Friday, December 26, 2008

OS LIMONZINHOS DO ULISSES

“Somos o que repetidamente fazemos. A excelência, portanto, não é um feito, mas um hábito.” Aristóteles

No princípio da década de 90 do século passado, a cidade de São Paulo vivia um verdadeiro caos no trânsito urbano. A situação não tinha tanto a ver com a circulação rodoviária, mas, e principalmente, com a questão do estacionamento. Todo mundo estacionava onde lhe dava na veneta.
Corriam o risco de apanhar uma pesada coima por estacionamento irregular? Corriam, claro. Mas qual o grau de probabilidade de um condutor, em 11 milhões, ser "caçado" em infracção ao Código de Estrada? Os condutores apostavam nesse endiabrado jogo de probabilidades e acabavam quase sempre ganhando.
Para ultrapassar o caos, as autoridades lançaram mão da sua criatividade e inventaram os MARRONZINHOS. Os MARRONZINHOS vêm a ser um grupo de jovens recrutados e treinados pela Companhia de Engenharia do Trânsito (CET) da Prefeitura Municipal de São Paulo para auxiliarem a polícia no controlo do trânsito em São Paulo, especialmente nos estacionamentos. Treinaram-nos, vestiram-nos com calções e jaleco em marron e camisetas em amarelo-torrado e lançaram-nos nas ruas da maior cidade da América Latina e uma das maiores metrópoles do Mundo.
Deu logo certo? Certamente que não. Foi difícil para os condutores entenderem que deviam respeito a esses jovens; foi complicado para os policiais militares aceitarem a ajuda desses «meninos»; a opinião pública dividiu-se diante da nova realidade surgida com os MARRONZINHOS (que é como ficaram a ser conhecidos, em razão do modelito em marron que envergavam). Mas, volvidos mesmo de duas décadas sobre a "aterragem" dos marronzinhos em São Paulo, se a situação do trânsito (e dos estacionamentos) não é ainda nenhuma BRASTEMP, ela está, sem dúvida, de longe, muito melhor do que antes. Pode-se falar, com propriedade, de um ANTES e de um DEPOIS dos MARRONZINHOS. Eles contam! Eles interferiram com a balbúrdia! Hoje a brigada de trânsito da polícia militar de São Paulo não se imagina a controlar o tráfego na cidade sem eles. Em Sampa, o pessoal teve imaginação, ousou e fez acontecer.
E por aqui, porque não lançar também mão da imaginação (e alguma inteligência, claro) para resolver algumas questões que afectam a vida dos munícipes da Praia? E tudo leva a crer que Câmara Municipal da Praia está tentando algo parecido.
Ulisses, e equipa, inundaram as ruas do Plateau com uns limonzinhos, na esperança de resolver a velha questão da ausência da autoridade municipal nas ruas e logradouros públicos da cidade e numa tentativa de botar alguma ordem no «galinheiro».
Será que vai dar certo? Vai-se conseguir vincar a presença da autoridade municipal? Vai-se conseguir vencer a ameaça de caos urbano que pende sobre as nossas cabeças, qual espada de Dâmocles? Estarão os limonzinhos destinados a conseguir o sucesso que os marronzinhos alcançaram em São Paulo? Uma boa resposta, uma resposta politicamente correcta, seria do tipo «só o tempo o dirá». Mas não é o caso.
Entre os limonzinhos do Ulisses a gente vê fulanos já com cabelos brancos e pouca disposição para a cobertura do território municipal; indivíduos cheirando a álcool barato; rapazes e raparigas com postura equívoca, fruto de outros carnavais. E já deu para ver limonzinhos namorando vendedoras ambulantes; moedas mudando de mão; colega pedigalizando (de pé-di-galo, mesmo) colega; ajuntamento de limonzinhos nas sombras poucas do Plateau (que vêm a ser as das copas das árvores que crescem atrás da antiga casinha mortuária do Hospital Central e junto ao quiosque do Pó-di-bandêra e as dos botecos do Platô). Outro dia assisti, atónito (depois furioso) um limonzinho prevenindo uma piquena (vendedora ambulante) contra um colega que estaria dobrando a esquina em direcção a eles, referenciando-o como «o Ragalado». E o aviso saiu entremeado de beijinhos na face, no pescoço e nas orelhas da «querida».
Haverá gente bem no grupo recrutado por Correia e Silva e Barbosa Amado? Certamente. E muitos. O dito «Ragalado», por exemplo, é, com certeza, um bom fiscal. E quantos «ragalados» haverá?
O processo de recrutamento e selecção pode ser posto em causa? Não. O cabo-verdiano tem dons histriónicos que enganam qualquer um. E quando a necessidade de emprego aperta, a capacidade de representar atinge o clímax. E qualquer um pode ser enganado.
Como aperfeiçoar o processo de recrutamento e selecção? Como garantir um proceder ético por parte dos limonzinhos? Como melhorar a performance da classe? O que fazer para dignificar a categoria? O que fazer para que os limonzinhos possam contribuir efectivamente para a resolução da questão da ausência da autoridade municipal nas ruas e logradouros públicos da cidade e para botar alguma ordem no território municipal?
Antes de mais, é preciso redefinir o universo de recrutamento dos fiscais, elevando um pouco a fasquia. Chamando a concurso cidadãos habilitados com, pelo menos, o Curso Geral dos liceus, e dando preferência àqueles que tenham maiores habilitações, maior juventude, registo criminal limpo, cadastro policial impoluto e recomendação de anterior empregador, antigo professor ou último comandante.
A selecção deve ser confiada a especialistas. Testes psicotécnicos, entrevistas e dinâmicas de grupo estarão indicados para o despiste dos elementos perniciosos e para garantir a contratação dos melhores (entenda-se com melhor potencial).
A integração e/ou treinamento inicial são indispensáveis. Diria mesmo que constituem a base para a constituição de um bom corpo de fiscais. Treinamento para dar ferramentas para um bom desempenho; manualização dos procedimentos para evitar arbitrariedades, improvisações legais ou o laisser faire. Integração para reconhecimento do território, identificação dos potenciais prevaricadores e para moldar o espírito de corpo. Integração também para apontar os heróis da organização (exemplos a serem seguidos, alguém com quem se pode aprender alguma coisa) e os vilões (maus exemplos, indivíduos de quem se deve manter distância).
A definição de um período probatório com o escopo de afinar a selecção é uma necessidade incontornável. No termo do período, devem ser confirmados, na organização, aqueles cujo potencial desabrochou em desempenho esperado; e dispensam-se os problemáticos e/ou ineptos.
É fundamental o estabelecimento de um plano de carreiras e de um sistema remuneratório equilibrado. E a cobertura por um sistema de previdência social (a inscrição no INPS estaria de bom tamanho, dando alguma tranquilidade em relação às situações de doença, incapacidade e velhice, influiria grandemente na motivação e no comprometimento do agente com a sua missão). Devem constituir-se em estratégias de desenvolvimento profissional dos fiscais, de sua motivação e, sejamos francos, de dignidade para a classe.
A montagem de um mecanismo de avaliação de desempenho e de uma estratégia de fixação dos melhores é uma estratégia que não deve ser descurada. A ideia é ter instalado a capacidade de identificar os problemas de desempenho que podem ser superados pela via da formação e ter a necessária clareza para identificar os excelentes (agentes com desempenho de qualidade, alta motivação e alta capacidade técnica), que devem ser mantidos na organização a qualquer custo; e os pesos mortos/casos perdidos (agentes com mau desempenho, baixa motivação e baixa capacidade técnica) que devem ser desligados da organização.
Só assim teremos os limonzinhos do Ulisses tinindo. A modos de podermos delimitar claramente o ANTES dos limonzinhos e o DEPOIS. Para que eles contem (que nem ‘Ntoni Denti di Ôro)! Para que interfiram com a balbúrdia que frutifica no espaço urbano!
Um bom corpo de fiscais e uma inteligente parceria com a Polícia Nacional podem contribuir decisivamente para a resolução dos principais problemas de ordem e de autoridade no território do município da Capital. De sorte que a ordem municipal fique salvaguardada, caso a Polícia Municipal tarde (ou não venha).
Usemos a imaginação para resolver problemas que só parecem insolúveis diante do nosso pessimismo militante, fruto da nossa preguiça mental.
Praia tem solução, sim senhora, mas, que diabo!, as soluções não têm de ser, todas elas, lineares e ortodoxas.

Sunday, December 21, 2008

DO OSCAR AO TABAQUÊRO

“Não existe um homem totalmente inútil; em último caso, serve como mau exemplo.”
Wilson Sanches
Do óscar ao tabaquêro, ou de OBAMA a mugabe, vai todo um mundo. Um mundo que é olimpicamente ignorado. Porquê? Porque o Homem, desde o princípio dos tempos, aclamou o superlativo e abominou (e, não raras vezes, vomitou) o morno. Quente ou gelado; excelente ou péssimo; divina ou puta; Deus ou diabo; céu ou inferno. Extremos.
Salvas honrosas excepções, o que se vê são esforços para identificar «os mais» em cada ano, em cada sector de actividade, em cada século ou milénio. Felizmente, as excepções vão fazendo escola. Hollywood já «distingue» também as patacoadas que por lá se produzem: há o óscar para os melhores e uma nova estatueta para os beras; os tablóides distinguem os melhores em cada ano, mas começaram já a apontar o dedo aos lofas.
Actividades que movimentam multidões apenas distinguem os superlativos positivos: o futebol dá botas e bolas de ouro e prata aos Ronaldos, Eusébio e Pelé, mas não aponta o dedo àqueles que Paulo Bento acusa de não darem o seu melhor; as disciplinas olímpicas dão medalhas de ouro, prata e bronze aos maiores, mas não apõem rótulos visíveis aos que praticam o dopping; a política, que mexe com a vida de milhões de seres humanos, só destaca os melhores, deixando na penumbra os sacripantas que atrapalham a vida dos cidadãos, das nações e do mundo.
É imperativo que identifiquemos e glorifiquemos os nossos heróis, alcandorando-os à posição de paradigmas para a juventude, e não só; mas é também fundamental que, simultaneamente, referenciemos e rotulemos os nossos vilões, deixando claro que são MAUS EXEMPLOS, exemplos a não serem seguidos.
Felizmente que, amiúde, vêm surgindo pessoas criativas que vão dando pistas de como enfrentar a questão, sugerindo saídas para a exposição pública dos vilões. Correu mundo a sapatada que o jovem jornalista iraquiano Muntazer al-Zaidi desferiu contra o Presidente cessante dos Estados Unidos da América; antes, tinha sido a tirada do Rei Juan Carlos, mandando Hugo Chavéz calar a boca (porque não te calas?), a circular de boca em boca por esse mundo globalizado afora; mas o pioneirismo mesmo, esse pertence, pelo menos chez nous, ao meu dilecto amigo Claudino Semedo.
Claudino sugeriu à Câmara Municipal da Praia, através as estruturas da PRÓ-PRAIA, que, a par das medalhas, distinguindo os melhores praienses (entendido aqui como todos os residentes na área metropolitana da Capital) em cada sector de actividade, fosse também instituída a entrega de TABAQUÊROS aos praienses (na mesma acepção da anotação anterior) que por atitudes, posturas e procedimentos (políticos, profissionais ou outros) prejudicarem seus concidadãos ou a qualidade de vida na Capital. As medalhas e os TABAQUÊROS seriam entregues na mesma sessão solene e o facto de num ano se ter recebido um TABAQUÊRO não seria impeditivo de, no ano subsequente, se poder receber uma medalha, à condição de a merecer. E vice-versa: nada impede que um tabaquêrado de um ano seja um medalhado no ano seguinte.
Em 2008, a personalidade do ano, no segmento Mundo, parece que não suscita muitas dúvidas: é BARACK OBAMA. John McCain é, no meu entender e pela lição de democracia que deu quando os resultados foram conhecidos, um digníssimo merecedor da medalha de prata. No Continente a medalha de ouro vai para quem? Nelson Mandela, Julius Nyerere, Kwame N’Krumah, Muhamar Kadhafi, Mia Couto ou outro? No país? Carlos Veiga, D. Arlindo Furtado, Nelson Évora ou a CASA DO CIDADÃO e o NOSi (pelo passo de gigante dado em direcção ao e-governement)? Na Região (Santiago, of course)? Ulisses Correia e Silva e Jacinto Santos, Francisco Tavares e Fernando Tavares (TOCO) ou Orlando Sanches e Orlando Dias? Na Capital? Jacinto Santos (pelo papel na consecução da alternância política na autarquia da Capital), CALÚ & ÂNGELA (pelo empreendedorismo), Ulisses Correia e Silva (pelo esforço de reorganização da Cidade) ou a Moura Company (pela renovação da frota de transportes públicos urbanos de passageiros)? Os citados ou outros, a verdade é que a posição onde hoje nos encontramos é o resultado do esforço de muita gente: políticos, empreendedores, religiosos, cidadãos anónimos. Um pequeno momento de reflexão para buscar identificar «os mais» do ano não há-de ficar mal a ninguém. E aqui fica o repto.
Na pista de Semedo, a par das distinções positivas (p.e. personalidade do ano no Mundo, no Continente, no País, na Região e na Capital) vamos tentar provocar as pessoas levando-as, desta feita, a tentar identificar as pessoas merecedoras de um TABAQUÊRO (para cancã, obviamente)? Legítimo jacarandá, claro.
O TABAQUÊRO para canastrão do ano, a nível mundial, deve ir para robert mugabe, o homem que revelou ao Mundo o ataque químico de que os zimbabueanos foram vítimas (por parte do Governo de Gordon Brown) e que os cientistas confundiram com CÓLERA. Disputam o TABAQUÊRO com mugabe, os senhores de guerra da Somália e do Sudão.
A nível do Continente, e infelizmente, os candidatos são os mesmos. Triste sina a nossa ou somos demasiado duros connosco mesmo? É que os «nomeados» para o TABAQUÊRO de pior do Mundo são todos africanos.
No país, para quem vai o TABAQUÊRO? Um político? Qual? António Monteiro/Mário Moniz, das UCIDes (pela ameaça de cisma em um partido tão pequeno)? Ou Jorge Santos/José Maria Neves (pela crispação política que se vive no país)? Fernando Elísio Freire/Rui Semedo (pelas vezes que se deixaram ultrapassar em dossiers que, aparentemente, conduziam com maestria)?
Na Região (entenda-se a região de Santiago), quem será o digno merecedor do TABAQUÊRO? Políticos? Pedro Alexandre e António Costa Lima? João Baptista Freire e o Comité de Sector de Santa Catarina do PAI? O Sector Urbano do PAI na Capital? Empresários? Os proprietários (e condutores) dos HIACES que não respeitam os passageiros que transportam, ultrapassando a lotação imposta às respectivas viaturas? Aos transportadores de escombros e inertes que estragam as estradas da ilha com os detritos com que vão assinalando o seu percurso, ao mesmo tempo que seguem instalando armadilhas mortais para quem percorra o mesmo caminho, depois deles? Os responsáveis pelo desporto que insistem em privilegiar clubes do Sul, em detrimento dos do Norte, perpetuando o atraso de Santiago Norte? Os responsáveis políticos que mandaram destroçar o pequeno exército de extensionistas rurais, sem dúvida os principais artífices do relativo sucesso dos agricultores de Santiago? Por estes lados há tantos candidatos ao TABAQUÊRO que talvez seja o caso de se distribuírem TABAQUÊROS para todos os que forem sendo nomeados (e mais alguns, à cautela).
Na Capital? Na Capital o TABAQUÊRO vai, ex-aequo:
- Para os Deputados eleitos para o Círculo eleitoral da Praia, por não terem sabido (ou querido) cumprir a Constituição e dotar a Capital do Estatuto administrativo especial, preconizado na Carta Magna;
- Para a Câmara Municipal da Praia, pela pobreza que foi (ou não foi) a decoração da Cidade para a quadra festiva (do Natal e do Final do Ano);
- A Alta Administração das forças de ordem pelo recuo perante as hordas de pequenos traficantes, thugs e triple X (os operacionais são aqui poupados, por razões mais do que óbvias).
Para terminar esta incursão, só resta recomendar uma medalha especial para o Claudino, pela ideia genial; um TABAQUÊRO… para os mariolas que provocaram a CRISE que assola o planeta; e, last but not least, registar os meus sinceros votos de FESTAS FELIZES para todo o Mundo (Cristãos e não Cristãos), com PAZ, AMOR E SAÚDE. De montão.

Monday, December 15, 2008

TO SANTA CLAUS

“As religiões são fundadas no medo de muitos e na esperteza de poucos.”
Stendhal
Velho amigo e fantástico Senhor,
Serve esta para pedir a sua intercessão para que uns compatriotas meus, muito especiais, possam ter um Feliz Natal e um Ano Novo durante o qual possam ver os seus sonhos mais secretos se realizarem.
Há-de se lembrar que eu nunca fui de lhe pedir nada. Correcção: pedi até ao momento em que reparei que o senhor levava os melhores brinquedos aos miúdos cujos pais podiam comprar os melhores brinquedos. Criança ainda pude entender que um velhote tão simpático não podia ser cultor de uma tão estulta preporância (de prepotência + arrogância, mesmo), ser um reles cavador de fosso entre ricos e pobres. Um absurdo, isso. Quem daria guloseimas admiráveis, brinquedos de sonho e jogos fantásticos, para miúdos cujos pais tinham grande poder de compra; brinquedinhos baratos, queques simples e muita imaginação, para aqueles cujos pais tinham pouco; e nada, fome e frio, para as desgraçadas crianças filhas de pais desgraçados, sem salário, sem emprego, sem sorte, nem solidariedade? Quem? A conclusão lógica, que entrava pelos olhos adentro, era que o senhor trabalhava para uma empresa do ramo de entregas. E como tal, entregava as encomendas nos endereços certos. Vez por outra poderia calhar uma entrega por engano, mas como quando emergi neste vale de lágrimas já o amigo tinha barbas brancas, o mais certo seria não lhe perdoarem erros de principiante.
Ficamos, pois, em que nunca me deu mais, nem melhor, do que o senhor Ludgero, meu pai, dona Lídia, minha mãe, dona Sílvia, minha madrinha, tio Avelino, meu padrinho, ou nhâ Mariazinha minha avó, lhe incumbiram de me entregar. Eu nunca esperei mais do que isso; o amigo me entregava exactamente isso. Por isso, sempre estivemos quites.
Mais tarde, passei a contratar os seus magníficos serviços. Durante anos, sempre pelo Natal, utilizei os serviços da sua empresa de entregas para depositar brinquedos, jogos e guloseimas na chaminé de dona Paula e nas meias do Kwami, da Aïcha, do Tony e, ultimamente, nas da Paulinha.
Há-de estar a perguntar o porquê de tantos rodeios. É que quero, agora, homem feito, fazer-lhe um pedido. Repare bem: fazer-lhe um pedido e não encomendar-lhe um serviço. Posso pedir?
Cá vai, velho amigo e fantástico senhor. Quero que coloque nas chaminés e nas meias de uns conhecidos meus uma prenda sui generis. Já ouviu falar do processo de revisão da Constituição política da República de Cabo Verde? Não diga que não. Espreitei o seu canhenho e vi lá anotados pedidos de muitos conhecidos meus. Do Nhelas Bacelar, do Nhoné da Silva, e de muitos mais. Pois é. Então? Gravador preparado?
Vou querer para o Nhelas, para o Nhoné, e para o resto da malta, que a Constituição política da República de Cabo Verde apareça revista nos moldes seguintes, conforme os artigos abaixo:
1. Artigo 10º: que a Capital da República passe a ser a Cidade do Mindelo, na ilha de Sanvicente e que, em decorrência da nova função, passe a ter um estatuto político-administrativo especial, nos termos da lei;
2. Artigo 42º: que se possa invadir o domicílio de qualquer cidadão, a qualquer hora da noite ou do dia, sem mandato judicial. Excepção feita aos políticos profissionais, familiares e amásias; empresários que financiem os partidos; e traficantes;
3. Artigo 43º: fica permitido aos superiores hierárquicos, de qualquer nível, invadir as caixas de correio electrónico de seus subordinados, sempre que suspeitem que este não os tenha em grande conta;
4. Artigo 54º: que o direito de participação na vida política fique reservada apenas às cabo-verdianas e aos cabo-verdianos que tenham problemas das vias respiratórias superiores (p.e. resfriados permanentes, sinusites e rinites crónicas) e tenham estômago muito forte;
5. Artigo 78º: todos têm direito à cultura, mas uns têm mais direitos do que outros; para garantir a diferença entre os iguais e os mais iguais, incumbe ao Estado reforçar as assimetrias e promover a desigualdade entre as parcelas tradicionalmente mais cultas e as culturas emergentes, mormente as de cunho africano;
6. Artigo 114º: o número de deputados por colégio eleitoral continua a ser proporcional ao número de eleitores inscritos, mas nenhum círculo ou ilha pode ter mais mandatos do que o círculo especial que engloba a nova capital da República;
7. Artigo 118º: são órgãos de soberania o Presidente da República, o Senado, a Câmara dos Deputados, o Governo e os Tribunais; no Senado todas as ilhas serão representadas por 2 senadores, à excepção da ilha que alberga a nova Capital, a qual, como compensação pela capitalidade, elege 4 Senadores;
8. Artigo 124º: sempre que for eleito para Presidente da República um cidadão que não tenha domicílio eleitoral ou não tenha nascido na ilha que alberga a nova Capital, o próximo Presidente terá de ser, obrigatoriamente, um cidadão com domicílio ou umbigo registados na ilha que alberga a nova Capital;
9. Artigo 139º: os cidadãos cabo-verdianos são representados pelas assembleias das duas Câmaras parlamentares, as quais se organizam verticalmente;
10. Artigo 140º: o Senado tem um total de 20 Senadores e a Câmara de Deputados um máximo de 52, sendo que a emigração elegerá sempre 6 deputados;
11. Artigo 227º: as autarquias locais são as regiões político-administrativas e os municípios, podendo a lei estabelecer outras categorias de grau inferior ao município;
12. Artigo 258º: não podem ser objecto de revisão, de entre outras normas, as que determinam a localização da Capital da República e o seu estatuto político especial; a composição do Senado; a regionalização política; e as demais que, na Constituição revista, outorguem prerrogativas e regalias especiais para a região política especial da Capital e para a ilha que a alberga.
Só mais um pedido, meu velho: não quero que nem o Nhelas, nem o Nhoné, nem nenhum dos rapazes saibam que as prendas foram a meu pedido. De tão insistentes que têm sido, pelas cedências que têm feito, à cata de uma tal recompensa, receberiam as prendas - agora dadas de mão beijada - com alguma desconfiança. Sejamos francos Pai Natal: com muita desconfiança, mesmo. É que quando a esmola é muita o santo desconfia. Mas acredite, senhor. É de coração.
Ficaria por aqui, velho amigo e fantástico senhor, não fosse poder parecer deselegante mandar tantas prendas a uns simples conhecidos e não dar nenhum cavaco aos meus presidentes, senhores João José Almeida Gomes, Presidente da PRÓ-PRAIA e José Ulisses Correia e Silva, Presidente da Câmara Municipal da Praia. Para eles, entregue, por favor, cópias da lista das prendas enviadas ao Nhelas Bacelar e companhia limitada. Quem sabe, um dia me perdoem tamanha prodigalidade.
Seu admirador, SEMPRE,
Antoninho

