Monday, May 11, 2009

SISTEMA DE GOVERNO: MAIS UM TABU?

«Existe uma grande diferença entre aquilo que podemos fazer e aquilo que devemos fazer.»
Juiz Potter Stewart
Estávamos em Janeiro - e Carlos Veiga era ainda apenas advogado e candidato à Presidência da República - quando preenchi a minha coluna com o tema «FORMAS DE ESTADO E SISTEMA DE GOVERNO», introduzindo o texto com uma sentença de Heinz G. Konsalik (ele mesmo, o tal das «NÚPCIAS DE SANGUE EM PRAGA»): La Liberté? Qu’est-ce que cela? Une plaisenterie que les politiciens se raconte à voix basse, en ricanant…
É que quando começaram as colocações a propósito da revisão constitucional pensei que todos podiam falar de tudo. Inclusive do sistema de Governo. E foi convencido de que poderia exercer, na plenitude e sem autorização prévia, a minha liberdade de expressão (a rainha das liberdades, no dizer de Humberto Cardoso) que fechei a coluna com a expressão do meu sentimento:
- «Se me fosse dado votar, votaria pelo reforço dos poderes presidenciais e pelo SEMI-PRESIDENCIALISMO. Mas colocaria uma condição à aceitação das candidaturas à mais Alta Magistratura da Nação: que os candidatos sejam obrigados a instruir os respectivos processos de candidatura com uma DECLARAÇÃO DE COMPROMISSO, em que se comprometem, preto no branco, a participar em, pelo menos, dois debates públicos durante a campanha eleitoral, na primeira volta, e em, pelo menos, um, na segunda, sendo o caso.»
Talvez porque fosse uma posição comungada por muita gente, ninguém chamou ninguém a capítulo, ninguém se sentiu no direito de condicionar a minha liberdade de expressão. Mais: um antigo candidato à suprema magistratura da Nação quis assumir a paternidade da posição, quase exigindo que fosse citado nas notas de rodapé, por antes (diz ele) ter assumido posição idêntica em livro que, diga-se de passagem, nunca li, nem penso, já agora, vir a ler.
Desta feita, e talvez porque já nem tanta gente assume a defesa do sistema presidencialista, surgem manifestações, com laivos de intolerância, em relação à posição alegadamente defendida em «2011: VEIGA versus NEVES», quando, também a fechar a coluna, registo «A questão que fica no ar é esta: PORQUE NÃO FAZER, JÁ AGORA, A OPÇÃO PELO SISTEMA PRESIDENCIALISTA DE GOVERNO?» E, curioso, é novamente um antigo candidato à Presidência da República que reage. Não, como o outro, para invocar a paternidade da ideia, mas esconjurando-a e exigindo pergaminhos especiais a quantos pretendam opinar sobre tal matéria.
E aí me rio, lembrando o pensamento de Konsalik em relação à Liberdade apregoada pelos políticos. De facto, o pessoal tem umas ideias muito giras acerca da liberdade de expressão: se se diz algo que pareça servir os seus interesses, tudo bem; mas se se diz algo com o qual não concordam (ou lhes pareça que possa prejudicá-los) fazem cair o Carmo e a Trindade. De facto, para o pessoal participante das lutas pelo poder, a liberdade é uma piada que contam em voz baixa, a uns papalvos, enquanto se riem por dentro, até mais não poder. Felizmente que, hoje, a gente sabe o que faz correr os políticos. E sabe-se também que, embora não lhes falte vontade de morder, já não têm licença para usar os dentes nos livres-pensadores.
Defendo a solução semi-presidencialista (e acreditem que eu sempre sei do que falo) e o reforço dos poderes presidenciais. Por convicção. E também por uma questão de coerência e de optimização dos recursos: se se investe na eleição directa do Chefe de Estado, o mínimo que se pode esperar é que ele tenha poderes condizentes com a sua forma de eleição, com a sua base de legitimação. Se quiserem que explicite em que se fundamenta a minha convicção… poderemos arranjar um espaço, outro que não o jornal, para discutir isso.
Mas não me repugna o sistema Presidencialista. Antes, pelo contrário. Funciona bem nos States, funciona no Brasil, funciona em alguns países da América Latina. A África… é a África. Não serve de paradigma. Ora, qualquer sistema de Governo funciona normalmente em estados de direito democrático, independentemente da latitude. O que falhou em África não foi o sistema Presidencialista, mas sim a DEMOCRACIA de tipo ocidental imposta a martelo pelas instituições de Bretton Woods e comandita. E diante da iminência da consolidação consuetudinária do presidencialismo de Primeiro-ministro, faz todo o sentido, sim senhora, questionar se não valerá a pena optar por um presidencialismo constitucional. E já agora - e para que fique registado - nunca me socorri da questão da economia de recursos para defender tal sistema.
Penso e falo em economia de recursos, quando constato a vigência do dito «presidencialismo do Primeiro-ministro» coabitando com um Chefe de Estado eleito por sufrágio universal, directo e secreto. É aí que questiono (e comigo muito boa gente) se valerá a pena gastar-se tanto dinheiro com uma eleição directa de um Chefe do Estado com tão limitados poderes. E entre nós nem se poderá dizer que a figura será um mero corta-fitas. Que, por aqui, quem corta as fitas são os Ministros, com o Chefe à cabeça. Perguntem aos Presidentes de Câmara.
E por aí se chega ao Parlamentarismo. Realizam-se as eleições legislativas; a maioria forma um Governo; e o Parlamento, enquanto colégio eleitoral, elege o Chefe de Estado. Prontos. Há uma única eleição consumindo recursos; há um Chefe de Governo forte; uma maioria que, por razões mais do que óbvias, não fiscaliza o Governo comme il faut; e há um Chefe de Estado que não levanta ondas e segue representando o Estado lá onde o Chefe do Governo lhe der espaço. Alguém se lembra quem era o Chefe de Estado em Cuba, quando Fidel era Primeiro-ministro? Alguém sabe o nome completo do Chefe de Estado de Israel? Não sabe? Não se escandalize: muito pouca gente sabe. E é esse o destino (o limbo e o esquecimento) dos Chefes de Estado nesses sistemas. Ainda assim, não sou contra o sistema. As regras do jogo são claras, e cada actor sabe, auparavant, o que lhe espera. O parlamentarismo não só não me repugna, como até seria capaz de fazer a sua apologia, em nome da coerência e da economia dos sempre escassos recursos públicos. Aí sim! É que não custa pouco uma eleição presidencial. Imaginem só que, para além dos elevadíssimos custos operacionais, o Tesouro paga aos candidatos, por cada voto, 400 mil réis. E só esta pequena fracção das despesas do Estado com uma eleição presidencial representa, num universo de 300 mil eleitores, qualquer coisa como 120.000.000$00 (de facto, muitíssimo mais do que os cerca de 12 mil contos de honorários pagos ao Primeiro-ministro durante toda uma Legislatura).

