Monday, February 1, 2010

OS INFALÍVEIS

“A parte mais importante de um negócio é o sistema que está por trás do produto ou da ideia. Muita gente pode preparar um hambúrguer melhor do que o McDonald’s, mas poucos podem criar um sistema de negócios melhor do que esse.”
ROBERT T. KIYOSAKI
A tese da infalibilidade foi sempre brandida com a finalidade de manter as pessoas em sentido, escutando e dizendo Amén, matando, no ovo, toda e qualquer forma de protesto. Felizmente, a história está recheada de homens que ousaram protestar, reduzindo a pó tais pretensões. Lutero ousou, protestou e fez baquear a infalibilidade papal; e mesmo a infalibilidade de Deus tem sofrido sérios revezes, diante “distracções” imperdoáveis como o Holocausto, os genocídios da África Central e dos Balcãs e, mais recentemente, os sismos no Haiti. Já nem a tese de que Ele escreve direito por linhas tortas está convencendo como dantes.
Mas, apesar dos revezes da tese, estamos agora a braços com a mania de infalibilidade dos políticos. Fazem asneiras de bradar aos céus e se acontecer um cidadão contestar as suas decisões, fazem cair o Carmo e a Trindade. A meu ver, mais ameaçador do que a infalibilidade papal, é o facto de os Governos da República e da Capital, se julgarem, também eles, infalíveis. Configuraria o princípio do fim da alternância política e a morte da democracia, caso os governos fossem reconhecidos como infalíveis. E o risco agiganta-se em época de revisão constitucional e com uma oposição tão distraída.
Estão fazendo furor aqui na Cidade da Praia os casos “INPS” e “Estádio do Côco. Neste último, os infalíveis da Câmara Municipal da Praia não conseguindo engolir a posição assumida por um grupo de cidadãos - representando cinco equipas federadas, vários bairros da Capital e mais de 40% de praticantes do futebol na Praia - que se opõem à decisão do Governo da Cidade de «fechar» o Estádio do Côco, vão de conotar o grupo com a oposição do PAI. Nem o facto de os líderes do movimento serem, na sua maioria, activistas do MpD, parou a intolerância da edilidade: os infalíveis não concebem que as pessoas sejam capazes de pensar com as próprias cabeças e de agir em consequência.
Pior do que se considerar infalível (cada doido tem a sua mania) é encomendar artigos de opinião de outros pretensos infalíveis, com o escopo de fazer calar os protestantes, quando sentem que a balança está a pender para o lado dos cidadãos, esquecendo, ou fingindo não se lembrar, que a crise que segue trespassando o mundo foi provocada pela pretensão e soberba dos FINANCEIROS e potenciada pela miopia e imprevidência dos GOVERNOS – exactamente a dupla infalível do caso INPS.
Mas vamos aos factos. Aconteceu o Governo instruir o patrão do INPS a transferir 525 mil contos para a conta da ELECTRA (uma empresa a braços com dificuldades de tesouraria e com um passivo circulante que inibe os bancos e os fornecedores de lhe darem crédito), a fim de obviar a que o país parasse. Até aí, tudo bem. Outros já haviam feito o mesmo (ir à burra do INPS buscar dinheiro) e com motivações menos nobres.
Passado um tempo, o boss troca o INPS pelos TACV (outra empresa sempre à míngua de crédito e de numerário), e, ao que parece, quis também ser socorrido com os fundos da sua antiga organização, o INPS; ou porque o Governo, mais cauteloso, não quis repetir a dose, ou porque a nova administração do INPS tenha torcido o nariz à ideia, o certo é que a transferência secreta de fundos para a ELECTRA acabou chegando ao domínio público. E é aí que a porca torce o rabo e se dá a patada que se pretende agora branquear: o INPS passou de credor para accionista da ELECTRA, por obra e graça dos infalíveis de serviço. E o pecadilho dos protestantes foi terem achado que, entre ser accionista ou credora da ELECTRA, era preferível a última hipótese. E há de se entender bem porquê: o credor tem sempre hipóteses de receber o seu, ainda que recorrendo à penhora dos bens do devedor; enquanto o accionista não só pode nunca mais voltar a ver a cor do seu rico dinheirinho, como ainda, em caso de échec, ser obrigado a comparticipar no pagamento das dívidas da empresa.
E, perante a opção feita, choveram reacções, na sua maioria na contra-mão desta. E se bem me lembro, a grande maioria deixou claro que a energia e a água são um excelente negócio, mormente quando em regime de monopólio. A questão que se pôs (e ainda se põe) nunca teve a ver com o negócio em si, mas com a empresa detentora do negócio. É que para a decisão de investir numa empresa não conta apenas o negócio a que esta se dedica, mas a empresa em si, como um todo, seu histórico e sua performance* : os activos, o passivo, a rácio activo/passivo e o passivo circulante ou dívida de curto prazo; as receitas, as despesas, a rácio receitas/despesas; a qualidade da gestão; as questões laborais em que se encontra envolvida, as ineficiências em que se encontra enredada, enfim, sua rentabilidade, seu potencial e sua capacidade de sobrevivência.
