Tuesday, June 22, 2010

CEDEAO: PRÊT-À-PORTER OU CONSTRUÇÃO?

“Resultados? Mas é claro que eu já consegui um monte de resultados! Hoje eu sei de mil coisas que não funcionam.” Thomas A. Edison

Refazer o percurso da construção europeia é sempre um excelente recurso didáctico para ajudar a compreender o esforço de integração económica regional em África. O afro-pessimismo transformar-se-ia em uma mola impulsionadora caso houvesse uma boa compreensão do fenómeno, dos sacrifícios que exige e da veia empreendedora necessária.
A União Europeia (UE), conquanto pareça, a muito boa gente, ser o resultado feliz conseguido por um povo iluminado, ela é, na verdade, o resultado de uma construção penosa, com altos e baixos, que já dura para além de meio século, e, ainda assim, está por concluir. E é bem achada a expressão «construção europeia» usada orgulhosamente pelos europeus. É que é disso mesmo que se trata. O Tratado de Roma perseguia a construção de um Mercado Comum (MC) europeu. Do ponto de partida, à União Europeia, que hoje conhecemos, várias foram as etapas percorridas: a CEE (Comunidade Económica Europeia); a CE (a Comunidade Europeia); a UE (União Europeia). Começou com uma Europa dos 6 e quase estagnou na Europa dos 12; só chegando agorinha à Europa dos 27. Mas seguem sonhando com uma União Política e uma Constituição federalista. Apesar de haver uma Moeda Única que não é adoptada pela totalidade dos 27; do Acordo de Schengen não obrigar todos os 27; do Tratado de Maastrich não vincular todos os Estados membros; and so on. E isso, sem contar as experiências precursoras do Tratado de Roma, caso da EFTA (sigla inglesa da Associação Europeia de Comércio Livre); da CECA (Comunidade Europeia do Carvão e do Aço); do BeNeLux (associação juntando a Bélgica, os Países Baixos e o Luxemburgo).
O que falta aos afro-cépticos cabo-verdianos é a consciência de que (1) se está perante um processo; (2) que a CEDEAO terá de ser o resultado de uma construção em que todos se devem envolver; (3) que a nossa sub-região tem problemas do arco-da-velha, mas que também a Europa teve um percurso dolorosíssimo. Só no século XX aconteceram, nada mais, nada menos, um holocausto (ocorrido durante a II Guerra Mundial) e episódios de limpeza étnica (no pós Guerra-Fria). Persistem ainda conflitos surdos, só que, geralmente, melhor administrados do que em África (a questão basca e a resistência à supremacia do castelhano em Espanha; a questão que opõe Valongos a Flamengos, na Bélgica; a questão que opõe católicos a protestantes, na Irlanda; a resistência de Belmiro Azevedo, Jorge Nuno Pinto da Costa, Rui Rio e Comandita ao pessoal de Lisboa e Vale do Tejo, em Portugal, etc.).
Nós adoramos o prêt-à-porter, soluções chave-na-mão. Mas não é possível ter uma CEDEAO com a performance da UE, do NAFTA, do Mercosul, ou mesmo da SADCC, sem enfrentar as dificuldades que se nos apresentarem. Há ditaduras na Região? Então desiste-se da construção. Há acentuadas assimetrias regionais de desenvolvimento? Então não vale a pena perder tempo. Há Estados-membros de dimensões continentais a par de pequenos países, ainda por cima insulares? Não dá, viremo-nos para o Norte. A população dos Estados-membros é paupérrima? Então, vamos voltar-lhes as costas. Com posturas do tipo, o melhor mesmo é desistir. Mas desistir a valer. Porque se não enfrentamos os desafios; se não conseguimos ver o produto final como resultado de um processo histórico em que nós todos devemos ser actores intervenientes; se não vislumbramos o sucesso como consequência de conjugação e gestão de sinergias; se queremos uma Comunidade Económica de geração espontânea; ou se continuarmos a achar que pobreza, deficit democrático, intolerância e assimetrias de desenvolvimento são males sem cura; então teremos que nos quedarmos por estas ilhas de mar, Sol e vento. Orgulhosamente sós. Nada de CEDEAO; nada de União Africana; nada de Macaronésia; nada de Parceria Especial com a União Europeia; nada de APE; nada de Nada. A construção da CEDEAO tem de ser encarada como processo histórico que é. Processo que não poderá perder de vista as experiências vividas por outros povos na construção de unidades económicas; que deverá considerar as assimetrias de desenvolvimento existentes; que deverá encarar, de frente, o desafio da democracia; que nunca, jamais, em tempo algum, deverá perder de vista a pobreza das populações; que não deverá ver os demais espaços económicos, ou países terceiros, como inimigos.
