E a situação é mesmo grave. Mesmo que não se considere a impossibilidade de construção da maioria necessária para a eleição da CNE uma crise institucional grave, só o facto de o PR não se atrever a dissolver o Parlamento, mesmo diante da rejeição de duas moções de confiança ou da aprovação de quatro moções de censura ao Governo, por não ter uma CNE para conduzir o processo para as subsequentes eleições antecipadas, configuraria uma crise institucional grave. Temos o Presidente da República manietado! E isso é grave. Aqui e na Cochinchina!
Que fazer? Ninguém, nem o mais inconsequente desbocado da praça, ousaria sugerir a dissolução da Assembleia Nacional. Como eleger uma nova Assembleia, se a crise é exactamente, derivada do facto de não termos uma CNE?
Qual a saída, então? A saída mais airosa seria, sem sombra para dúvidas, os deputados da Nação demonstrarem-nos, categoricamente, que não há crise. Fecham-se numa sala, põem Cabo Verde acima de tudo, mostram o seu amor à terra, e, numa manhã, escolhem os cinco cabo-verdianos que vão integrar a Comissão Nacional de Eleições. E ponto final. Qual crise, qual carapuça – poderão dizer alto e bom som.
Esta seria não só a saída mais airosa, como a mais simples. Gente, deputados, qual é a dúvida em aceitar este ou aquele magistrado judicial para a CNE? Será que o exercício de funções na CNE é mais importante do que a de Juiz? Põem em causa a honorabilidade de um homem (ou de uma mulher) que decide, diariamente, se um cidadão que lhe é presente continua a usufruir do direito IR E VIR livremente ou se fica privado desse direito? A responsabilidade de integrar ou presidir a CNE é maior do que a de ter de decidir acerca da liberdade de um indivíduo? É razoável entender-se que um homem (ou uma mulher) serve para Juiz mas não serve para integrar ou presidir a CNE? Não se estará menosprezando o papel e a responsabilidade de um magistrado judicial? Não se estará ultrajando a classe? E se, em retaliação, os magistrados judiciais se mostrarem indisponíveis para entrar nesse joguinho rasca, fruto de mentes rascas, de gente que acha que todos são capazes de fazer o que eles próprios passam a vida a fazer? Lá diz o ditado: DESCONFIADU TUDO Ê LADRON.
A outra saída seria Sua Excelência o senhor Presidente da República começar a usar a única linguagem que essa gente entende: a da FORÇA. Convocar o Conselho da República e começar a deixar claro que Sexa também tem poder e que se o jogo é cada um levar o SEU poder até ao limite, Sexa também estaria disposto a atingir o seu limite, ou seja dissolver o parlamento e convocar eleições antecipadas, DOA A QUEM DOER. Depois… é pagar para ver. Convenhamos que uma tal posição de força poderia ser assumida, sem problemas, por um Mário Soares ou por um Carlos Veiga, ou mesmo pelo NOVO Don Juan Carlos de Bourbon, mas nunca, por exemplo, pela Rainha da Inglaterra.
Outras saídas? Certamente que haverá outras saídas. Mas o jeito é mesmo os políticos deixarem aquela velha e saloia esperteza de quererem passar o pau um ao outro. E lá vem outro ditado: DÔS ESPERTO KÂ TÂ PÔ BURRO CARGA. Quando assim é, o burro faz a jornada com o lombo livre, enquanto a carga é transportada pelos ditos espertos. Quem disse que o Homem é o mais inteligente dos animais?! Só pode ter sido mesmo o Homem. E elogio em boca própria…
Mas chega de ditados por hoje. Temos uma situação que chegou ao ponto a que chegou porque não acreditamos no Homem; temos dele aquela visão que o psicólogo norte-americano Douglas McGregor condensou naquilo a que chama de Teoria X: o homem capaz de tudo e do pior.
Assumamos que se estamos onde estamos, se estamos na moda como usa agora dizer-se, que isso é resultado do trabalho e dos esforços de todas as cabo-verdianas e de todos os cabo-verdianos, com as nossas limitações, nossos erros e acertos. Vale a pena ter e manter uma outra ideia do Homem cabo-verdiano, que é como quem diz que devemos fazer algum esforço para que dele tenhamos aquela visão que McGregor explana naquilo a que apelidou de Teoria Y: capaz de tudo, do bom e do melhor, fazendo muito com pouco. Até porque não temos outra saída. Importamos tudo (ou quase tudo), mas não há como importar uma COMISSÃO NACIONAL DE ELEIÇÕES.
Vamos tomar juízo e esconjurar a crise? Ou será preciso simplificar a Constituição, deixando que tudo seja decidido na base da maioria absoluta (ou mesmo simples, não vá o diabo tecê-las), confessando que ainda somos demasiado imaturos para lidar com arranjos e compromissos?
Para os senhores deputados (e demais políticos) registo aqui, pela sua relevância, uma pequena passagem do discurso de posse de George Bush (the father):
“Escolho como guia as palavras de um santo: nas coisas cruciais, unidade; nas coisas importantes, diversidade; em todas as coisas, generosidade.

