Wednesday, November 28, 2007

O LIVRO BRANCO DA PARCERIA UE/CV

A parceria especial destina-se a reforçar a concertação e a convergência entre ambas as partes (UE/CV), permitindo acrescentar um quadro de interesses comuns à relação tradicional dador/beneficiário. Esta a finalidade da parceria, conforme se vê do documento que a Comissão submeteu ao Parlamento Europeu e ao CAGRE.
Perceberam agora o que é a propalada parceria UE/CV? Não? Arre! Vamos lá a ver se nos entendemos.
Você quer estar entre PhD’s mas ainda não se doutorou. É bom aluno; discorre articulado, com ciência e profundidade, sobre vários assuntos da actualidade; ministra cursos sob a batuta de um catedrático; tem um pensamento filosófico avançado; há muito que avançou das abordagens superficiais para interpretações filosóficas das questões; enfim, você pode ser confundido com um PhD, mas, formalmente, ainda não é um PhD. Certo? Como resolver isso?
Vai ter com um dos seus tutores e diz-lhe: Mestre, quero ter um título académico que me coloque, ao menos formalmente, ao nível de V.. Quero reger a minha própria cátedra. Quero que a nossa relação protegido/protector avance para uma, digamos, parceria. O que acha que poderá acontecer?
O mais certo é o Mestre - se ele for um cara porrêta, amigo mesmo, e se reconhecer que você tem potencial e que pode, de facto, vir a ser um bom parceiro – assumir-se como teu mentor; te ajudar a montar um belo programa de doutoramento; a identificar uma boa Universidade; e a conseguir uma belíssima bolsa de estudos. O que tem D. Carlos a ver com o barco?
Tudo. Imagina o nosso Cabo Verde, mais a sua indómita vontade de crescer e aparecer, como sendo o fulano muito bom, mas a quem falta o canudo. Será difícil fazer a União Europeia trajar as vestes do velho Mestre, catedrático porrêta, amigo mesmo, daqueles que não têm medo da sua sombra e que são capazes de dar luzes a quantos queiram ser iluminados? Parece que não. É-te difícil abstrair e considerar «les six piliers» do PLANO DE ACÇÃO como sendo as disciplinas centrais do PROGRAMA DE DOUTORAMENTO? BOA-GOVERNAÇÃO, SEGURANÇA/ESTABILIDADE, INTEGRAÇÃO REGIONAL, CONVERGÊNCIA TÉCNICA E NORMATIVA, SOCIEDADE DO CONHECIMENTO e LUTA CONTRA A POBREZA. Podes ou não entender que os fundos e a assistência técnica constituem uma espécie de bolsa de estudos? Entendes ou não que se não obtiveres bons resultados a bolsa pode ser suspensa?
Então é isso mesmo. Os seis pilares do Plano de Acção são seis desafios que são postos a Cabo Verde, seus governantes e governados. Entendendo-se que seja possível atingir-se bons níveis nessas seis disciplinas e reconhecendo-se que será preciso dedicação a tempo integral, para poder dar conta delas, oferece-se, concomitantemente, um mecanismo de financiamento. O FEDER, o FED, incluindo as facilidades de investimento geridas pelo BEI, o OG da União, recursos próprios do BEI, etc., estarão acessíveis para ajudar o amigo Cabo Verde a sair-se bem dos desafios lançados e aceitos. É exactamente a situação de um bolseiro que quer cursar um doutoramento. Tem um programa, tem uma bolsa e o correspondente benfeitor, e tem a OBRIGAÇÃO de não fazer feio. Se tudo correr bem, o Conselho Científico outorga-lhe o título, após a defesa da tese. Se não, se se limitar a somar reprovações, o benfeitor corta-lhe a bolsa. É que há mais candidatos à bolsa.
Então, as conquistas são, de facto, enormes: a admissão ao programa de doutoramento; o apoio inequívoco de um orientador experimentado; e a magnífica bolsa de estudo. Estudando com afinco, vencendo os desafios, não só conservará a bolsa de estudos, como pode obter o almejado doutoramento e, quem sabe, os pós-doutoramentos que desejar. E aí, ostentará os mesmos títulos que o mentor, poderá acordar parcerias outras com os seus «novos iguais» e, who knows, poderão até passar a frequentar o mesmo country club.
