Friday, June 19, 2009

FUTUROS

“Deus quer, o Homem sonha, e a Obra nasce”

Fernando Pessoa
O futuro a Deus pertence. Certíssimo. Mas a nós de o entrever nos eventos de cada dia e de agir proactivamente, tentando redireccioná-lo a nosso contento.

1. Assim como assim, o futuro das ALFÂNDEGAS da CPLP estará sendo discutido em Lisboa, entre os dias 22 e 24 de Junho. Enquadrado nos planos do 2º PICAT (Programa Indicativo de Cooperação e Assistência Técnica), as administrações aduaneiras dos países membros da CPLP, reunidas em seminário sobre o tema «AS ALFÂNDEGAS E O FUTURO», debaterão o futuro de uma das mais vetustas instituições do Mundo. Apresentarei, em representação da administração aduaneira cabo-verdiana, o tema «O PORTAL ETECTRÓNICO, A GESTÃO DE RISCO E A DISCRIMINAÇÃO POSITIVA, ENQUANTO INSTRUMENTOS DE SECURIZAÇÃO E FACILITAÇÃO DOS FLUXOS COMERCIAIS INTERNACIONAIS». Em essência, estarei defendendo a utilização inteligente das TIC (Tecnologias de Informação e Comunicação) e a aposta em profissionais competentes e motivados, como condição de sobrevivência no futuro, ao mesmo tento que registarei um sentido apelo no sentido de não se descurarem as questões éticas que seguem minando organizações do tipo das nossas.

2. O futuro da minha cidade – a PRAIA DE SANTA MARIA DA VITÓRIA – está sendo reequacionada por estes dias. Os passos que a edilidade está dando no sentido de normatizar a questão dos resíduos sólidos urbanos no município; a elaboração do primeiro draft dos estatutos da futura Guarda Municipal; a intervenção paisagística nas novas avenidas; a promessa, para MUITO BREVE, da pedonização da Rua 05 de Julho (antiga Rua da República); o regresso dos SEMÁFOROS. A consagração de um seu filho, o vate Arménio Adroaldo Vieira, o homem que transportou TOBIDA e TOTE CADABRA para as páginas de ouro da poesia cabo-verdiana, e que acaba de ser laureado com o prémio Camões de Literatura; a PRÓ-PRAIA que ressurge com um novo figurino e com um renovado élan, prometendo usar e abusar das TIC, tal qual a estrutura de campanha do senador Obama. A Praia parece estar bem e recomendar-se para o futuro.

3. Já SANTIAGO, nem tanto. Apesar das estradas asfaltadas inauguradas e em vias de serem inauguradas (Praia/S. Francisco, João Teves/Jaracunda, Assomada/Rincão, Fundura/Ribeira das Pratas, and so on), a verdade é que parece que se deixou cair a tão ansiosamente esperada VIA RÁPIDA PRAIA/TARRAFAL, pelo litoral.
Quando, na inauguração da requalificação e asfaltagem da estrada João Teves/Jaracunda, o Ministro das Infra-estruturas ofereceu ao edil Orlando Sanches a asfaltagem do troço que vai da Variante até Pedra Badejo, com eventual prolongamento até à Calheta de São Miguel, senti um baque dentro peito: seria o anúncio do aborto da VIA RÁPIDA PRAIA/TARRAFAL, pelo litoral? Se sim, será a morte de um dos maiores sonhos dos santiaguenses.
De tantas esperanças que nela depositavam, o anúncio, ainda que velado, do seu adiamento, possivelmente, lá pelas calendas gregas, deixou na boca um travo amargo. Travo tão amargo que nem a publicação (in B.O. nº 24, I Série, de 15 de Junho de 2009) do REGULAMENTO DA COMISSÃO DE APRECIAÇÃO E NEGOCIAÇÃO DAS PROPOSTAS (CANP) relativas ao concurso público para a adjudicação da Concessão da Via Rápida Praia/Tarrafal (CPT), aprovado por despacho conjunto dos Ministros das Infra-estruturas e das Finanças (datado de 29 de Janeiro de 2009) conseguiu amenizar.
Mas ainda que venha a desaparecer aquela ansiedade orgástica da espera pela inauguração da super infra-estrutura, nem por isso Santiago baqueará. Quando chegarem (chegarão, chegarão!) as novas gerações de infra-estruturas (penso nas pontes ligando Santo Antão a Sanvicente, Tarrafal aos Mosteiros, Pedra Badejo ao Maio, etc.), com certeza, também conseguiremos ligar Tarrafal à Praia por uma via rápida, com oito faixas, sobranceira ao litoral Este de Santiago. Neste Cabo Verde de esperança, a esperança é sempre a última a morrer.