O potencial da empresa em que se pretende investir é importante, sim senhora; mas, mais do que o potencial, a demonstração financeira tem de nos mostrar que a empresa tem condições de sobrevivência. Um botão de rosa tem tudo (potencial) para se transformar numa linda rosa; contudo, passar do potencial (botão de rosa) à efectividade (a linda rosa) depende muito do jardineiro (o gestor do processo), o qual tem o dever e a obrigação de proteger o botão de rosa das intempéries, irrigar a roseira, mantê-la livre das pragas e das ervas daninhas, garantir-lhe, afinal, condições de sobrevivência. Nem o botão de rosa mais promissor, nem a empresa detentora do melhor negócio do mundo (e a água e a energia estão nesse universo) chegam a lugar nenhum sem uma boa gestão. E a questão que teima é esta: PODE O INPS, COM O NÍVEL DE INVESTIMENTO QUE FEZ, INFLUENCIAR A GESTÃO DA ELECTRA? Parece que não. E assim sendo, a decisão do Governo, de fazer com que o INPS deixasse de ser mais uma credora da empresa, para se transformar em accionista minoritária, constitui um mau passo. Diga-se o que se disser.
Pretenda-se ser fornecedor, credor, parceiro ou accionista de uma empresa, mister se torna analisar a performance financeira da mesma . Cada um dos papéis pondo a tónica no item que mais lhe interessa** (a rentabilidade, o potencial, as hipóteses de sobrevivência, etc.) a verdade é que as decisões passam, inexoravelmente, pela análise da demonstração financeira. A ENACOL, quiçá a fornecedora principal da ELECTRA, analisou, não gostou do que viu e decidiu suspender os fornecimentos; a BANCA, o credor, por excelência, analisou, não gostou do que viu e decidiu pela cessação dos créditos; antes, uns ACCIONISTAS haviam analisado, não gostado do que viram e decidido tirar seu time de campo; mais recentemente, os INVESTIDORES nacionais torceram o nariz às obrigações emitidas pela empresa, só se decidindo a adquiri-las quando obtiveram a garantia de que o Tesouro público cobriria qualquer eventualidade. A questão que resta é esta: QUE CARGAS DE ÁGUA TERIA VISTO O INPS NA ELECTRA, QUE NEM OS FORNECEDORES, NEM A BANCA, NEM OS ANTIGOS ACCIONISTAS, NEM OS INVESTIDORES NACIONAIS VIRAM? Bom… sabe-se hoje que a decisão não foi do C.A., mas do Governo; que não terá sido decisão de gestor, mas de político; que não foi uma decisão baseada em critérios de eficácia e rentabilidade do capital, mas baseada unicamente em critérios políticos, e assumida por políticos, e em vésperas de eleições. E todo mundo sabe o que valem as decisões dos políticos tomadas em tal clima. No entanto, ainda assim, os artistas do negócio insistem que se deva considerar apenas o objecto da empresa.
Curioso é que a encomendinha do Governo traz à liça exemplos prosaicos acerca de decisões de investimento muito elucidativos do que não se deve fazer. Por exemplo, aquela de comprar boi novo e magro surte efeito contrário ao pretendido pelo mago de serviço. Que comprar um boi novo e magro para engorda é muitíssimo diferente de se fazer sócio de um péssimo criador de gado. Que uma coisa é alguém ir à feira de Assomada e comprar um novilho para engorda ou reprodução; e coisa muito diferente seria essa pessoa fazer-se sócio de um mau criador de gato, tipo um amigo meu, de Ribeirão Galinha, que tem imensas dificuldades em manter vivo qualquer rês que se lhe confie: no primeiro caso, o fulano seria DONO e assumiria a “gestão” do novilho que pretende transformar em boi gordo; no segundo caso, seria apenas CO-PROPRIETÁRIO (accionista) do novilho cuja engorda ficaria confiada a um, digamos, azarado criador de gado. Nas mãos do meu amigo Jeová é quase uma certeza que o novilho jamais chegará a boi. Ser accionista minoritário da ELECTRA (portanto, sem qualquer influência na gestão e tendo que se submeter à gestão instalada) é como investir no novilho e deixá-lo à guarda de um criador falhado. O melhor mesmo é comprar um novilho só seu, e dedicar-se, pessoalmente, à sua engorda. Ou confiá-lo a um assalariado que saiba do ofício, que queira exercê-lo e que… não seja tão azarado como o meu amigo de São Jorge.
E quanto aos riscos que se diz que todo mundo corre, a marosca está no que fica por dizer: tanto quem contratou, como quem fez o frete, sabe que os tais riscos de que fala o ditado (QUEM NÃO ARRISCA NÃO PETISCA) não são aleatórios: são RISCOS CALCULADOS e que têm na sua base a recolha e o processamento de informações e a análise e gestão de risco. Há, por exemplo, uma enorme diferença entre entrar para uma sociedade em “andamento” e a montagem de uma empresa, para depois abrir o capital aos investidores. Transformar uma ideia num negócio, começar um negócio (de água e energia, por exemplo) é uma coisa; coisa diferente é pegar a carreta já em andamento, com os pneus já rotos, o motorista desgastado e relaxado, os ajudantes desmotivados; sem reservas, nem crédito, junto da banca; e sem a confiança dos fornecedores de peças de substituição e combustível.
Deus deve estar desiludido tanto com quem encomendou como com quem fez o frete. É que não há justificação para o facto de as coisas terem sido feitas da forma como foram: o INPS, pelo volume de liquidez que detém, pelas responsabilidades que lhe estão confiadas, pela importância que tem na vida, presente e futura, do trabalhador cabo-verdiano, deve aplicar, sim senhora, o excesso de liquidez. Mas, quando toma decisões de investimento, deve fazê-lo, SEMPRE, com as vestes de INVESTIDOR SOFISTICADO.
O que é um Investidor sofisticado?! Segundo Robert. T. Kiyosaki,*** um investidor sofisticado é aquele que entende os dez controlos do investidor. Ele entende e tira partido das vantagens do lado direito do quadrante (que representa a posição relativa do Empregado e do Autónomo, do Investidor e do Empresário, no mundo dos negócios). E aqui deixo registado, com a devida vénia, os tais DEZ CONTROLOS DO INVESTIDOR:

