Monday, February 25, 2008

INDEPENDÊNCIA versus NEUTRALIDADE

INDEPENDENTE é (1) aquele que não está submetido a qualquer dependência ou sujeição; (2) aquele que se governa por leis ou estatutos próprios; (3) que é livre; (4) que é autónomo.
Já NEUTRO é (1) aquele que é indiferente; que tem falta de entusiasmo, de curiosidade, de paixão, de interesse; (2) é aquele cujo estado mental não encerra dor nem prazer, nem mistura de uma e outro; (3) é aquele que é estranho a toda a preocupação de ordem política, moral ou religiosa; (4) insensível; (5) apático; (6) frio; desprendido; (7) MEDICINA – enfermo de doença grave que revela inconsciência de quanto o rodeia.
As colocações acima são retiradas, ipsis verbis, de um dicionário da Língua Portuguesa, como, aliás, já tinham adivinhado.
Qual a intenção desta abertura? É com a melhor das intenções que apresento este menu aos leitores, pedindo-lhes que verifiquem onde se sentem legitimamente integrados. Se se sentem independentes ou se acham que são neutros. É um exercício como outro qualquer, mas que, vez por outra, merece ser feito. Até porque ajuda a mergulhar na proposta de reflexão que vem abaixo.

Em uma sociedade com forte tendência para a bipolarização política, qual a posição mais fácil de adoptar? Ser militante, ser independente ou ser neutro? Pode haver, de facto, independentes? E neutros?
É claro que ser militante é, sem sombras para dúvidas, a posição mais cómoda. O fulano não precisa pensar muito, não tem de ter um discurso próprio, sabe que tem uma retaguarda política para o proteger. Não tem necessidade de pensar muito, porque o partido pensa por ele; não precisa de ter um discurso próprio, porque, havendo um discurso oficial do partido, a disciplina partidária não lhe permite um discurso público divergente; e pode fazer os disparates que lhe aprouver porque sabe que pode contar com a solidariedade e a protecção dos correligionários. Pode até dormir descansado, já que, estando o seu partido no poder, tem acesso garantido a cargos públicos, tem garantias de avenças sem conta, pode-se transformar num dos fornecedores oficiais de bens e serviços ao Estado, enfim, pode ficar como o diabo gosta. Mas a situação tem também os seus riscos, claro. Mormente se o dito cujo não tiver competências e habilidades reconhecidas. Aí… a porca pode torcer o rabo. Pode parecer uma boa opção. E até é… para quem goste e tenha o bichinho da política. Mas tem os seus custos. E a factura vem junto. Perde-se – e muito – em termos de independência.
Ser independente já é mais complicado. Desde logo, porque em um quadro bipolarizado, de dependências muitas (que vão até aos ditos laços comestíveis) e de uma cultura de delegação (durante séculos, poderes e pessoas poderosas decidiram por nós). Sobrevive-se à própria custa. Quando um independente critica (ou vaia) um dos lados, sobe na avaliação do adversário do criticado e desce no conceito deste; quando elogia (ou aplaude) um dos lados, dá-se o inverso. O independente tem de ter discurso e crenças próprias. Imagine-se o coitado diante do exercício autista anual, feito no Parlamento, que se dá pelo nome de «Estado da Nação». Tendo consciência que não habita o PAÍS DAS MARIVILHAS que é pintado pela situação; sabendo, de ciência certa, que não vive no INFERNO DE DANTE borrado pela oposição; o que lhe restará senão fazer a sua própria avaliação, socializá-la com seus concidadãos e criticar (e vaiar) uma e outra pelo show de cinismo dado numa casa onde o respeito pela Nação devia imperar? Em um quadro destes, a regra é criticar o que é criticável, elogiar o que é elogiável, e mandar às favas todas as pretensões de condicionamento mental, de intimidação canhestra, de reduzir tudo a um clássico Sporting x Benfica. Há muito mais entre o céu e a terra do que admite a vã filosofia dos políticos profissionais e de seus esbirros.
Ser neutro já é doença. Em um quadro de galopante bipolarização social (a bipolarização política tem esse efeito nefasto sobre a sociedade civil) ser-se neutro é entregar o ouro ao bandido. Estar-se perante um processo de escolha dos titulares dos poderes, local ou central, e dar de ombros é atitude de alienado mental.
Mas é preciso não confundir independência (um quadro claro de não dependência de qualquer controlo externo e de não sujeição a interesses estranhos; de auto-governo, por normas ou princípios próprios; de livre arbítrio e de liberdade de escolha; e de ampla autonomia decisória) com neutralidade política (um quadro de indiferença, de tanto se me dá, como se me deu; do deixa andar e dêxa bai; de falta de entusiasmo, curiosidade, paixão, e interesse; estranho a toda a preocupação de ordem política; insensível, apático e desprendido em relação a quem vai ser entregue a gestão da res publica). Ser independente é não pertencer a nenhum rebanho, é a negação do estatuto de carneiro e a afirmação de cidadania. Significa alinhar com os bons circunstanciais e condenar os circunstancialmente maus, ainda que os maus de hoje tenham sido os bonzinhos de ontem e vice-versa. Ser neutro é votar sistematicamente em branco ou onde nos mandam; é bater palmas porque todos estão batendo palmas, ainda que não se compreenda a razão dos aplausos; é vaiar porque todos estão vaiando; é abdicar-se do direito de participação política (não confundir com partidária) e cívica; é embarcar com a carneirada; é a coisificação do indivíduo.
Agora, haverá indivíduos neutros na nossa sociedade? Estou em crer que não. Bem andam aqueles (professores ou alunos) que postulam que neutralidade política é coisa que não existe. Haverá independentes? Acredito que heverá montes deles. E errado está quem (aluno ou professor) postule o contrário.
Em um sistema em que os partidos admitem, sem rebuço, serem mais partidos de eleitores do que partidos de militantes, se admitirmos que não existem “cidadãos neutros”, é de crer que o grosso do pessoal seja independente. Não no sentido do independente acrítico (desejado pelos partidos), mas, seguramente, do independente apartidário (aquele que não lê pela cartilha dos partidos; que, tendo embora as suas simpatias políticas, são coerentes e exigentes quando a questão é a escolha daqueles em cujas mãos se vai entregar o destino da cidade, da ilha, do país). Os votantes MpD em Janeiro de 91 e Dezembro de 95 eram todos militantes? Para onde foram, então, que não apareceram a votar MpD em 2001 e 2006? Os eleitores que ditaram o regresso do PAI nas eleições de Janeiro de 2001 e a sua reconfirmação em Janeiro de 2006, eram todos militantes do PAI? Se sim, por onde andaram nas eleições autárquicas de 2004? Lembram-se daquele condutor de HIACE que (a seguir ao conhecimento do resultado das eleições legislativas de 2001 e em plena festa de Santo Amaro Abade) registou para as câmaras da televisão nacional que não era militante mas que votara PAI, porque era preciso mudar o estado das coisas. De um tal cidadão se pode dizer que foi independente. Foi autónomo. Fez o que achava certo na ocasião. Nada que o impedisse de, em outra eleição, voltar a votar MpD. E é bem capaz de o ter feito nas autárquicas de 2004. E, nessa base, se formos ver o número de votantes nas últimas legislativas, por exemplo, e o formos confrontar com o somatório do número de militantes do PAI + MpD, e subtrairmos o segundo do primeiro, teremos um número muito grande de não militantes. E se fixarmos que neutros não existem por aqui…
E neutros não existem. Nem devem existir. Nem se pode estimular o seu surgimento. E digo mais: é nosso dever e a salvação desta sociedade, que todos participem de tudo, que ninguém se feche na sua concha, nem se deixe confinar. Pessoalmente, tenho conclamado, neste espaço e noutros, ao reforço da participação de todas as classes sociais e profissionais. A título de exemplo, colo, abaixo, um pequeno extracto da comunicação que apresentei no último Fórum «A SEMANA», decorrido no Mindelo em Junho de 2007 e outro da crónica «O BOM PASTOR» dada à estampa neste espaço, há coisa de um mês. Cá vão:

