Monday, April 14, 2008

TACV: DA TUTELA E DA PRIVATIZAÇÃO (OU ALIJAMENTO)

“Eu não pago salários. O produto sim.”
Henry Ford
TACV. Jurei não meter foice em tal seara. Por uma infinidade de razões. Desde logo, porque o conflito que opõe os trabalhadores ao administrador é um tanto ou quanto atípico: todos se acusam, mas ninguém disponibiliza dados que alimentem uma simpatia sustentada pela causa. Depois, porque jamais se viu um conflito tão agudo, dentro de uma empresa, pondo em causa a sua própria credibilidade e segurança, sendo seguido (estará, de facto sendo seguido?) de uma forma tão displicente, por uma postura tão low profile, dos accionistas. E se os accionistas não se mexem, porque cargas de água um cidadão teria de se preocupar?
Mas aí, as coisas subiram de tom. Falou-se de conquistas que poderiam ir para o escambau; de mercados que podem mudar de mãos; de dinheiros que estão deixando de ser ganhos e de dinheiro que está sendo atirado pela janela. Que casta de accionistas serão estes que nem buscam esclarecer as coisas? Accionistas que não se importam com o dinheiro que deixam de ganhar? Pior, que nem se importam com o dinheiro em caixa e que, diz-se, está voando pelo espaço, que nem os aparelhos da empresa? Mas quem serão tais accionistas?
De repente, lembrei-me que se falara também (e muito) da privatização da empresa. Espera aí? Se a empresa vai ser privatizada, quer dizer que ela é pública ou de capitais públicos. Sendo pública ou de capitais públicos, então EU sou um dos accionistas da empresa. ALTO AÍ! A coisa agora é também comigo.
E isso acontece exactamente no momento em que a Bolsa de Valores de Cabo Verde avisa aos accionistas da CECV e da SCT que, entre 17 e 18 de Abril, estarão recebendo 400$00 e 604$17 por acção, respectivamente, a título de dividendos. Daí a pensar que NÓS os accionistas dos TACV, em vez de recebermos dividendos, iríamos receber uma convocatória para entrarmos com dinheiro para cobrir o prejuízo, foi um passo. E um arrepio correu-me pela espinha. É certo que os fundos não vão sair directamente do meu bolso, mas o Tesouro Público é também NOSSO, caramba. E os recursos do Tesouro têm tantos destinos mais nobres do que cobrir as merdas produzidas pelos paxás que gerem as empresas (acções e participações) do Estado na base de fillings, cientes de que os seus chorudos honorários estarão garantidos, chova ou faça Sol!
Mas ainda aí, fiquei na minha. Preocupado, é certo, mas confiante no sistema representativo. Gilles Filialtreault representa (ou devia representar) a Dra. Cristina Duarte. (É verdade, sim senhora. Não é ao Ministro dos Transportes que compete tutelar a gestão das empresas, das acções e das participações do Estado, ainda que no ramo dos transportes. A gestão de capitais públicos compete ao Ministério das Finanças. E se as coisas não estão como deviam, ou há usurpação de poderes ou alguém extrapolou na sua função de redistribuir tarefas. É que há uma abissal diferença entre poder para DEFINIR políticas de transporte e prerrogativa para tutelar a GESTÃO dos capitais públicos investidos em empresa(s), ainda que no sector dos transportes. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa) A Dra. Cristina Duarte representa o Governo. O Governo é emanação da Assembleia Nacional. A Assembleia Nacional representa a Nação. A Nação: EU, VOCÊ, TODOS NÓS. Eu confio na competência técnica da Dra. Cristina Duarte e parece que o Chefe do Governo também. A moção de confiança que JMN fez passar no parlamento diz-me que a AN confia no Primeiro Ministro. E como na representação pela AN todos nós confiamos, conquanto continuasse preocupado, não perdi a fé no sistema representativo.
Mas quem me aparece para falar da gestão da empresa de capitais inteiramente públicos, registada TACV, SA? O Ministro das Infra-estruturas, Transportes e Mar. Deve vir falar da política nacional de transportes aéreos, pensei com os meus botões. Alguém, provavelmente a Ministra das Finanças e Administração Pública, aparecerá, mais tarde, para falar da situação financeira e das projecções futuras da empresa e do estádio em que se encontra o processo de recuperação da empresa, vis-à-vis da sua próxima privatização. O homem chega, diz que a situação financeira e laboral e o posicionamento no mercado da empresa estão exactamente onde se esperava que estivessem, e vai embora. Epa, epa, epa! Mau! Fiquei com a pulga atrás da orelha. Já eram coisas demais desafinando. E quando é que aparece a MFAP para nos falar, com conhecimento de causa, do que se passa na MINHA/NOSSA empresa? Será que o Premier confundiu as coisas e confiou a gestão dos capitais investidos nos TACV ao seu Vice-Presidente predilecto (para muitos, a eminência parda deste Governo)? Um homem da Fundação Getúlio Vargas - o MIT (EME AI TI) do hemisfério Sul, em matéria de gestão e administração - não comete um tal lapso. Um político da geração de JMN não confunde dirigentes do partido com dirigentes do Estado. O que estará se passando, então? Terão razão aqueles que defendem a tese de que JMN é refém de uns tantos barões do seu partido, por lhe terem confiado a liderança do partido no momento certo para chegar à primatura? Diz quem sabe que, na altura, foi JMN quem socorreu os barões e não o contrário. De todo o modo, ainda que algum equívoco envolvesse a relação, nada justifica que JMN, no seu segundo mandato (de cuja conquista foi, indubitavelmente, o artífice-mór), ainda se mantenha refém. Bem… a não ser que esteja sendo acometido por uma espécie de Sindroma de Estocolmo.
