Wednesday, May 28, 2008

TESTEMUNHO: PRAIA DI NHA MENINEZA

[Comunicação apresentada no passado dia 15 de Maio, no ISE (Instituto Superior de Educação) por ocasião de uma cerimónia de homenagem à Praia e integrada nas comemorações do 150º aniversário da elevação da VILA DA PRAIA DE SANTA MARIA DA VITÓRIA à categoria de CIDADE)

1. MINHA LEMBRANÇA MAIS ANTIGA DA PRAIA (QUE ERA O QUE É HOJE O PLATEAU) É A DE UMA VISITA QUE FIZ COM MINHA MÃE ÀS OBRAS DAS RESIDÊNCIAS PARA CHEFES DE SERVIÇO QUE ESTAVAM SENDO CONSTRUÍDAS NA ACHADA MONTE AGARRO (AO NORTE DA IGREJA DOS NAZARENOS*). NESSE MESMO DIA, COMPRÁMOS, NO «DEPÓSITO DE GÉNEROS*», UM PAR DE SANDÁLIAS COM SOLAS DE TOUCINHO (REFERENCIADA ASSIM TALVEZ PELO ASPECTO DE TOUCINHO AMARELADO QUE TINHA). ERA A NOVIDADE DO MOMENTO.

2. EXISTINDO UMA ÚNICA ESCOLA PRIMÁRIA (A ESCOLA Nº1 – DR. ANTÓNIO DE OLIVEIRA SALAZAR*), MENININHO, TINHA QUE FAZER O TRAJECTO VILA NOVA/PRAIA ÀS 07 DA MANHÃ E O CAMINHO INVERSO AO MEIO-DIA. NÃO HAVIA TRANSPORTE COLECTIVO. OS MAIS ÁGEIS PENDURAVAM-SE NO CAMIÃO DA SERBAM, CONDUZIDO POR LUIZINHO LUBRANO E CHEGAVAM MAIS CEDO. NO DIA EM QUE, VENCIDOS OS LEGÍTIMOS RECEIOS, ME DECIDI A TAMBÉM VIAJAR DEPENDURADO, UM COLEGUINHA CAIU DO CARRO DE NHÔ JACINTO DA CALHETA DE SÃO MIGUEL. A QUEDA APARATOSA CONVENCEU-ME QUE O MEU MÉTODO AINDA QUE MAIS LENTO, ERA, SEGURAMENTE, MAIS SEGURO.

3. À FRENTE DA ESCOLA GRANDE ACABARA DE SER INAUGURADO UM CINE-TEATRO (DIZEM QUE TENHO BOA MEMÓRIA, MAS NÃO CONSIGO ME LEMBRAR DO CINEMA SENDO CONSTRUÍDO). DONA LOURDES MIRANDA*, MINHA QUERIDA PROFESSORA, CONDUZIU-NOS AO NOVEL RECINTO PARA VERMOS A FITA «JOSELITO CORAÇÃO DE OIRO», UM TREMENDO SUCESSO DO CINEMA ESPANHOL. DAS ESTREIAS NO CINE-TEATRO DA PRAIA (EXPLORADO AO TEMPO POR JOHN MELLO, UM DOS DINAMIZADORES DA ASSOCIAÇÃO ACADÉMICA DA PRAIA, CLUB DE QUE VIRIA, MAIS TARDE, A SER PRESIDENTE) PERMANECEM FRESCAS AS LEMBRANÇAS DA TOCA «MANCA» E DA MÃE (QUE VENDIAM MANCARRA, PASTÉIS FRITOS NA HORA, AÇUCRINHA DE COCO E DE MANCARRA), DE NHA CHUMPINHA* (MANCARRA, DROPS, TOFFÉE, BATATA ASSADA* NO FORNO), ETC.

4. DESSE TEMPO FICA UMA ENORME ADMIRAÇÃO PELOS PROFISSIONAIS DA LIMPEZA URBANA: APESAR DAS GRANDES QUANTIDADES DE CASCAS DE MANCARRA QUE SE DEITAVAM FORA NAS SESSÕES (ANTES, DURANTE, NO INTERVALO E DEPOIS), DAS CASCAS DE BATATA-DOCE ASSADA, PAPÉIS DOS DROPS E TOFFÉES, ÀS SETE DA MANHÃ (QUANDO CHEGAVA PARA AS AULAS) ENCONTRAVA AS RUAS INVARIAVELMETE LIMPINHAS. O TRABALHO ERA FEITO COM MUITA DISCRIÇÃO (E EM SILÊNCIO*) ENTRE O FINAL DA SOIRÉE E OS PRIMEIROS ALVORES DO DIA. MINHA HOMENAGEM SINCERA AOS ALMEIDAS DE ENTÃO, QUE DERAM O MELHOR DE SI PELA CIDADE QUE LHES PAGAVA O SALÁRIO.

