Friday, December 26, 2008

OS LIMONZINHOS DO ULISSES

“Somos o que repetidamente fazemos. A excelência, portanto, não é um feito, mas um hábito.” Aristóteles

No princípio da década de 90 do século passado, a cidade de São Paulo vivia um verdadeiro caos no trânsito urbano. A situação não tinha tanto a ver com a circulação rodoviária, mas, e principalmente, com a questão do estacionamento. Todo mundo estacionava onde lhe dava na veneta.
Corriam o risco de apanhar uma pesada coima por estacionamento irregular? Corriam, claro. Mas qual o grau de probabilidade de um condutor, em 11 milhões, ser "caçado" em infracção ao Código de Estrada? Os condutores apostavam nesse endiabrado jogo de probabilidades e acabavam quase sempre ganhando.
Para ultrapassar o caos, as autoridades lançaram mão da sua criatividade e inventaram os MARRONZINHOS. Os MARRONZINHOS vêm a ser um grupo de jovens recrutados e treinados pela Companhia de Engenharia do Trânsito (CET) da Prefeitura Municipal de São Paulo para auxiliarem a polícia no controlo do trânsito em São Paulo, especialmente nos estacionamentos. Treinaram-nos, vestiram-nos com calções e jaleco em marron e camisetas em amarelo-torrado e lançaram-nos nas ruas da maior cidade da América Latina e uma das maiores metrópoles do Mundo.
Deu logo certo? Certamente que não. Foi difícil para os condutores entenderem que deviam respeito a esses jovens; foi complicado para os policiais militares aceitarem a ajuda desses «meninos»; a opinião pública dividiu-se diante da nova realidade surgida com os MARRONZINHOS (que é como ficaram a ser conhecidos, em razão do modelito em marron que envergavam). Mas, volvidos mesmo de duas décadas sobre a "aterragem" dos marronzinhos em São Paulo, se a situação do trânsito (e dos estacionamentos) não é ainda nenhuma BRASTEMP, ela está, sem dúvida, de longe, muito melhor do que antes. Pode-se falar, com propriedade, de um ANTES e de um DEPOIS dos MARRONZINHOS. Eles contam! Eles interferiram com a balbúrdia! Hoje a brigada de trânsito da polícia militar de São Paulo não se imagina a controlar o tráfego na cidade sem eles. Em Sampa, o pessoal teve imaginação, ousou e fez acontecer.
E por aqui, porque não lançar também mão da imaginação (e alguma inteligência, claro) para resolver algumas questões que afectam a vida dos munícipes da Praia? E tudo leva a crer que Câmara Municipal da Praia está tentando algo parecido.
Ulisses, e equipa, inundaram as ruas do Plateau com uns limonzinhos, na esperança de resolver a velha questão da ausência da autoridade municipal nas ruas e logradouros públicos da cidade e numa tentativa de botar alguma ordem no «galinheiro».
Será que vai dar certo? Vai-se conseguir vincar a presença da autoridade municipal? Vai-se conseguir vencer a ameaça de caos urbano que pende sobre as nossas cabeças, qual espada de Dâmocles? Estarão os limonzinhos destinados a conseguir o sucesso que os marronzinhos alcançaram em São Paulo? Uma boa resposta, uma resposta politicamente correcta, seria do tipo «só o tempo o dirá». Mas não é o caso.
Entre os limonzinhos do Ulisses a gente vê fulanos já com cabelos brancos e pouca disposição para a cobertura do território municipal; indivíduos cheirando a álcool barato; rapazes e raparigas com postura equívoca, fruto de outros carnavais. E já deu para ver limonzinhos namorando vendedoras ambulantes; moedas mudando de mão; colega pedigalizando (de pé-di-galo, mesmo) colega; ajuntamento de limonzinhos nas sombras poucas do Plateau (que vêm a ser as das copas das árvores que crescem atrás da antiga casinha mortuária do Hospital Central e junto ao quiosque do Pó-di-bandêra e as dos botecos do Platô). Outro dia assisti, atónito (depois furioso) um limonzinho prevenindo uma piquena (vendedora ambulante) contra um colega que estaria dobrando a esquina em direcção a eles, referenciando-o como «o Ragalado». E o aviso saiu entremeado de beijinhos na face, no pescoço e nas orelhas da «querida».
Haverá gente bem no grupo recrutado por Correia e Silva e Barbosa Amado? Certamente. E muitos. O dito «Ragalado», por exemplo, é, com certeza, um bom fiscal. E quantos «ragalados» haverá?
