Monday, September 13, 2010

MÍNIMOS

“No contexto actual, o sucesso das comunidades depende, em grande medida, do equilíbrio entre duas realidades essenciais: a perspectiva global e a vitalidade local (independentemente do tipo de agrupamento social em causa.)”

SERRANO, GONÇALVES e NETO*

Imagine-se o fuzué que seria o COI (Comité Olímpico Internacional) liberar geral a participação nos jogos olímpicos? A partir de 2012, os jogos olímpicos estariam abertos a todos os cidadãos livres que quisessem participar. Imagine-se a FIFA (Federação Internacional das Associações de Futebol) declarando que a Copa do Mundo, a disputar no Brasil em 2014 e nas subsequentes, estará aberta a todas as selecções nacionais de futebol e que, por isso, acabam de vez as provas para apuramento das melhores para participarem de uma fase final. Imagine-se ainda a UEFA (União Europeia das Associações de Futebol) resolver abrir o próximo Campeonato Europeu de Futebol de 2012 a todas as selecções europeias. Gilberto Madaíl poderia até desligar o piloto automático da selecção das quinas; a França teria algum tempo para se organizar… enfim, os calaceiros, os fracos, os desorganizados, todo o Mundo ficaria feliz. Até constatarem que esta aparente boleia não seria mais do que as portas do reino do caos se abrindo. E aí, seria um Deus nos acuda.
Portugal, jardim à beira-mar plantado, porta de entrada da Europa, ocupando uma posição invejável no ranking da FIFA, ainda assim tem que lutar para conseguir ser, no mínimo, um dos 04 melhores segundos lugares da fase de apuramento para o Campeonato Europeu de Futebol de 2012. Espanha, vencedora do Campeonato do Mundo de Futebol da África do Sul (que conheceu o seu término em 11 de Julho último) e campeã da Europa, em título, ainda assim, vai ter de lutar para conquistar um lugar no Campeonato Europeu de Futebol de 2012. O Cabo Verde de mister Lúcio Antunes (sobrinho do inesquecível TOKA) ganhou ao Mali e vai ter de suar as estopinhas para levar de vencida o Zimbabwe e demais equipas do seu grupo, para que possa participar do próximo CAN (Campeonato de África de Nações). O facto de ser, inequivocamente, um país africano não o exonera da obrigação de ficar entre os primeiros do seu grupo para que possa participar da fase final. Os nossos atletas, se quiserem participar dos Jogos Olímpico do Rio de Janeiro, terão de melhorar a sua performance, situar-se ao nível dos melhores. Noblesse oblige.
As coisas são assim. Ou então o Campeonato Europeu de Futebol seria no sistema todos contra todos, participando dele todos os países europeus; da Copa do Mundo participariam todos os países reconhecidos pela ONU; do CAN participariam todos os países africanos. Os jogos olímpicos estariam abertos a todos os atletas do planeta, independentemente do seu nível. E, convenhamos, que seria uma zorra total. Uma autêntica zona. Seria o caos.
E como é que se resolveu a questão da participação em tais competições? Estabelecendo os mínimos que cada atleta deve atingir para que possa participar do certame, no caso dos jogos olímpicos. Definindo a classificação mínima que as selecções devem atingir nas provas de apuramento para os campeonatos Africano (CAN), Europeu (UEFA) e do Mundo (FIFA). Até para sediar os J.O., a CAN, a Copa UEFA ou a Copa FIFA, as cidades, no primeiro caso, e os países, nos restantes, têm que reunir determinadas condições, submeterem-nas aos organizadores para, só depois, poderem disputar, com seus pares, o acolhimento do certame. Têm que reunir as condições indispensáveis à qualidade e ao sucesso dos eventos Não é para qualquer um. Não é para quem quer. É para quem, RECONHECIDAMENTE, reúna as pré-condições.
