“Coragem não é a ausência de medo; é antes o sentimento de que existe algo mais importante do que o medo.”
Ambrose Redmoon
Se calhar as três coisas juntas. Um fulano tem uma vocação, que dita uma escolha e que conduz a um programa de treinamento para ser o que sente que pode fazer com excelência. Só que eu não tenho vocação para, não escolhi ser, não me preparei para ser. Por isso, não posso aceitar ser, apenas para, eventualmente, satisfazer algum ego caprichoso.
Se calhar, pessoas com preparação superior à minha ou com um percurso muito mais rico, não tenham qualquer reserva em servirem como pajem, independentemente do título que ostentem.
Compreendo perfeitamente, por exemplo, os Secretários (com maiúscula), homens e mulheres que, com ou sem vocação, investiram em formação específica e se prepararam para secretariar executivos, empresários, políticos, governantes. Estes constituem uma classe indispensável. Da Secretária do Lar (a categoria mais modesta, mas que nem por isso deixa de ser imprescindível) aos Secretários Executivos (a categoria mais bem informada sobre o andamento das coisas na Alta Administração), passando por Secretários de pessoal dirigente, Secretários de governantes e Secretários de Estado, vai todo um contínuo de agentes leais que, com ou sem vocação, se prepararam para servir, e servem, com lealdade, dedicação e excelência. Presto-lhes aqui a minha homenagem.
Faço aqui um parêntese para registar as nuances e diferenças que podem ser detectadas dentro do grupo «Secretários de Estado»: ele há o Secretário de Estado sem Secretaria de Estado que é um ajudante de Ministro com responsabilidade muitíssimo limitada; há o Secretário de Estado com Secretaria de Estado que é quase Ministro, conquanto se subordine a um; e há o Secretário de Estado dos sistemas presidencialistas que, sem deixarem de ser, politicamente, Secretários do Chefe de Estado e de Governo, têm amplas responsabilidades, muitas vezes com responsabilidades superiores às dos Ministros de certos sistemas parlamentares (mitigados ou não). Veja-se, por exemplo, o caso dos Estados Unidos da América.
Mas, voltando à vaca fria, estava falando de Pajens não titulados como tal (aliás, categoria que não consta do Catálogo das Profissões existentes em Cabo Verde) e um pouco de mim mesmo e da minha mania de pretender jamais ser o que não quiser ser. Dizia que aceitava que houvesse quem tivesse vocação e que, possivelmente, haveria quem se preparasse para ser Pajem de facto e Secretário de direito; e rematava que eu, por não ter vocação, nem preparação técnica, nem pachorra (uma mera questão de feitio) e não tendo pedido para ser, não devo aceitar ser, ainda que com um rótulo pretensioso. Confuso? Vou tentar explicar: não aceitaria fazer papel de pajem de ninguém (nem do mais cotado executivo da praça, nem do Primeiro-ministro, nem do Presidente da República) ainda que me rotulassem como Secretário de Estado sem Secretaria de Estado, Assessor ou Director de Serviço. Acho que agora consegui ser mais claro, conquanto deva ter acordado um bando de demónios, fantasmas e gongons que, quais besouros enfurecidos, se vão atirar a mim nos próximos dias.
Mas tudo bem. Pagarei o preço justo pela minha coerência. E não é por ser mais valente do que aqueles que se deixam levar; nem é por ser algum tipo António Sem-medo. Nem digo que não receie as consequências de uma proclamação destas, numa altura destas. A questão é que – parafraseando Ambrose Redmoon – anima-me o sentimento de que existe algo mais importante do que o receio pelas eventuais consequências da minha rebelião. No caso, a coerência entre o que acredito e que, de certa forma, me define, e as cedências que poderia ser obrigado a fazer, e que poderiam me descaracterizar.
Já fiz o papel de repórter desportivo voluntário (do Fogo para o VOZ DI POVO); já fiz o papel de Formador de dirigentes intermédios da Administração Pública e gostei; já me fiz de Escritor, e até calhou ganhar um prémio, mais ou menos chorudo; tenho feito o papel de pai de adultos mais altos do que eu, e creio que tenho-me saído bem; estou fazendo de colunista do jornal A SEMANA, e estou gostando bastante do papel. Mas a verdade é que escolhi ser aduaneiro e fiz a carreira direitinho. Porque aceitaria agora, no finalzinho e depois de chegar lá em cima na carreira, o papel de pajem, agente de viagens, ou outro qualquer, ainda que remunerado como um alto cargo do Catálogo da Função Pública? Vou continuar a ser aduaneiro a tempo inteiro; Pai sempre que os meus filhos (adultos) quiserem ou precisarem; e colunista nas horas vagas. E é isso ou a reforma.
Pode parecer um abuso da paciência dos meus leitores e pode até ser uma forma espalhafatosa de escapulir de um destino perfeitamente esconjurável. Mas junto de quem mais conseguiria desabafar a valer, senão com os meus fiéis leitores? É uma forma de dizer-lhes que continuo o mesmo de sempre. Apesar dos pesares. Venha o que vier!
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