«…os cidadãos, as empresas e as associações precisam de ganhar mais capacidade de intervenção pública. Pessoalmente, quero que a empresa privada tenha uma intervenção política. Desejo que as igrejas tenham uma intervenção política. É desejável que todos os corpos instituídos no país, todas as universidades, tenham um contributo mais atrevido e mais forte.»

«… que as Igrejas se devem interessar pelo que se passa no país, que devem ajudar os seus fiéis a evitar que sejam levados na curva pelos mercadores de promessas, que não devem se alhear da política. Mas entendo, também, que não devem tomar partido, que não devem participar da luta pelo poder, que não devem mancomunar-se com a situação, nem fazer oposição política.»

E é a esta postura que defendo para as igrejas (e que acredito que seja, em tese, o real posicionamento delas) que eu chamo de postura independente. Não de alheamento, nem de cumplicidade, mas, antes, de interesse activo pelo que se passa na cidade, na ilha, no país e no Mundo. E que fique claro que exigir neutralidade às igrejas é pedir que elas assistam, impávidas e serenas, à imolação das ovelhas do seu rebanho, no altar dos interesses dos partidos e dos grupos económicos que os influenciam.
E é claro que o que ficou dito em relação às igrejas aplica-se, mutatis mutandis, aos cidadãos.
E QUE VIVA A LIBERDADE!

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