4. E o TARRAFAL continua a sua triste sina. A dita estrada de montanha PRAIA/TARRAFAL é asfaltada apenas da Praia até Santa Catarina; a outra estrada (a tal que passa por Milho Branco, Monte Negro, Pedra Badejo, Santa Cruz e Calheta, antes de parar no Tarrafal) vai ser requalificada e asfaltada apenas no troço que vai da Variante à Pedra Badejo (1ª fase) e Calheta (2ª fase) – Inocêncio dixit. Para quando o Tarrafal? Com a aposta que se diz fazer no turismo, porque é que o Tarrafal fica de fora de um dos mais audaciosos projectos da II República, qual seja o programa de infra-estruturação que vem sendo cumprido de uns anos a esta parte?
Vai ser preciso fechar o anel: da Calheta ao Tarrafal e de lá para Santa Catarina. Será a terceira fase do projecto (Variante/Tarrafal/Praia)? A ver vamos.
Aliás, mais perspicaz do que o seu adjunto (e com um ouvido e um senso político bem mais apuradíssimos) lá foi o senhor Primeiro-ministro prometendo fechar o anel e propiciar um casamento (dele com Santiago?). A Ribeira Seca, que testemunhou a promessa, talvez venha a ser a madrinha do casamento anunciado.

5. O futuro dos TACV também preocupa. Insiste-se em instalar Conselhos de Administração com pessoas que se vão conhecer na cerimónia de posse ou na primeira reunião do Conselho e espera-se que as coisas funcionem. A companhia teve os seus melhores dias (não isenta de conflitos – prova de que o problema não são os administradores, mas a empresa, que é pouco menos que ingovernável) nos tempos em que a Companhia era gerida por Directores-Gerais. Não se podendo defender, nos dias de hoje, o regresso a uma tal opção de gestão, há que pensar em uma solução para a questão.
Pessoalmente, sempre defendi que um órgão colegial deve ser resultado de um consenso. Por maioria de razão em se tratando de uma empresa de capitais inteiramente públicos. Não se podendo escolher um CEO, negociar com ele uma carta de missão e confiar-lhe o futuro da Companhia, o jeito é escolher um Presidente para o Conselho de Administração e negociar (com ele) a composição do Conselho e (com o Conselho) as metas a atingir. E deixar claro que a administração deve esforçar-se por fazer parte da solução e não dos problemas (que já são mais do que muitos). Isso antes de se classificar a companhia como sendo simplesmente ingovernável e, em consequência, doá-la ou leiloá-la a quem tiver coragem de assumi-la. O Alfredo Carvalho ainda estaria interessado?

6. O futuro do negócio das taxas de radiodifusão - entre a RTC e os utentes, com a ELECTRA como intermediária - parece que vai conhecer uma solução. As pessoas têm agora a chance de negociar directamente com a RTC. Uma simples DECLARAÇÃO desvincula o consumidor da obrigação de pagar a Taxa de Radiodifusão juntamente com as contas de energia e de água.
Urgia, de facto, pôr termo ao assalto que é debitarem-nos quatrocentos e tal paus, a título de Taxa de Radiodifusão, tenha-se ou não se tenha instalado no local de consumo da energia eléctrica, um receptor de rádio ou de televisão, desde se tenha um consumo igual ou superior a 40 KWh. Pode uma coisa destas? E a violência maior dava-se (e ainda se dá) quando o fulano, sendo embora assinante do pacote ZAP da CV Multimédia (que inclui a TCV) era, ainda assim, obrigado a pagar a referida taxa na ELECTRA.
D. Bela Aguiar tem mais pormenores. Contactem-na.

7. O futuro das relações dos consumidores com a ELECTRA continuará na mesma senda: a ELECTRA responsabilizando o consumidor pelas suas ineficiências; os consumidores carpindo suas mágoas diante da imprevisibilidade da ELECTRA. A única coisa previsível e pontual na relação é a factura de consumo que entra, regular e sorrateiramente, por debaixo das nossas portas.
Já agora, para quando o cumprimento da proibição de facturação de consumos calculados por estimativa? Consumidores e ELECTRA devem se respeitar, enquanto parceiras que são, para que se possa construir um futuro de desanuviamento. Quem dará o primeiro passo?

