Wednesday, August 12, 2009

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“A política foi primeiro a arte de impedir as pessoas de se intrometerem naquilo que lhes dizia respeito. Em época posterior, acrescentaram-lhe a arte de forçar as pessoas a decidirem sobre o que não entendem.” PAUL VALÉRY

Dizem-me que a história não se repete. Acredito, pois o rio que é o tempo histórico, como qualquer outra corrente, corre célere ao encontro do seu destino, sem a mínima chance de arrepiar caminho. Mas, quando penso nas virtualidades das eleições directas para determinados órgãos dos partidos, vejo os resultados obtidos pelo Filú a repetirem-se no match Jorge Santos/Carlos Veiga.
Porque, pelo menos à partida, se deve considerar que o presidente do partido tem o aparelho partidário na mão, à Rui Semedo; e afigura-se-me que Veiga, apesar de ser o pai-fundador do MpD, vai jogar «fora» no desafio que lançou ao Jorge, à Vieira. E aqui, de novo, vejo o aparelho com sérias dificuldades para se desdobrar o bastante para conseguir que Jorge Santos resista à investida do carismático (com selo de competência e provas dadas) Carlos Veiga. Vislumbra-se uma clara Vitória de Veiga sobre Santos, por um score parecido com o obtido por Vieira na vitória sobre Semedo, na disputa da liderança do Sector Autónomo de Santiago Sul (ou «Região Metropolitana da Grande Praia»).

Ficará por definir apenas o comportamento dos apoiantes de Santos durante a Convenção: manterão o seu apoio a Jorge ou migrarão para os lados de Veiga, obedecendo à velha lógica partidária cabo-verdiana, qual seja a de alinhar com quem tem o queijo e a faca na mão?

A ideia de que nos partidos – e um pouco por todos os sistemas humanos deste início de milénio – o mérito passa a ser a única moeda com curso legal, estabelece a necessidade de cada um demonstrar a sua capacidade para acrescentar valor ao seu partido. E nesse afã, pode-se perfeitamente laborar no erro de tomar Nuvem por Juno, que é como quem diz aceitar «aparência de mérito» como mérito.
Quer isso dizer que, na próxima Convenção ordinária do MpD, as pessoas, no afã de mostrarem a sua utilidade, mormente quando os méritos não forem evidentes o suficiente, podem optar por apostar na sua capacidade de apoio e de se mostrar útil, disponibilizando-se para servir o vencedor das directas. Trocado por miúdos, os rabentolas que não se tenham em boa conta, ainda que tenham sido apoiantes de Jorge Santos até à Convenção, poderão, na eleição dos demais órgãos, durante a Convenção, não disponibilizar seu apoio e seus votos ao candidato que apoiaram inicialmente, mas sim transferi-los para aquele que estiver montado na carne seca, ou seja o vencedor das directas. E está de ver que isso pode criar distorções terríveis de remediar na afirmação do Movimento enquanto Partido político.

Mas o problema maior nem é a vitória de Veiga, nas directas, fazer quebrar as eventuais bolsas de resistência ao seu regresso. O grande problema é o efeito que a derrota de Rui Semedo (do PAI) possa vir a ter nas hostes de Jorge Santos. E se nessa de se estar sempre no apoio à bica que pinga (que é como quem diz, daquele que tem alguma coisa a dar, sejam prebendas, tachos ou, simplesmente, lugares elegíveis nas listas) e no receio de uma derrota tão pesada quanto a imposta a Semedo, os apoiantes menos convictos de Santos migrarem para os lados de Veiga? Pode muito bem acontecer. E não seria nada bom para a democracia interna do MpD: a Convenção deste Outono deixaria de ser o espaço privilegiado de debate de ideias e de estratégias, para se transformar em mais um exercício de louvaminhas ao pai-fundador. E a oposição a Veiga, sem se poder afirmar formalmente, poderá, mais à frente, minar a gestão deste e contribuir para o prolongamento da travessia do deserto do Movimento que, em boa verdade, já vai longa. E aí, a ideia de Veiga-Salvador-da-Pátria pode ir para o ralo.

Sem pretender dar uma de «NHU NÁXU», acho que dá para prever novos dias, novas práticas, novo tipo de relacionamento nos partidos políticos, como consequência dos primeiros resultados de eleições directas para os órgãos dos mesmos.
Após um período de desorientação e pucha-saquismo inconsequente, cada militante que queira singrar no seu partido vai ter de arregaçar as mangas, ir à luta e conferir o valor de mercado do seu apoio, do seu voto. Em vez de pedinchar por um lugar numa lista, barganhará a sua colocação em um lugar condizente com o seu estatuto, este derivado do valor que é capaz de acrescentar à capacidade de mobilização do seu partido. Será o fim da era dos caciques políticos e das adesões na base da amizade (caso de Fulanos que entram no partido “X”, porque o amigo e/ou protector está lá ou entrou para lá; e saem do partido “X” e mudam para o “Y” porque o amigo ou protector saiu e fundou o partido “Y”); e o início de uma nova era, em que o fulano “A” entra no partido “X” porque subscreve e se reconhece nos manifestos, nos estatutos e, principalmente, no programa político do partido “X” e sai do seu partido após esgotar as vias de solução democrática das diferenças no seu partido; ou muda para o partido “Y” na base do manifesto político deste, do seu programa político e dos seus estatutos, os quais lhe garantem, à partida, uma maior democracia interna e uma melhor interpretação dos anseios do povo cabo-verdiano.

Em jeito de fecho, sugiro a máxima atenção na análise do comportamento dos militantes de base do MpD, diante de eventual repercussão dos resultados das directas do PAI na recomposição de forças à volta dos presidenciáveis do MpD. E diante disso, seria excessivo interpretar um eventual recuo de Santos (desistência tout court ou integração em lista única, dita de consenso) como consequência e extrapolação das directas no PAI que ditaram a pesadíssima derrota imposta a Rui Semedo e ao aparelho do partido que esteve incondicionalmente do seu lado?

De uma coisa, para já, estou certo: Veiga está mais tranquilo depois de confirmar que, em eleições directas, o mais popular «esmaga» qualquer um, mesmo que este detenha e/ou controle o aparelho partidário. Mas, a ver vamos.

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