5. POSSO ESTAR PARECENDO SAUDOSISTA, MAS, EM BOA VERDADE, SÓ TENHO BOAS RECORDAÇÕES DESTA CIDADE. DA SUA BELEZA, DA SUA SOLIDARIEDADE, DA ORDEM QUE ENTÃO IMPERAVA.
6. O QUE A GENTE CHAMAVA DE EXCESSO DOS POLICIAIS AFINAL NÃO TINHA NADA DEMAIS, DIANTE DO LAISSEZ FAIRE, LAISSEZ PASSER QUE HOJE SE INSTALOU. CONTESTÁVAMOS A POLÍCIA POR NÃO NOS DEIXAR EM PAZ PARA JOGAR À BOLA NOS LARGOS DA CIDADE, POR NÃO DOS DEIXAR ENCOSTAR AOS VEÍCULOS ESTACIONADOS, POR NÃO NOS DEIXAR SENTAR SOBRE O ENCOSTO DOS BANCOS DA PRAÇA. ORA, FAZ LÁ SENTIDO DEIXAR MIÚDOS JOGAR À BOLA NA RUA, CORRENDO RISCOS SÉRIOS E INCOMODANDO OS TRANSEUNTES? OUTRO DIA UMA MOÇA VESTIDA DE CALÇAS JEANS ENCOSTOU-SE AO MEU CARRO, MAIS O NAMORADO, FAZENDO NÃO SEI LÁ O QUÊ, E, NO DIA SEGUINTE, TIVE QUE LEVAR O CARRO A UM PINTOR PARA ME ELIMINAR UM RISCO NA CHAPA, PRODUZIDA PELOS BOTÕES METÁLICOS DOS BOLSOS TRASEIROS DO JEANS. SENTAR SOBRE O ENCOSTO DOS BANCOS DA PRAÇA, ONDE JÁ SE VIU? OU OS BANCOS ESTÃO LIVRES E NÃO SE PERCEBE BEM PORQUE NÃO SENTAR NO ASSENTO, OU OS BANCOS ESTÃO OCUPADOS E NÃO É CORRECTO SENTAR-SE, LITERALMENTE, EM CIMA DO CONCIDADÃO.

7. MAS DOS AGENTES DA ORDEM NÃO SE TINHAM APENAS QUEIXAS. SUSPEITÁVAMOS QUE ELES NOS DAVAM UMAS COLHERZINHAS DE CHÁ DE VEZ EM QUANDO. O GURDA «QUARENTA» PRATICAMENTE QUE SE FAZIA ANUNCIAR ANTES DE DESEMBOCAR NO LARGO ONDE A GENTE TINHA MONTADO UM TORNEIO DE «QUEM PERDE SAI*». CONQUANTO A GENTE NÃO ABUSASSE (RESPEITÁVAMOS O PESSOAL DA PSP*): COLOCÁVAMOS SEMPRE UM OLHEIRO, QUAL PORTALÓ, QUE TINHA A INCUMBÊNCIA DE, EM CÓDIGO, NOS AVISAR DA APROXIMAÇÃO DO AGENTE DE GIRO. O GRITO «A LA PIRLI IRLI IRLI IRLÁ», REPETIDO, PELO MENOS, POR DUAS VEZES, ASSINALAVA A APROXIMAÇÃO DO GUARDA DA PSP.

8. E A ORDEM QUE O CASIMIRO «PRAIA NOVA*» MANTINHA NO PARQUE INFANTIL? E O JOSÉ DE NHÂ JOAQUINA NA PRACINHA DA ESCOLA GRANDE? QUANDO ESTAVA DE RESSACA, JOSÉ ENCOSTAVA-SE AO MURO DA CENTRAL ELÉCTRICA (QUE FICAVA LÁ ONDE É HOJE A REITORIA DA UNICV) E TIRAVA UMA SONECA; QUANDO, POR QUALQUER RAZÃO ACORDAVA (NUNCA COMPREENDI COMO É QUE O HOMEM CONSEGUIA DORMIR COM O BARULHO DOS MOTORES) VINHA SOBRE NÓS, DE VARA DE MARMELEIRO EM RISTE, COMO QUE QUERENDO JUSTIFICAR O SALÁRIO. QUANDO ESTAVA SÓBRIO ERA UM CONSELHEIRO IMPAGÁVEL PARA A MENINADA.

