Monday, July 2, 2007

COMUNICAÇÃO APRESENTADA AO FÓRUM «ONDE ESTAMOS, PARA ONDE VAMOS», ORGANIZADO POR «A SEMANA»

ONDE ESTÃO OS POLÍTICOS? PARA ONDE VÃO?

Onde estão os políticos? Estão onde sempre quiseram estar. Numa posição que consideram vantajosa e que a cada dia se torna menos convidativa para o cidadão comum.

O sistema de partido único foi um bom refúgio, durante um bom tempo. Contra o que as aparências indiciam, tal sistema nunca foi uma questão ideológica. Lúcio Colletti[1] refere-o como um expediente da classe dominante para se perpetuar no poder. Criavam-se mil e um empecilhos, a modos de só uma certa casta de cidadãos poder entrar na órbita do poder. Cedo o expediente se estafou. Tornava-se difícil manter a situação, mormente depois do centro de tal sistema de ideias se desintegrar.
O fenómeno coincidiu com uma acutilância nunca vista da dita sociedade civil. Os cidadãos revogaram as procurações irrestritas que tinham confiado aos políticos. Deixou de haver cheques em branco. As obras já não eram agradecidas: recebeu fundos de todos nós para fazer obras? se cumpre com a obrigação (para que se ofereceu voluntariamente e sendo razoavelmente remunerado), agradecimentos porquê? Pior, começou a exigir-se conformidade entre o volume e a qualidade das obras, por um lado, e os fundos disponibilizados, por outro. Estava o caldo entornado. Como sobreviver a uma tal situação? Ser detentor do poder com tanta gente querendo controlar era complicado.

Mas o pior estava por vir: uma novíssima classe de políticos diletantes, imbuídos de um romantismo e de uma ética ímpares, querendo filiar-se em partidos políticos, mas pretendendo manter a independência de pensamento e acção. A ameaça era séria demais. Já não era apenas o controlo popular a posteriori. Perfilava-se um controlo ex-ante que deixava os políticos profissionais em pulgas. Preocupava, antes de mais, porque punha em risco a sobrevivência das castas que, tradicionalmente, gravitavam à volta do poder e se refastelavam sob as luzes da ribalta política. Incomodava porque era uma espécie de 5ª coluna, que não comungava das politiquices, intrigas, barganhas, amoralidades. Ameaçava porque os «cristãos-novos» quando não concordavam com alguma proposição, pouco ou nada edificante, ou quando eram ultrapassados por esquemas de formação interna de maioria, comentavam cá fora os deficits de democraticidade interna. Já pouco faltava para que o Rei saísse à rua em pelotas.

Precisaram, por isso, criar um novo reduto, atol, promontório, enfim, uma posição inexpugnável, a partir de onde lhes fosse fácil rechaçar as tentativas de invasão de gente para quem a política não passava da “cereja em cima do bolo”, gente para quem a política é mais um meio de dar do que de receber, ou, como diria Maslow, o meio de satisfazer a necessidade de auto-realização. Enfim, fazia-se necessário manter afastados os cidadãos que estavam mais preocupados com o que poderiam fazer por Cabo Verde do que com o que Cabo Verde poderia fazer por eles.

Na verdade, os políticos sempre se posicionaram como um homem no alto de uma montanha: lá de cima, todos os outros homens lhes parecem, cá em baixo, pequeninos e por isso carentes da sua protecção. A questão era que agora a montanha já não ofuscava os cidadãos e estes podiam, sem receio, olhar para cima. E o que viam? O homem/político, lá no alto, lhes parecia, TAMBÉM, pequenino. E daí a questionarem as atitudes, posturas e comportamentos megalómanos e a pretensa superioridade daqueles que gravitam na órbita do poder, foi um passo. Os cidadãos, em nome de uma maior transparência, resolveram que queriam os políticos cá em baixo, trabalhando em gabinetes de vidro (quais aquários) para um melhor controlo popular do poder.
O diabo é que os políticos sempre quiseram, e seguem querendo, controlar tudo e todos. E uma posição sobranceira sempre lhes pareceu indispensável para garantir uma clara distinção entre governantes e governados, entre aqueles que planeiam e executam e aqueles que têm o dever e a obrigação de cumprir. Tinham que manter uma posição inexpugnável, a partir de onde fosse fácil rechaçar as tentativas de invasão dos «cristãos-novos», que é como quem diz, cidadãos não interessados na luta pelo poder, mas muito preocupados com a forma como se gere a res publica.