O futuro a Deus pertence? Certamente. Mas a nós, simples mortais, de lhe definirmos um sentido.

Wednesday, June 17, 2009

TAXA ECOLÓGICA

“Dificuldades reais podem ser resolvidas; apenas as imaginárias são insuperáveis.”

Theodore N. Vail
Quem, como eu, defende a municipalização da taxa ecológica tem obrigação de demonstrar como é que se pode consumar a materialização da ideia.
Mas antes de mais talvez seja de bom-tom registar o que penso da referida taxa. Taxa que tem características de imposto (por ser uma subtracção de riqueza, com carácter unilateral, sem qualquer contrapartida, portanto) e de sanção, à la carte, (subtracção de riqueza, com carácter unilateral, e destinada a conformar comportamentos), isto é, uma sanção previamente enunciada como punição por eventual comportamento à margem da ordenação social vigente: assumindo o comportamento esperado, não se paga a taxa ecológica; caso contrário, o operador é obrigado a pagar a referida taxa, com muito fracas possibilidades de repercuti-la no consumidor final.
A ideia subjacente à taxa ecológica é levar o operador e o consumidor a terem comportamentos ecologicamente correctos. Se, na sanha por maiores lucros ou na persecução do balato li sin, operador económico ou consumidor final optarem por taras one way ou por embalagens não biodegradáveis, ficam sujeitos à taxa ecológica, a qual deve ter taxas suficientemente pesadas e convincentes, a modos de sentirem necessidade de pegarem em lápis e papel e começarem a fazer contas, antes de fazer a opção pelo tipo de embalagem para os produtos que importa e/ou consome. E é claro que a opção por taras retornáveis ou por embalagens biodegradáveis deve premiada com uma taxa nula (zero) em sede de taxa ecológica.
Depois do duplo parêntese, torna-se necessário fundamentar a defesa da municipalização do «imposto». Tanto o Governo nacional como os governos locais têm programas de animação e gestão ambiental, mas é nas comunidades que as coisas acontecem: é lá que vêm ao de cima as necessidades de educação ambiental, lá é que surgem as necessidades de intervenção, e é lá que é a tapadinha da luta pela preservação da qualidade ambiental. Não se pretende que o Estado seja uma realidade virtual e convencional, mas tão-somente que é nos municípios, nas suas comunidades, suas ruas, encostas, cutelos e ribeiras que o Governo nacional e os governos locais atacam a questão ambiental. Então, e diante disso, porque não elaborar programas conjuntos (Estado/município) e costurar orçamentos conjuntos de intervenção? E porquê brigar pela titularidade dos recursos? Coisa de louco, ? A municipalização da taxa ecológica garantiria ao Governo nacional e aos governos locais que todas as receitas arrecadadas nessa rubrica ficariam integralmente disponíveis para as intervenções da Administração Pública (directa e indirecta) nas comunidades, em matéria de política ambiental.
Como operacionalizar a municipalização? Simples.
Sendo um «imposto» de porta, continua a ser cobrada, à entrada das taras, nas estâncias aduaneiras. Deixa, simplesmente, de ser contabilizado como receita do Tesouro, passando a ser escriturado como operação de tesouraria. Só isso.
Como chegarão os recursos aos municípios? Simples.
No final do mês, ou de um período que se entender razoável, o sistema informático instalado nas estâncias aduaneiras (o famoso SYDONIA++) apura o montante arrecadado, o qual será transmitido aos destinatários finais dos recursos. Na verdade, o SYDONIA++ permite muito mais do que isso: os interessados podem saber, a cada minuto, o montante acumulado de receitas provenientes da liquidação e cobrança da taxa ecológica. Basta instalar o módulo «account» do SYDONIA no terminal do Presidente da Associação Nacional dos Municípios (e/ou nos terminais dos Presidentes de Câmara). Haveria a máxima transparência em matéria dos montantes arrecadados. A questão de quanto caberia a cada município ou a cada projecto, dependendo do destino que se pretender dar aos recursos - engrossar as receitas municipais, tout court, ou financiar projectos de intervenção ambiental. Pessoalmente, defendo a consignação dos recursos para financiamento de projectos pré-aprovados do programa ambiental municipal.
Mas uma chamada de atenção deve ser registada agora: os recursos arrecadados não podem ser consignados ao município da área territorial da estância aduaneira de importação das mercadorias que dão lugar à cobrança do imposto. Seria, de todo, injusto: a maior parte das importações acontecem no porto da Praia, mas tais mercadorias são, posteriormente, distribuídos por quase todo o território nacional, exceptuando S. Vicente e Santo Antão. Se é certo que a entrada no território nacional se dá pelo porto da Praia, a verdade é que tais mercadorias são consumidas um pouco partout. A distribuição deve ser, pois, feita com base em dados do INE sobre o consumo (o consumo é que libera as taras não biodegradáveis que vão atacar o ambiente, perigando o futuro) e mediante fórmula previamente aprovada pelo Parlamento, sob proposta do Governo nacional e ouvida a Associação Nacional dos Municípios.
