Monday, December 1, 2008

ANTROPOFÁGICO

“Hay que enduricir, pero… sin perder la ternura jamás.”
Ernesto «CHE» Guevara

O processo de substituição de líderes partidários em Cabo Verde oferece-se como um campo fértil para investigadores. E aqui deixo o desafio para a classe mais que fundamental para o desenvolvimento de qualquer país.
No momento, temos, num horizonte temporal relativamente curto, a questão da substituição de José Maria Neves, no PAI, e de Carlos Veiga no MpD. De Carlos Veiga, sim senhora. Que, se Pedro Pires conseguiu um sucessor à altura, o mesmo não se poderá dizer em relação a Veiga. E porquê? Antes de mais, devida à antropofagia do sistema MpD para com os seus números 2 naturais.
Pouco tempo depois da instalação, em 91, do Governo do MpD, Jorge Carlos Fonseca, recém regressado do Oriente, aparece claramente como o segundo homem do partido, mercê do seu perfil sociográfico e da vitória que foi ter conseguido a eleição de Cabo Verde como membro do Conselho de Segurança da ONU. Meses depois, e após declinar um “convite” para deixar a pasta dos Negócios Estrangeiros e assumir o posto de Secretário-Geral do partido, é afastado do Governo… e do partido.
Após a saída de Fonseca, é Eurico Monteiro que desponta, destacadamente, como o número 2 de Veiga. Acossado pelo sector menos atreito à disciplina no seio do MpD, envereda-se por uma contestação extemporânea à liderança de Veiga e acaba determinando o seu afastamento do Governo… e do partido, protagonizando o primeiro cisma do MpD.
Depois da saída de Monteiro (e de sua turma) emergem no MpD alguns novos notáveis: Agostinho Lopes e Simão Monteiro (agraciados pelos serviços prestados no processo antropofágico em relação a Monteiro) e Mário Silva. Mas quem é, de facto, o número 2 do partido é Jacinto Santos. Santos lidera o processo de afastamento de Monteiro e de cassação dos mandatos dos deputados que, alegadamente, alinhavam com Monteiro. Mas o que, verdadeiramente, catapulta Jacinto Santos é a renovação do seu mandato à frente da Câmara da Praia e o seu papel na renovação da maioria qualificada do MpD (superior à de 91) nas legislativas de 17/12/95. Mas cedo é tragado (e depois expelido) pelo sistema. Depois de se ter posicionado expressamente para substituir Veiga, é duramente criticado por este no encontro de São Jorginho (ele era um dos gafanhotos a quem Veiga prometeu cortar o esporão). Acaba deixando o partido, protagonizando o segundo cisma do MpD.
Depois da memorável reunião de São Jorginho não restou qualquer dúvida, para quem acompanhava as coisas com alguma atenção, que Veiga decidira que seria Gualberto a substitui-lo. No partido e no Governo. O novo número 2 (indigitado) protagoniza uma luta desigual com Jacinto Santos (o apoio de Veiga é determinante) e acaba substituindo o «padrinho» na Presidência do MpD e na Chefia do Governo. Só que foi Sol de pouca dura. Aparece envolvido no esquisito processo de substituição de Veiga na Chefia do Governo, para depois falhar nas Legislativas de 14/01/2001. Mas, pecado dos pecados, foi a “devolução” precipitada do poder, fazendo com que fosse um Governo (de transição) do PAI a conduzir o processo eleitoral para a Presidência da República. Os rabentolas não lhe perdoam a gaffe que consideram ter ditado a sorte de Veiga naquela que foi a mais contestada de todas as eleições que tiveram lugar em Cabo Verde. No final, comeu o pão que o diabo amassou, vendo-se na situação de tomar conhecimento oficioso de reuniões do partido, de que era ainda Presidente, para as quais não era convidado. Na sequência, é obrigado a deixar a liderança do partido. É mais um nº 2 que é moído na voragem rabentola. O seu consulado, enquanto nº 1, foi tão efémero que nem deu tempo para se ver afirmar um “imediato”.
A era pós-Veiga é menos turbulenta, mas nem por isso pacífica. A grande novidade são as vice-presidências, claro sinal de lideranças fragilizadas (inauguradas com Pedro Pires, quando desafiado por José Maria Neves). Já não haveria lugar para o recurso a listas, por ordem alfabética, para órgãos executivos nacionais (ensaiado por Veiga para colocar Jacinto - um J - depois de António Gualberto – um A). A era dos vice-presidentes trouxe uma certa protecção aos números 2. Não surgindo naturalmente, pela via da notoriedade que ganham na sociedade, mercê do seu desempenho superior, já não constituem ameaça ao poder do líder. E isso muda tudo no sistema MpD. Já não são os líderes que se desfazem do seu número 2, mas são estes que empurram o nº 1 em direcção à porta da rua (serventia da sede).
Agostinho, que chega a nº1 sem nunca ter sido, verdadeiramente, nº 2, vê-se desafiado pelo seu Vice Ulisses Correia e Silva, num processo que só não culmina com a derrota daquele porque surge um elemento estranho no processo (de seu nome Jorge Maurício Santos, que fora militante, deixara de ser, e voltava então com laivos de sebastianismo) que levou a que Gualberto do Rosário se intrometesse, ditando a vitória de Agostinho, e demonstrando que não era, ainda, carta fora do baralho que é o sistema MpD. Mas a intervenção de Gualberto só adia o inevitável. Tendo Agostinho optado por chamar JMN para um suicida um-contra-um nas eleições legislativas de 2006, nada nem ninguém poderia mantê-lo à frente do partido. É empurrado porta fora por Jorge Santos que, entretanto, se posicionara como seu sucessor natural. Mais do que natural.
