Wednesday, April 1, 2009

FACTOS & CONCEITOS

“Dificuldades reais podem ser resolvidas; apenas as imaginárias são insuperáveis."
Theodore N. Vail
Um conceito é sempre mais forte do que um facto. Mas importa não integrar o facto, à força, dentro do conceito.
Pela postura diante de factos e conceitos se reconhece e se distingue o teórico diletante do teórico especialista. O teórico diletante (que vou chamar aqui, por comodidade, apenas teórico), faz tábua rasa dos dados empíricos. Para este profissional valem mais os princípios, as teses, os teoremas, do que a história e o que lhe entra pelos olhos adentro. Já o teórico especialista (que aqui vou chamar apenas de especialista) casa factos com conceitos, dá a devida importância aos dados empíricos, não perde de vista a evolução semântica dos termos e locuções.
Lembro-me que na década de 90 do século passado começou a estigmatização de alguns termos e locuções. «Guichet», «serviços periféricos», «gabinete», etc. Que o «guichet» (e o balcão de atendimento que encimava) levantava uma barreira à comunicação com o utente/cliente e que, por isso teria que cair; que «serviços periféricos» dava uma ideia errada da importância do serviço e que, por isso, devia ser substituído por «unidades de base territorial», conceito politicamente mais correcto e que acaba exprimindo melhor a ideia do serviço instalado fora e longe do centro.
Tanto se barafustou que, a páginas tantas, os serviços periféricos, as unidades de base territorial, os serviços desconcentrados, factos, realidades e conceitos com pontos comuns, mas que não devem ser confundidos, ganharam um rótulo único – SBT, Serviços de Base Territorial.
Até aqui, nada demais. São, de facto, serviços com responsabilidades sobre uma determinada parcela do território nacional. Mas há variantes e nuances que teriam de ser levados em consideração, quando tais entes estão em pauta e que, pura e simplesmente foram atirados para o olvido. E a descontinuidade do nosso território pode ter ajudado um pouco na densificação da confusão.

Ninguém poria em dúvida, por exemplo, que a Alfândega de Lisboa é um serviço de base territorial. Certo? Assim como a Delegação de Xabregas, o da Matinha ou o do Jardim do Tabaco. Certo? Mas algum especialista se lembraria de fazer essas casas fiscais portuguesas depender directamente do Ministro das Finanças de Portugal? Ocorreria a um especialista excluir essas estâncias aduaneiras do controlo da DGAIEC (Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo)? Creio bem que não. Senão, vejamos o organograma do Ministério das Finanças de Portugal, no ramo que interessa para esta análise: a DGAIEC aparece como serviço central do Ministério; as Alfândegas, unidades de base territorial (em Portugal já não se fala em Delegações aduaneiras desde a década passada, quando todas as estâncias aduaneiras passaram a designar-se Alfândegas, designação porque já eram popularmente conhecidas), aparecem na linha de subordinação da DGAIEC. Razões? Avanço apenas esta: é que uma Alfândega não é uma Delegação do Ministério das Finanças, sendo antes, e apenas, ponta-de-lança da DGAIEC, posicionada nas fronteiras ou nos pontos onde acontecem factos geradores dos impostos que está encarregue de arrecadar. Tout court. E se se tiver a preocupação de ver o articulado do diploma orgânico se verá que «a Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais de Consumo é o serviço central do departamento governamental, responsável pela área das Finanças que tem por objectivo estudar, promover, coordenar e executar as medidas e acções de política aduaneira relativas à organização, gestão e aperfeiçoamento do sistema aduaneiro, bem como o exercício da autoridade aduaneira» e, mais à frente, que a cobertura fiscal do território português se faz através das Alfândegas, as quais se relacionam verticalmente (de baixo para cima) com a DGAIEC. É assim: a DGAIEC define as regras e as Alfândegas aplicam-nas nas suas áreas territoriais, arrecadando os réditos para o Tesouro público e cumprindo as demais missões confiadas, orgânica e especificamente, à DGAIEC (não as missões gerais do MF). E ficamos em que as Alfândegas são unidades de base territorial; serviços desconcentrados da DGAIEC; estâncias periféricas do sistema aduaneiro português. Lembraria a algum especialista colocá-las na dependência directa do Dr. Fernando Teixeira Santos (MF)?