O que deve ficar claro, para todos, é que a taxa ecológica, diferentemente dos demais impostos, não deve ser considerada um mero expediente para obter recursos adicionais. A ideia é, e não se pode perder isso de vista, incitar os operadores e os consumidores para comportamentos ecologicamente aceitáveis em matéria de opção do tipo de embalagens que levam para casa. Tem um efeito pedagógico, com métodos muito próximos dos dos professores da primária dos tempos do meu pai, baseada em prémio e castigo: quem tem um ditado com zero erros ganha um doce; quem comete erros leva palmatoadas em quantidade e violência directamente proporcionais ao número de erros cometidos. Portanto, taxa ecológica para quem opte por taras one way e embalagens não biodegradáveis (plástico, vidro, folha de flandres e outros materiais que levam centenas de anos a desaparecer) e discriminação positiva (a identificar) a favor de quem opte por taras retornáveis e embalagens em materiais biodegradáveis (papel reciclável, papel reciclado e outros materiais que se desfazem em pouco tempo). Mas taxa ecológica que mexa com o bolso do consumidor: nada menos do que 30$00 por cada garrafa PET de 1,5 litros; nem menos do que 20$00 por uma garrafa de vidro de litro; ou 15$00 por uma garrafa de 33 centilitros ou lata de 330ml. E isso sem contar com a obrigação dos operadores exibirem produtos embalados em material biodegradável em posições de destaque no seu estabelecimento e com a disponibilização de contentores bem identificados para a recolha de embalagens one way e/ou não biodegradáveis.
Não se deve descurar também contrapartidas extras (para além do não pagamento da taxa ecológica) aos operadores que optem por taras retornáveis e embalagens biodegradáveis. Estou pensando, por exemplo, no caso da Padaria PÃO QUENTE. Esta unidade tem feito um esforço considerável, merecedor de público destaque, no sentido de fornecer o pão e os produtos de pastelaria fina, de sua produção, em embalagens de papel. Uma distinção, um diploma ou um qualquer incentivo outorgado à PÃO QUENTE, pelo comportamento ecologicamente correcto, daria motivação extra aos sócios, ao mesmo tempo que se erigiria a empresa em exemplo a ser seguido. Pelas empresas do ramo e não só.
E porque não lançar um repto aos Grupos CALÚ & ÂNGELA; ADEGA, SARL; HERDEIROS EDMUNDO RODRIGUES BARBOSA, LDA; e LEADER PRICE (PALÁCIOS FENÍCIA); para que substituam os sacos de plástico por sacos de papel reciclado? São empresas reconhecidas pela sua grande responsabilidade social e que bem poderiam se transformar em bandeiras da Capital, caso viessem a dar provas da sua consciência ecológica: substituindo sacos de compras em plástico, por sacos em papel reciclado; instalando ecopontos; distribuindo refrigerantes e cervejas em taras retornáveis; etc. Alguém acharia demasiado, qualquer discriminação positiva que a Câmara Municipal da Praia fizesse em relação a essas empresas? Não seria justo que a fiscalidade lhes fosse favorável, em função disso? E não seriam merecedoras de pública distinção? Aqui ficam as sugestões. Para os referidos Grupos económicos; para a CMP; para o Governo da República. Uma parceria público-privado envolvendo o Governo nacional, o governo local e as maiores empresas do ramo da distribuição pode produzir, pelo menos na Capital, impactos de longe mais benéficos do que os esperados em consequência taxa ecológica. Taxa ecológica cuja proposta de lei veio pôr a nu o analfabetismo ecológico de figuras com obrigações especiais na condução da política ambiental.
Seria pretensão a mais esperar que sejam estabelecidas parcerias entre o Estado e as produtoras nacionais de águas, cervejas e refrigerantes? Pessoalmente acredito que seria possível esgrimir a fiscalidade com alguma maestria, dispensando, p.e., um tratamento fiscal diferenciado às operadoras que aderirem ao princípio de disponibilização das bebidas produzidas em embalagens retornáveis e/ou biodegradáveis.
Mais do que de uma simples Lei sobre a «taxa ecológica», o país precisa é de um pacote legislativo substancial em matéria ambiental, passando, é certo, pela taxa ecológica, mas avançando em domínios ainda inexplorados (ou deficientemente explorados), como sejam a fiscalidade, a parceria público-privado (Estado/produtores, Municípios/distribuidores) e, last but not least, parcerias Governo nacional/Autarquias locais.
Complementarmente, e diante dos boatos, que por aí correm acerca de fraudes ligadas à restituição ilícita dos montantes de taxa ecológica liquidados e pagos em sede própria, competirá à Administração Fiscal a blindagem do mecanismo de restituição da taxa ecológica: em se optando pela sua municipalização, conquanto continue a ser cobrada pelas estâncias aduaneiras, o reembolso deve ficar por conta do destinatário final, após comprovação inequívoca de errada liquidação e/ou cobrança.
Finalizo com uma prece: por favor, senhores deputados, não façam joguinhos com coisas sérias. E a questão ambiental e o equilíbrio ecológico são coisas demasiado sérias: delas dependem tanto o nosso futuro, como o futuro dos nossos netos e do próprio planeta TERRA.

