Wednesday, February 20, 2008

THE «DAY AFTER» CASTRO

“Só é digno da liberdade, como da vida, aquele que se empenha em conquistá-la”

Joahann Goëthe

A notícia da abdicação de Fidel Castro Ruz traz-me à mente nomes de grandes homens da história do mundo. Refiro-me ao século XX e mais concretamente ao período pós guerra.
A primeira vez que ouvi falar de Fidel era eu ainda menino. Menininho. O meu primo Fragobá, um exímio desenhador, exibia um baralho de desenhos de rostos de personagens célebres. Um deles era a de um homem ainda novo, mas com a cara coberta por espessa barba negra. Segredou-me ele que era o grande Fidel Castro, el comandante. E ficou a simpatia pelo homem de quem sempre se falava em voz baixa. Até mesmo o Fragobá, que não temia nada, quando sussurrava tal nome, olhava cuidadosamente à volta.
Mas de uns tempos a esta parte, sempre que penso em Fidel, fico matutando como será o «day after» Fidel em Cuba. E é aí que se dá a associação de ideias que conduz à lembrança dos tais grandes nomes da história mundial do pós guerra.
Lembro-me de Nikita Krustchev e do golpe palaciano de Leonid Brejnev que pôs fim ao seu reinado e instalou o princípio do fim da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. O poder pessoal de Krustchev ficou repartido pelo triunvirato Nicolai Podgorny (Presidente), Alexei Kossiguin (Primeiro Ministro) e Leonid Brejnev (Secretário-Geral do PCUS), sendo este o mais poderoso de todos. E tenho dúvidas de que fosse «só» um triunvirato. Quem não se lembra do poder de Andrei Gromyko, o Ministro das Relações Exteriores da URSS, o senhor «Nyet» do Conselho de Segurança da ONU? Sempre que algo não lhe soava bem, soltava o «nyet», utilizando o seu direito de veto. Depois do desaparecimento de Brejnev nada mais foi o mesmo. Nem Andropov, nem Tchernienko, tiveram cotovelo para manter as rédeas firmes, abrindo assim o caminho para Mikhail Gorbatchev, o líder da comissão liquidatária da URSS. Levado na curva por Ronald Reagan, conduziu a «perestroika», a «glasnost» e, sobretudo, o desarmamento, a contento do velho actor secundário dos «westerns» de Hollywood. A Liberdade e a Democracia porque tanto ansiavam os ditos soviéticos, logo foram abalroados pela fúria de uma das máfias mais ferozes do nosso tempo. E era ver apartamentos recebidos um dia e surripiados no dia seguinte pela voragem da tristemente famosa máfia russa. E o pessoal estava entregue a si próprio. De tão pouco habituados que estavam a serem donos do próprio destino e de terem propriedade privada individual, pode-se imaginar o que foi – e vem sendo – os dias «after» URSS. Viva a liberdade, viva a democracia. Mas como entender que haja gente com saudades do tempo dos «velhos senhores»?
O que aconteceu quando Josip Broz «Tito» o homem que, com pulso de ferro, manteve unido, sob a designação de Jugoslávia, todo um naipe de nacionalidades dos Balcãs? Desaparecido Tito (que se tornou conhecido como o líder incontestado do grupo dos não-alinhados) Lazar Koliseuvski não aguentou a batata quente que herdou. E o «day after» Tito está aí à vista de todos: a Bósnia Herzgovina, a Sérvia, a Croácia, o Kosovo, as limpezas étnicas, etc.
Deslocando para realidades geograficamente mais próximas, temos o caso de Ahmed Sékou Touré, o senhor «NON» (que respondeu com um sonoro NON à proposta neo-colonial da França imperial). O que aconteceu à Guiné-Conakry do pós Sékou Touré? Lansana Konté baqueou e as coisas ficaram sem controlo.
Há o caso de António de Oliveira Salazar, o homenzinho de Santa Comba Dão. Marcelo Caetano não tem a mesma convicção e o controlo escoou-lhe por entre os dedos. Consegue travar uma insurreição, mas baqueia diante do movimento dos Capitães de Abril. E não fossem as tomadas de posição da maioria silenciosa (a que Frank Carlucci não terá sido alheio) e o país teria mergulhado no comunismo pelas mãos de Álvaro Cunhal, Vasco Gonçalves, Otelo Saraiva de Carvalho e de alguns românticos. Os portugueses perderiam a liberdade recém-conquistada e poriam em risco o pão que esteve garantido durante a ditadura.