Fica mais fácil entender a questão quando a descontinuidade territorial não entra no barulho. Certo. Mas um teórico que se alheasse dos dados empíricos, da história e da evolução (semântica e não só) ocorrida, certamente insistiria em colocar uma Alfândega (Delegação da DGAIEC) em pé de igualdade com delegações do Ministério da Agricultura, da Saúde, da Educação, etc. E estaria laborando em erro por tratar de forma igual o que não é igual: as delegações dos Ministérios nas capitais de distrito representam todas as actividades do Ministério, aplicam as políticas do Ministério na sua área territorial; as delegações da DGAIEC (nas fronteiras e nos pontos geradores de impostos indirectos) cumprem as missões das Alfândegas e arrecadam os tributos administrados pela DGAIEC.
Compreender-se-ia que numa abordagem revolucionária da reforma orgânica de um Ministério das Finanças se pretendesse dar um salto para um patamar onde cada Ministério teria, em determinados pontos do território nacional, uma representação única. É claro que se podia equacionar a questão. Aliás, as Delegações da Receita Federal, no Brasil, acumulam funções aduaneiras, tributárias e previdenciárias. Mas, atenção! não são delegações do Ministério da Fazenda, nem do Ministério do Planejamento: são delegações da Receita que, por aqui, vai encontrando paralelo e equivalência (parcial) na DNRE - Direcção Nacional das Receitas do Estado (que eu gostaria de ver designada DNAF - Direcção Nacional da Administração Fiscal). Mas dizia que a coisa pode ser fazível. De todo o modo, na reformulação que se projectar, não se poderá perder de vista a história, os factos e os conceitos envolvidos; e os dados empíricos, o benchmarking com realidades afins e a relação custo/benefício da «revolução» não podem também ser perdidos de vista.

Voltando para dentro, para este nosso Cabo Verde de esperança, arquipélago de 10 ilhas, com 22 Repartições de Finanças e 14 estâncias aduaneiras (número que vai subir para 17 até ao final do ano) quais são os factos? As Repartições de Finanças são, essencialmente, pontas-de-lança da DGCI (Direcção-Geral das Contribuições e Impostos). Lançam, liquidam e arrecadam os impostos cuja administração está confiada à DGCI, para além de outras tarefas afins. Para além destas funções essenciais, fazem a representação de outros departamentos, como o Tesouro, o Património, etc. As estâncias aduaneiras, delegações da Direcção-Geral das Alfândegas, por necessidade instaladas nos pontos fronteiriços marítimos (portos) e aéreos (aeroportos), apenas cumprem funções aduaneiras. Um serviço desconcentrado do Ministério das Finanças, cobrindo todas as valências do Ministério, poderia integrar as Repartições de Finanças e as Alfândegas presentes no concelho: Delegação do Ministério das Finanças da Praia; Delegação do Ministério das Finanças de Sanvicente; do Fogo, da Brava, etc.
Agora, das duas três: funciona a Alfândega no Porto da Praia, com uma Delegação no Aeroporto e a Repartição de Finanças no Plateau, superintendendo o conjunto; ou instala-se a Delegação do Ministério em Lém Ferreira ou Achada Grande (localidades equidistantes do porto, do aeroporto e da «cidade»), dando despacho de mercadorias vindas por via marítima e aérea e liquidando e cobrando o IUR e o IVA; ou vai todo mundo cumprir obrigações fiscais (todas) no porto? Quem fala da Praia, fala de Sanvicente, de S. Filipe, da Brava…
Convenhamos que a transposição do que se tem para o que se sonha não é pêra doce. De um Ministério das Finanças com seus serviços centrais; de uma DNRE com suas delegações tributárias, aduaneiras e tributárias/aduaneiras (possível em Santa Catarina, Mosteiros e mais alguns concelhos do interior), dependendo do DNRE (directamente ou através dos seus adjuntos para os assuntos tributários e para os aduaneiros); para uma nova realidade, em que são instaladas Delegações concelhias do Ministério das Finanças (36 agora e 39 até ao final do ano), despachando directamente com o Ministro das Finanças, dando despacho de mercadorias (vindas por ar, mar e terra) e colectando impostos directos; vai um salto e tanto.
A questão a pôr, portanto, é esta: O SALTO SERÁ EXECUTÁVEL? Pode ser. SEM REDE? Eu não aconselharia ninguém a executar um tal salto sem rede. É que uma tal revolução seria tudo menos silenciosa. Exigiria muitos ensaios, muita ponderação, muita consulta e, sobretudo, teria que garantir ganhos quânticos, da ordem dos 1000 (mil) ou mais por cento. Menos do que isso, e ainda por cima feito de supetão e sem considerar a história, os factos e as realidades, as forças, fraquezas, oportunidades e ameaças (uma análise SWOT, sim senhora), seria apenas mais uma aventura, baseada apenas em considerandos teóricos, uma das muitas que a gente foi vivendo ao longo dos tempos.

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