Tuesday, June 9, 2009

O DIREITO DE RECLAMAR

“Por vezes, quando reflicto sobre as tremendas consequências que resultam das pequenas coisas… Fico tentado a pensar… que não há pequenas coisas.

Bruce Barton
Há que saudar o (r)estabelecido direito de reclamar. Se antes não nos ouviam, ou ouviam e faziam ouvidos de mercador, hoje já se pode apelar para o LIVRO DE RECLAMAÇÕES e aí registar as nossas reclamações.
Mas esse direito resgatado, em vez de nos tranquilizar, faz-nos mergulhar num mar de cogitações. O livro deve estar visível e/ou acessível ou a gente tem de pedir ao responsável? Se o responsável se recusar a apresentar o livro, o que é a gente faz? A quem a gente recorre? O responsável pode proibir-nos de entrar no seu estabelecimento em razão das nossas reclamações? Qual o ente público com poderes para fazer valer os nossos direitos? E se o ente público a quem a gente recorrer não nos atender ou nos atender mal e porcamente?
Aliás, quando é um ente público responsável pela provisão de algum serviço que se torna alvo das nossas reclamações, o que podemos fazer? Haverá um livro de reclamações nos escritórios de tais entes, à semelhança do privado? Ou ali serão as decorativas caixas de reclamações, as tais que ninguém abre?
Não estranhem as nossas dúvidas. Elas alicerçam-se em desilusões várias que medraram em uma cultura onde um mundo de direitos não conhecem tradução prática e tudo fica por isso mesmo. Direitos consagrados até constitucionalmente e que, em não sendo respeitados, o cidadão não tem para onde se virar; e ditames, também constitucionais, de que os titulares dos poderes fazem letra morta.
Dos tais direitos consagrados não vou aqui falar, já que cada um de nós é capaz de recitar uma dezena delas sem gaguejar. Dos ditames constitucionais feitos letra morta, o exemplo mais gritante é o estatuto administrativo especial outorgado pela CR à Cidade Capital da República e que tem sido feito de bombo da festa, tanto pela situação como pela oposição. É claro que responsabilidades maiores devem ser assacadas aos parlamentares; embora o Governo tenha a sua quota-parte, uma vez que quando decide, de per si, mudar o estatuto de uma urbe (de vila para cidade, por exemplo), fá-lo no estilo vapt-vupt, não acontecendo o mesmo quando se trata de um ditame da Constituição da República. Num caso desses, a quem a gente pede o Livro de Reclamações? Onde estará dependurada a caixinha de reclamações? Para onde se virarão os capitalinos? Poder-se-á, de facto, falar de direitos, quando nada se pode fazer para os fazer valer? Quando não existe, claramente, quem nos possa valer em caso de adiamento ad aeternum da realização dos direitos?
Por isso, se torna cada vez mais premente que se deixe de estabelecer direitos sem que sejam estabelecidos os meios competentes para os fazer valer. É preciso, de uma vez por todas, que se comece a equacionar e a pôr de pé mecanismos e interlocutores acessíveis e com poder para fazer valer os direitos consagrados na CR e nas demais leis da República.
A instalação do Provedor de Justiça (ou será uma Provedoria?) já tarda. Não se compreende como é que se pode deixar em banho-maria uma instância tão importante para a salvaguarda dos direitos dos cidadãos. A Provedoria dos Munícipes (ou seria o Provedor?) surge de quando em vez nos discursos políticos, para depois levar sumiço, qual cometa nos céus. É ou não considerado importante para a defesa dos interesses dos munícipes. Se sim, qual a razão (ou as razões) para não se dar o passo?
Virou moda transferir para os cidadãos (e suas associações) a responsabilidade pela defesa e protecção do consumidor. Os cidadãos devem organizar-se de modo a defenderem os seus direitos e interesses, sim senhora. Mas não se deve nunca perder de vista que essa é uma função do Estado. Se as associações de defesa e protecção do consumidor estiverem funcionando bem, óptimo. Nessas circunstâncias, ao Estado bastaria transferir os recursos necessários para que tal serviço público continuasse a ser prestado por organizações da sociedade civil. Não estando, devem os poderes públicos (nacionais e locais) tomarem sobre si a responsabilidade pela defesa e pela protecção do consumidor.