Quase soçobrado sob o peso das interrogações, ainda assim arranjo forças para me manter um fiel adepto do sistema representativo e dos seus mecanismos de correcção de desvios. JMN vai voltar a pôr o trem nos trilhos.
A minha confiança não fica, nem por isso, abalada quando o Premier promete falar no momento certo. Apesar de me parecer que o momento certo JÁ fosse aquele, concordei com o Chefe do Governo quando disse que não iria agir sob pressão. O Governo (ou governante) que abrir o precedente de resolver as coisas no momento em que a pressão é exercida lerpa-se. Embora, pessoalmente, acredite que a melhor maneira (e que é determinante para a escolha do melhor momento) de agir, de modo a manifestar respeito pela opinião pública nacional e a demonstrar atenção aos fenómenos que se manifestam na sociedade, é ser-se proactivo, é jogar na antecipação. Mas mantive-me fiel às minhas crenças: esperando que Cristina Duarte e/ou JMN chamassem a comunicação social para uma entrevista colectiva.
Mas nada disso aconteceu. O MFAP parece continuar à margem deste assunto. O Conselho de Ministros não evidencia sinais de querer avocar o dossier. E as trocas de mimos entre aqueles que eram supostos liderar a empresa, pelo menos formalmente (por um lado) e as lideranças informais forjadas nesta luta (por outro), sobem de tom. E a minha confiança na cadeia de mando ameaçou ruir. A minha fé no sistema representativo vacilou. A confiança na minha capacidade de leitura e interpretação das situações ficou abalada. Algo estava muito errado. Em nome do quê, aparece o MITM a tutelar a gestão de uma empresa de capitais inteiramente públicos (e um processo de privatizações, é bom não perder isso, também, de vista) em vez do MFAP? Porque uma companhia de bandeira desceria tão baixo na discussão de questões laborais e de estratégias de actuação? Que casta de gestor acreditaria que pode levar uma empresa a bom porto, tendo todos os trabalhadores da empresa contra ele? Que espécie de trabalhadores seriam capazes de, depois de dedicarem à empresa grande parte da sua juventude e o melhor do seu savoir-faire, pôr tudo em causa por mero capricho? O que é que se passa que, de tão terrível e terrífico, nem GF, nem as várias organizações dos trabalhadores, nem o Governo, se atrevem a verbalizar? Que terrível segredo sela as bocas de Gilles, dos porta-vozes dos trabalhadores e de JMN e mantém Cristina Duarte afastada? Esse angú tem caroço! E eu, co-proprietário da panelinha de angú, quero saber do que se trata.
Quando, apesar dos pesares, ainda pretendia ficar na minha, eis que cai no copo da minha paciência a gota que o faz transbordar: DIZEM-ME QUE SUA EXCELÊNCIA O SENHOR MINISTRO DE ESTADO E DAS INFRA-ESTRUTRAS, TRANSPORTE AÉREO E MAR DISSE QUE A SAÍDA PARA A SITUAÇÃO É A PRIVATIZAÇÃO, O MAIS RAPIDAMENTE POSSÍVEL, DA COMPANHIA AÉREA DE BANDEIRA, A NOSSA ARRELIANTE (MAS NOSSA, QUAND MÊME) TACV.
Que diabos! Se quiserem manter a Dra. Cristina Duarte à margem, que faça bom proveito a quem isso interessar. Mas que chamem o Dr. Veríssimo Pinto e lhe peçam algumas lições sobre «MOMENTOS PARA COMPRAR E MOMENTOS PARA VENDER». Ele que não emita parecer algum sobre os TACV. Que se limite a elucidá-los de que há um momento certo para VENDER, outro, bem distinto, para COMPRAR, e um terceiro (com contornos um poucochinho mais flexíveis) para CONSERVAR (acções, empresas, etc.). E não tenho dúvida nenhuma de que, no final da prelecção, os responsáveis chegariam à conclusão de que este não é o momento para VENDER os TACV. Para doar, oferecer ou alijar, talvez.
Mas, ainda assim, a doação à SATA não seria uma boa ideia. Já que nos rendemos (abrir mão da empresa, AGORA, no seu pior momento, soa a rendição, desistência, confissão de incapacidade), então rendamo-nos à TAP ou a outra companhia de bandeira. Ou ofereçam-na a Alfredo Carvalho. Ele já tinha dito que a queria. Há mais de dez anos atrás!
Quero deixar claro que quando me refiro a um mau momento da empresa não significa que perfilhe qualquer das posições veiculadas pelos beligerantes. Penso é nos processos pouco claros, na quebra da liderança, na ausência de confiança nas relações entre administradores e trabalhadores, na tutela controversa, no desbaratar da credibilidade, na péssima publicidade que se vem fazendo da empresa. Que uma empresa não se resume a firma, capitais, know-how e mercado. Isso tudo é importante, sim senhora. Mas a empresa é muito mais do que isso. As relações que nela nascem, medram e lhe conferem identidade e cultura próprias, fazem a diferença. Enformam a empresa. Conferem-lhe personalidade e potenciam a qualidade do serviço. Se acontece deteriorarem-se…
Mas chega de tró-ló-ló. Privatizar a empresa neste EXACTO momento configura uma fuga em frente e uma atitude claramente lesiva dos interesses da Nação. A concretizar-se, seria mais uma cabo-verdura, a que TODOS NÓS, accionistas da res publica, deveremos nos opor. Do Presidente da República ao mais modesto eleitor.

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