No momento, o sistema MpD parece estar a braços com um Presidente que, em vez de se cobrir com as vestes de estadista (candidato a Primeiro-ministro obriga), insiste em reforçar a sua vertente de activista político. Ninguém pode, honestamente, pôr em dúvida a capacidade de JS para agitar as águas, animar a malta, sacudir o partido. Mas, no momento, do que o MpD precisa é de um estadista, uma alternativa credível a JMN e um sucessor para o grande Carlos Veiga. E JS não está conseguindo entrar no papel. E o curioso disto tudo é que quem põe JS em causa não é qualquer número 2 (formal ou natural), mas as suas próprias acções e opções, fazendo o MpD averbar desaires na frente parlamentar, em situações que, à partida, lhe seriam favoráveis. Um partido de oposição, com os pergaminhos, o percurso, a ideologia e o programa do MpD, não pode ter outro resultado que não seja a vitória em ocasiões como o debate do estado da nação, a reforma da Justiça ou uma sessão de interpelações várias ao Governo em dossiers super sensíveis para este. É inaceitável. E JS acaba de registar um hat trick de gols contra. Paulo Bento e Soares Franco já devem andar de olho no homem.
O que vai acontecer agora? Não tendo JS um destacado nº2 para sacrificar, nem para ser empurrado por, a sua sorte (e do MpD) obriga a que o partido se volte para dentro e procure identificar um candidato a Primeiro-Ministro que seja capaz de, a um tempo, mexer com as bases, unir o partido e passar a imagem de estadista com potencialidades para enfrentar (e derrotar) JMN, atrair os indispensáveis votos de não-militantes e, sobretudo, de representar condignamente o país na arena internacional. Quem é esse homem?
No momento, não vislumbro, assim de repente, ninguém que se encaixe no perfil a ponto de se olhar para ele, apontar o dedo e bradar: ECCE HOMO! O que não quer dizer que não ele não existe. Se se vasculhar bem o baú… quem sabe? Ulisses Correia e Silva, Mário Silva, Fernando Elísio Freire, Eurico Monteiro, José Luís Livramento, Isaura Gomes e muitos mais estarão no bendito baú.
Ulisses pode mexer com as bases, pode unir o partido e passa a imagem de estadista com potencialidades para enfrentar JMN, atrair os votos de não-militantes e de representar condignamente o país na arena internacional. Mas tem um compromisso com a Praia que, a princípio, não deve romper para se candidatar à liderança do MpD e a Primeiro-ministro. De todo o modo, se o fizesse - cedendo a insistentes pedidos da Nação – não estaria fazendo nada que ainda não tivesse sido feito. Veja-se o caso de José Maria Neves em 2000/2001.
Mário Silva não se decide. Mas pode muito bem ter chegado a sua hora. Contra ele milita, porém, o facto de não ter grandes ligações com as bases rabentolas e de não poder contar com o apoio dos generais oriundos do finado PCD e liderados pelo Marechal Eurico Monteiro.
Fernando Freire, o jovem líder parlamentar, é outro fulano muito bem posicionado. Poderá jogar contra ele o que tem de melhor (a sua juventude) e o laço de parentesco que mantém com JS: não poderá desafiá-lo sem consequências, sem contar que alguns sectores poderão ver na sua candidatura (injustamente, diga-se em abono da verdade) um expediente de Santos para permanecer na esfera do poder ventoinha.
Eurico Correia Monteiro é um candidato natural à sucessão de Santos, pelo menos, na situação complicada em que o partido se encontra. Contudo, dificilmente se poderá livrar do rótulo de «filho pródigo». E há gente no MpD que, tal qual o irmão mais velho do pródigo do evangelho, não aceitará confiar o destino do partido a um arrependido.
José Luís Livramento enfrenta os mesmos problemas que Eurico. E mais alguns: os da falange PCD, do MpD, não lhe vão facilitar a vida. Antes pelo contrário.
Isaura Gomes. Isaura, Presidente da Câmara Municipal de São Vicente? OK. Isaura, Primeiro-ministro?! Si… se puéde. Pero… À partida, uma mulher candidata ao cargo mais importante do ranking nacional de cargos, poderia ser uma opção inteligente. Mas conseguiria Isaura mobilizar os necessários apoios? Conseguiria encaixar-se no perfil traçado para o sucessor de Santos? Aos rabentolas de responder e de agir em conformidade.
Da antropofagia dos fortes e populares números 2 dos bons velhos tempos de Veiga, à penúria de homens fortes do MpD dos dias de hoje, vão apenas 8 anos, mais coisa, menos coisa. Dá para inquietar e torna-se forçoso registar esta questão: que futuro para uma organização tão importante para o regime democrático instalado nas ilhas?
Mas… talvez esteja a ser precipitado e não haja problema nenhum para ser resolvido. De todo o modo, e em havendo, sempre haveria uma solução, digamos, perfeita: CHAMAR O VEIGA!

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