Tuesday, February 9, 2010

MCA II

"A sociedade é composta por duas grandes classes: aqueles que têm mais jantares que apetite e os que têm mais apetite que jantares.”
SÉBASTIEN-ROCH CHAMFORT
Não faço a mínima ideia acerca das linhas orientadoras das propostas que o Governo de Cabo Verde irá apresentar ao Millenium Challenge Corporation – MCC. Nem faço tenção de pagar para ver.
Como qualquer bom cabo-verdiano, penso o país e tenho esperanças de vê-lo crescer, produzindo e redistribuindo riquezas, esforçando-se por doar a seus filhos uma qualidade de vida aceitável. Por isso, cada oportunidade, cada trampolim, que aparece, me deixa expectante quanto ao modo como vai feita a «chamada», como se vai pisar o trampolim, como se evolui no ar e, principalmente, como se dará a «saída» (a classe, o estilo, da aterragem depois do salto). Daí que, no momento em que se forjam as propostas de projectos a serem financiados pelos fundos geridos pelo MCC, me sinta na obrigação de dizer de minha justiça.
Diante do amplo consenso sobre a transformação de Cabo Verde em Centro Financeiro Internacional; perante a minha convicção de que o país só teria a ganhar se investisse firme na atracção de investimentos para o sector da indústria ligeira; e acreditando na possibilidade dos nossos agricultores, devidamente «trabalhados», se tornarem capazes de nos levar para muito próximo da auto-suficiência em frescos e legumes; aplicaria os fundos do MCA II na consecução de três grandes objectivos, a saber: (i) a instalação de competências nacionais para dar corpo à PRAÇA FINANCEIRA INTERNACIONAL; (ii) a infra-estruturação do país para atrair e suportar unidades industriais (indústria ligeira) viradas para a exportação; e (iii) o investimento na reconversão da agricultura nacional, com uma aposta forte na componente EXTENSÃO RURAL.
Para o primeiro objectivo, não teria dúvidas em sugerir uma forte aposta nos três «is» - INGLÊS, INFORMÁTICA, INTERNET – e na formação de bancários e de agentes de mediação financeira. INTERNET com acesso gratuito, pondo o mundo todo ao alcance de um clique de qualquer cabo-verdiano. Factível? Penso que sim! O INGLÊS, como segunda língua, a ser ensinado já a partir do pré-escolar, tornando-se factor preferencial para a concessão de isenção de propinas, bolsas de estudo, etc, o domínio da língua que foi de Shakespeare e que agora se transformou em língua universal (ultrapassando, largamente, o ESPERANTO). No momento, e com recurso aos fundos do MCA, poder-se-ia abrir um programa, tipo «NOVAS OPORTUNIDADES», de formação em INGLÊS, virado para os adultos, e outro de aprofundamento dos conhecimentos, e destinado àqueles que já tiveram contactos anteriores com a língua.
A INFORMÁTICA, enquanto ferramenta de excelência, nos tempos que correm, deve poder ser dominada pelos profissionais cabo-verdianos, não importa em que ramo operem. Uma vez que os nossos desafios precípuos têm a ver com a excelência e com a qualidade, o domínio da INFORMÁTICA é imprescindível. O MCA II pode (e deve) ajudar.
Queremos um Centro Financeiro Internacional operando com quadros e especialistas nacionais em matéria bancária e de intermediação financeira, ou um Centro que traga gente de fora para dar conta das suas necessidades? Sendo nossa vocação inequívoca a prestação de serviços (que não se cinjam a simples arrendamento de espaços para instalação das instituições financeiras), necessário se torna que formemos uma bolsa de recursos humanos com as valências necessárias para a realização da nossa vocação. O MCA II poderia, também neste particular, fazer um bom investimento.