9. QUANDO CHOVIA, AS PESSOAS DOS POVOADOS QUE FICAM A NORTE DE ONDE HOJE SE ENCONTRA A VELHA PONTE DA VILA NOVA E DE TODA A RIBEIRA QUE VEM DA TRINDADE, QUE ESTIVESSEM RETIDAS NA MARGEM DIREITA DA RIBEIRA, AÍ FICAVAM ATÉ QUE AS CHEIAS PERMITISSEM. QUEM ESTIVESSE NA MARGEM ESQUERDA FICAVA ILHADA, E QUEM POR AÍ ESTIVESSE SEM MANTIMENTOS DE RESERVA FICAVA SEM PODER SE ABASTECER. COMO SE RESOLVIAM AS COISAS QUANDO ACONTECIA AS CHEIAS NÃO PERMITIREM A PASSAGEM? (E OLHE LÁ QUE JÁ HOUVE CASOS EM QUE A SITUAÇÃO SE MANTEVE POR TRÊS DIAS E MAIS). COMO SE RESOLVIAM AS COISAS? FUNCIONAVA A SOLIDARIEDADE DE QUEM ESTIVESSE EM CONDIÇÕES DE AJUDAR. LEMBRO-ME DA MINHA TIA (NHÂ FILÓ DE NHÔ ANTONINHO LUBRANO), NININHA DE CAETANO MACEDO, NHÂ MARIA DE NHÔ LUCIANO BRAZÃO, NHÂ ANINHA (MÃE DO ESTEBINHO) NA ACHADINHA, E OUTRAS PESSOAS, DANDO GUARIDA E RESTAURAÇÃO ÀS PESSOAS IMPEDIDAS DE CHEGAREM À CASA; LEMBRO-ME DA MINHA AVÓ (NHÂ MARIAZINHA), DO MANAIA*, DA FONGA, PERMUTANDO OU CEDENDO O QUE FALTAVA AO VIZINHO APANHADO DESPREVENIDO. PORQUE, EM O TEMPO SE ARMANDO, ERA HORA DE REFORÇAR A DESPENSA.

10. E A CIDADE ERA LINDA E LIMPA E ORDEIRA E SEGURA. DIZIA O MANAIA (QUE DEUS O TENHA) QUE NO TEMPO DO SENHOR SALAZAR, UM GOVERNADOR E MEIA DÚZIA DE CHEFES DE SERVIÇOS GOVERNAVAM O PAÍS TODO; E QUE HOJE, COM PRESIDENTES, MINISTROS, PRIMEIRO-MINISTRO, DIRECTORES-GERAIS, ETC., NEM SE CONSEGUE FAZER RESPEITAR A PROPRIEDADE ALHEIA; E EXPLICAVA QUE TUDO ISSO SE DEVIA À FALTA DE AUTORIDADE E DAVA UM EXEMPLO: O SABINO ELECTRICISTA COMPRARA UMA MOTO QUE, NO ENTENDER DO ADMINISTRADOR DO CONCELHO, ERA DEMASIADO PESADA PARA O FRANZINO SABINO; DECIDIU ENTÃO O ADMINISTRADOR RETIRAR-LHE HABILITAÇÃO PARA CONDUZIR TÃO PESADA MOTO. NINGUÉM CONTESTOU. ATÉ FELICITARAM O ADMINISTRADOR QUANDO SOUBERAM QUE (NA ILHA DO FOGO, PARA ONDE A MOTO FORA VENDIDA) O VENTO RETIRARA O NOVO DONO DE CIMA DA MOTO, PROVOCANDO-LHE UMA QUEDA QUE POR POUCO NÃO O MATAVA.

11. TEM UM AMIGO MEU (POR SINAL BEM MAIS NOVO DO QUE EU) QUE ME CONTESTA SEMPRE QUE CONTO A ESTORINHA DO MANAIA. REFUTA ELE, INVARIAVELMENTE: «TAMBÉM, PUDERA! A PRAIA ERA APENAS O PLATEAU.» E EU RETRUCO: «TUDO BEM. MAS QUE EU SAIBA, O PLATEAU NÃO AUMENTOU NEM UM CENTÍMETRO». O PLATEAU QUE NHÔ MANEL GARCIA E COMPANHIA LIMPAVAM E QUE NHÔ MANELINHO* FISCALIZAVA (DO ALTO DO SEU CAVALO) MANTEVE AS MESMAS DIMENSÕES. PORQUE, CARGAS DE ÁGUA, DEIXOU DE SER O BRINQUINHO QUE ERA DANTES? JÁ OUVIRAM FALAR DA «REVISTA»? AS CASAS (DO PLATEAU E DOS SUBÚRBIOS) ESTAVAM SUJEITAS A REVISTAS PERIÓDICAS PARA SE AVALIAR DO GRAU DE HIGIENE E LIMPEZA DOS SEUS OCUPANTES. ANUNCIADA A REVISTA, TODO O MUNDO SE ESMERAVA PARA ESPERAR A VISITA DE NHÔ MANELINHO. O INTERIOR E OS ARREDORES DOS POTES, A COZINHA, OS COPOS, AS CANECAS E AS LOUÇAS, TINHAM DE ESTAR TININDO PARA PODEREM SER APROVADOS NA INSPECÇÃO DE NHÔ MANELINHO. NEM OS FONTENÁRIOS ESCAPAVAM AO CONTROLO DO GRANDE E RESPEITÁVEL FISCAL, QUAL ASAE DOS TEMPOS DE ANTANHO. ERA BONITO DE SE VER.