No momento, a CEDEAO está a braços com a construção da União Aduaneira, o que significa um salto grande, que exige muita ponderação. Uma União Aduaneira pressupõe a supressão de barreiras na circulação de bens dentro do território da União e a aprovação de uma Pauta Exterior Comum, aplicável às importações provenientes de países terceiros. Mas tanto a livre circulação de bens, como a adopção de uma Pauta Exterior Comum levantam questões que devem ser equacionadas e resolvidas com bom senso. A livre circulação de bens (sem pagamentos de impostos de porta, pois) implica em perdas de receitas fiscais que, para países com o perfil de Cabo Verde – dependente de receitas fiscais, que importa quase tudo, que não exporta quase nada, e com um nível de pobreza nada despiciendo – são como o oxigénio para a vida. No entanto, nada que não possa ser ultrapassado com a criação de um Fundo de Compensação. Aliás, uma das maiores pechas da CEDEAO é a inexistência de um Fundo de Compensação pelas perdas de receitas derivadas da remoção das barreiras alfandegárias. O posicionamento concertado nas relações comerciais com países terceiros, traduzido na Pauta Exterior Comum (TEC, na sigla em francês) não pode olvidar os compromissos, que vêm de trás, dos Estados-membros, casos, p.e., da OMC (Organização Mundial do Comércio), para aqueles que pertencem à organização e dos APE´s (Acordos de Parceria Económica) com a UE. E nem se deve apostar em alíquotas que possam cheirar a declaração de guerra contra países terceiros ou convidem à prática de fraude (contrabando, descaminho e outras contravenções). A ideia de uma alíquota única - válida para todas as posições pautais – e a retenção da tarifa mais elevada em vigor nos Estados-membros é um exemplo do que não deve ser feito. Porque, se feito, terá forte repercussão na nossa capacidade de penetração nos mercados dos países visados. E estou pensando em tratamento recíproco mais do que em verdadeiros actos de retaliação.
A União precisaria, também, institucionalizar fundos para a redução das assimetrias regionais de desenvolvimento. Fundos que, tal como os de Compensação, fazem parte do essencial dos instrumentos de política das uniões económicas. Os fundos e demais políticas da União (CEDEAO, no caso) teriam de estar talhados para consolidar o mercado, combater a pobreza, reforçar a democracia, reduzir as assimetrias de desenvolvimento e potenciar o desenvolvimento.
O compromisso com o desenvolvimento por parte de todos os líderes da região; o benchmarking junto de experiências de integração económica de sucesso; o respeito pelas regras do jogo; o empowerment das instituições da União; e o engajamento dos cidadãos; podem ser os ingredientes que faltam para que a construção possa se traduzir em uma Comunidade de que nos orgulhemos. Que o básico existe já: um mercado de mais de 260 milhões de consumidores, em um território de 5 milhões de quilómetros quadrados (Km2) de extensão. Entre nós, o mais urgente agora é trabalhar no sentido da construção de consenso prévio sobre a questão. Para envolver os afro-pessimistas locais; para responder às exigências do Acordo de Parceria Especial com a UE; para demonstrar a nossa utilidade na região.
Aos cépticos, que acreditam no país (Cabo Verde), mas duvidam da seriedade dos propósitos dos nossos vizinhos ou da sua seriedade para encarar desafios que impliquem esforço para construção do estado de direito, consolidação da democracia, tolerância, diálogo e compromisso, um desafio: que tal trabalharmos, todos juntos, para a assumpção da liderança do projecto, ainda que tenhamos que correr o risco de pisar os calos (ou os calcanhares) aos gigantes Níger, Mali e Nigéria (o bicho-papão da região)?

No comments: