Friday, July 25, 2008

LIXO (OU RESÍDUO SÓLIDO URBANO E DESPERDÍCIOS NÃO APROVEITÁVEIS) *

“A diferença entre aquilo que fazemos e aquilo que somos capazes de fazer seria suficiente para resolver muitos dos problemas do mundo”

MAHATMA GANDHI
Irrompeu-nos, outro dia, pelo consciente uma charada dos tempos da adolescência. O problemista punha a questão, mais ou menos, nestes termos:
“Numa cidade havia apenas duas barbearias. Numa delas, via-se o chão atapetado de restos de cabelo e barba e o barbeiro ostentava farta cabeleira e barba bem crescida. Na outra, o chão (e toda a barbearia) se mostrava limpo e esterilizado e o barbeiro ostentava um magnífico corte de cabelo e a barba muito bem feita. Se precisasse de fazer cabelo e barba naquela cidade, a qual das barbearias recorreria?”
No final do almanaque lá vinha a solução, confirmando as nossas locubrações. A melhor escolha seria a primeira das barbearias. Razões? Os resíduos de cabelo e barba que ostentava e a própria farta cabeleira do barbeiro atestavam tratar-se de um espaço com muita procura e onde escasseava tempo para fazer limpezas durante as horas de expediente. A outra barbearia era a prova acabada de um espaço que não tinha qualquer procura, que não tinha, praticamente, qualquer actividade. Até o magnífico corte de cabelo do proprietário atestava a competência técnica da concorrência (pelo facto de que não podia cortar o próprio cabelo e porque não havia uma terceira barbearia). A solução sublinhava, outrossim, o facto de o barbeiro “cabeludo” não ter reunido coragem suficiente para se entregar nas mãos do barbeiro vizinho).
Diante de tais recuerdos tornava-se praticamente impossível não estabelecer um paralelismo com a situação que se vive na Cidade da Praia.
Os resíduos sólidos (da barbearia ou de toda uma urbe) constituem o subproduto não aproveitável de actividades humanas, mormente das económicas – agricultura, indústria, comércio, serviços. Quanto maior for a dinâmica e a produtividade (da barbearia ou da cidade) maior a quantidade de resíduos ou desperdícios não aproveitáveis.
Numa urbe onde, diariamente, são recebidos entre 15 e 20 mil consumidores (à volta de 20% da população residente) que vêm comprar e vender e ainda regressar à casa no final do dia, como não haver subprodutos não aproveitáveis e resíduos «sem tecto»? Como operar e fazer prosperar a oficina de sapateiro sem que haja restos de couro, fio, cola e outros insumos? Como operar e fazer prosperar uma alfaiataria sem que haja restos de tecido, moldes, linhas, etc? Como operar e fazer prosperar uma oficina de serralharia sem que haja restos de ferro, electrodos, limalha, etc? Como operar e fazer prosperar uma barbearia sem que haja restos de cabelo, barba, espuma, lâminas? Como operar e fazer prosperar um armazém de artigos de revenda, sem que haja restos de embalagens e outros? Como conciliar a revenda de pronto a vestir com a ausência de subprodutos redundantes e não aproveitáveis para o negócio? Como conciliar uma urbe com centenas de lojas, onde se movimentam, diariamente, milhões, com a inexistência de resíduos sólidos urbanos? Como receber diariamente cerca de duas dezenas de milhar de compradores e vendedores, com residência e/ou estabelecimento em outras urbes, sem que haja desperdícios «a descoberto»? Oficinas mecânicas e de bate-chapas e pintura, de vento em popa, sem desperdícios? O maior mercado de frescos do país, sem resíduos? A maior rede de ambulantes do arquipélago sem produção de resíduos sólidos urbanos? Mais de 60% de volumes de negócios do país concentrado numa única urbe, sem resíduos sólidos e outros? Fala sério!
Quem não gostaria de ter uma cidade assim, pulsante de vida, de actividade, com dinheiro correndo a rodos? Quem não gostaria de ter um posto de venda de combustível numa cidade onde se pode conseguir o volume de negócios atingido já pelos postos da SHELL de Chã de Areia e de Tira-Chapéu? Onde conseguir o sucesso que a “ADEGA” e a “CALÚ & ÂNGELA”, conseguiram, senão na Cidade da Praia? Onde se pode comer produtos da terra, frescos, durante todo o ano, com a mesma abundância que na Praia? De onde surgiram os novos e maiores empresários nos últimos 25 anos? Onde, em Cabo Verde, o sector da construção civil é tão dinâmica?
E quem ganha com os negócios na Praia? Esta é outra questão que tem que ser respondida para se poder entender melhor as responsabilidades pela situação ÍMPAR que se vive na Capital do país. ÍMPAR porque é onde se pode investir com retorno garantido; é onde se pode enriquecer num ápice; é onde todos tem as mesmas oportunidades; deve ser a única «lixeira» do mundo onde pessoas vindas de fora constroem a sua residência, endividando-se até ao limite, sem medo de perder o investimento; em suma, é onde o barbeiro da barbearia limpa vem cortar o cabelo e fazer a barba e, não raras vezes, fazer investimentos de centenas de milhões, com a certeza de reembolso ainda antes de entregar o produto final ao consumidor. Ganham com os negócios da Praia, gente de todas ilhas (destaque para Sanvicente, Fogo, Sal e Santiago); de quase todos os continentes (destaque para a Ásia – os chineses – e África); ganham também os exportadores do Brasil, de Portugal, de Hong Kong, da China. É caso para dizer que, na Praia, basta semear que dá!