Por esse mundo afora - onde há uma opinião pública consolidada; uma sociedade civil com níveis aceitáveis de organização e alguma capacidade de intervenção; e grupos extremistas (partidos de extrema direita e extrema esquerda, skin heads e outras aberrações) dando guarida e esperança aos desfavorecidos - os partidos com vocação de poder acabaram aceitando o açaimo e, paulatinamente, as coisas vão entrando nos eixos: os Le Pens, Portas, Eneias, etc., verdadeiras ameaças públicas, conseguiram o feito de fazer disparar o alarme chamando a atenção dos políticos profissionais para o descrédito da classe perante os eleitores.
E entre nós? Aqui, a opinião pública é pouco menos que inexistente; a sociedade civil está ensaiando os seus primeiros passos; os partidos pequenos foram engolidos pelas duas únicas forças capazes de se elegerem para administrar a res publica; e os mais desfavorecidos foram fanatizados, esquecendo tudo (os interesses da família, da cidade, da ilha, do país) e seguem defendendo, ferrenhamente, a supremacia de tambarinas e rabentolas. E passam o tempo louvaminhando os respectivos líderes, quais títeres.
A única ameaça ao status quo dos políticos da montanha são aqueles cidadãos que, contra ventos e marés, acreditam que o futuro da sua cidade, da sua ilha e do seu país tem de ser decidido COM ELES. Acreditam na máxima: SEJA O QUE FOR QUE SE PRETENDA FAZER EM FAVOR DOS CIDADÃOS, SE NÃO CONTAR COM A PARTICIPAÇÃO DOS CIDADÃOS, SERÁ CONTRA OS CIDADÃOS.
A luta parece desigual. Mas as barracas dos políticos são tantas; a gritante ausência de critérios em muitas tomadas de decisão; a lastimável pobreza do discurso; a duvidosa probidade; os escândalos pipocando aqui e ali; o deficit de competência técnica e as motivações claramente calculistas; a resposta política oca e desabrida, não raras vezes rasando a má-criação; constituem fragilidades que acabam abrindo fendas na muralha protectora erguida pelos políticos.
Perguntar-se-á porque os cidadãos não exploram tais fragilidades, fazendo com que os políticos se sintam acossados e voltem aos trilhos, um pouco como vem acontecendo por esse mundo afora?

Onde estão? Aqui. A política, que era para ser uma ocupação nobre, passa a ser vista como algo sujo e de que se deve manter uma distância respeitável; o debate político resvalou para o campo do diz-que-diz, do reles insulto, da exposição da privacidade e intimidade do adversário e respectivos familiares; as campanhas políticas transformaram-se em momentos de vale tudo, onde programas, projectos e plataformas foram sendo substituídos pela opulência dos brindes oferecidos à multidão, pelo barulho comprado a motoqueiros e a conjuntos ditos musicais, pela conspurcação da via pública pela propaganda gráfica adquirida com recursos a fundos de proveniência duvidosa. A participação popular em campanhas, na base do voluntariado, foi liquidada: ou se tem dinheiro para pagar, a militantes, simpatizantes, amigos e assalariados para a colocação de cartazes, dísticos e outdoors; alugar carrinhas, geradores e altifalantes e DJ’s para fazer poluição sonora; contratar intermediários para garantir que ferrenhos do outro lado não votem; ou nem se precisa candidatar. Discurso político? Debate de ideias? Confrontação pública de plataformas? Desapareceram.
Os políticos, sempre iguais a si próprios, cedo topam que o que vêm fazendo da política repugna muita gente. É disso que não gostam? Então é disso que vão ter. E vão cada vez mais fundo.

Diante de um tal quadro, os outsiders baixam os braços e fazem constar que querem distância de tal forma de fazer política. E ZÁS! Os políticos radicalizam ainda mais. De tal modo que, NOVAMENTE, estão lá onde sempre quiseram estar: num OLIMPO qualquer, inexpugnável, longe da vista e dos controlos dos cidadãos, refastelando-se, acicatando fanáticos contra cidadãos que não rezam pela mesma cartilha.

