Monday, December 15, 2008

TO SANTA CLAUS

“As religiões são fundadas no medo de muitos e na esperteza de poucos.”
Stendhal
Velho amigo e fantástico Senhor,
Serve esta para pedir a sua intercessão para que uns compatriotas meus, muito especiais, possam ter um Feliz Natal e um Ano Novo durante o qual possam ver os seus sonhos mais secretos se realizarem.
Há-de se lembrar que eu nunca fui de lhe pedir nada. Correcção: pedi até ao momento em que reparei que o senhor levava os melhores brinquedos aos miúdos cujos pais podiam comprar os melhores brinquedos. Criança ainda pude entender que um velhote tão simpático não podia ser cultor de uma tão estulta preporância (de prepotência + arrogância, mesmo), ser um reles cavador de fosso entre ricos e pobres. Um absurdo, isso. Quem daria guloseimas admiráveis, brinquedos de sonho e jogos fantásticos, para miúdos cujos pais tinham grande poder de compra; brinquedinhos baratos, queques simples e muita imaginação, para aqueles cujos pais tinham pouco; e nada, fome e frio, para as desgraçadas crianças filhas de pais desgraçados, sem salário, sem emprego, sem sorte, nem solidariedade? Quem? A conclusão lógica, que entrava pelos olhos adentro, era que o senhor trabalhava para uma empresa do ramo de entregas. E como tal, entregava as encomendas nos endereços certos. Vez por outra poderia calhar uma entrega por engano, mas como quando emergi neste vale de lágrimas já o amigo tinha barbas brancas, o mais certo seria não lhe perdoarem erros de principiante.
Ficamos, pois, em que nunca me deu mais, nem melhor, do que o senhor Ludgero, meu pai, dona Lídia, minha mãe, dona Sílvia, minha madrinha, tio Avelino, meu padrinho, ou nhâ Mariazinha minha avó, lhe incumbiram de me entregar. Eu nunca esperei mais do que isso; o amigo me entregava exactamente isso. Por isso, sempre estivemos quites.
Mais tarde, passei a contratar os seus magníficos serviços. Durante anos, sempre pelo Natal, utilizei os serviços da sua empresa de entregas para depositar brinquedos, jogos e guloseimas na chaminé de dona Paula e nas meias do Kwami, da Aïcha, do Tony e, ultimamente, nas da Paulinha.
Há-de estar a perguntar o porquê de tantos rodeios. É que quero, agora, homem feito, fazer-lhe um pedido. Repare bem: fazer-lhe um pedido e não encomendar-lhe um serviço. Posso pedir?
Cá vai, velho amigo e fantástico senhor. Quero que coloque nas chaminés e nas meias de uns conhecidos meus uma prenda sui generis. Já ouviu falar do processo de revisão da Constituição política da República de Cabo Verde? Não diga que não. Espreitei o seu canhenho e vi lá anotados pedidos de muitos conhecidos meus. Do Nhelas Bacelar, do Nhoné da Silva, e de muitos mais. Pois é. Então? Gravador preparado?
Vou querer para o Nhelas, para o Nhoné, e para o resto da malta, que a Constituição política da República de Cabo Verde apareça revista nos moldes seguintes, conforme os artigos abaixo:
1. Artigo 10º: que a Capital da República passe a ser a Cidade do Mindelo, na ilha de Sanvicente e que, em decorrência da nova função, passe a ter um estatuto político-administrativo especial, nos termos da lei;
2. Artigo 42º: que se possa invadir o domicílio de qualquer cidadão, a qualquer hora da noite ou do dia, sem mandato judicial. Excepção feita aos políticos profissionais, familiares e amásias; empresários que financiem os partidos; e traficantes;
3. Artigo 43º: fica permitido aos superiores hierárquicos, de qualquer nível, invadir as caixas de correio electrónico de seus subordinados, sempre que suspeitem que este não os tenha em grande conta;
4. Artigo 54º: que o direito de participação na vida política fique reservada apenas às cabo-verdianas e aos cabo-verdianos que tenham problemas das vias respiratórias superiores (p.e. resfriados permanentes, sinusites e rinites crónicas) e tenham estômago muito forte;
5. Artigo 78º: todos têm direito à cultura, mas uns têm mais direitos do que outros; para garantir a diferença entre os iguais e os mais iguais, incumbe ao Estado reforçar as assimetrias e promover a desigualdade entre as parcelas tradicionalmente mais cultas e as culturas emergentes, mormente as de cunho africano;
6. Artigo 114º: o número de deputados por colégio eleitoral continua a ser proporcional ao número de eleitores inscritos, mas nenhum círculo ou ilha pode ter mais mandatos do que o círculo especial que engloba a nova capital da República;
7. Artigo 118º: são órgãos de soberania o Presidente da República, o Senado, a Câmara dos Deputados, o Governo e os Tribunais; no Senado todas as ilhas serão representadas por 2 senadores, à excepção da ilha que alberga a nova Capital, a qual, como compensação pela capitalidade, elege 4 Senadores;
8. Artigo 124º: sempre que for eleito para Presidente da República um cidadão que não tenha domicílio eleitoral ou não tenha nascido na ilha que alberga a nova Capital, o próximo Presidente terá de ser, obrigatoriamente, um cidadão com domicílio ou umbigo registados na ilha que alberga a nova Capital;
9. Artigo 139º: os cidadãos cabo-verdianos são representados pelas assembleias das duas Câmaras parlamentares, as quais se organizam verticalmente;
10. Artigo 140º: o Senado tem um total de 20 Senadores e a Câmara de Deputados um máximo de 52, sendo que a emigração elegerá sempre 6 deputados;
11. Artigo 227º: as autarquias locais são as regiões político-administrativas e os municípios, podendo a lei estabelecer outras categorias de grau inferior ao município;
12. Artigo 258º: não podem ser objecto de revisão, de entre outras normas, as que determinam a localização da Capital da República e o seu estatuto político especial; a composição do Senado; a regionalização política; e as demais que, na Constituição revista, outorguem prerrogativas e regalias especiais para a região política especial da Capital e para a ilha que a alberga.
Só mais um pedido, meu velho: não quero que nem o Nhelas, nem o Nhoné, nem nenhum dos rapazes saibam que as prendas foram a meu pedido. De tão insistentes que têm sido, pelas cedências que têm feito, à cata de uma tal recompensa, receberiam as prendas - agora dadas de mão beijada - com alguma desconfiança. Sejamos francos Pai Natal: com muita desconfiança, mesmo. É que quando a esmola é muita o santo desconfia. Mas acredite, senhor. É de coração.
Ficaria por aqui, velho amigo e fantástico senhor, não fosse poder parecer deselegante mandar tantas prendas a uns simples conhecidos e não dar nenhum cavaco aos meus presidentes, senhores João José Almeida Gomes, Presidente da PRÓ-PRAIA e José Ulisses Correia e Silva, Presidente da Câmara Municipal da Praia. Para eles, entregue, por favor, cópias da lista das prendas enviadas ao Nhelas Bacelar e companhia limitada. Quem sabe, um dia me perdoem tamanha prodigalidade.
Seu admirador, SEMPRE,
Antoninho

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