Saturday, January 24, 2009

FORMA DE ESTADO E SISTEMAS DE GOVERNO

La Liberté? Qu’est-ce que cela? Une plaisenterie que les politiciens se racontent à voix basse, en ricanant…”

Heinz G. KONSALIK

Quando começaram as colocações a propósito da revisão constitucional pensei ouvir falar de tudo. Menos da forma de Estado, claro.
Os nossos constituintes foram claros: a forma e a organização do Estado não podem ser objecto de revisão. Por isso vamos ter que aprender a viver na República Unitária de Cabo Verde, erigida e gerida sob o signo de estado social de direito democrático. Apesar da elisão do “social” na revisão de 99.
Mas esperava, com alguma curiosidade, ouvir falar – e muito – do sistema de Governo. Não porque o sistema plasmado na Constituição de 92 tenha dado algum sinal de estafa, mas porque a nossa postura, em quase todos os níveis, indicam um certo gostinho pelo singular. “Singular + uns tantos”, é certo, mas enfaticamente singular.
Apesar de os constituintes de 92 (e os revisores de 99, também) terem optado pelo parlamentarismo mitigado, todos, consciente ou inconscientemente, acabaram dando uma colherzinha de chá para o Presidencialismo do Primeiro-ministro. Tanto com Carlos Veiga, como com José Maria Neves. É certo que a conjugação de uma Maioria, um Governo, um Presidente, torna o Presidencialismo do PM uma tentação a que dificilmente um ser humano (e cabo-verdiano) resistiria. O Presidente do partido no poder, investido no cargo de Chefe de Governo, é, afinal, quem liderou a conquista da maioria (que o suporta) e quem comandou o apoio que tornou possível a eleição do Presidente da República. E em um cenário em que a maioria do Parlamento (que tem a missão de fiscalizar a acção do Executivo) foi conseguida sob a liderança do PM; e o Presidente da República (que nomeia o Governo e pode dissolver o Parlamento) deve a sua eleição, em grande medida, aos apoios da mesma figura; nada de mais natural que o PM acabe sendo, informalmente, o centro do poder do Estado, dando lugar ao apelidado PRESIDENCIALISMO DO PRIMEIRO MINISTRO.
E isso é mau? Chega para fundamentar uma proposta de alteração do sistema de Governo, em sede de revisão constitucional? Francamente? Acho que não.
Mas, antes de mais, importaria conhecer todas as formas de Governo possíveis numa República, em um estado de direito democrático: há o sistema PRESIDENCIALISTA, o SEMI-PRESIDENCIALISTA e o PARLAMENTAR (comportando o PARLAMENTARISMO, dito puro, tipo inglês, e o PARLAMENTARISMO MITIGADO, consagrado na nossa Constituição).
No sistema PRESIDENCIAL o Presidente da República é eleito por sufrágio directo, secreto e universal. Ele é, simultaneamente, Chefe de Estado e Chefe do Governo. Os Ministros são meros coadjutores do PR e respondem politicamente perante Ele. É o Governo de “UM + uns tantos”. Em um tal sistema, o Presidente e o Parlamento têm a mesma legitimidade e o Governo só cai com a queda do Presidente, o que só se verifica, grosso modo, em caso de impeachment (lembrar os casos de Richard Nixon - USA e de Fernando Collor de Mello – Brasil). Neste sistema, o Governo não emana do Parlamento, o que permite uma mais efectiva fiscalização das acções daquele por este.
No sistema PARLAMENTAR o Chefe de Estado é eleito por um Colégio Eleitoral, portanto, por sufrágio indirecto. O Parlamento é o único órgão de soberania eleito por sufrágio directo, secreto e universal. O Parlamento é, indubitavelmente, o centro do Poder do Estado. O Governo é uma emanação do Parlamento e o Primeiro-ministro é um primo inter pares. PM e Ministros respondem politicamente perante o Parlamento.
O PARLAMENTARISMO MITIGADO é uma derivante especial do parlamentarismo. A diferença mais marcante é a eleição directa do Chefe de Estado e a possibilidade deste poder dissolver o Parlamento[ALC1] .
O sistema SEMI-PRESIDENCIAL é um sistema híbrido. O Chefe de Estado é eleito, como no sistema presidencial, por sufrágio directo, secreto e universal, mas ele não é o Chefe de Governo, embora possa ter algum peso em algumas áreas da governação. O mais comum é ele ter a última palavra em questões como a DEFESA ou a POLÍTICA EXTERNA.
Visitadas as formas de Governo conhecidas, onde se enquadra o sistema cabo-verdiano? Formalmente, é um Parlamentarismo mitigado: (i) o Chefe de Estado é eleito directamente, mas (ii) não governa, (iii) nem tem qualquer intervenção na definição das políticas do Executivo, embora (iv) possa dissolver, sob condição, o Parlamento, sendo (v) este o centro do poder do Estado.
Pode-se então afirmar que o sistema de Governo da República de Cabo Verde é, formal e realmente, o Parlamentarismo Mitigado? Parece ser. Pode até ser. Mas… é isso mesmo que todos queremos? Está conforme ao nosso ADN cultural? E, principalmente, é o melhor sistema para Cabo Verde?
