Monday, March 23, 2009

TESE, ANÁLISE, CRÓNICA…

“Eu não interpreto ninguém. Em todos os filmes, eu sempre fiz o papel de John Wayne. Até que não fui de todo mal, fui?”
John Wayne
Francisco Pinto Balsemão, jornalista, militante nº 1 do PPD/PSD, Primeiro-ministro dos tempos da AD e Patrão da IMPRESA (empresa proprietária da SIC e de um mundo de publicações e produtos multimédia), diz que um texto de 4.000 caracteres tem o tamanho ideal para a expressão de uma opinião na imprensa escrita. Nós por cá, contudo, abusamos da paciência do leitor, temos os nossos editores em permanente dilema e, sobretudo, confundimos muito boa gente. A nossa comunicação é prolixa e acaba se situando na faixa dos 7.000/8.000 caracteres. E isso, pelo que me foi dado escutar, está fazendo alguma confusão. Outro dia, alguém me abordou exigindo maior profundidade nas minhas análises. Já uns dias antes recebera um recado em que me pediam para aprofundar mais os temas que tratava. Diante disso, decidi-me pela explicitação dos meus objectivos quando entrego um texto ao meu editor.
Antes de mais, quero deixar registado que sou apologista da contenção de um artigo de opinião em um texto com não mais de 4.000 caracteres. E que, ultimamente, tenho feito esse exercício no meu blogue (http://ludgerocv.blogspot.com). Confesso que estou também entre aqueles que bombardeiam os editores com colunas (páginas, já agora) de 7.000 caracteres e mais – cansando o re-writer, roubando precioso espaço ao jornal e abusando da paciência do leitor. Me penitencio por isso. Mas, e apesar do tamanho dos textos, é preciso não confundir tese com análise ou com simples crónica ou mera tentativa de suscitar opiniões no público leitor.
Uma tese é um trabalho de especialista ou de quem objectiva ser aceito lá naquele patamar onde as coisas, os factos e os acontecimentos têm uma leitura e uma interpretação filosófica. Versa tema inédito (ou de forma inédita), mergulha no âmago da questão em pauta e traça hipóteses de interpretação ou explicação dos fenómenos. É aberta, via de regra, por uma introdução, que dá um cheirinho do que vai ser o trabalho e deixa uma ténue sugestão do sentido do desfecho; contém a tese, propriamente dita, e a sua antítese; e é fechada com uma conclusão, onde são explanadas as conclusões do defendente ou as hipóteses, plausíveis, de explicação do fenómeno sob análise. É um trabalho de fundo, que exige um background sólido e trabalho árduo de investigação e pesquisa. E não é texto para leitura de fim-de-semana, nem para o grande público. Por conseguinte, ninguém deve esperar de um mero escriba, operando em um semanário, que apresente uma tese por semana. Não é disso que se trata: faltaria ao escriba, eventualmente, background, motivação e vocação.
Já a análise pode ser entendida como uma leitura do autor. Focalizado no fenómeno (discursos, práticas, tomadas de decisão ou posicionamentos), a análise busca a compreensão da manifestação sob exame, levando em linha de conta a história, a cultura, o ambiente político, acontecimentos já vivenciados, o desfecho de situações análogas no passado, o conhecimento prévio do sujeito, as interacções desse mesmo sujeito, enfim, um manancial de referenciais que vão permitir ao analista captar para lá do verbalizado, escrito ou exibido. O analista põe à disposição dos demais a sua percepção do fenómeno, e é, via de regra, bastante contido nas extrapolações que faz. Lê, interpreta e comenta. Pode haver – e com certeza há – quem se limite a fazer análises nos jornais. Aliás, é perfeitamente compaginável com a intervenção em semanários. Mas nem todo o mundo se satisfaz com registar análises numa página de jornal. Pessoalmente, entendo que ter uma página de jornal à nossa inteira disposição é uma autêntica bênção, razão porque esta deve ser muito bem utilizada. A crónica, pura e simples, é o instrumento utilizado para registar acontecimentos (lato sensu) para a posteridade. O autor destaca aspectos marcantes de um dado tempo (crónica faz lembrar Cronos, Deus do tempo), numa perspectiva interpretadora, logo, integradora das experiências, vivências e cultura do cronista. E é isso que a maioria dos escreventes dos jornais faz.