E por último, a mãe de todas as questões: O QUE FAZER PARA TER A BARBEARIA LIMPA, que é como quem diz, COMO FAZER PARA TER A CIDADE NUM BRINQUINHO? Das duas uma:
- Ou se reduz a actividade económica ao mínimo, garantindo uma produção ínfima de resíduos, mantendo a barbearia, perdão, a cidade limpa e esterilizada sem qualquer esforço aparente;
- Ou melhora-se o tratamento a dispensar aos resíduos sólidos e desperdícios não aproveitáveis, seja a nível dos «produtores» dos desperdícios e resíduos, seja ao nível dos responsáveis pelo saneamento do meio.
A segunda opção parece ser a mais inteligente: que os santiaguenses, salenses, foguenses e sanvicentinos, os chineses, nigerianos, gambianos, guineenses, e quantos produzam resíduos e desperdícios na cidade, continuem a ganhar o seu rico dinheirinho, continuem a poder passar as férias nos paraísos de sua eleição, continuem a matricular os seus filhos nas melhores escolas do mundo mas que, em contrapartida, passem a cuidar melhor dos resíduos e desperdícios da sua actividade e comecem a buscar - e a exigir - plataformas de entendimento com as autoridades (local e central) com intervenção na matéria. Simples e prático. Pelo menos, mais honesto e menos cobarde, do que tentar assacar culpas à minoria autóctene.
EQUÏDADE, HONESTIDADE e COERÊNCIA é o que falta para que esta rica cidade que, qual mãe de ampla saia rodada, cobre todos e a todos dá ilimitadas oportunidades de crescimento, seja reconhecida, sem complexos, como o Eldorado nacional.
EQUÏDADE na alocação dos recursos por parte do poder central. Não se pode tratar uma cidade com uma população superior a de várias ilhas reunidas, como uma autarquia qualquer, não se pode tratar uma ilha com mais de metade da população do país como uma qualquer outra ilha. E aí está a Aritmética que não nos deixa mentir: um milhão de dólares a dividir por mais de 200 mil almas (a população de Santiago) dá menos do que 5 dólares por cabeça (1.000.000/200.000=5); o mesmo milhão repartido por 50.000 já dá 20 dólares por cabeça (1.000.000/50.000=20. Assim não há equidade. E onde não há equidade não há justiça. E onde não há justiça há insatisfação e revolta. E onde há insatisfação e revolta instala-se um forte movimento em prol da reposição da equidade e da justiça: escapelizando as opções, denunciando, reivindicando, barganhando, penalizando os responsáveis directos e indirectos.
HONESTIDADE para reconhecer as oportunidades que esta cidade oferece a quantos a escolheram como lar, para estabelecimento do seu negócio ou para poder singrar na carreira e na política; para reconhecer que todo a actividade humana que dá dinheiro limpo tem desperdícios e resíduos e que os que ganham mais nem sempre são os que melhor cuidam da SUA cidade; e honestidade, ainda, para reconhecer que dor-de-cotovelo tem limites: como invectivar, como se invectiva esta cidade, tentar reduzi-la à expressão mínima e, AO MESMO TEMPO, endividar-se, em mais de uma dezena de milhar de contos, para nela construir a casa de habitação e ali instalar o lar, doce lar?! Coisa de louco!
COERÊNCIA dos políticos que controlam os poderes central e local: ninguém é intimado a concorrer para ser Governo do país ou titular do poder municipal, principal e directo responsável pelo saneamento do meio. De livre e espontânea vontade, perfilam-se para a conquista do poder, prometendo governar o país e o município melhor do que a concorrência. Voluntariamente, candidatam-se, desancam no adversário, criticam, prometem mais e melhor e quando chegam lá... metem-se a buscar culpados para as coisas que não correm bem. Estudassem bem a urbe, avaliassem melhor as suas competências e só avançassem se (e quando) chegassem à conclusão de que são capazes. Chegados ao poder, têm que ser coerentes: voluntários para o controlo do poder não têm esperar por empurrão de ninguém para fazer o que tem que ser feito. COERÊNCIA, ainda, dos moradores: quando se escolhe uma cidade para nela viver, trabalhar, educar os filhos, investir, resulta, no mínimo, irracional não estabelecer uma forte e coerente relação de pertença com o meio envolvente. Não se exige, nem se espera, nenhum gesto altruísta: que seja apenas no sentido da valorização do património construído, da promoção de um ambiente saudável para o desenvolvimento da prole e da garantia de uma boa qualidade de vida para si e para os seus.
Tendo optado pela produção de riquezas, e estando a obter bons resultados, a saída para o aparente imbróglio terá que passar, inevitavelmente, pela EQUÏDADE, HONESTIDADE e COERÊNCIA nas relações do poder e dos moradores com a cidade que os abriga e lhes dá a ganhar rios de dinheiro, votos e poder. Como nenhuma outra.
Think about.
* Reflexão contida em texto publicado no jornal A SEMANA em Outubro de 2006 e que, por manter toda a actualidade, é novamente oferecida aos leitores do blog. Boa leitura

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