No universo lusófono há dois grandes baluartes de defesa e protecção do consumidor: a DECO, em Portugal, e a PROCON, nas Terras de Vera-Cruz. E ninguém que conheça o historial da PROCON duvida do seu poder e de sua eficácia. E a PROCON é uma instância PÚBLICA de protecção e defesa do consumidor. E não é difícil compreender o surgimento de uma tal autarquia: não havendo um movimento da dita sociedade civil com os necessários empenho e empowerman, compete ao Estado, por intermédio da administração pública, directa ou indirecta, instalar uma instância de defesa e protecção do consumidor. Pelo menos até que os cidadãos tenham condições de assumir a sua própria defesa e protecção e sejam capazes de fazer isso melhor do que o organismo público.
No entanto, por aqui, tanto o Governo nacional como os Governos locais optam por ficar na sombra, esperando que os cidadãos andem às bolandas até que consigam algum nível de organização. Aprova-se uma lei dita de defesa e protecção do consumidor, e ela não é regulamentada, passadas duas décadas; define-se um estatuto para os organismos de defesa do consumidor, junto das Autoridades Reguladoras, e estas fazem o que lhes dá na telha; espera-se que os cidadãos organizados resistam à cartelização, mas não se instala a Autoridade da Concorrência; deixa-se o consumidor entregue a si próprio, e nem se cria um canal especial, junto do Ministério Público e dos Tribunais, que garanta um tratamento célere das acções intentadas contra os provedores de bens e serviços que hajam violado os sacrossantos direitos do consumidor. Canal especial ou instruções permanentes ao MP para dar prioridade às acções intentadas pelas organizações de defesa e protecção do consumidor.
Os direitos são tantos (e a nossa Constituição Política é muito bem referenciada em função disso), mas as coisas estão de tal forma que, nos dias que correm, a defesa e a protecção da propriedade individual e do património das empresas é, cada vez mais, assumida pelos cidadãos e pelas empresas. A prosperidade dos serralheiros e a proliferação de agências de segurança privada (para além dos guardas não enquadrados contratados pelas famílias) são testemunhas desse estado de coisas.
Não diria que o Estado foge às suas responsabilidades. Nem digo que as famílias e as empresas não devam contribuir para a segurança e a inviolabilidade das respectivas propriedades. E não me atreveria a registar que o Estado deva levar os cidadãos ao colo, removendo-lhes todos os obstáculos. Mormente que o consumidor deva cruzar os braços e confiar a sua defesa e protecção exclusivamente aos poderes públicos. Nada disso. O que aqui se questiona é a efectividade dos direitos em uma situação em que inexistem mecanismos para fazê-los valer.
Em tais circunstâncias, competiria sempre aos poderes públicos a assumpção descomplexada do seu papel. Em um Estado social e de direito democrático todos têm direitos e deveres. Até o próprio Estado: tem o direito, exclusivo, de uso lícito da força e tem um acervo grande de deveres em relação aos cidadãos. E o primado da lei, que caracteriza o estado de direito, e o dever de cumprimento da lei, que nos atinge a todos, Estado incluído, faz com que o Estado esteja agindo marginalmente, sempre que deixa um qualquer dever seu ao Deus dará.
E diante disso, a gente cruza os braços deixando que o Estado se desenrasque? Claro que não. Deve-se é exigir que o Estado aja responsavelmente. Que o Estado não fuja às suas responsabilidades. E que faça um pouco como fez em relação à economia.