Wednesday, December 3, 2008

DELFINATO: PROBLEMA OU SOLUÇÃO?

“Ralham-te? - Não te zangues, como te aconselha a tua soberba. - Pensa: que caridade têm para comigo! Quanto não, ter-se-iam calado!”

Josemaría Escrivá


Pensava eu que essa de delfinatos já era. Primo, porque delfim não rima com democracia. Secundo, porque com o espírito de competição que se instalou nas democracias que conhecemos não é compatível com a existência de «dinastias», nem mesmo encapotadas. Terço, porque a questão da sucessão é um assunto sério que exige planeamento, forte investimento na incubadora de lideranças e criação de espaço para debate de ideias, não podendo, por isso mesmo, ser ditada por nenhum tipo de apadrinhamento ou por mera afinidade entre o substituído e o substituto.
Cá entre nós, sempre pensei que, caído o regime de partido-estado, não mais haveria espaço para a prática do delfinato. «Quem quer uste, que lhe custe», diz o vulgo. «Quem tem unhas é que toca guitarra», diria o portuguesinho.
Mas, logo, no primeiro Congresso após a derrota de 13/01/91, Aristides Raimundo Lima acederia ao posto de Secretário-Geral do PAI, pelas mãos de Pedro Pires. Tido como o delfim deste último, cedo surgiram algumas dúvidas sobre a capacidade de Lima para combater o movimento rabentola, detentor de um discurso virulento e que decidira pela eliminação ternurenta do que chamavam o «partido velho». Até Pires teve dúvidas. Aliás, que casta de padrinho lançaria o afilhado assim às feras?! Assim, faz de Lima Secretário-Geral do partido, mas, à cautela, institui o cargo de Presidente de honra que reserva para si próprio. O delfim estava protegido.
Mas Lima não resiste à investida ventoinha. Pires é obrigado a voltar à ribalta. Estatutariamente, o chefe do partido deixa de ser o SG e passa a designar-se Presidente. Desaparece o posto honorífico, que fora desenhado à imagem e semelhança de Pedro Pires.
Mas Pires tem uma grande surpresa. Ele, que colocara um seu delfim na chefia política do partido, vê-se a braços com um problema completamente novo no PAI: é desafiado por um miúdo oriundo das fileiras da JAAC-CV e dos bancos da Escola de Administração da Fundação Getúlio Vargas, de seu nome José Maria Pereira Neves. A surpresa é tanta, e tão ameaçadora do status quo, que Pires não enfrenta José Maria sozinho. Rodeia-se de três Vice-Presidentes (uma curiosa combinação intergeracional, com Silvino Manuel da Luz, um peso pesado da velha guarda, e os jovens activistas Felisberto Alves Vieira e Manuel Pinto Frederico). Neves não se acobarda e diz, para quem quis ouvir, que respeitava Pires e o seu percurso político, mas que o velho Comandante era chão que já dera uvas, bananeira que já dera cacho. Que não tinha mais nada a dar para Cabo Verde. Era um apelo forte para um voto de confiança na sua juventude.
José Maria perde o pleito, mas ganha a pole position para os embates do futuro. Soube logo que tinha posto em causa não só o delfinato de Pires, como a própria velha guarda do seu partido, composta, na sua maioria por combatentes das frentes da Guiné.
Não estranhou nada que, em 2000, em um Congresso que o próprio Neves achava desnecessário, este se tenha elegido Presidente do PAI. Foi um golpe decisivo no sistema de delfinato. Pires deixa Felisberto (seu delfim e seu Vice-presidente) à sua sorte. Diz quem sabe (parece ser mais uma lenda urbana, mas, who knows?!) que, interpelado porque não aparecia a apoiar a lista F, liderada por um seu delfim e recheado de piristas, Pires teria respondido desta forma enigmática: Não é Primeiro-ministro quem quer. Para bom entendedor…
Mas estranhou que um jacobino como Veiga não tivesse aprendido a lição do seu adversário de estimação. Nesse mesmo ano, na altura em deixava a liderança do partido e do Governo para embarcar na aventura presidencial, não hesitou e fez-se substituir por um seu delfim, de seu nome, António Gualberto do Rosário. O delfim viria a falhar em toda a linha. O preterido Jacinto Santos não tem a fleuma de José Maria Neves. Bate com a porta e vai fundar um novo partido. E, desde então, o partido não se encontra. Alinha sucessivas vitórias nas eleições locais, mas falha o alvo quando a questão é ganhar uma maioria, um Governo ou um Presidente. Por essas bandas creio que o delfinato já era. Foi de muito triste memória.
Contava que, agora, quando a disputa por lugares elegíveis, por cargos de destaque e por outras prebendas, se tornou tão acirrada; após as experiências (nada agradáveis, por sinal) do PAI e do MpD, num passado recentíssimo, acreditava piamente que delfins, nunca mais. Ledo engano.
E isso, confesso, me deixa confuso. Se os dois maiores (para não dizer os únicos) partidos do cenário nacional tiveram “viagens” desagradáveis de cada vez que ensaiaram a substituição do líder pelo seu delfim, porque cargas de água um deles parece estar agora decidido a repetir a dose?
Porque se Manuel Inocêncio Sousa diz que só sai do Governo quando lhe aprouver (confesso que não ouvi directamente da boca dele, mas li e foi-me contado por gente acima de qualquer suspeita), isso só pode significar que tem garantias do Primeiro-ministro, a outra pessoa que poderia fazê-lo sair. É que ele é peremptório: DAQUI NÃO SAIO, DAQUI NINGUEM ME TIRA. E isso soa a discurso de delfim. Delfim velho, discurso inoportuno, mas, quand même, discurso dinástico. Se não, o que mais justificaria a atitude de Inocêncio Sousa? O que lhe daria tamanhas garantias?
Declaração tão musculada quanto a de Inocêncio, só ouvira ainda de Paulo Portas, Presidente do CDS/PP e Ministro de Estado e da Defesa do Governo de José Manuel Durão Barroso (coligação PPD/PSD – CDS/PP). Em plena crise da Universidade MODERNA, quando todo o mundo pedia a sua cabeça, porque envolvido até às orelhas no escândalo, eis que Portas, do alto dos 9% do CDS/PP (ou seriam 6?), declara: EU SÓ SAIO DO GOVERNO QUANDO QUISER. Mas Portas estava fazendo, claramente, uma manifestação de força. Chantageava Barroso, descaradamente: SE ME AFASTARES DO GOVERO, RETIRO O CDS DA COLIGAÇÃO E FICAS SEM MAIORIA PARA GOVERNAR. O QUE DECIDES? É PEGAR OU LARGAR.
Terá Inocêncio cacife para desafiar José Maria Neves, de forma tão ostensiva? Pode fazer cair o Governo de JMN? Ou tem a maçonaria do seu lado e JMN conta com o seu apadrinhamento para entrar também? Pessoalmente, estou em crer que a atitude, a postura e o comportamento de Inocêncio são de alguém que se sabe garantido ao mais alto nível. E uma tal garantia só pode vir de José Maria Neves.
Mas mesmo sendo esse o caso, Inocêncio está equivocado. Não sai quando quer. É que o protector pode deixar cair o protegido (o delfim, o afilhado) num estalar de dedos. Like that. É o delfim que depende do padrinho e não o contrário. Talvez lhe valesse de algo investigar para ficar a saber como é que Zé Maria ultrapassou Filú sem que Pires mexesse um dedo; como Filú ficou chateado si quando ouviu, pela comunicação social, que o padrinho, contra todos os sinais (não teriam sido, antes, garantias?) que lhe dera, iria bisar na corrida presidencial (2006).
Agora, por exemplo, bastaria que Neves revisse os resultados conseguidos pelos delfins cá de casa, reavaliasse as garantias dadas a Inocêncio e se decidisse pelo encerramento, com chave de oiro, da era dos delfinatos, deixando cair o «seu» delfim. Para que aprenda a não desconversar.