Mas há dois erros que, na nossa situação, não podemos cometer: menosprezar a importância da bolsa de estudos e considerarmo-nos, JÁ, PhD.
Seria muito difícil vencer os desafios que aceitamos (BOA-GOVERNAÇÃO, SEGURANÇA/ESTABILIDADE, INTEGRAÇÃO REGIONAL, CONVERGÊNCIA TÉCNICA E NORMATIVA, SOCIEDADE DO CONHECIMENTO e LUTA CONTRA A POBREZA), atingir os patamares esperados pela Comissão Europeia (os critérios de convergência serão muito exigentes), sem um plano de financiamento associado ao Acordo. Seria de bom-tom não menosprezar a importância dos fundos europeus. E é mesmo um erro proclamar que eles não são tão importantes como isso. Eles são IMPORTANTES e fomos atrás deles, sim senhor.
Outro erro seria cair no embalo do Dr. Mário Soares e acreditar que nós somos dos melhores que há e que podemos dar conta dos desafios da União Europeia (que aceitamos, orgulhosamente) com uma perna às costas. A UE não se dará por satisfeita com a nossa fasquia em matéria de boa governação, vai exigir muito mais; não seremos nós a aferir os níveis de satisfação em matéria de segurança e estabilidade; a questão da integração regional, maximé em relação à CEDEAO, terá que ser perseguida como um compromisso nacional sério, pelo que não poderá continuar dependente da carolice de uns tantos e sob o bombardeio contínuo de uma boa franja de intelectuais afro-pessimistas; não vai ser fácil a convergência técnica e normativa, uma vez que os critérios vão ser muito exigentes, obrigando-nos, por vezes, a andar aos pulinhos; construir a sociedade do conhecimento - e esconjurar os riscos de exclusão que lhe estão associados - vai nos dar água pelas barbas; os programas de luta contra a pobreza vão ter que dar frutos e frutos visíveis (lembram-se daquela passagem da Bíblia, que diz que toda a árvore que não der bons frutos será cortada e deitada ao fogo?).
Ora muito bem. A parceria especial abriu-nos as portas da Universidade, disponibilizou-nos um bom orientador, ajudou-nos a definir um bom programa de doutoramento, garantiu-nos bolsa de estudos e explicadores (assistência técnica). Ser ou não ser doutor, só vai depender de nós. Do nosso empenho, do engajamento de todos. Aqui e na diáspora. Da situação e da oposição. Da sociedade civil - dos patrões, dos empregados, dos investigadores. E se há questão que clama por um pacto de regime, é esta.
Mas estaremos suficientemente maduros para entendermos que todos queremos o mesmo e que as eventuais divergências se situam mais nos caminhos escolhidos (os meios) para chegar ao desenvolvimento (o fim)? É que se metermos na cabeça que a alternância poderá ser “inquinada” por este acordo ter sido conseguido durante o mandato de José Maria Neves… temos o caldo entornado. Os fundos europeus e a disponibilidade da União Europeia estarão para Cabo Verde, nesta FASE, assim como uma bolsa de estudos e um orientador de doutoramento estão para um doutorando. Se bobear, perde o orientador e perde a bolsa. E pode ver-se obrigado a retornar ao ponto de partida.
Este acordo é, sem sombras para dúvidas, uma grande conquista. Mas encerra um enorme potencial de risco. Si nu da pa dodu, teremos que nos contentar, quando muito, com um mero APE (Acordo de Parceria Económica) como um qualquer membro do grupo ACP (África, Caraíbas e Pacífico).
E desenganem-se aqueles que acreditam (como eu, inicialmente) que tínhamos ainda um LIVRO BRANCO para preencher. O LIVRO até pode existir. Pode até estar, AINDA, em BRANCO. Mas não seremos nós (cabo-verdianos) a preenchê-lo. Disso tenho a certeza absoluta.

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