1. Controlo sobre si mesmo;
2. Controlo sobre os quocientes receita/despesa e activo/passivo;
3. Controlo sobre a gestão do investimento;
4. Controlo dos Impostos;
5. Controlo sobre o momento de comprar e o momento de vender;
6. Controlo sobre a corretagem;
7. Controlo sobre o EOC (Estatuto jurídico, Oportunidade e Características);
8. Controlo sobre os termos e condições dos contratos;
9. Controlo sobre o acesso à informação;
10. Controlo sobre o devolver, filantropia, redistribuição da riqueza.

Kiyosaki faz ainda questão de sublinhar a importância de um investidor sofisticado poder optar por não ser um investidor completo, à condição de entender, exactamente, os benefícios de cada um dos dez controlos e de ter sempre presente que quanto mais desses controlos possuir, menos riscos terá em seus investimentos. E a questão que queima é esta: O INPS, NO CASO EM APREÇO, AGIU COMO UM INVESTIDOR SOFISTICADO? A resposta é um redondo NÃO.
Errar é humano; persistir no erro é arrogância pura; e reconhecer o erro, e dar a mão à palmatória, é divino. Um mau passo pode acontecer a qualquer um. E reconhecer o mau passo e voltar à primeira forma não tira pedaço. Antes, pelo contrário: gera uma aura de credibilidade que demagogia nenhuma consegue (nem a pretensão besta de infalibilidade, nem a doce embriaguez dos sentidos que provoca). THINK ABOUT.
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* DAMODARAM, Aswath, «DAMODORAN ON VALUATION: Security Analysis for Investment and Corporate Finance» da WILEY & SONS, Inc.
** MATARAZZO, Dante C., «Análise Financeira de Balanços», Atlas Editora, Lda.
*** KIYOSAKI, Robert T., in «Rich Dad's Guide to Investing», da Elsevier Editor, Ltd.

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