Tuesday, November 13, 2007

CRISE INSTITUCIONAL GRAVE?!

O que teria de acontecer para que se considere estar-se perante uma crise institucional grave, para efeitos do nº 2 do artigo 142º da Constituição da República de Cabo Verde?
Uma situação que esteja bloqueando o regular funcionamento das instituições democráticas configuraria uma crise institucional grave, para efeitos do comando legal registado atrás?
A impossibilidade sistemática de construção de uma maioria de 2/3 (dois terços), necessária para que a Assembleia Nacional tome decisões cruciais para o regular funcionamento do sistema democrático, pode configurar uma crise institucional grave?
O protelamento do recenseamento eleitoral e um eventual adiamento sine die das eleições autárquicas não será uma consequência suficientemente nefasta para que, em decorrência, se considere estar perante uma crise institucional grave?
A possibilidade de o Presidente da República não optar pela dissolução da Assembleia Nacional, mesmo que sejam rejeitadas duas moções de confiança ao Governo ou aprovadas quatro moções de censura, com medo de não se conseguir eleger uma nova assembleia, diante da não existência, no país, de uma Comissão Nacional de Eleições, não configura uma pré-crise institucional grave?
Imagine-se, por absurdo, que o processo de constituição da nova CNE dure o tempo que vem demorando o processo da escolha do 5º Juiz do Supremo Tribunal de Justiça (STJ). Diante disso, não poderiam ser realizadas nem as autárquicas do próximo ano, nem as legislativas previstas para 2011. Por criar obstáculos ao processo eleitoral, por prolongar mandatos, à revelia da Lei, a impossibilidade de se construir a maioria necessária para a eleição da CNE não configura uma crise institucional grave?
E não será tão absurdo assim, se se considerarem os sinais de autismo que emanam do centro constitucional do poder em Cabo Verde. A título meramente exemplificativo, transcrevemos abaixo o nº 1 do artigo 180º (COMPETÊNCIA EM RELAÇÃO A OUTROS ÓRGÃOS) da CR e os órgãos que não funcionam porque não foi possível a composição da maioria necessária para a sua eleição:
- “ARTIGO 180º DA CR
1. Compete à Assembleia Nacional eleger, por maioria de dois terços dos Deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções:
- Os Juizes do Tribunal Constitucional;
- O Provedor de Justiça;
- O Presidente do Conselho Económico e Social;
- Os membros da Comissão Nacional de Eleições;
- Os membros do Conselho Superior da Magistratura Judicial e do Conselho Superior do Ministério Público;
- Os membros do Conselho da Comunicação Social e de outros órgãos cuja designação lhe seja cometida pela Constituição ou pela lei.
2… “
- O papel do Tribunal Constitucional vem sendo desempenhado, em regime de acumulação, pelo STJ; não há Provedor de Justiça (deixando uma lacuna claramente perceptível no arcabouço do Estado de direito democrático); desconhece-se quem seja o Presidente do Conselho Económico e Social (o próprio Conselho prima pela ausência); não há Comissão Nacional de Eleições (e, a continuar assim, corre-se o risco de também não haver eleições); não se consegue chegar a consenso para a eleição do Conselho da Comunicação Social.
Do rol dos órgãos que são eleitos pela AN, por maioria de dois terços, só se conseguiu pôr de pé os Conselhos Superiores da Magistratura Judicial e do Ministério Público. Convenhamos que é pouco. Muito pouco.
Em meu entender, a situação é grave. Está-se, salvo melhor opinião em contrário, perante uma crise institucional. A questão a pôr (e a responder) agora é esta: A PRESENTE SITUAÇÃO CONFIGURARÁ UMA CRISE INSTITUCIONAL GRAVE?
Eu não sei responder. Melhor: tenho medo das consequências da resposta que possa dar. Isso, tendo em vista o conteúdo do nº 2 do artigo 142º da Constituição da República, que transcrevo abaixo:
2. A Assembleia Nacional poderá ainda ser dissolvida em caso de crise institucional grave, quando tal se torne necessário para o regular funcionamento das instituições democráticas, devendo o acto, sob pena de inexistência jurídica, ser precedido de parecer favorável do Conselho da República. (sublinhado meu).
Perguntar-se-á: O QUE TEM DEMAIS UM PRESIDENTE DA REPÚBLICA DISSOLVER O PARLAMENTO, A VER SE SE CONSEGUE, NA ELEIÇÃO SEGUINTE, UMA NOVA CORRELAÇÃO DE FORÇAS CAPAZ DE DESBLOQUEAR A SITUAÇÃO?
Realmente, não seria nada demais. Seria a instituição Presidente da República funcionando, desfazendo o nó cego dado por outros actores políticos. Não seria nada demais… não fosse a inexistência de uma CNE e, logo, a impossibilidade de realizar umas eleições antecipadas sem o órgão gestor do processo eleitoral. Só isso.