Tuesday, November 6, 2007

O XEQUE-MATE

No xadrez é aquele lance que encosta o Rei à parede. Seja qual for o movimento que o Rei faça, ele é inexoravelmente capturado. É o lance decisivo do jogo, que só encontra paralelo no golo fatal no sistema da «morte súbita».
Pode estar tudo parecendo correr às mil maravilhas ao adversário. Pode bater bolas no poste, na trave, dominar o jogo, enfim. Mas se acontece sofrer um golo, não tem a mínima oportunidade de revidar. Acaba o jogo na hora. É uma espécie de «knock-out» técnico.
No futebol o golo súbito pode resultar de um acaso, de uma distracção dos defesas ou do keeper, pode ser apadrinhado por um árbitro safado. No futebol há de tudo e tudo pode acontecer.
No boxe, pode-se estar a ganhar aos pontos e, de repente, ser-se surpreendido por um uppercut ou por um terrível gancho de esquerda e se quedar desacordado. Um Knock-Out que não se pode contestar.
E no xadrez? Como pode acontecer uma surpresa dessas em um jogo que os entendidos consideram ser o único onde não se pode fazer batota? Como é que um jogador leva o outro à parede, colocando-o em uma situação em que o seu Rei fica prisioneiro? O que falha no jogo do jogador vítima do xeque-mate? Há falha da vítima do xeque-mate ou é a classe do adversário que vem ao de cima?
Eu que não sou grande entendedor do jogo, sempre achei que quando começassem a acontecer xeques às outras peças, digamos menores, do tabuleiro, era chegada a hora de manter os olhos bem abertos, não vá o Rei ficar nu. Mas a verdade, conforme me explicaram, é que às vezes é-se surpreendido com um xeque ao Rei sem pré-aviso, sem que qualquer outra peça tenha sido expressa e definitivamente ameaçada. E a beleza disto tudo é que é sem batota.
Mas é possível entrar-se num jogo que normalmente termina com um xeque ao Rei e ficar-se entorpecido ao ponto de nos capturarem o Rei que, à partida, juramos proteger? Como é que acontece entrar-se num jogo com o objectivo de capturarmos o Rei do adversário e acabarmos sem o nosso Rei, ainda por cima sabendo antecipadamente que era exactamente esse o objectivo do adversário?
Tenho de me render à evidência. É aí que reside a beleza do jogo. Começa-se com o mesmo objectivo e tudo se faz para conquistar o Rei do adversário. Qual a explicação para o facto de um conseguir o seu objectivo e outro não? E sem batota, convém frisar.
Maxilar – diria a personagem de um seriado brasileiro, batendo na testa com a ponta do indicador da mão direita. Maxilar – repetia, para gáudio da assistência.
Até um fulano completamente analfabeto em anatomia, que confunde a fronte com o maxilar, acha que o desfecho depende do desempenho da massa cinzenta. Mas será verdade? Um dia desses vou confrontar os meus amigos xadrezistas para tentar entender.
Mas será que as explicações que me derem irá explicar o xeque do Felisberto Vieira ao Ulisses Correia e Silva? Ainda antes do jogo, quando apenas os Reis foram arrumados no tabuleiro, eis que Filú surpreende Cutice com um xeque.
Previstas eleições autárquicas para princípios de Abril de 2008(poderá ainda ser finais de Março?), quando se sabe de apenas duas candidaturas e só são conhecidos os cabeças-de-lista, eis que a 06 de Novembro de 2007, o Presidente da Câmara, e candidato à sua própria substituição, dá início, com pompa e circunstância, à obra do mandato. Organiza um desfile de carros, passando pelos lugares que vão receber benefícios. Requalificação do Plateau. Asfaltamento das rampas da Imprensa Nacional, da Fazenda e do Hospital; da Avenida «Che» Guevara até à primeira Ponte da Vila Nova; do segmento que vai da Rotunda do Homem de Pedra até à Rotunda do Anel Rodoviário da Praia, a Oeste; da Chã-de-Areia ao Palmarejo, passando pela Prainha; da Rotunda da Várzea até à Sede da CVTELECOM; DA PONTE DA VILA NOVA, PELA ESTRADA ANTIGA, ATÉ À SAÍDA DA POVOAÇÃO, NO CRUZAMENTO COM A ESTRADA PRINCIPAL; DA PONTE DE LÉM FERREIRA ATÉ AO PORTO DA PRAIA; da ligação da Sede da CVT com a Avenida dos Combatentes, passando pelas traseiras da Alfândega Velha e pelo armazém da Sociedade Luso-Africana; da Avenida Cidade de Lisboa ao Cemitério da Praia; da Rotunda da CVTELECOM ao Sucupira, passando por baixo da Ponta Belém; da Avenida principal da Ponta d’Água.
Obras por que todos esperam há lustros e que agora acontecem, abrindo as «hostilidades» para as eleições autárquicas de 2008.
A pergunta que faço agora é esta: está-se diante de um xeque-mate? O facto de só estarem os Reis no tabuleiro faz pressupor isso. Mas, ACABA O JOGO? Ou prossegue com o Rei imobilizado?
Se estas obras – que vão levar 12 meses a serem concluídas – tivessem arrancado, digamos, no primeiro trimestre deste ano e estivessem concluídas, ou em fase de conclusão, pelo final do ano, com inauguração aí pelo primeiro trimestre de 2008, diria que bem poderia ser um definitivo xeque-mate. Não tendo as coisas acontecido desse modo (parece que o Filú se esqueceu de accionar o cronómetro) sempre poderão render alguns xeques às peças menores, podendo, por essa via, reduzir o espaço de manobra do Rei de Cutice.
Todos parecem estar de acordo que não se pode fazer batota no xadrez. Certo? Todos sabem que, por convenção, quem tiver as pedras brancas abre o jogo. Certo? Todos sabem que o jogo do detentor das pedras pretas acaba, de alguma forma, sendo condicionado pela jogada de abertura do detentor das pedras brancas. Certo? Jogando o Filú com as brancas e abrindo com um xeque, qual poderá ser a jogada de Cutice? Esta abertura do Filú não vem nos manuais. Ele há tantas jogadas de abertura esquematizadas, mas nenhuma que comece com um xeque. É um desafio para os xadrezistas locais. A mim, leigo no assunto, a coisa cheira-me a xeque-mate.
À primeira jogada das pedras brancas e antes do apito inicial do árbitro, constituirá jogada válida? Não soará a um knock-out durante o aquecimento dos pugilistas? Lembra-mee aquele combate, no Ginásio do Liceu de ADRIANO MOREIRA, entre o Batcha e o Cácá (do senhor Amadeu)? Quando os espectadores ainda estavam entrando, o Batcha já saía em KO, com a mão segurando os testículos. No nosso caso, como ficariam os aficcionados que já compraram bilhete para o combate, que era para ser em Abril?
Parece que a bola está agora do lado do Ulisses. Vai precisar de engenho e de muita arte para convencer os praienses de que o futuro que pretende construir para a Praia é muito mais aliciante do que o presente do Felisberto.
À cautela, e porque este xeque pode não ser ainda um xeque-mate, aconselharia ambos a se prepararem para explicar aos eleitores coisas elementares mas que os políticos parecem não dominar:
1. Como exercer a autoridade sem cometer excessos;
2. Como garantir a segurança sem violar as liberdades;
3. Como dizer «não» sem perder pose;
4. Como uma cidade limpa pode ser tão importante como um equipamento social urbano;
5. Como uma obra que parece escondida, pode ser tão importante como uma localizada à beira da estrada;
6. Como é possível haver uma política de habitação social noutros recantos de Cabo Verde e não haver na Região mais rica do país;
7. Como é possível fiscalizar e manter a ordem no Município com fiscais recrutados do universo onde os da Praia são recrutados e com as motivações que não têm;
8. Como garantir a saúde pública com esgotos a céu aberto e sem equipamentos públicos para a satisfação das necessidades fisiológicas dos visitantes;
9. Como fazer do Plateau património mundial com riachos de águas negras correndo pela Av. Amílcar Cabral e pela Rua 05 de Julho, permanentemente;
10. Como conciliar a reeleição com a manutenção do status quo do mercado do Plateau e suas cercanias.

Com tantas questões e tão poucas respostas, no nosso caso, pode muito bem dar-se o caso de o árbitro não aceitar a morte súbita do adversário, apesar do limpo golo obtido. Que há coisas na Praia que precisam ser resolvidas de uma vez por todas. Será que DESS BESS QUÊ BESS? Ou vai ser preciso chamar o LIEDSON? Que Ele, sim, RESOLVE!

Monday, October 29, 2007

PARCERIA ESPECIAL UE/CV

Você sabe o que é caviar?
Não sei, nunca vi, só ouço falar.
Caviar é comida de rico,
de quem tem bala na agulha.
Lá em casa é mais arroz, feijão e torresmo
...

Se lerem estas estrofes a um ritmo tipo samba-pagode, vão ver que soa bem. Muito animado. Para os entendedores está claro que se trata de uma música gravada por esse monstro sagrado do samba que é ZECA PAGODINHO, nascido Jessé da Silva Filho.
Ainda hoje, para muita gente em Cabo Verde, a parceria especial União Europeia/Cabo Verde está que nem o caviar para o compositor da modinha cantada acima: NÃO SEI, NUNCA VI, SÓ OUÇO FALAR.
Compreende-se que o segredo seja a alma do negócio. Tudo bem.
Mas o segredo demasiado bem guardado pode se perder. Pelo que se pôde ler da queixa amarga registada pela agência Lusa, depreende-se que nem Pedro Pires, nem Aristides Lima sabem a letra da canção.
Que Cristina Fontes não sabe, ou sabe muito pouco, ficou patente na comunicação que fez ao país. Inocêncio e Basílio saberão alguma coisa? De José Maria Neves se sabe que conhece a música, de o ouvirmos trauteá-la. Conhecerá a letra? Haverá, mesmo, uma letra?
Pode até acontecer que ainda não haja letra para a música. Os compositores, dependendo do momento e da inspiração, ora compõem uma bela melodia, depois casam com um poema que vem do fundo da alma; ora têm uma letra que só mais tarde é musicada. No caso da parceria especial UE/CV pode bem dar-se o caso de haver melodia (que encantou o Primeiro-ministro de Cabo Verde) e está-se a dois passos de se ter uma letra a condizer (com os insubstituíveis contributos do Parlamento Europeu e do Conselho Europeu para os Assuntos Gerais e Relações Exteriores).
Mas seja qual for a letra, o importante é que, apesar dos pesares, Cabo Verde não perca. Ganhar não é, do meu ponto de vista, o mais importante. Tratando-se de uma parceria, o importante mesmo é que ambas as partes fiquem de coluna erecta, se olhem olhos nos olhos e, sobretudo, que haja respeito mútuo. Que parceria é isso mesmo: duas partes, com vantagens recíprocas, obrigações negociadas e dignidade qb.