A identificação de espaços para albergarem as futuras ZONAS INDUSTRIAIS do país (Praia, Assomada e Porto Novo, esperam há que tempos); a devida infra-estruturação, dos referidos espaços, para a finalidade (vias, energia, água, telecomunicações, esgotos, estação de tratamento de águas residuais, etc.); e a aprovação de um Código de Incentivos virados para a indústria ligeira; poderiam, TAMBÉM, ser suportadas pelos fundos do MCA, sem qualquer dúvida quanto ao retorno do investimento (redução do desemprego, rendimento das famílias, arrecadação de impostos sobre o consumo, redução do desequilíbrio da balança comercial, entrada de divisas, etc.)
A par da oferta de zonas industriais devidamente infra-estruturadas e de incentivos fiscais, o investimento na formação profissional de alto standing (HS) completaria o quadro de atractivos para o investimento na indústria ligeira em Cabo Verde. Se outras razões não existissem (e existem), só esta já justificaria a aposta. E o MCA II poderia contribuir. Afinal, a ideia não é ajudar o país a crescer e a combater a pobreza? Então…
Mas a questão da industrialização do país não pode ficar pela atracção dos investidores (nacionais e estrangeiros). De que serviriam as zonas industriais infra-estruturadas, os incentivos atraentes e os operários altamente especializados, se se mantivessem os preços proibitivos das telecomunicações, da água e da energia eléctrica? O mais certo seria os investidores torcerem o nariz diante do que considerariam uma armadilha. Será necessário, portanto, ir muito mais fundo: investir na dessalinização das águas que nos cercam por todos os lados; apostar na utilização da natureza para a produção de energia limpa e mais barata; construir novas redes de distribuição de água e de energia eléctrica. Aí sim, teríamos o país preparado para a diversificação do seu papel na economia global (não ficaria na dependência exclusiva de um turismo de réditos mais do que duvidosos). DESSALINIZAÇÃO, ENERGIAS RENOVÁVEIS E NOVAS REDES DE DISTRIBUIÇÃO DE ÁGUA E DE ENERGIA, PODERIAM SER EXCELENTES DESTINOS PARA OS FUNDOS DO MCA.
Mas Centro Financeiro Internacional e o estatuto de país exportador não nos podem fazer esquecer do objectivo maior de qualquer país: a prossecução da AUTOSUFICIÊNCIA ALIMENTAR.
Os impactos do MCA I na qualidade e na quantidade da produção agrícola nacional, com destaque para a disponibilização de frescos e legumes nas principais feiras nacionais (o arco-íris que é o Mercado Municipal da Praia, pintado com frescos de várias cores, provenientes das unidades familiares de produção, catapultadas pelas novas tecnologias de cultivo e irrigação, prova isso mesmo). O MCA II tem o dever e a obrigação de reforçar a aposta na melhoria das condições de produção agrícola do país, investindo recursos nas ilhas de Santo Antão, São Nicolau, Santiago e Fogo, sem dúvida os principais abastecedores do arquipélago. A minha sugestão iria no sentido do reforço da EXTENSÃO RURAL, sem dúvida o artífice das transformações que se vêm registando nos campos de Cabo Verde: uma aposta firme na formação de EXTENSIONISTAS RURAIS e nas suas condições de trabalho. Falava, outro dia, o Presidente da República da necessidade de se recorrer a novas sementes. Tem Sua Excelência toda a razão. Extensionistas Rurais devidamente preparados, equipados e motivados; novas tecnologias de cultivo e de rega; camponeses com mentalidade renovada; é muita coisa. São grandes conquistas. Mas é preciso ir, de facto, mais fundo: aposte-se, TAMBÉM, na selecção de sementes garantidas, certificadas e ADEQUADAS ao nosso clima e à irregularidade das nossas precipitações. Alguém discorda que os recursos do MCA II poderiam, TAMBÉM, servir para este fim? A pobreza, o atraso, a subnutrição e a vontade de trabalhar, em Cabo Verde, habitam o meio rural. Então, de uma única vassourada, empurremos para o escanteio, a pobreza, o atraso e a malnutrição; ao mesmo tempo que abrimos o caminho para a realização do sonho de gente que nunca teve medo de trabalhar, antes pelo contrário. Quem nunca viu a fé do trabalhador das montanhas de Santo Antão e das ladeiras de Santiago, traduzida na mobilização de solo arável (Sto. Antão) e de água (Santiago) caneca a caneca? Merecem ou não serem beneficiados com os fundos do MCA? Eu apostaria, TAMBÉM, neles.
E aqui fica o desafio aos meus compatriotas: não fiquem à espera do que decidir a equipa chefiada pela Ministra das Finanças. Os fundos do MCA não são doados a Governos, mas sim a POVOS. Não é assim Senhora Dona Marianne M. Myles?

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