E a situação é mesmo grave. Mesmo que não se considere a impossibilidade de construção da maioria necessária para a eleição da CNE uma crise institucional grave, só o facto de o PR não se atrever a dissolver o Parlamento, mesmo diante da rejeição de duas moções de confiança ou da aprovação de quatro moções de censura ao Governo, por não ter uma CNE para conduzir o processo para as subsequentes eleições antecipadas, configuraria uma crise institucional grave. Temos o Presidente da República manietado! E isso é grave. Aqui e na Cochinchina!
Que fazer? Ninguém, nem o mais inconsequente desbocado da praça, ousaria sugerir a dissolução da Assembleia Nacional. Como eleger uma nova Assembleia, se a crise é exactamente, derivada do facto de não termos uma CNE?
Qual a saída, então? A saída mais airosa seria, sem sombra para dúvidas, os deputados da Nação demonstrarem-nos, categoricamente, que não há crise. Fecham-se numa sala, põem Cabo Verde acima de tudo, mostram o seu amor à terra, e, numa manhã, escolhem os cinco cabo-verdianos que vão integrar a Comissão Nacional de Eleições. E ponto final. Qual crise, qual carapuça – poderão dizer alto e bom som.
Esta seria não só a saída mais airosa, como a mais simples. Gente, deputados, qual é a dúvida em aceitar este ou aquele magistrado judicial para a CNE? Será que o exercício de funções na CNE é mais importante do que a de Juiz? Põem em causa a honorabilidade de um homem (ou de uma mulher) que decide, diariamente, se um cidadão que lhe é presente continua a usufruir do direito IR E VIR livremente ou se fica privado desse direito? A responsabilidade de integrar ou presidir a CNE é maior do que a de ter de decidir acerca da liberdade de um indivíduo? É razoável entender-se que um homem (ou uma mulher) serve para Juiz mas não serve para integrar ou presidir a CNE? Não se estará menosprezando o papel e a responsabilidade de um magistrado judicial? Não se estará ultrajando a classe? E se, em retaliação, os magistrados judiciais se mostrarem indisponíveis para entrar nesse joguinho rasca, fruto de mentes rascas, de gente que acha que todos são capazes de fazer o que eles próprios passam a vida a fazer? Lá diz o ditado: DESCONFIADU TUDO Ê LADRON.
A outra saída seria Sua Excelência o senhor Presidente da República começar a usar a única linguagem que essa gente entende: a da FORÇA. Convocar o Conselho da República e começar a deixar claro que Sexa também tem poder e que se o jogo é cada um levar o SEU poder até ao limite, Sexa também estaria disposto a atingir o seu limite, ou seja dissolver o parlamento e convocar eleições antecipadas, DOA A QUEM DOER. Depois… é pagar para ver. Convenhamos que uma tal posição de força poderia ser assumida, sem problemas, por um Mário Soares ou por um Carlos Veiga, ou mesmo pelo NOVO Don Juan Carlos de Bourbon, mas nunca, por exemplo, pela Rainha da Inglaterra.
Outras saídas? Certamente que haverá outras saídas. Mas o jeito é mesmo os políticos deixarem aquela velha e saloia esperteza de quererem passar o pau um ao outro. E lá vem outro ditado: DÔS ESPERTO KÂ TÂ PÔ BURRO CARGA. Quando assim é, o burro faz a jornada com o lombo livre, enquanto a carga é transportada pelos ditos espertos. Quem disse que o Homem é o mais inteligente dos animais?! Só pode ter sido mesmo o Homem. E elogio em boca própria…
Mas chega de ditados por hoje. Temos uma situação que chegou ao ponto a que chegou porque não acreditamos no Homem; temos dele aquela visão que o psicólogo norte-americano Douglas McGregor condensou naquilo a que chama de Teoria X: o homem capaz de tudo e do pior.
Assumamos que se estamos onde estamos, se estamos na moda como usa agora dizer-se, que isso é resultado do trabalho e dos esforços de todas as cabo-verdianas e de todos os cabo-verdianos, com as nossas limitações, nossos erros e acertos. Vale a pena ter e manter uma outra ideia do Homem cabo-verdiano, que é como quem diz que devemos fazer algum esforço para que dele tenhamos aquela visão que McGregor explana naquilo a que apelidou de Teoria Y: capaz de tudo, do bom e do melhor, fazendo muito com pouco. Até porque não temos outra saída. Importamos tudo (ou quase tudo), mas não há como importar uma COMISSÃO NACIONAL DE ELEIÇÕES.
Vamos tomar juízo e esconjurar a crise? Ou será preciso simplificar a Constituição, deixando que tudo seja decidido na base da maioria absoluta (ou mesmo simples, não vá o diabo tecê-las), confessando que ainda somos demasiado imaturos para lidar com arranjos e compromissos?
Para os senhores deputados (e demais políticos) registo aqui, pela sua relevância, uma pequena passagem do discurso de posse de George Bush (the father):
“Escolho como guia as palavras de um santo: nas coisas cruciais, unidade; nas coisas importantes, diversidade; em todas as coisas, generosidade.

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