Mas neste Cabo Verde, terra de poetas e músicos, ninguém se aventura a improvisar uma letrinha para a gente seguir cantando, até que o segredo nos seja desvendado? Vamos lá!
Eu, que sou mais tipo prosador bárbaro, vou ensaiar um rap, embora tenha quase a certeza que a música que segue encantando Neves, Barroso, Sócrates e, why not?, Fontes, deva ser uma valsa vienense.
Eu vou querer que os produtos originários de Cabo Verde, ou com valor acrescentado em solo cabo-verdiano, continuem a ver franqueadas as portas da Europa sem qualquer tipo de restrição e em completa exoneração de impostos de porta (apesar do aviso atempado de que, ainda nesta primeira década do novo milénio, cessariam os benefícios sem reciprocidade, o que, traduzida por miúdos, significa que a UE só vai aceitar importações em exoneração de taxas da parte de quem aceite, no respectivo território, importações de produtos originários da Europa com exoneração de taxas). Isso já dava letra que, por si só, seria música para muitos bons ouvidos. Melómanos ou não.
Vou querer que a União Europeia participe activamente no policiamento da grande praça off shore localizado a Norte da ilha de Santo Antão (e onde ganha corpo tudo quanto os manuais tipificam como crime transnacional) e colabore connosco na realização da soberania sobre toda a nossa ZEE (Zona Económica Exclusiva). De momento, diga-se o que se disser, a nossa soberania, com as limitações impostas aos pequenos países pobres e insulares, só se exerce sobre os 4.033 Km2 distribuídos pelas ilhas e pelos ilhéus. Era a oportunidade para um efectivo alargamento do nosso território e para preservação das riquezas que, eventualmente, aí existam.
Receberia de bom grado a notícia de que a União Europeia vai disponibilizar recursos, para o orçamento do estado de Cabo Verde, a modos de se poder investir em (1) um programa de atracção de investimentos na indústria para exportação; (2) no reforço da competitividade das empresas nacionais que apostem na indústria; (3) na qualificação da nossa mão-de-obra; (4) no reforço do controlo das nossas fronteiras marítimas e aéreas, arvorando-as em linhas avançadas de defesa das fronteiras mediterrânicas da Europa; (5) na criação, enfim, de um ambiente que desencoraje seja os nacionais de embarcarem na aventura de uma emigração não desejada pela Europa, seja a utilização destas ilhas como base de assalto à tranquilidade dos europeus, seja ainda a utilização deste porta-aviões estacionado no Atlântico médio como hub para o fornecimento de drogas aos dealers operando na Europa.
Eu me daria por satisfeito com este rap. Mas é claro que se nos dessem garantias efectivas de manutenção do acordo cambial (apenas à condição de respeitarmos os critérios de convergência de Maastricht); se garantissem dispensa de vistos de entrada aos nossos empresários, aos altos quadros das empresas e da Administração do Estado, em missão de serviço ou em férias (exigindo, neste particular, a necessária reciprocidade); se concedessem aos nossos estudantes o direito de trabalharem, em part-time, a modos de poderem melhorar a qualidade de vida que têm longe da família; se se dispusessem a nos ajudar (com o know-how adquirido na construção europeia) a fazer funcionar a CEDEAO; seria ouro sobre azul. E, sem receio de exagerar, iria mais longe do que José Maria Neves. A parceria especial UE/CV seria, muito mais do que um mero facto histórico: seria um verdadeiro marco histórico. Nas relações Cabo Verde/União Europeia, nas relações Europa/África, no sonho (não sei de quem, mas não interessa) da reconstrução do continente Euro-Africano, referenciado nos manuais de Geografia da 3ª classe dos meus tempos de primária.
Seria um belíssimo acordo. Uma extraordinária parceira!
Mas será isso que vamos ter? Vamos ter mais do que isso? Não sei. Mas não é proibido sonhar e, vamos e venhamos, sonhar é preciso!

