Friday, April 1, 2011

MEIA MISSA

“Estranha é a química do corpo humano: você põe uma coroa na cabeça de um homem e ele fica logo com o rei na barriga.”

MILLÔR FERNANDES

Fico incomodado e, invariavelmente, com a pulga atrás da orelha, quando alguém me aborda ou me manda recados, dizendo que não sei da missa metade, a propósito de um qualquer tema polémico. E se esse alguém for um político, vinca-se-me a convicção de que a outra metade da missa que, presumivelmente, me quer explicar, será uma versão conveniente para o filantropo, meu protector, que me quer brindar com a missa inteira. Vamos e venhamos, ninguém, mormente políticos, tem assim tanto altruísmo, tanta boa vontade, para perder seu rico tempo a explicar, a quem quer que seja, como é que as coisas são, de facto. A não ser que se queira condicionar a opinião do “escolhido”. A maior parte do tempo estão pretendendo tecer e implantar ninhos atrás de incautas orelhas. Adentro do princípio de que onde há fumaça há, ou houve, fogo, quando vêm a público fortes indícios de uma situação dita irregular ou simplesmente esquisita, é porque aí há coisa. E quando os implicados, bonzinhos, se esforçam por convencer os outros que não sabem da missa metade e deixam escorrer, por vezes subliminarmente, o conteúdo da outra metade da missa, é porque têm culpas no Cartório. E, por coerência, sempre que ocorrem situações do género, prefiro arriscar e preencher as eventuais lacunas de informação com recurso a fontes próprias, à dedução e mesmo a inferências, a aceitar a oferta de esclarecimento que se me oferece. É mais seguro. Mormente quando se tem a pretensão de estar a ajudar outras pessoas a formarem a sua própria opinião. É que se me deixar manipular, estarei permitindo, indirectamente, a manipulação de muito boa gente. E isso não posso eu permitir. A coerência e a lealdade são a minha fonte de legitimidade enquanto cronista. A primeira faz-me, por vezes, incompreendido, principalmente por gente que entende que se se vai «uma vez a Caiscais», já não se pode banhar em outras águas. Por exemplo se declaro o voto em um partido, ou registo a minha confiança em um político, tomam-me como registado nesse partido, seguidor acrítico deste político, e cai o Carmo e a Trindade, porque mantenho atitude, postura e comportamento independente. Que por aqui ainda se confunde lealdade com fidelidade. A lealdade pressupõe adesão voluntária e algum grau de reciprocidade; já a fidelidade (mormente a canina, vigente em ambientes fanatizantes) é de sentido único e pressupõe uma certa ausência de senso crítico. Ora para mim a segunda não serve e a primeira implica seriedade e respeito. À malta jovem que se está iniciando na crónica, no métier de opinionmaker, sugiro que se mantenha atenta. Vão chocar com vigários que acham que só eles sabem rezar o Pai-Nosso; vão se encontrar com senhores da Verdade que acham que lhe devem fornecer a (sua versão da) metade da missa que dizem que os outros desconhecem; vão se confrontar com coladores de rótulos que, em função das tomadas de posição que tiverem, colarão rótulos de conveniência, para confundir a opinião pública. Estejam em paz com a vossa consciência e não se prendam a retornos, a reconhecimentos, que mais não buscam do que condicionar a vossa liberdade de expressão. Pessoalmente, há muito que me vacinei contra o constrangimento que é a necessidade de reconhecimento. O reconhecimento há muito que deixou de ser um barómetro fidedigno. Pelo menos desde que começou a ser manipulado da forma que se faz com a cenoura para fazer o asinino correr. O que me faz correr?! Corro para ficar em posição de fazer com que os meus filhos se sintam orgulhosos de mim. Corro para ser lembrado – quando partir deste vale de lágrimas – ser lembrado como um bom pai. Tudo quanto faço é aferido por esta pretensão megalómana. Estar em paz com a minha consciência; não dobrar a espinha diante dos poderosos; educar e apoiar sempre a minha prole; exercer os meus direitos e cumprir os meus deveres de cidadão; insurgir-me contra abusos de poder; colocar-me ao lado dos mais fracos; e, sobretudo, honrar meu pai e minha mãe (e os Legítimos Superiores, como manda o Decálogo); são a minha medida de felicidade, o caminho que espero me faça ser honrado pelos meus filhos e recordado como um bom pai. Quando soar a minha hora, não vou querer honrarias. Mas partiria feliz sabendo que na minha campa se gravou AQUI JAZ UM BOM PAI.

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