Como esperar que, num quadro destes, uma dona de casa, mãe de família, se disponha a integrar uma lista e a participar de uma campanha política? Como convencer um intelectual íntegro, que preze a sua liberdade de pensamento e expressão, a se inscrever num partido político? Como aliciar um operador económico a aparecer mais nas iniciativas da sociedade civil ou da própria classe? E foi assim que as mães de família, os cidadãos bem informados e os operadores económicos deixaram de se aventurar pelo feudo dos políticos.

Estão AGORA onde sempre sonharam e desejaram estar. Sem concorrência, sem controlo popular, protegidos contra o entrismo dos intelectuais; insultando-se nos mass media para inglês ver; mas entendendo-se às mil maravilhas atrás do muro de protecção cuidadosamente construído e protegido por fossas ao estilo medieval. Estão onde escolheram estar.

Como estão os políticos? Estão como o diabo gosta: a crer nas acusações mútuas com que se brindam amiúde, seguem comprando almas, alugando consciências e explorando a credulidade dos pobres de espírito.

Para onde vão? Para lugar nenhum, claro. Pelo menos por iniciativa própria. Se estão onde sempre sonharam!!!

A esperança é que há políticos e políticos. E porque uma das leis fundamentais da sociologia nos ensina que na situação que se vive no PRESENTE coabitam os germes do FUTURO e os resquícios do PASSADO. Tudo vai depender da correlação de forças entre os germes do futuro e os resquícios do passado. Se os políticos sérios que ainda existem (e não são tão poucos como pode parecer) deixarem entrar o «Cavalo de Tróia» e assim se reforçar a posição dos germes do futuro; se os cidadãos apertarem o nariz e reforçarem o estômago e lutarem por um espaço próprio de participação; se os operadores deixarem de temer represálias e se organizarem (pelo menos enquanto classe) para poderem ter vez e voz em tudo quanto lhes diga respeito; haverá fortes possibilidades de se reverter a situação.

As coisas estão de tal modo que a questão certa talvez fosse: PARA ONDE QUEREMOS QUE EVOLUAM OS NOSSOS POLÍTICOS? Aí a resposta parece ser mais simples. QUEREMOS QUE ELES MUDEM DE ATITUDE, DE POSTURA E DE COMPORTAMENTO em relação à opinião pública, em relação à sociedade civil, em relação ao exercício do poder. Que deixem de manipular os pobres de espírito; que deixem de comprar consciências; que se abram ao debate de ideias; que se perguntem ANTES o que podem fazer por Cabo Verde do que o que Cabo Verde pode fazer por eles; enfim, que dêem uma sacudidela no seu construto.

Por outro lado, os cidadãos, as empresas e as associações precisam de ganhar mais capacidade de intervenção pública. Pessoalmente, quero que a empresa privada tenha uma intervenção política. Desejo que as igrejas tenham uma intervenção política. É desejável que todos os corpos instituídos no país, todas as universidades, tenham um contributo mais atrevido e mais forte.
E há que deixar claro desde o primeiro momento: «O RESPEITO NÃO SE COMPRA, NEM SE IMPÕE PELA FORÇA BRUTA – CONQUISTA-SE PELA ATITUDE, PELA POSTURA E PELO COMPORTAMENTO QUE EVIDENCIARMOS NAS NOSSAS RELAÇÕES COM O MUNDO EXTERIOR». Assim como o cidadão individual, o cidadão empresa, e o cidadão instituição, respeitam o Estado e suas instituições, também o poder político (situação e oposição, enfim a classe política) deve respeitar o poder económico e o cidadão individual. Tem de haver reciprocidade[2].

Em jeito de conclusão, diria:
1. Que os políticos estão onde estão, por opção.
2. Que os políticos precisam ter causas e causas altruístas.
3. Que é urgente que repensem a sua relação com os seus seguidores: o certo é inspirar pelos valores e não apenas pelo carisma.
4. Que se espera, por essas e por outras razões, que revejam a sua atitude, postura e comportamento e, sobretudo, que se posicionem de modo a que possam ser percebidos como sendo úteis ao país e aos concidadãos.

De outro modo, aturá-los e sustentá-los, PORQUÊ?


António Ludgero Correia
[1] Teórico político e filósofo, in «A QUESTÃO DE ESTALINE»
[2] Ver António Barreto e Belmiro Azevedo in «Tiro ao Alvo» (Revista Exame, Junho/2007)

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