Monday, December 1, 2008

ANTROPOFÁGICO

“Hay que enduricir, pero… sin perder la ternura jamás.”
Ernesto «CHE» Guevara

O processo de substituição de líderes partidários em Cabo Verde oferece-se como um campo fértil para investigadores. E aqui deixo o desafio para a classe mais que fundamental para o desenvolvimento de qualquer país.
No momento, temos, num horizonte temporal relativamente curto, a questão da substituição de José Maria Neves, no PAI, e de Carlos Veiga no MpD. De Carlos Veiga, sim senhora. Que, se Pedro Pires conseguiu um sucessor à altura, o mesmo não se poderá dizer em relação a Veiga. E porquê? Antes de mais, devida à antropofagia do sistema MpD para com os seus números 2 naturais.
Pouco tempo depois da instalação, em 91, do Governo do MpD, Jorge Carlos Fonseca, recém regressado do Oriente, aparece claramente como o segundo homem do partido, mercê do seu perfil sociográfico e da vitória que foi ter conseguido a eleição de Cabo Verde como membro do Conselho de Segurança da ONU. Meses depois, e após declinar um “convite” para deixar a pasta dos Negócios Estrangeiros e assumir o posto de Secretário-Geral do partido, é afastado do Governo… e do partido.
Após a saída de Fonseca, é Eurico Monteiro que desponta, destacadamente, como o número 2 de Veiga. Acossado pelo sector menos atreito à disciplina no seio do MpD, envereda-se por uma contestação extemporânea à liderança de Veiga e acaba determinando o seu afastamento do Governo… e do partido, protagonizando o primeiro cisma do MpD.
Depois da saída de Monteiro (e de sua turma) emergem no MpD alguns novos notáveis: Agostinho Lopes e Simão Monteiro (agraciados pelos serviços prestados no processo antropofágico em relação a Monteiro) e Mário Silva. Mas quem é, de facto, o número 2 do partido é Jacinto Santos. Santos lidera o processo de afastamento de Monteiro e de cassação dos mandatos dos deputados que, alegadamente, alinhavam com Monteiro. Mas o que, verdadeiramente, catapulta Jacinto Santos é a renovação do seu mandato à frente da Câmara da Praia e o seu papel na renovação da maioria qualificada do MpD (superior à de 91) nas legislativas de 17/12/95. Mas cedo é tragado (e depois expelido) pelo sistema. Depois de se ter posicionado expressamente para substituir Veiga, é duramente criticado por este no encontro de São Jorginho (ele era um dos gafanhotos a quem Veiga prometeu cortar o esporão). Acaba deixando o partido, protagonizando o segundo cisma do MpD.
Depois da memorável reunião de São Jorginho não restou qualquer dúvida, para quem acompanhava as coisas com alguma atenção, que Veiga decidira que seria Gualberto a substitui-lo. No partido e no Governo. O novo número 2 (indigitado) protagoniza uma luta desigual com Jacinto Santos (o apoio de Veiga é determinante) e acaba substituindo o «padrinho» na Presidência do MpD e na Chefia do Governo. Só que foi Sol de pouca dura. Aparece envolvido no esquisito processo de substituição de Veiga na Chefia do Governo, para depois falhar nas Legislativas de 14/01/2001. Mas, pecado dos pecados, foi a “devolução” precipitada do poder, fazendo com que fosse um Governo (de transição) do PAI a conduzir o processo eleitoral para a Presidência da República. Os rabentolas não lhe perdoam a gaffe que consideram ter ditado a sorte de Veiga naquela que foi a mais contestada de todas as eleições que tiveram lugar em Cabo Verde. No final, comeu o pão que o diabo amassou, vendo-se na situação de tomar conhecimento oficioso de reuniões do partido, de que era ainda Presidente, para as quais não era convidado. Na sequência, é obrigado a deixar a liderança do partido. É mais um nº 2 que é moído na voragem rabentola. O seu consulado, enquanto nº 1, foi tão efémero que nem deu tempo para se ver afirmar um “imediato”.
A era pós-Veiga é menos turbulenta, mas nem por isso pacífica. A grande novidade são as vice-presidências, claro sinal de lideranças fragilizadas (inauguradas com Pedro Pires, quando desafiado por José Maria Neves). Já não haveria lugar para o recurso a listas, por ordem alfabética, para órgãos executivos nacionais (ensaiado por Veiga para colocar Jacinto - um J - depois de António Gualberto – um A). A era dos vice-presidentes trouxe uma certa protecção aos números 2. Não surgindo naturalmente, pela via da notoriedade que ganham na sociedade, mercê do seu desempenho superior, já não constituem ameaça ao poder do líder. E isso muda tudo no sistema MpD. Já não são os líderes que se desfazem do seu número 2, mas são estes que empurram o nº 1 em direcção à porta da rua (serventia da sede).
Agostinho, que chega a nº1 sem nunca ter sido, verdadeiramente, nº 2, vê-se desafiado pelo seu Vice Ulisses Correia e Silva, num processo que só não culmina com a derrota daquele porque surge um elemento estranho no processo (de seu nome Jorge Maurício Santos, que fora militante, deixara de ser, e voltava então com laivos de sebastianismo) que levou a que Gualberto do Rosário se intrometesse, ditando a vitória de Agostinho, e demonstrando que não era, ainda, carta fora do baralho que é o sistema MpD. Mas a intervenção de Gualberto só adia o inevitável. Tendo Agostinho optado por chamar JMN para um suicida um-contra-um nas eleições legislativas de 2006, nada nem ninguém poderia mantê-lo à frente do partido. É empurrado porta fora por Jorge Santos que, entretanto, se posicionara como seu sucessor natural. Mais do que natural.