Tuesday, October 23, 2007

PARTIDOS POLÍTICOS E GOVERNAÇÃO

Fico às vezes perplexo quando escuto algumas colocações de pessoas muito bem cotadas na nossa sociedade. Fala-se que o “partido A” ganhou as eleições legislativas; que o “partido B” ganhou as autárquicas; fala-se de “Governo do partido A”; que o “partido B” está na oposição; etc.. Tudo bem. São constatações. São factos.
Mas também se escuta que o “partido A” está se imiscuindo nos assuntos do Governo; que o “partido B” não tem lições a dar a ninguém porque quando foi Governo agiu mal; que a “Câmara P” não confronta o Governo porque são da mesma cor política; etc..
Tais asserções não podem ter o mesmo sujeito. Como é possível que alguém, numa hora, barafuste com o Governo do “partido A” e noutra entenda que o “partido A” não pode pretender tirar satisfações ao Governo ou sugerir-lhe caminhos? Como conciliar o facto de o “partido A” ter ganho a “Câmara P” e as eleições legislativas com a recusa em lhe reconhecer o direito de tentar a conciliação dos interesses entre o executivo camarário e o Governo? Como pretender que o “partido B”, por estar na oposição, não tenha voz, só porque, num passado recente, agiu mal? Como pretender que, por exemplo, o “partido B”, que ganhou a “Câmara M”, não oriente a actuação do executivo daquela Câmara?
Quem vai a votos são os partidos. Quem ganha as eleições são os partidos. As cobranças são feitas aos partidos. Como pretender-se, pois, que os partidos fiquem à margem da governação. A proposta de sociedade – ou as propostas para a sociedade, como se preferir – são do partido. A plataforma eleitoral sufragada é do partido. O Governo é um governo do partido vencedor das eleições. Então, há que convir que um partido não pode – nem deve – se limitar a ganhar eleições e só voltar a dar ares da sua graça nas eleições seguintes. Tem o dever e a obrigação de mergulhar na sociedade profunda, auscultar as suas necessidades e aspirações, processá-las e, a partir de tais reiterados exercícios, municiar o Governo, influenciar as suas políticas públicas, perseguir a satisfação das necessidades auscultadas e não só. Tem o partido do poder esse direito. Conquista-o nas urnas.
Vão os partidos às urnas. Ganha um, perdem os demais. Mas têm algo em comum: todos receberam votos do eleitorado. Uns mais do que outros, mas todos têm responsabilidades perante o eleitorado, não fazendo, por isso, sentido que uns possam falar, dizer de sua justiça e os outros não. Há um programa que é sufragado pela maioria do eleitorado que se dignou comparecer perante as urnas, é certo; mas há uma boa franja desse mesmo eleitorado que não esteve pelos ajustes: votou noutra força política. E a consequência lógica do voto que não conformou a maioria é a obrigação dos seus beneficiários exercerem vigilância e controlo na realização do programa sufragado pela maioria. QUEM recebe mais votos, GANHA e GOVERNA; QUEM recebe menos votos, PERDE mas fica com a obrigação de contribuir para que a Legislatura sirva os interesses da Nação. Tem toda a legitimidade do Mundo para participar - criticando, sugerindo, propondo, censurando. E o facto de, no passado, ter agido mal não pode ser arvorado em açaime: por ter agido menos bem, foi apeado do poder. E isso é, a um tempo, a beleza e o castigo máximo em democracia. A ALTERNÂNCIA é a censura para quem não satisfez e a oportunidade de quem se posiciona com uma aliciante proposta para a sociedade. Não é – nem poderia ser – o silêncio de uns diante de uma voz dominante e hegemónica.
Mas fico perplexo diante de tais asserções porque sou um romântico inveterado.
Que esperar de partidos que em chegando ao poder fazem desaguar todas as suas competências no Governo, no Parlamento, nas Embaixadas, nos Institutos Públicos e noutras estruturas da administração? Parece que o objectivo é ganhar as eleições, garantir jobs for the boys (and the girls). E o Partido? O partido quando não fica entregue a militantes medianos, pouco hábeis ou sem o necessário traquejo político, mantém as portas encostadas e o letreiro “VOLTAMOS DENTRO DE MOMENTOS” (leia-se, na próxima eleição).
Que esperar de partidos cujos militantes, quando perdem eleições, vão à vida, deixando o aparelho entregue a carolas, as mais das vezes com pequena ou nula capacidade política , ou a pessoas para quem a política não é mais do que um exercício de intrigas e mal-dizer? Enquanto no grupo que ganha todos se disponibilizam e se põem nos bicos dos pés para conseguir um cargo, no grupo que perde todo o mundo ganha ciência de que precisa, com urgência, continuar os estudos, tirar projectos empresariais inadiáveis da gaveta, ir à vida, enfim. É caso para dizer que só temos partidos para as eleições.
Em realidades em que os partidos pensam e agem como os nossos, o mais certo é todos se estranharem quando um partido se interessa pela governação (não apenas enquanto partido do governo, mas, essencialmente, na qualidade de partido dos eleitores e da sociedade em geral); soa a heresia um partido aparecer a conciliar os interesses e as políticas de um “seu” executivo municipal com o “seu” governo central; parece absurdo alguém que não um Ministro, um Embaixador ou um Presidente de Instituto, estar a chatear-se com problemas que o Governo assumiu resolver. Tentar exercer o controlo popular do poder acaba parecendo acto subversivo da oposição e das organizações da sociedade civil. O partido do poder tem tanta legitimidade para orientar os seus governos (central e locais) quanto os partidos da oposição e as organizações da sociedade civil de interpelarem os governos (central e locais) em relação às políticas públicas e às medidas de política.

Mas os tempos parecem ser de mudança. O PAI, por não ter feito o trabalho de casa, já está recebendo facturas de São Filipe (Fogo) e de Santa Catarina (Santiago). No MpD as facturas vêm de Sanvicente e de Santa Cruz.
Os bambambans do PAI que poderiam responder politicamente pelo Fogo, estão na Praia – no Governo, no Parlamento, etc.. O Sector de São Filipe do PAI não escapa à regra nacional de esvaziamento de competências. Nem à inexorável lei do vácuo: o vazio deixado é imediatamente preenchido. Por gente com boa dose de boa-vontade, mas também por caciques, carreiristas, intriguistas, etc. Em Santa Catarina (de Santiago) verifica-se fenómeno semelhante: o órgão local do partido não é lá essas coisas e as intrigas palacianas fazem o resto.
Tarde e a más horas (dirão muitos, antes tarde do que nunca) os órgãos nacionais vão intervir para salvar a honra do convento. Se a solução para São Filipe for como aquela que se vislumbra para Santa Catarina, os munícipes desses concelhos vão ter que carpir mágoas por muito tempo. É que uma lista consensual para a Câmara de Santa Catarina, com João Baptista à cabeça, mas contendo os elementos do grupo contestante bem posicionados, é um presente envenenado para o João e para Santa Catarina. Não vai funcionar. Principalmente quando o Presidente tomar a decisão de não profissionalizar nenhum dos seus contestantes. É a única atitude que se espera de um político (e engenheiro que, felizmente, ainda não se esqueceu do anel que usa, ou devia usar) que sabe que os Vereadores profissionalizados são os HOMENS DO PRESIDENTE. E esses que orquestraram a sua exclusão - não mediante umas primárias, como seria de esperar em democracia, mas numa reunião de burocratas locais do partido, com a presença (ou será, antes, a bênção?), ainda mal explicada, de um par de dirigentes nacionais – não serão, certamente, o que se chamaria de HOMENS DO PRESIDENTE. O raciocínio é válido, mutatis mutandis, para São Filipe.
O MpD parece ter optado por uma posição de força da Comissão Política Nacional: será candidato quem a CPN sancionar e PONTO FINAL. E olha que é uma posição corajosa. De macho! Não que as soluções sejam as ideais (pelo que conheço dos dois galos para o poleiro de Santa Cruz, Policarpo não ganha do Lando e não vejo Dias como administrador de um município como Santa Cruz) mas porque é a opção por um mal menor: antes um team fraco, mas coeso, do que uma manta de retalhos desavindos.
Mas é preciso que as mudanças cheguem. E depressa. Pode-se lá aceitar uma coisa dessas? Onde já se viu uma PATIDOCRACIA sem PARTIDOS? Crescer e aparecer tem de ser a nova palavra de ordem. Para todos!

Monday, October 15, 2007

CRESCEMOS A DOIS DÍGITOS. E DAÍ???

Lembro-me amiúde do filho da amiga da comadre da minha mãe. O Zé, de Rui Vaz. Aqui ao lado.
O Zé tinha vindo fazer o exame do 2º grau aqui na Praia. Tendo sido aprovado, entendeu minha avó que uma boa prenda poderia ser levá-lo ao Djessa Mello para que fosse fotografado e levasse para casa quatro fotos tipo passe, que poderiam ser de muita utilidade. Era uma prenda relativamente barata, mas muito prática.
Pena que a minha avó não era bruxa. Que, se fosse, teria adivinhado que o Zé morria de medo de tirar retrato. Depois de vários apelos, não houve maneira de tirar o Zé de dentro de casa para ir ao fotógrafo. Ora alegava «barriga-baixo», ora era a fivela da sandália, faltava passar o pente mais uma vez pelos cabelos. Enfim, um arsenal de artifícios que a gente foi levando como coisas de rapaz novo ratolco. Até que chegou a irmã, a Judite, que nos confidenciou que o mano – rapaz que, na luta, derrubava todos os mancebos da localidade e arredores – morria de medo de tirar retrato. E pediu-nos, por todos os santos, que não deixássemos que o José soubesse que tinha sido ela a dar com a língua nos dentes.
Mas lá conseguimos, com a prestimosa ajuda do senhor Djessa, expor o Zé à máquina fotográfica. «Já está, rapaz» – anunciou o senhor Djessa. «Mas como? Nem doeu, nem nada!» – exclamou Zé, passando em revista a cabeça, o tronco e os membros, à busca de um beliscão qualquer. «Pois não dói. Esperavas o quê?» – interessou-se o fotógrafo. «Qualquer coisa. Alguma mudança. Sei lá» – atirou Zé, desconfiado.
O espanto do Zé era autêntico. Nos quinze minutos que durou o trajecto de volta – da ponta Norte da Avenida de Sá da Bandeira até à Vila Nova – não passou um em que ele não testasse uma parte do seu corpo, a ver se estava tudo bem.