A ideia dos mínimos é a solução que tem garantido a qualidade dos certames, limitando a sua realização no tempo e no espaço e puxando pelos candidatos. Neste particular, querer não é poder. Há que querer - sim senhora - e lutar – também - para atingir os mínimos exigidos. Não há outra hipótese. E isso não é válido apenas para o desporto. É válida também para a catalogação dos aglomerados humanos: os aglomerados não seriam aldeias, vilas, ou cidades, em função do rótulo administrativo que neles forem colados. Entrariam numa ou noutra categoria em função de condições intrínsecas. Que é como que diz, devem cumprir os mínimos para entrarem na categoria que almejam. Os aglomerados teriam de reunir, por exemplo, as condições a), b) e c) para ser catalogados como ALDEIA; estas, mais as condições d), e), f) g) e h) para se integrarem na categoria VILA; as condições antecedentes, mais o restante do alfabeto (em condições) para serem reconhecidos como CIDADE. Em linguagem simples, e parafraseando o pessoal do COI, tinham de cumprir os mínimos exigidos para cada categoria de aglomerado humano.
Como encarar, então, o que aconteceu recentemente em Cabo Verde, por ocasião da promoção administrativa de lugarejos, aldeias e vilas a cidades? O que aconteceu recentemente em relação aos aglomerados populacionais sedes de Municípios que receberam o rótulo de CIDADE (juntando num mesmo saco Praia, Mindelo S. Filipe, Assomada, Porto Novo e João Teves, Vila das Pombas, Várzea da Igreja, Achada Igreja, Igreja, Cova Figueira, etc.) só encontraria paralelo no caso de o COI, a FIFA ou a UEFA, abrirem geral, deixando de exigir os mínimos para a participação nos certames.
Na reclassificação dos nossos aglomerados populacionais os mínimos foram mínimos, mesmo: SER SEDE DE MUNICÍPIO. Ponto final. Dir-me-ão que a Assembleia Nacional é soberana. Tem autoridade, autonomia e liberdade para decidir como bem entender. Pois é verdade. E eu diria que o COI, a FIFA e a UEFA também. Poderiam, querendo, liberar geral, que ninguém lhes pediria contas. A não ser… o FUTURO. E é aí que residem os limites do soberano Parlamento e dos todo-poderosos COI, FIFA e UEFA: não podem, melhor, NÃO DEVEM, hipotecar o futuro. Têm, eles também, um mínimo a respeitar – o MÍNIMO ÉTICO, a linha abaixo da qual estariam a ser vulgares, inconsequentes, irresponsáveis e mesmo censuráveis. Política e socialmente censuráveis. É que matariam a competitividade dos atletas, das selecções e, sobretudo, das comunidades. Sem contar que a distribuição aleatória de distinções - tanto a quem fez o trabalho de casa, como a quem não fez; a quem se esforçou para dotar o município de planos e instrumentos de ordenamento e gestão do território, como quem comprometeu as hipóteses futuras do território sob sua administração; enfim, a justos e a pecadores, à organização e ao desleixo, àqueles com potencial e aos casos perdidos – é, sempre, uma tremenda injustiça. Nem as comunidades, nem as selecções, nem os atletas, ninguém, precisaria se esforçar, esmerar, para CONQUISTAR, FAZER POR MERECER, um lugar ao Sol. Para quê, se basta o mínimo dos mínimos (o simples facto de existir) para que se receba distinção idêntica àqueles que se esmeraram?
Esta mania nacional de distribuir condecorações, distinções e promoções, a esmo, vai acabar banalizando o sentimento de excepção e «outstanding» que deve estar na base da discriminação positiva dos excepcionais, não dignificando, por isso, os distinguidos. Porque ficará sempre esta dúvida: É EXTRAORDINÁRIO OU É MAIS DO MESMO? SERÁ JUSTO PREMIADO OU ESTÁ-SE PERANTE MAIS UM MERO EXERCÍCIO DE SOBERANIA? PEDRA BADEJO FOI DE BOLEIA OU MERECIA MESMO? Pessoalmente, acho que a sede do Município de Santa Cruz poderia chegar lá, por mérito próprio; mas, em chegando pelo saco em que chegou… parece que são todos KÊL MÉ, como diria o outro. Decididamente, os santa-cruzenses gostariam que as coisas tivessem acontecido de forma diferente com Pedra Badejo. Tanto trabalho de casa, tanto investimento, tantos cuidados, para, no fim, ser metido em um obscuro saco sem fundo!? Não haveria melhor forma de fazer as coisas, Lando?
* SERRANO ANTÓNIO, GONÇALVES FERNANDO e NETO PAULO, in «Cidades e Territórios do Conhecimento um novo referencial para a competitividade».