O processo de recrutamento e selecção pode ser posto em causa? Não. O cabo-verdiano tem dons histriónicos que enganam qualquer um. E quando a necessidade de emprego aperta, a capacidade de representar atinge o clímax. E qualquer um pode ser enganado.
Como aperfeiçoar o processo de recrutamento e selecção? Como garantir um proceder ético por parte dos limonzinhos? Como melhorar a performance da classe? O que fazer para dignificar a categoria? O que fazer para que os limonzinhos possam contribuir efectivamente para a resolução da questão da ausência da autoridade municipal nas ruas e logradouros públicos da cidade e para botar alguma ordem no território municipal?
Antes de mais, é preciso redefinir o universo de recrutamento dos fiscais, elevando um pouco a fasquia. Chamando a concurso cidadãos habilitados com, pelo menos, o Curso Geral dos liceus, e dando preferência àqueles que tenham maiores habilitações, maior juventude, registo criminal limpo, cadastro policial impoluto e recomendação de anterior empregador, antigo professor ou último comandante.
A selecção deve ser confiada a especialistas. Testes psicotécnicos, entrevistas e dinâmicas de grupo estarão indicados para o despiste dos elementos perniciosos e para garantir a contratação dos melhores (entenda-se com melhor potencial).
A integração e/ou treinamento inicial são indispensáveis. Diria mesmo que constituem a base para a constituição de um bom corpo de fiscais. Treinamento para dar ferramentas para um bom desempenho; manualização dos procedimentos para evitar arbitrariedades, improvisações legais ou o laisser faire. Integração para reconhecimento do território, identificação dos potenciais prevaricadores e para moldar o espírito de corpo. Integração também para apontar os heróis da organização (exemplos a serem seguidos, alguém com quem se pode aprender alguma coisa) e os vilões (maus exemplos, indivíduos de quem se deve manter distância).
A definição de um período probatório com o escopo de afinar a selecção é uma necessidade incontornável. No termo do período, devem ser confirmados, na organização, aqueles cujo potencial desabrochou em desempenho esperado; e dispensam-se os problemáticos e/ou ineptos.
É fundamental o estabelecimento de um plano de carreiras e de um sistema remuneratório equilibrado. E a cobertura por um sistema de previdência social (a inscrição no INPS estaria de bom tamanho, dando alguma tranquilidade em relação às situações de doença, incapacidade e velhice, influiria grandemente na motivação e no comprometimento do agente com a sua missão). Devem constituir-se em estratégias de desenvolvimento profissional dos fiscais, de sua motivação e, sejamos francos, de dignidade para a classe.
A montagem de um mecanismo de avaliação de desempenho e de uma estratégia de fixação dos melhores é uma estratégia que não deve ser descurada. A ideia é ter instalado a capacidade de identificar os problemas de desempenho que podem ser superados pela via da formação e ter a necessária clareza para identificar os excelentes (agentes com desempenho de qualidade, alta motivação e alta capacidade técnica), que devem ser mantidos na organização a qualquer custo; e os pesos mortos/casos perdidos (agentes com mau desempenho, baixa motivação e baixa capacidade técnica) que devem ser desligados da organização.
Só assim teremos os limonzinhos do Ulisses tinindo. A modos de podermos delimitar claramente o ANTES dos limonzinhos e o DEPOIS. Para que eles contem (que nem ‘Ntoni Denti di Ôro)! Para que interfiram com a balbúrdia que frutifica no espaço urbano!
Um bom corpo de fiscais e uma inteligente parceria com a Polícia Nacional podem contribuir decisivamente para a resolução dos principais problemas de ordem e de autoridade no território do município da Capital. De sorte que a ordem municipal fique salvaguardada, caso a Polícia Municipal tarde (ou não venha).
Usemos a imaginação para resolver problemas que só parecem insolúveis diante do nosso pessimismo militante, fruto da nossa preguiça mental.
Praia tem solução, sim senhora, mas, que diabo!, as soluções não têm de ser, todas elas, lineares e ortodoxas.

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