12. NÃO PRETENDO ME ALONGAR MAIS NESTAS MEMÓRIAS. MAS ANTES DE TERMINAR GOSTARIA DE VOS CONTAR UMA QUE A GENTE APRONTAVA COM O SANKUDJA.
O SANKUDJA ERA PORTEIRO DO CINEMA. CUIDAVA DA ENTRADA PARA A «GERAL» (QUE, MUITO MAIS TARDE, VIRIA A SER TRANSFORMADA NA 3ª PLATEIA). RAPAZ DE QUASE DOIS METROS E PESANDO À VOLTA DE UM QUINTAL, ERA, PELOS ARGUMENTOS DO SEU FÍSICO (AINDA POR CIMA ERA BOXEUR), UM PORTEIRO DE RESPEITO. E TINHA NORMAS RÍGIDAS. QUEM ENTRA NA «GERAL» SÓ SAI NO FINAL DA SESSÃO. QUEM SAÍSSE ANTES, SÓ VOLTAVA A ENTRAR COM NOVO BILHETE. MAS SANKUDJA ARRANJOU UM ADVERSÁRIO À SUA ALTURA, DE SEU NOME MÁRIO DE ANDRADE. MÁRIO TINHA À VOLTA DE 1 METRO E CINQUENTA DE ALTURA E PESARIA À VOLTA DE 50 QUILOS (SE TANTO). RESOLVEU QUE IRIA TIRAR PARTIDO DAS RÍGIDAS NORMAS DE SANKUDJA. SE BEM O PENSOU, MELHOR O FEZ. POSICIONOU-SE À FRENTE DO PORTEIRO, COM UM PÉ DENTRO DA SALA E O OUTRO FORA, E QUESTIONOU SANKUDJA: «‘N PODI BA BÉBI ÁGUA LÂ NA KASA DONA TITINA*?» AO QUE SANKUDJA REORQUIU: «NHU BA XINTA ANTES DI NHU LÊBA UN TAPONA». E O MÁRIO ENTROU E ASSISTIU O FILME… SEM COMPRAR O COMPETENTE BILHETE. E SEMPRE QUE LHE DAVA NA TELHA DESAFIAR O SANKUDJA, LÁ APARECIA O MÁRIO* (TAMBÉM CONHECIDO POR COCOROTA E PEPINO) A FAZER A PERGUNTA SACRAMENTAL: «‘N PODI BA BÉBI ÁGUA LÂ NA KASA DONA TITINA?»
BEM… AS COISAS VIRIAM A ACABAR MAL PORQUE, ENTRETANTO, O MÁRIO DIVULGOU A TÁCTICA, DE TAL FORMA QUE UM DIA O SANKUDJA TINHA A «GERAL» PRATICAMENTE CHEIA, SEM RASGAR UM ÚNICO BILHETE. COM O SEU VOZEIRÃO DE GIGANTE, E DE DEDO EM RISTE, LIBEROU GERAL: «TUDO HOMI PA BAI BEBI ÁGUA LÁ NA KASA DONA TITINA. JÁ!» E, CLARO, NINGUÉM SE ATREVEU A DISCUTIR A ORDEM DADA. ALIÁS, QUEM OUSARIA CONTESTAR UMA DECISÃO DO SANKUDJA?

É DESTA PRAIA QUE ME LEMBRO COM SAUDADES. E É POR UMA PRAIA QUE POSSA DEIXAR TÃO INEFÁVEIS MARCAS, TAMBÉM NOS MEUS NETOS, QUE SIGO MOBILIZANDO COMPANHEIROS PARA UMA LUTA QUE DEVERIA SER DE TODOS, MAS QUE, INFELIZMENTE, NEM TODO MUNDO ABRAÇA.

QUE JAMAIS FALTE O BOM HUMOR AOS PRAIENSES! A MODOS DE NÃO PERDEREM A CAPACIDADE DE SE RIREM DE SI PRÓPRIOS, SENDO O CASO.

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