Lembrei-me da estória do Zé, desta feita, ao pensar na estupefacção que deve ter assolado os meus concidadãos ao tomarem conhecimento do facto de, no ano passado, o PIB do país ter acumulado um crescimento de dois dígitos. «Mas como? Nem doeu, nem nada!» - deverão ter-se perguntado, uns. Outros terão dado de ombros e soltado um desdenhoso «E daí?».
E daí? E daí, nada. Parabéns pelo resultado, talvez. Mas como sempre se fez questão de frisar, o crescimento a dois dígitos não pode ser uma finalidade em si. A um, a dois ou a três dígitos – que sei eu?! – o que importará será sempre o impacto que o crescimento possa ter na nossa vida: no emprego, na saúde, na educação, no rendimento dos trabalhadores, nos equipamentos sociais urbanos, nas infra-estruturas económicas, na qualidade de vida. Se não há mais nem melhores empregos; melhores cuidados de saúde, mais e melhores meios auxiliares de diagnóstico, maior comparticipação do estado no custo dos medicamentos para tratamento de doenças crónicas (v.g. hipertensão, diabetes, câncer, epilepsia, etc.); mais e melhores opções de formação, um nível de ensino verdadeiramente gratuito, rigor em relação ao ensino dito obrigatório, generalização do pré-escolar, etc.; um salário mínimo calculado na base do custo de uma cesta básica (o mínimo para uma família poder comer, ao menos, duas vezes por dia, todos os dias do mês); os equipamentos e as infra-estruturas indispensáveis a uma boa qualidade de vida e à sustentabilidade do padrão de crescimento atingido; se o trabalhador não sente nada disso – se não «doer» – afinal, o crescimento a um, dois ou três dígitos, vêm a dar no mesmo. É tudo igual ao litro. O medo do Zé (de Rui Vaz, filho da amiga da comadre de minha mãe) e as crenças do outro Zé (nosso Primeiro Ministro) vêm a dar no mesmo: não doem, nem tiram pedaço. Ninguém sente.
O Zé (de Rui Vaz) andou da Praia para Vila Nova e depois da Vila Nova até Rui Vaz, inspeccionando-se todo, verificando-se vezes sem conta, e… nada. Continuava virgem, como quando tinha entrado no atelier do senhor Djessa. Não sentiu alteração nenhuma na sua vida, na sua rotina, no seu bolso. A não ser que era dono de quatro fotografias tipo passe, pagos por Nhâ Mariazinha.
O cabo-verdiano (sem renda, baixa renda, classe média, classe média alta) comemorou o nascimento de Cristo, a Passagem de Ano e os Reis, Santo Amaro Abade, São Vicente e Santíssimo Nome, o Carnaval, as Cinzas e a Páscoa da Ressurreição, a Santíssima Trindade, São Salvador do Mundo e São Jorge, São João, São Pedro e São Paulo, São Tiago Maior, São Lourenço, Nossa Senhora da Graça e São Roque, Nossa Senhora da Luz, da mesmíssima forma. Como quando o país crescera apenas a um digitozinho. E agora, por ocasião de Santa Teresinha, vêm-lhe dizer que as festas por cada uma das datas referidas poderiam, e deveriam, ter sido bem melhores, porque o PIB cresceu quase 11%.
Será que as festas de Todos os Santos (1º de Novembro), de Nhâ Santa Catarina (25 de Novembro), Imaculada Conceição (08 de Dezembro), Natal e Ano Novo serão mais rijas, por conta do crescimento a dois dígitos conseguido no ano passado? Será desta que os servidores do Estado vão ganhar direito ao tão desejado 13º salário? Vai haver alguma actualização salarial por conta do crescimento a dois dígitos? Os medicamentos para os doentes crónicos vão poder ser comparticipados pelo Estado? O ensino gratuito vai passar a ser mesmo gratuito? O estado já está em condições de compelir os pais a levarem os filhos para a escola, cumprindo os ditames do ensino obrigatório? No curto prazo, onde vai «doer» ao cidadão nacional?
O facto de só “sentirmos que crescemos” a dois dígitos, dez meses depois de “termos crescido”, já é, de per si, sintomático. Soa ao velho Djessa dizendo ao jovem Zé (de Rui Vaz) «Já está, rapaz». Não doeu. Não tirou pedaço. Nem acrescentou nada. A não ser uns prints do INE e do FMI (o BCV falou alguma coisa?), tal qual as fotos 4x4 que o Zé levou nos bolsos quando regressou a Rui Vaz. Se virgens estivéssemos, virgens chegaríamos ao altar, dependendo do impacto imediato do crescimento a dois dígitos.

Mas que foi bom que agora, nesta fase da Legislatura, se tenha chegado a um tal resultado, foi.
Antes de mais, porque o Governo vai entender que o palavreado que não leva nada para a panela do trabalhador, nem debela as dores do sofredor, deve ser usado com parcimónia. Quando começarem as cobranças (tipo «crescemos 11%, e daí?») o gerúndio não chegará para acalmar a ira desencadeada. Talvez vá sendo o caso do povão baixar uma liminar proibindo o gerúndio nos discursos justificativos dos detentores do poder.
Depois, porque o Governo vai ver-se e desejar-se para atingir a fasquia colocada em relação ao crescimento do decorrente ano económico. Não vai chegar lá. As correcções que conduziram ao resultado que ora se festeja, vão jogar contra as metas deste ano. Alguém quer pagar para ver?
Mas terá sido bom principalmente se os políticos entenderem que a aposta tem que ser no desenvolvimento (desenvolvimento aqui entendido como processo histórico que é, a um tempo, causa e consequência de um harmonioso crescimento económico, de substancial melhoria da qualidade de vida, da salvaguarda do ambiente, da boa governação e de elevados padrões éticos na gestão da coisa pública). À criação da riqueza deve-se aliar um coerente e eficaz mecanismo de redistribuição da mesma; a qualidade de vida deve ser erigida em FINALIDADE de toda a acção do Estado; a salvaguarda do ambiente deve ser considerada como a garantia da sustentabilidade do desenvolvimento e da preservação da qualidade de vida; a boa governação tem de ser integrada na cultura do poder como elemento estruturante; a ética terá de ser um princípio insofismável e de valor absoluto (nem a ética do faz-de-conta, nem éticas particulares ou privativas, nem mais ou menos ético) e tão estruturante da cultura quanto a boa governação que, de facto, não existe quando a ética está ou entra de férias. É isso que interessa realizar.
Não importará quanto possa crescer a nossa economia se tivermos sempre presente o que é essencial e o que é acessório e se formos capazes de distinguir uma coisa da outra. O resto… é o resto.
No passado convenceram-nos que a estiagem era a responsável por todos os nossos problemas. Hoje, consciente ou inconscientemente, procura-se convencer-nos que só o crescimento importa. Mas as coisas não se passam assim, de forma tão simplista. O que falta nesses raciocínios com que nos brindam é algum rigor, digamos, matemático.
A estiagem complicou? Complicou e segue complicando. A estiagem pode ser (e certamente foi) a condição necessária para que o nosso povo tivesse passado pelas privações por que passou no passado (passe a redundância). Mas – há de se perguntar – porque não provoca os mesmos danos agora? A estiagem foi a condição necessária, mas não teria sido jamais suficiente para, só por si, causar os danos que causou. Tivesse a metrópole tomado as devidas providências…
O crescimento a dois dígitos ajuda ao desenvolvimento? Claro que ajuda. Diria que o crescimento (não importa quanto se tenha crescido, à condição de que seja de forma sustentada) é factor absolutamente necessário ao desenvolvimento. Mas será suficiente? Crescer igual a desenvolver? Não. Pode-se ter boa qualidade de vida (e tudo o resto que identificamos atrás como indicadores de desenvolvimento), com modestas taxas de crescimento. E acontece não se atingirem bons níveis em nenhum dos indicadores, apesar de boas taxas de crescimento. Resulta, pois, que o crescimento é condição necessária, mas não é suficiente.
Sugiro que a gente recorra regularmente ao enunciado dos Teoremas que a gente aprende na Matemática para que se possa identificar com algum rigor o que é necessário e suficiente, em cada momento, para se atingir o resultado pretendido. Por exemplo: É CONDIÇÃO NECESSÁRIA E SUFICIENTE PARA QUE UMA FIGURA GEOMÉTRICA SEJA UM QUADRADO, QUE TENHA QUATRO LADOS IGUAIS, FORMANDO, ENTRE SI, ÂNGULOS DE 90 GRAUS. Quatro lados iguais podem configurar um quadrado (como na ALA DOS NAMORADOS, em Aljubarrota), é certo; mas configuram, também, um losango (como na estrutura do meio-campo do SPORTING de PAULO BENTO). A diferença reside nos ângulos rectos do Quadrado (mas que, de per si, não definiriam nada, já que no Rectângulo, por exemplo, também todos os ângulos são de 90º).
Ficamos, pois, em que uma boa taxa de crescimento pode até ser coisa boa, mas que só «doerá» se houver algo mais. Algo que possa transformar o crescimento em mais e melhores empregos, mais e melhor saúde, mais e melhor educação, mais rendimento para o trabalhador, mais e melhores equipamentos sociais urbanos, mais e melhores infra-estruturas económicas e, sobretudo, mais e melhor qualidade de vida.
Se não… será sempre como ir ao Djessa tirar um retrato. E daí?

Friday, October 12, 2007

SELECÇÃO DE SANTIAGO 1965
TITULARES
: TINTA; PETCHAS GUGÚ, DJUDJA e KIKI; MANUNA e TOIZINHO; CRUZ, NHARTANGA, LUÍS BASTOS E PERDIGÃO.
SUPLENTES: AUGUSTO, SABARÁ, PEDÉ, MÁRIO BIDÉU e MULATINHO

NA FOTO
DE PÉ: TINTA, GUGÚ, DJUDJA, MANUNA, AUGUSTO, PETCHAS, SABARÁ e KIKI.
EM BAIXO: PEDÉ, CRUZ, MÁRIO BIDÉU, TOIZINHO, MULATINHO, NHARTANGA, PERDIGÃO e LUÍS BASTOS.

Thursday, October 11, 2007

MEMÓRIAS

REAL MADRID
Arakistan, Casado e Meira; Patchi, Santa Maria e Vidal; Quesada, Del Sol, Di Stefano, Puskas e Gento.

SPORTING CP
Carvalho, Lino e Hilário; Perides, Lúcio e Mendes; Hugo, Figueiredo, Diego, Geu e Morais.

SPORTING CP
Augusto, Caiçara, Djudja, Gugú e Noel; Manuna, Toizinho e Heitor; Djack, Corsino, Pedé e Zezinho.

Monday, October 8, 2007

ALVÍSSARAS!

O Secretário Regional da Energia e porta-voz da autarquia regional de Santiago, chamou a comunicação social para fazer o seguinte comunicado:

«Senhores Jornalistas, minhas senhoras, meus senhores,
A Presidência da autarquia regional de Santiago, após várias rondas negociais com o Governo da República e com os accionistas da Electra, sob a égide do Banco Mundial, do BAD e do Banco Africano de Investimentos, tem a honra de dar a boa nova aos santiaguenses. CONSEGUIMOS! VENCEMOS! VAMOS SAIR DA CRISE!
Na verdade, desde cedo, colocamos sobre a mesa a nossa pretensão, sem subterfúgios, sem papas na língua. Se os municípios de Santiago se reuniram e deram corpo, com a bênção do Governo da República, à Região Administrativa de Santiago – autarquia supra municipal – as três questões que mais preocupavam a ilha tinham que entrar, de imediato, na ordem do dia. Eram elas: as infra-estruturas viárias, a energia e a água e o saneamento.
Desde cedo erigimos a questão energética como a prioridade das prioridades.
O que estava falhando com a ELECTRA? O que impedia o Governo da República de identificar o xis da questão? O que poderia a Administração da Região de Santiago fazer de diferente?
Foram-nos dadas todas as garantias em relação à capacidade de produção da ELECTRA em Santiago. Iriam ser instalados grupos geradores capazes de satisfazerem as necessidades da ilha e da sua capital e estariam em stand by (como reserva de potência) os grupos necessários para suprirem o equivalente a 50% das necessidades da Região.
Interpelados sobre o ponto da situação do projecto respeitante às energias renováveis, maximé, em relação à energia eólica, as respostas foram um tanto ou quanto evasivas, o que deixou a Administração da Região com a pulga atrás da orelha. Algo não ia bem no reino da Dinamarca.
Questionados acerca do estado da rede de distribuição (operacionalidade, extensão, manutenção e conservação, projectos de renovação) a ELECTRA e o Governo da República sugeriram que não se pusesse a carroça à frente dos bois, e que quando fosse a altura certa, se trataria do assunto. Obviamente que a resposta não nos deixou tranquilos. Era a velha estória do ovo e da galinha. Qual deles apareceu primeiro? O ovo ou a galinha? A produção ou a distribuição? Nós perguntamos: de que serve produzir-se energia eléctrica, se não se tem uma rede para a distribuir? E eles, sintonizados, responderam com outra pergunta: para quê uma rede upgraded ou nova se não se tem energia para distribuir? Para nós a situação é clara e diáfana: precisa-se de ter suficiente capacidade instalada e precisa-se de ter uma boa rede para distribuir a energia produzida. Duas faces de uma mesma moeda. Cara e coroa. Mas mais: havendo uma boa rede, quando tivermos energia é só deixar fluir para satisfação das donas de casa, dos operadores económicos, das instituições financeiras, de todo o mundo.
A representação da nossa Região foi assumida ao mais alto nível. O Presidente da Autoridade Regional, eu próprio, na qualidade de Secretário Regional para a Energia, e uma equipa de consultores, os quais não pouparam esforços na assessoria da equipa política.
Apelamos para o benchmarking em relação a realidades muito próximas da nossa, com experiências tão dolorosas quanto as nossas, mas chamavam-nos sempre a atenção para os problemas de tesouraria da ELECTRA, para a impossibilidade em debelar as perdas e os roubos na rede de distribuição e para as dificuldades na recuperação de créditos malparados. Enfim, a situação mais parecia ser um nó cego que ninguém conseguia desfazer.
A questão que cedo nos pusemos foi: há ou não há uma saída para a crise energética que assola a nossa região, maximé, a Capital do país? Os problemas, como factores restritivos contingenciais que são, são sempre passíveis de solução – repetia a nossa equipa de assessoria o tempo todo. Ou então não se está, de facto, perante um problema. Sua Excelência o Presidente da Autoridade Regional concordava o tempo todo, rematando a espaços: ou resolvemos este problema ou não terá valido a pena o sacrifício de descentralização consentido pelo Governo da República.
[Um aparte: o Presidente gosta de passar a ideia de que foi o Governo que abriu mão de alguns poderes em favor das regiões (descentralização de oferta), quando a verdade (e ele faz questão de frisar isso, na intimidade) desta feita, foi mesmo uma descentralização de procura, uma conquista, portanto, dos cidadãos.)]
Diante do quadro que vos descrevi, só nos restava uma postura: a defesa intransigente de uma solução que consagrasse soluções tanto para a questão da produção como para a da distribuição de energia eléctrica.
As negociações perigaram quando o nosso Presidente deixou escapar esta bomba: OU POMOS AS DUAS QUESTÕES SOBRE A MESA, PARA TRATAMENTO SIMULTÂNEO OU SERÁ MELHOR PARARMOS POR AQUI MESMO. Caiu na sala aquele silêncio. Contudo, o bom senso viria a imperar. Seria desanimador, após tantas rondas negociais, se quedar por um fracasso. Voltar à estaca zero.
Mas valeu a pena o susto. As negociações foram suspensas por 24 horas. No reatamento, o representante do Governo da República, com o agrément do representante da ELECTRA, passou a bola para o nosso lado. Tínhamos 30 dias para apresentarmos uma proposta balanceada de solução. Tanto o Governo como os accionistas reconheceram o dramático da situação energética na ilha e se dispuseram a participar de uma solução definitiva, desde que não implicasse a realização de nenhum milagre.
Provamos que quando nos encostam às cordas tornámo-nos contundentes. Chegamos ao xis da questão em tempo recorde. E em vinte dias tínhamos pronto um projecto que podia resolver de vez a questão. E assim o queira Deus, vai resolver. Parece que matámos a charada.