Mas não é simplesmente isso que o editor quer. Não é apenas isso que o leitor espera. Somente isso, não satisfaria, também, o espírito de um homem que, mais do que buscar interpretar os fenómenos, quer partilhar, quer espicaçar, quer ter todo o mundo falando da «coisa». E, diante da hipótese de conseguir um tal desiderato, não tenho problema nenhum em sacrificar a profundidade da análise em benefício da catalisação da curiosidade intelectual do leitor, nem me incomoda que seja incompreendido por alguns, ou que se fale mal do que faço. É que a ideia é mesmo essa: falem mal de mim, mas que não deixem de falar e, principalmente, de reflectir nas coisas de que falo. Manter a «coisa» na boca do mundo, por pelo menos uma semana – eis o que me move. Eis o meu compromisso, enquanto colunista.
Por isso, se tivesse de caracterizar o que faço, teria que forjar um termo, quiçá uma locução, nova. Que tese, não é. Nem poderia ser. Faltam-me engenho e arte para pretender estar ou caminhar para um tal patamar. Para além dos factos incontornáveis de que, mesmo que tivesse o que comprovadamente não tenho, não podem ser produzidas teses semanais; o jornal não tem espaço suficiente para publicar teses; e, last but not least, os leitores não têm tempo, nem disposição, para passar o fim-de-semana a ler teses. Por outro lado, afigura-se-me um tanto ou quanto diletante ficar pela leitura dos factos. Entendi o que foi dito, li nas entrelinhas, informações privilegiadas permitiram-me ver para lá da ponta exibida do iceberg. E daí? Mesmo que partilhasse a minha visão com os outros, ficaria com a sensação de pretender ficar confortavelmente no grupinho das pessoas com «visões», deixando os demais na dependência das leituras que entenderem dever socializar. Não é essa a minha praia. Definitivamente. Finalmente, a crónica, pelas razões aduzidas atrás e por um montão de outras que não vêm ao caso, não me satisfaz completamente. Registar os acontecimentos, ainda que com o acrescento de sal e pimenta, pessoais, não obrigaria os leitores a problematizarem à volta da questão. Não fico por aí, pois.
O que eu faço, e lá estão os leitores da minha coluna como testemunhas, é principalmente questionar. Registo o acontecimento, levanto questões sobre, problematizo à volta da «coisa» ou do «de cujus», antecipo respostas propositadamente polémicas e lanço desafios aos meus leitores. Será que vai dar praia? Não digo NUNCA que vai dar: registo os dados disponíveis; analiso-os; faço a minha leitura; e convido os leitores a lançarem mão do que temos de diferente (coisas que saibam e eu não; experiências que vivenciaram e eu não; a educação que tiveram e que é, necessariamente, diversa da que eu recebi, enfim, o que faz deles pessoas diferentes do seu colunista) para tentarem ter a sua própria leitura; a anteciparem fenómenos, e a serem capazes de escapar da dependência de políticos, analistas e quejandos. O que me move, e espero estar a conseguir os objectivos que persigo, não é, meramente, «fazer» opinião; o que me faz correr é a ambição de ver ampliado o leque de cabo-verdianos capazes de escutar uma declaração (ler um artigo, uma postura municipal ou uma moção) e ser capaz de problematizar à volta do escutado, ou lido, a modos de conseguir, a final, sintetizar a sua própria leitura dos acontecimentos e se posicionar em consequência. O que faz com que não seja candidato a nada, não seja um analista, tout court, nem, tampouco, um cronista, no sentido restrito do termo. Também não sou um «opinion maker» tradicional. Me confortaria muito se soubesse que alguém me vê como um activista pela cidadania plena. Há termo, ou locução, já registada, para catalogar uma tal postura?
Já vou muito para além dos 4.000 caracteres do Dr. Balsemão, devendo estar a roçar os 8.000 (espaços incluído). Mas não posso deixar de registar aqui um sucesso (não sei se terá sido o primeiro ou se é o último): a candidatura de Jorge Maurício Santos, à sua própria sucessão, ganhou um novo élan; é, hoje, candidato assumido. E, em consequência, os opositores encolheram, havendo já quem jure nunca ter tido qualquer ambição em relação ao lugar de Dos Santos (que, tudo leva a crer, vai entrar para a história de Cabo Verde como o primeiro Presidente de um partido político a ser eleito por sufrágio directo dos militantes).

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