A ditadura deve ser mesmo uma solução bem complicada de gerir. À mais ligeira folga nas rédeas e ao primeiro sinal de abrandamento a situação toma o freio nos dentes e quem se queixava da falta de liberdade e de democracia fica com novas e renovadas queixas. E, pior, contra todas as expectativas, vai se constatando algum saudosismo dos tempos de então. E há até quem apele para o fado «ó tempo/ volta p’ra trás / traz-me tudo o que perdi / tem pena e dá-me a vida / a vida que já vivi…». Quando todos sabemos que aquilo não era vida de que se devesse sentir saudades. Não se ouve já que os timorenses começam a sentir saudades do tempo dos indonésios, apesar da sanha assassina de Suharto? Veio a liberdade(?) e foi-se o pão. Triste sina.
E o que acontecerá à Cuba pós Fidel Castro? Raul Castro está para Fidel assim como Tchernienko esteve para Brejnev ou Bento XVI está João Paulo II. Não têm idade, nem tempo, para deixarem marcas pessoais. Para além do facto, em si, de não ser nada fácil suceder a personalidades como Fidel Castro Ruz ou Karol Józef Wojtyła. Em boa verdade, a sucessão efectiva de Fidel só se dará depois da partida de Raul. Que este tem um dilema que não pode resolver: ou segue acriticamente as pisadas do mano, sem os dons do mano, e falha; ou teria de divergir do mano, sem o tempo que o mano teve para se firmar, e falha, de forma ainda mais retumbante. O dia seguinte de Fidel (ou dos Castros, se se preferir) só chegará com a partida de Raul. E as questões que se põem são estas: esse dia trará o que nosostros achamos que os cubanos precisam? A par de mais liberdade, conseguirão manter o Estado Previdência? Continuarão donos da ilha? Terão, seguramente, mais pão? Não sentirão saudades de El-Comandante? Não chegarão ao ponto de cantar «Ó tempo volta p’ra trás»?
Acredito que, diante das lições da história, vai ser possível equacionar uma Cuba pós-Fidel onde os cubanos se sintam bem e não venham a ter saudades do tempo que lá vai. Mais liberdade, democracia política, social e económica, e um Estado presente e responsável, sem máfias, nem castas privilegiadas, é possível. E se Raul assumir que a sua principal missão é lançar as bases para essa nova era para Cuba e para os cubanos, seria óptimo. Para Cuba e para os cubanos; para Cabo Verde e para os cabo-verdianos; enfim, para o Mundo, essa aldeia global.

Mas porque a questão não se resume à substituição de líderes autoritários (não desculpo tais líderes, mas não me faço de desentendido diante do contexto e das conjunturas que geram tais entes) sugiro que se vá mais fundo na reflexão sobre a questão. De como em Cabo Verde tivemos a sorte de ter um Carlos Veiga a substituir Pedro Pires à frente dos destinos da Nação; de como os ventoinhas não tiveram a mesma sorte por ocasião da retirada de Veiga da liderança do MpD; dos cabelos brancos que José Maria Neves deve ter adquirido à conta de pensar numa sua sucessão exitosa à frente do seu partido e do país.
De todo o modo, sempre tivemos mais sorte do que os nossos irmãos que se libertaram de Nino Vieira e foram cair nos braços de Kumba Ialá, voltaram ao regaço de Nino e podem ter ainda o azar de voltar às boas com Kumba (que ele diz que vem aí).
Em jeito de fecho deixo aqui duas questões: no nosso caso, deve-se apenas à sorte, o facto de termos tido o percurso que tivemos? Os nossos amigos cubanos devem fiar-se apenas na sorte, na boa fé de Raul e na pressão de Uncle Sam?


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