Durante algum tempo o Estado criou, instalou e explorou empresas públicas, cobrindo domínios que o incipiente (diria mesmo inexistente) tecido empresarial não podia cobrir. Continua, ainda hoje, com acções e participações em empresas estratégicas, como forma de influenciar as coisas em determinado sentido. E pode, ainda hoje, encetar incursões por sectores que ainda não interessem aos privados, à condição de sair e ceder vez ao capital privado logo que o sector se mostre viável e/ou rentável. No que à salvaguarda de direitos diz respeito, o Estado poderia, e deveria, agir de modo similar. Lá onde as organizações dos cidadãos ainda não possam substituir, com vantagens, o Estado, deve este continuar a intervir. Para o bem-estar de todos e felicidade geral da Nação.
Os cidadãos ainda não conseguiram pôr de pé um eficaz organismo de protecção e defesa do consumidor? Então o Estado não pode desligar os interruptores. Que o Governo nacional e/ou os Governos locais ponham de pé estruturas de protecção e defesa do consumidor, ao mesmo tempo que sigam trabalhando no sentido de, a prazo, serem os cidadãos a assumir a incumbência. Que o Estado aprove uma lei virada para a protecção e defesa do consumidor, e a REGULAMENTE em tempo oportuno, a modos de abrir novas perspectivas aos cidadãos. Que na lei referida atrás sejam consagrados recursos destinados a apoiar a acção dos organismos que assumirem o SERVIÇO PÚBLICO de protecção e defesa do consumidor. Por aí.
O livro de reclamações ajuda na relação provedor do serviço/consumidor? Claro que ajuda. Ao Estado bastará estabelecer o princípio do uso do LR? Não, não basta. Os fornecedores de bens e serviços apostam nas limitadas possibilidades de acesso à justiça do consumidor nacional para criarem obstáculos e explorarem a sua boa-fé. Não bastará, por isso, instituir a obrigação de exibição do LR. Mais e melhor do que isso seria a instalação de mecanismos facilitados de acesso a um ente público capaz de dar resposta em tempo real a quem seja negado, por exemplo, o LR; àquele cuja reclamação não tenha tido seguimento; ou àqueles a quem sejam impostas retaliações por causa da sua postura cidadã. Mas não um ente público cujas luxuosas instalações inibam o cidadão comum. Que instalações do tipo existem, sim senhora, apesar dos permanentes apelos à austeridade. O bom mesmo seria catalogar os atentados aos direitos do consumidor como casos de polícia e dar instruções aos policiais para que, quando chamados, «não neguem fogo». Assim, bastaria sair à rua e chamar o policial de giro e fazer valer os nossos direitos.
Pena é que não se poderá catalogar como caso de polícia a recusa reiterada em cumprir um ditame constitucional como, por exemplo, o nº 2 do artigo 10º da CR, o tal que confere um Estatuto Administrativo Especial à Capital da República, e manda que o mesmo seja regulamentado por lei ordinária. Seria o bom e o bonito chamar um Guarda e pedir-lhe que prenda… cala-te boca. Já imaginaram quem a gente mandaria prender? Todos aqueles que (de 1999 ao presente) prestaram juramento solene garantindo que respeitariam e fariam respeitar a Constituição e que fizeram letra morta do artigo 10º. Ocorrem-me, no momento, um bom lote de gente poderosa que poderia ser chamado à pedra.
Mas vamos lá negociar? Não chamo a polícia, à condição desses senhores passarem a respeitar os ditames da Constituição. Feito? E olhem que não deve ser difícil. Basta ver a conversão do Ulisses em relação ao Estatuto A. Especial para a Capital. É pegar ou largar.
E quanto ao direito de reclamar… estamos conversados: não deve ser limitado. Deve-se, por exemplo, deixar de reclamar quando, numa loja, o produto tem um preço na prateleira, enquanto na «caixa» nos cobram um valor superior? Dêem-nos luz, água, pão e palavra qb que, ainda assim, não deixaremos de protestar contra o que achamos que não está certo. Rek!