Monday, February 23, 2009

RASGAÇÃO DE SEDA

“Amor não é olharem um para o outro, mas sim olharem ambos numa mesma direcção.”
Antoine de Saint-Exupéry
Nada, de 91 a esta parte, fazia prever tanta rasgação de seda entre Veiga e Silveira.
Silveira tirou a Veiga todo o protagonismo naquela ofensiva política que foi a convocação de uma reunião de Conselho de Ministros no Mindelo, capital do Noroeste. Veiga era Primeiro-ministro (e Presidente do Conselho) mas à comunicação social só interessava uma coisa: ONÉSIMO IRIA OU NÃO ESTAR PRESENTE NA PRIMEIRA REUNIÃO DO CONSELHO DE MINISTROS DESCENTRALIZADA? De lembrar que Onésimo Silveira era tão-somente o Presidente da Câmara Municipal de Sanvicente. Decorriam os anos áureos de Veiga e do MpD.
No Ano 2000 (o tal que estava para ser o último da nossa era) Silveira avança, contra todas as expectativas, com uma candidatura à Presidência da República. Baralhou completamente as contas das demais candidaturas. A candidatura de Veiga foi aos arames e disse, para quem quisesse ouvir, que Silveira estava mancomunado com Pires e com o PAI e que a sua candidatura era apenas uma manobra de diversão, virada para o esfarelamento dos votos da área política de Veiga. Haveria, de facto, algum arranjo entre Silveira, Pires e PAI? Nunca ninguém provou nada. A verdade, porém, é que o Homem do Norte abandonou a corrida presidencial dias antes do escrutínio e acabou embaixador de Cabo Verde em Portugal.
Nas campanhas de 2005/06, Silveira integrou a lista de candidatos a deputado do PAI pelo círculo de Sanvicente e integrou grupos de apoio à campanha para a reeleição de Pires, tendo Veiga do outro lado das barricadas, num e noutro pleito.
No fórum sobre a descentralização, realizado na Cidade da Praia, Veiga defendeu posições muito próximas das de José Maria Neves, deixando Onésimo Silveira, Jorge Santos, Isaura Gomes, Orlando Delgado e muito boa gente completamente baralhada e, por isso mesmo, incapaz de defender o tipo de descentralização que sempre defenderam, a REGIONALIZAÇÃO. No plenário ficou a sensação de que o pessoal do Noroeste se sentiu traído. Sem o apoio do «padrinho» Veiga, que tinham como favas contadas, o grupo dispersou-se e não conseguiu defender a sua tese. Só Orlando Delgado ainda deu um ar de sua graça.
Pareciam-me demasiadas coisas (e loisas também) entre Veiga e Silveira. Mas, mais uma vez, ficou patente que há mais coisas entre o céu e a terra do que admite a nossa vã filosofia. No ano de graça de 2009, assiste-se a uma rasgação de seda impressionante entre Silveira, cientista político de nomeada, e Veiga, o político que se fez, de 91 a 95, deixando para trás quase todos os políticos nacionais caldeados na clandestinidade contra o colonial-fascismo.
Parece fã falando de seus ídolos? Não só parece, como é. Tenho um enorme respeito pela ciência e sapiência do Homem do Norte; nutro uma grande admiração pela forma como cria factos políticos e dele tira proveitos (políticos, claro); causa impressão o seu senso de justiça, mormente quando identifica e separa o lado bom do lado mau das coisas (impressionou-me, sobremaneira, a forma como defendeu a Administração Pública cabo-verdiana e os políticos cabo-verdianos no último fórum do jornal A SEMANA, na Cidade do Mindelo – ESTAMOS ONDE ESTAMOS, CHEGAMOS ONDE CHEGAMOS, COM ESTA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, COM OS POLÍTICOS QUE TEMOS), na mesma medida em que abomino o seu elaborado bairrismo.
Do outro lado, temos Carlos Veiga, o homem que foi colocado à frente do Movimento para a Democracia por um grupo de políticos espertos (espertos, na acepção que a palavra tem na ilha do Fogo) com segundas intenções (e quiçá terceiras, quem sabe?) e deu a volta por cima. A ideia era tê-lo como bandeira, graças à sua reputação, competência e popularidade, conquistar o poder, para, mais tarde, manejá-lo à vontade. Ai que se deram tão mal os malandrinhos! Veiga, fingindo que se deixava levar ou reagindo instintivamente, controla todos os dossiers, ganha a necessária malícia, toma o freio nos dentes, apossa-se do poder… e manda para escanteio os chicos-espertos que pensavam fazer dele marioneta de teatrinho de rua. Bati palmas. Silenciosamente, é certo. E ganhei respeito e admiração por este magistrado que se fez político para não ser títere nas mãos de políticos calculistas.
Compreende-se agora melhor o meu estado de espírito diante da rasgação de seda que tem havido entre estes dois monstros sagrados da nossa política? Veiga ressarce Silveira do chega-prá-lá em que se traduziu a posição que assumiu no debate sobre a descentralização (no fórum Veiga defende a região-ilha, com uma autarquia supra-municipal administrando a ilha e gerindo as sinergias dos municípios integrantes), patrocinando agora a solução bicamaral para o parlamento, proposta por Silveira. Em agradecimento, aparece Silveira confessando que já consegue vislumbrar em Veiga um Homem de corpo inteiro, como nunca entrevira antes. Não é comovente?
A comoção não tem, directamente, nada a ver, nem com a Câmara das Ilhas, nem com o reconhecimento de Veiga como Homem de corpo inteiro. Nada disso. Não questiono a bondade da solução bicamaral (e quem sou eu para questionar uma proposta de O.S.?), nem ponho em dúvida o facto de Veiga ser um homem de corpo inteiro. Comovente é a constatação da forma voluptuosa como a ternura invade o coração dos homens, quando estes acreditam que as diferenças entre eles se estão esbatendo. E fico curioso quando cogito em como ficarão as coisas, quando Silveira descobrir, mais uma vez, que continua mouro (na acepção que o termo tem em Santiago) porque o padrinho voltou a abandoná-lo no altar. É que não senti em Veiga, quando pareceu defender o tal de Senado, a mesma firmeza que sinto quando Silveira defende a criação do Senado. E as sedas rasgadas agora, no calor do amor descoberto, como ficarão? É que uma vez a seda rasgada…
Assim como assim, de tudo que vi, li e ouvi nestes dias, do que mais gostei foi da rasgação de seda entre Veiga e Silveira. Apesar dos pesares.

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