A liberdade de expressão duramente conquistada dá-nos o direito de dizermos o que pensamos, sem ter de pedir permissão a quem quer que seja. Aliás, bem lá no fundo, a reacção do antigo candidato tem o seu quê de interesse pessoal. E não estou criticando. Que os meus posicionamentos também têm a ver com a polarização do momento. Mas não escapa a ninguém que uma opção, AGORA, pelo sistema presidencialista cortaria cerce as aspirações de muito boa gente. Em 2011, José Maria Pereira Neves seria o candidato apoiado pelo PAI e Carlos Alberto Wahnon Carvalho Veiga teria o apoio do MpD. E não sobraria espaço para nenhuma outra candidatura com alguma hipótese de sucesso. E aí, muito boa gente ficaria offside. Estou pensando em Aristides Lima, em David Hopffer Almada e no Comandante Silvino da Luz, à esquerda; em Jorge Carlos Fonseca, em Jorge Santos e em Isaura Gomes, à direita. Nenhum deles gostaria, portanto, que se aventasse a hipótese de mudança para o Presidencialismo, numa oportunidade que consideram única e sua. Em podendo, tudo fariam para obstar a uma tal solução. E compreender-se-ia bem a reacção deles, coerente com as suas aspirações. Mas que não se iludam: não enganariam ninguém se dissessem que se opõem ao sistema presidencialista porque… estamos em África. E conquanto seja verdade que o Parlamentarismo mitigado ainda não tenha entrado em panne, nos 16 anos de sua vigência, sua bondade, brandida AGORA por qualquer dos potenciais prejudicados por eventual opção pelo sistema presidencialista, soaria sempre a defesa de interesse pessoal. Pessoalíssimo.
E, chegado a este ponto, apraz-me registar algumas questões, polémicas qb: PORQUÊ BLOQUEAR OU TENTAR BLOQUEAR O DEBATE SOBRE O SISTEMA DE GOVERNO? OU PORQUÊ CIRCUNSCREVÊ-LO A UM NICHO DE ILUMINADOS? NÃO SERIA MAIS AVISADO ESTENDÊ-LO A TODOS OS CABO-VERDIANOS, NAS ILHAS E NA DIÁSPORA? OU SERÁ QUE O SISTEMA DE GOVERNO ESTÁ FADADO A SER O NOVO TABU-CV?

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