A nossa prática, por aqui, tem mais a ver com o sistema “UM + uns tantos” do que com os demais. Se não, veja-se o que acontece nos partidos, nos clubes de futebol, nas associações regionais que regem o desporto, nas federações, nas associações cívicas, nos Governos, nas Câmaras Municipais, nas comissões, nas Ordens profissionais, nas autoridades reguladoras, etc. É o sistema “UM + uns tantos” cuspido e escarrado. É o Presidente mais uns quantos (que de quando em vez dão o ar de sua graça, quase sempre para exigir a sua quota-parte dos louros). Que quando as coisas dão para o torto… pernas para que vos quero! Dão às de vila Diogo. Formalmente os órgãos podem ser colegiais, mas na prática… E não é por usurpação de poder pelos number one, não senhora! É que estes acabam ficando com as batatas quentes nas mãos e, tendo algum brio, esfalfam-se para resolver as pendências. E mais: na hora de pagar o pato, é a eles que são apresentadas as facturas. Veja-se o «enterro» de Pedro Pires na noite de 13/01/91; vejam-se as sucessivas derrotas de Carlos Veiga nas presidenciais; vejam-se as facturas que já se apresentam a José Maria Neves e antevejam-se as facturas futuras; veja-se o que se cobra hoje ao Felisberto Vieira, Américo Silva e João Baptista Andrade (e eles eram apenas primus inter pares nos órgãos colegiais que são os executivos camarários). E isso para só falar em políticos. Que o João Gomes terá as suas dores; o Cipriano Fernandes as dele; o Mário Semedo terá as suas; o António Pedro Silva e o Eurico Borja (das Associações de Defesa do Consumidor) conhecerão as deles. Enfim…
Mas, voltando à vaca fria, e considerando que apesar da prática do “UM + uns tantos” ser corriqueira, ela não é de boa memória (e, convenhamos, tem embutido alguns riscos) e que, apesar dos pesares, o Parlamentarismo mitigado deu conta do recado nos quase 17 anos de sua vigência, ainda assim, não resisto a lançar, neste clima de revisão constitucional, um desafio aos cabo-verdianos de boa-vontade: PARLAMENTARISMO MITIGADO, PARLAMENTARISMO (tout court) ou SEMI-PRESIDENCIALISMO? Ahn?!
Porquê, ou para quê, eleger um Chefe de Estado por sufrágio directo, secreto e universal, e conferir-lhe os poderes que tem (ou não tem)? Não ficaria mais barato abraçar-se, de vez, o parlamentarismo, dito puro? Os poderes presidenciais manter-se-iam praticamente os mesmos; poupávamos as chatices de uma campanha presidencial, sem debates nem nada parecido, e os custos de uma eleição presidencial; centrávamos o poder no Parlamento; e teríamos a nossa Rainha da Inglaterra sentada no Palácio do Miradouro Diogo Gomes a receber as cartas credenciais dos embaixadores acreditados no país. Na paz dos anjos.
Ou, por outro, já que elegemos directamente o Chefe de Estado, porque não conferir-lhe os poderes que a sua forma de eleição sugere? Tem a mesma legitimidade que o Parlamento, mas é quase obrigado a ler pela cartilha do Executivo (uma emanação do Parlamento) que lhe fixa um orçamento, lhe controla as deslocações e sobre cujas políticas não é tido nem achado. Rentabilizando os «investimentos» feitos na eleição directa para a MAIS ALTA MAGISTRATURA DA NAÇÃO, façamos do HOMEM um Comandante-em-Chefe, de verdade; deixemo-lo fazer as honras da representação política do país; outorguemos-lhe os necessários instrumentos para cumprir cabalmente o papel de guardião da Constituição. Mantendo-nos fiel ao princípio da eleição do Chefe de Estado por sufrágio directo, secreto e universal, seríamos coerentes se alterássemos, AGORA, no processo de revisão constitucional, os poderes do Presidente da República, e abraçássemos, de vez, o SEMI-PRESIDENCIALISMO. Bastava dar ao Chefe de Estado (e Comandante-em-Chefe das Forças Armadas, é bom não esquecer) vez e voz na definição das políticas de defesa e da segurança do país; vez e voz na definição e na condução da política externa; reduzir-lhe as condicionantes para a dissolução do parlamento e para a demissão do Governo; mais espaço para a arbitragem de conflitos entre órgãos de soberania e para a remoção de constrangimentos ao bom funcionamento das instituições da República.
Se me fosse dado votar, votaria pelo reforço dos poderes presidenciais e pelo SEMI-PRESIDENCIALISMO. Mas colocaria uma condição à aceitação das candidaturas à mais Alta Magistratura da Nação: que os candidatos sejam obrigados a instruir os respectivos processos de candidatura com uma DECLARAÇÃO DE COMPROMISSO, em que se comprometem, preto no branco, a participar em, pelo menos, dois debates públicos durante a campanha eleitoral, na primeira volta, e em, pelo menos, um, na segunda, sendo o caso.
Vamos ainda a tempo de incluir esta questão nas propostas de revisão constitucional? Confesso que não sei. Podemos introduzir o tema para debate? YES, THAT WE CAN!

[ALC1]trabalhar

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