No momento, o sistema MpD parece estar a braços com um Presidente que, em vez de se cobrir com as vestes de estadista (candidato a Primeiro-ministro obriga), insiste em reforçar a sua vertente de activista político. Ninguém pode, honestamente, pôr em dúvida a capacidade de JS para agitar as águas, animar a malta, sacudir o partido. Mas, no momento, do que o MpD precisa é de um estadista, uma alternativa credível a JMN e um sucessor para o grande Carlos Veiga. E JS não está conseguindo entrar no papel. E o curioso disto tudo é que quem põe JS em causa não é qualquer número 2 (formal ou natural), mas as suas próprias acções e opções, fazendo o MpD averbar desaires na frente parlamentar, em situações que, à partida, lhe seriam favoráveis. Um partido de oposição, com os pergaminhos, o percurso, a ideologia e o programa do MpD, não pode ter outro resultado que não seja a vitória em ocasiões como o debate do estado da nação, a reforma da Justiça ou uma sessão de interpelações várias ao Governo em dossiers super sensíveis para este. É inaceitável. E JS acaba de registar um hat trick de gols contra. Paulo Bento e Soares Franco já devem andar de olho no homem.
O que vai acontecer agora? Não tendo JS um destacado nº2 para sacrificar, nem para ser empurrado por, a sua sorte (e do MpD) obriga a que o partido se volte para dentro e procure identificar um candidato a Primeiro-Ministro que seja capaz de, a um tempo, mexer com as bases, unir o partido e passar a imagem de estadista com potencialidades para enfrentar (e derrotar) JMN, atrair os indispensáveis votos de não-militantes e, sobretudo, de representar condignamente o país na arena internacional. Quem é esse homem?
No momento, não vislumbro, assim de repente, ninguém que se encaixe no perfil a ponto de se olhar para ele, apontar o dedo e bradar: ECCE HOMO! O que não quer dizer que não ele não existe. Se se vasculhar bem o baú… quem sabe? Ulisses Correia e Silva, Mário Silva, Fernando Elísio Freire, Eurico Monteiro, José Luís Livramento, Isaura Gomes e muitos mais estarão no bendito baú.
Ulisses pode mexer com as bases, pode unir o partido e passa a imagem de estadista com potencialidades para enfrentar JMN, atrair os votos de não-militantes e de representar condignamente o país na arena internacional. Mas tem um compromisso com a Praia que, a princípio, não deve romper para se candidatar à liderança do MpD e a Primeiro-ministro. De todo o modo, se o fizesse - cedendo a insistentes pedidos da Nação – não estaria fazendo nada que ainda não tivesse sido feito. Veja-se o caso de José Maria Neves em 2000/2001.
Mário Silva não se decide. Mas pode muito bem ter chegado a sua hora. Contra ele milita, porém, o facto de não ter grandes ligações com as bases rabentolas e de não poder contar com o apoio dos generais oriundos do finado PCD e liderados pelo Marechal Eurico Monteiro.
Fernando Freire, o jovem líder parlamentar, é outro fulano muito bem posicionado. Poderá jogar contra ele o que tem de melhor (a sua juventude) e o laço de parentesco que mantém com JS: não poderá desafiá-lo sem consequências, sem contar que alguns sectores poderão ver na sua candidatura (injustamente, diga-se em abono da verdade) um expediente de Santos para permanecer na esfera do poder ventoinha.
Eurico Correia Monteiro é um candidato natural à sucessão de Santos, pelo menos, na situação complicada em que o partido se encontra. Contudo, dificilmente se poderá livrar do rótulo de «filho pródigo». E há gente no MpD que, tal qual o irmão mais velho do pródigo do evangelho, não aceitará confiar o destino do partido a um arrependido.
José Luís Livramento enfrenta os mesmos problemas que Eurico. E mais alguns: os da falange PCD, do MpD, não lhe vão facilitar a vida. Antes pelo contrário.
Isaura Gomes. Isaura, Presidente da Câmara Municipal de São Vicente? OK. Isaura, Primeiro-ministro?! Si… se puéde. Pero… À partida, uma mulher candidata ao cargo mais importante do ranking nacional de cargos, poderia ser uma opção inteligente. Mas conseguiria Isaura mobilizar os necessários apoios? Conseguiria encaixar-se no perfil traçado para o sucessor de Santos? Aos rabentolas de responder e de agir em conformidade.
Da antropofagia dos fortes e populares números 2 dos bons velhos tempos de Veiga, à penúria de homens fortes do MpD dos dias de hoje, vão apenas 8 anos, mais coisa, menos coisa. Dá para inquietar e torna-se forçoso registar esta questão: que futuro para uma organização tão importante para o regime democrático instalado nas ilhas?
Mas… talvez esteja a ser precipitado e não haja problema nenhum para ser resolvido. De todo o modo, e em havendo, sempre haveria uma solução, digamos, perfeita: CHAMAR O VEIGA!