Senhores Jornalistas, minhas senhoras e meus senhores,
Propusemos, e as outras partes concordaram, o seguinte:
1. Na ilha de Santiago, a ELECTRA abre mão, em condições que por razões óbvias não vão poder ser divulgados, da rede de distribuição, permitindo o surgimento de uma nova empresa – a RES (Rede Eléctrica de Santiago, SA) – responsável pela construção, manutenção e conservação da rede e pela distribuição de energia eléctrica na Região;
2. Disponibilidade da ELECTRA, do Estado de Cabo Verde e da Autarquia de Santiago, em participarem no capital da nova empresa, na qualidade de sócios minoritários;
3. Apoio do BM, do BAD e do BAI na identificação de um parceiro estratégico (não sei se estarei quebrando algum sigilo se vos disser que uma empresa portuguesa, a REN – Rede Eléctrica Nacional – se mostrou disponível para embarcar no projecto) e na participação na engenharia financeira necessária para dar corpo ao projecto;
4. Disponibilidade total do Governo da República em pôr de pé uma estrutura policial e um «Tribunal de polícia» voltados para a luta contra a violação da rede regional de distribuição de energia eléctrica;
A título de recomendação, ficou decidido uma maior parcimónia e cientificidade na selecção dos agentes de campo da nova empresa, de modo a evitar que se chegue à situação a que a ELECTRA chegou e a que não serão estranhos os desvios de comportamento de alguns (há quem diga que de muitos) operacionais da empresa.
ALVÍSSARAS! Desta feita, a moeda estará inteira. Cara e coroa. Produção e distribuição. Ali. Operacionais. E à disposição dos estimados concidadãos/consumidores, afinal a razão de ser das duas empresas, do Governo da República, da Autoridade Regional.
Bem-haja a descentralização que, em boa hora, permitiu o surgimento e a afirmação de uma liderança forte na ilha de Santiago.
MUITO OBRIGADO.»
É claro que esta conferência de imprensa ainda não aconteceu. Mas espero que aconteça um dia. Brevemente. Com estes contornos. Com as soluções que precisamos e que a ELECTRA está longe de poder dar.
ALVÍSSARAS!

Friday, September 28, 2007

PARA GRANDES MALES... GRANDES REMÉDIOS

Qual é o sonho de consumo de qualquer empresa ou empresário? Estará certo quem responder desta forma: TER O MONOPLÓLIO DA PRODUÇÃO E DA DISTRIBUIÇÃO DE UM BEM ESSENCIAL. Que só ele possa produzir e vender, em todo o território nacional, um bem de que todos precisem, ninguém possa viver sem, e todos estejam dispostos a pagar o preço que for fixado. Mais: que os preços sejam fixados na base dos custos de produção+ amortizações+lucros razoáveis. Como por exemplo a água e a electricidade: todos precisam, ninguém consegue viver sem, e todo o mundo está disposto a pagar o justo preço, para garantir o fornecimento ininterrupto de tão preciosos bens.
Então, porque a ELECTRA tendo um tal negócio (DA CHINA, dir-se-ia) está praticamente falida? Digo falida, porque é o que se diria de uma micro empresária que fabricasse doces de leite e, a páginas tantas, não pudesse honrar os compromissos junto dos fregueses porque… não tinha dinheiro (NEM CRÉDITO) para comprar gás para acender o fogo e fazer o seu docinho. Na ELECTRA, segundo confessou um dos Fortes que a administram, falta dinheiro (e CRÉDITO) para comprar combustível para produzir energia eléctrica e água. Salvaguardadas as proporções…

Mas como foi possível chegar-se a um tal estado de coisas? Bem… não há tesouraria que resista às situações em que a empresa se enredou (ou foi enredada, como se preferir):
1. O pagamento do aluguer dos grupos instalados na Avenida João Belo (frente ao Motcha);
2. O pagamento do aluguer dos grupos da ER instalados em Palmarejo Grande;
3. Aquisição de gasoil (substancialmente mais caro que o fuel oil) para funcionamento dos grupos alugados;
4. O fornecimento de energia GRATUITAMENTE para uma grande franja da população;
5. Manutenção em funções de agentes que, em conluio com terceiros, furtam e roubam os bens produzidos pela empresa a duras penas;
6. A insistência em manter o seu centro de decisão longe da Capital (que é onde as coisas acontecem, onde os problemas podem conhecer uma solução e, last but not least, onde tem maiores negócios e maiores problemas).

São problemas a mais para uma empresa que sempre primou por uma gestão pouco ou nada agressiva. Mas nem por isso se pode desistir de encontrar soluções duradouras.
No momento o maior problema da empresa é o depauperamento da tesouraria: capital de giro volatilizado, crédito estourado, credibilidade zero. No imediato, e para evitar males maiores, a solução que se vislumbra é a de sempre: vir o Tesouro público em socorro da Sociedade Anónima de Responsabilidade Limitada.
Mas isso não resolve o problema. E nem é justo: os contribuintes sufragaram o plano de privatizações exactamente para não mais terem de ser eles a financiar as acções tendentes a evitar que as empresas públicas rolem ladeira abaixo. Precisam-se soluções duradouras, que ataquem as causas para evitar as consequências.
Antes de mais, é preciso que a empresa “fure” a fila, de modo a ver se consegue adquirir geradores próprios para que possa escapar da hemorragia para a sua tesouraria (ou para a tesouraria do Estado) que representa o pagamento do aluguer dos grupos de socorro instalados em Palmarejo Grande e em Chã de Areia. Convirá que os novos grupos geradores, a adquirir, utilizem óleo combustível mais barato e que a sua acção seja complementada por injecção de energia eólica (menos do que 10% da capacidade instalada será sempre uma má solução).
Outra medida urgente (para ONTEM) é a cessação do fornecimento de energia eléctrica a título gracioso para uma representativa franja da população do arquipélago. A empresa tem que ser capaz de se defender das pessoas e dos empregados que atacam a rede para usufruir de energia a custo zero ou mediante pagamento a quem não deviam.
Para grandes males… grandes remédios. A empresa precisa saber quem é quem lá dentro, a modos de poder saber com quem, de facto, pode contar na batalha para abolição do usufruto de energia sem pagamento ao pagador/distribuidor. Tem que contar com o poder judicial e inventar incentivos para poder contar com a disponibilidade total da polícia. De posse de um mandato judicial, uma equipa composta por um oficial de justiça, um leitor e uma escolta policial pode passar os bairros a pente fino: porque o leitor sabe as casas onde habitualmente faz leituras e entrega facturas para pagamento, bastava verificar as casas que utilizam energia eléctrica mas não têm contador, nem recebem facturas, pelo menos pelas vias normais. A seguir, impunha-se agir em conformidade. O Fortes (o da Comissão Executiva) que pergunte ao mano (o Comandante) como conseguiu o interesse da polícia na introdução e manutenção da ordem no caos que eram os acessos e os estacionamentos do Porto da Praia. E aí, é só seguir a receita.
Outro constrangimento tem a ver com a ausência de uma estrutura com capacidade negocial e de decisão do centro onde as coisas se decidem, se arranjam. É o Conselho de Administração, a Comissão Executiva, todas as instâncias, fora do centro nacional das grandes decisões, dos grandes negócios, dos créditos substanciais, dos problemas também. O autismo dos accionistas nesta matéria é de bradar aos céus! Obrigam o Presidente da Comissão Executiva a “morar” na ponte aérea Praia/Sanvicente, sem necessidade e com custos (passagens, ajudas de custo, comunicações e, quiçá, aluguer de viaturas) perfeitamente dispensáveis. E para quem tem a tesouraria no estado em que a ELECTRA tem a sua…
Acho bem que o Governo, por ora, abra os cordões à bolsa e nos socorra (e à ELECTRA). Mas deve deixar claro que há um conjunto de situações que têm de ser modificadas, sob pena de não mais o Tesouro (os contribuintes, na verdade) acudir à tesouraria da empresa. Algumas delas:
a) A resolução célere da questão do aluguer de grupos geradores, pela via do aceleramento do processo de aquisição de geradores próprios (“furando” a fila de espera se for o caso;
b) Acção rápida e em concertação com o poder judicial, a polícia e as associações de base comunitária, para pôr fim à utilização de energia eléctrica sem pagamento ou com pagamento a terceiros;
c) Identificação e desligação, em processo de urgência, dos agentes da empresa que remam contra os interesses da mesma;
d) Instalação na Capital de uma estrutura executiva, com a necessária capacidade negocial e poder de decisão com o escopo de conferir maior agilidade à empresa seja na resolução dos problemas, seja ainda na moralização da actuação dos seus agentes.

Assim como está, não pode continuar.
Soube, pelo próprio, que o Presidente da Comissão Executiva não gostou de uma intervenção minha a propósito da ELECTRA. Certamente não irá gostar de mais esta. Só lhe peço que não meta a nossa velha amizade no meio desta trapalhada toda. Tem de entender que a ELECTRA, muito antes dele, já era uma pedra no sapato dos praienses. E que sempre temos lutado para poder contar com um serviço melhor, com mais qualidade e fornecido de forma ininterrupta. Se nos conseguir isso, vai ser o nosso HERÓI. Mais do que os rapazes do AFROBASKET 2007.

Vamos sair do buraco?

Thursday, September 20, 2007

UMA PROPOSTA PARA A SUBVENÇAO DO PREÇO DO LIVRO: EDITOR 20%, ESTADO 30%

O LIVRO - UM AMIGO DE PALAVRA
É um mundo muito especial esse que envolve escritores, editores, gráficas, revisores e leitores. E, sem dúvida, o exemplo mais eloquente de "INTERDEPENDÊNCIA".
Imagine-se se, de repente, esse mundo ficasse sem escritores. O que acontece? A vida continuaria a existir. Seria um bom momento para por as leituras em dia, fazer "revisões da matéria dada", vegetar. Até que editores, gráficos, revisores e leitores, um deles se decidisse a correr o risco de ser escritor. Afinal, tudo tem solução. O escritor, o editor, o gráfico e o revisor são, ao cabo e ao resto, profissões mais ou menos assumidas. Com a crise de emprego que o mundo atravessa, rapidamente alguém se travesteria numa dessas profissões. Por gosto ou pela necessidade de não deixar faltar o pão na mesa dos putos que, nessa matéria, são surdos a qualquer explicação.
Imagine-se agora esse nosso mundinho sem leitores!
A quem se dirigiria o escritor? Em quem centraria o seu pensamento quando constrói as personagens, as situações, o enredo, o desenlace?
Alguém se atraveria a assumir a edição de obras literárias sem leitores? O que faria o editor? Fecharia as portas?
E o livreiro, esse indispensável intermediário entre o editor/escritor e o leitor, o que faria sem leitores?
As gráficas e os revisores terão sempre muita coisa a fazer. Impressos, formulários e bulas sempre manterão esse pessoal ocupado. E treinados. Para dias melhores, quando os leitores retornarem. Que retornariam, não haja dúvidas. Nem esse mundinho imaginário, nem este nosso mundão real se aguentariam sem o bom amigo das horas tranquilas: o livro, esse amigo de palavra.
Haverá uma possiblidade real de um dia desaparecerem os leitores? Sei não. O certo, porém, é que é preciso ampliar o acesso aos livros, a modos de cada vez haver mais leitores. Assim, diante de um agudizar da crise, os leitores não desapareceriam. Estar-se-ia apenas diante de um universo menor, mas longe da extinção.
Mas falar de conquistar mais leitores, ampliar o acesso aos livros, etc., está-se tornando conversa enfadonha. É preciso passar da palavra aos actos.
Falava outro dia da necessidade do Estado subvencionar os livros. Talvez não uma subvenção generalizada como o meu discurso poderia fazer crer, mas uma subvenção selectiva, muito bem direccionada. Por exemplo, dirigida aos estudantes e cidadãos de baixa renda. Era só outorgar cartões especiais aos beneficiários e orçamentar os montantes necessários para cobrir a subvenção de... digamos 30% sobre o preço de capa.
Assim fazendo, um livro com o preço e capa de 1500$00, ficaria por 1050$00 (1500-450). Se o esforço para a ampliação dos caminhos de acesso aos livros não for suportado apenas pelo Estado, o desembolso do leitor pode baixar ainda mais. Se, por exemplo, o editor/escritor abrir mão de 20% do preço de capa, o livro de 1500$00 chegaria ao leitor pela módica quantia de 750$00 (1500-450-300).
Será isso factível? Poderia o tesouro público suportar isso? A mim parece-me que sim. AoTesouro público caberá definir o que vale a pena subvencionar: se a gasolina (como sucedeu num passado não muito longínquo, 136-79=57$00 o litro) ou se o livro, o tal amigo de palavra.
Por mim, e enquanto escritor/editor, abri já mão de 20% do preço de capa do livro SAPATOS DE DEFUNTO (1500-300=1200). E fica o desafio ao PODER (e ao tesouro público): DÁ-SE TANTA IMPORTÂNCIA AO LIVRO QUANTO SE PROPAGA POR AÍ? Dá-se? Então que sigam as minhas pisadas e avancem com uma subvenção, se não de 30% como sugerido, ao menos ao meu nível - 20%.
Isto já não é apenas uma ideia a abraçar. É uma inicitiva sem volta. Pelo menos no que a mim diz respeito. Quererá o Tesouro abraçar esta iniciativa?
Quem viver verá!