Thursday, January 14, 2010

RESPEITADO OU TEMIDO?

“Todos pensam em mudar o mundo, mas ninguém pensa em mudar a si mesmo.”
LEON TOLSTÓI
O que é que satisfaz as pessoas, nos dias que correm? Serem respeitadas ou serem temidas? Acredito que as pessoas até pensam que continuam correndo pelo respeito dos seus semelhantes. Mas, em boa verdade, tudo fazem para parecerem temíveis e, em consequência, serem temidos.
Em tempos que já lá vão, as pessoas orgulhavam-se de serem respeitadas. E a verdade é que era bem mais fácil as pessoas fazerem-se respeitar. Bastava que se dessem ao respeito e respeitassem o semelhante (contemporâneos, mais novos e, principalmente, os mais velhos). Ressalta, de tal visão, o princípio da reciprocidade: OBTINHA-SE O RESPEITO, RESPEITANDO-SE E RESPEITANDO OS OUTROS.
Hoje, as pessoas querem ser respeitadas, sem se darem ao respeito e sem respeitar o próximo. Fala-se que é preciso impor respeito e escuta-se amiúde o dito “RESPEITO É BOM E EU GOSTO”. O problema é que o verbo “impor” não rima com “respeito” e o tal de “RESPEITO É BOM E EU GOSTO” é verbalizado sempre de cara fechada, de forma ríspida e com modos de quem pode impor sanções caso não seja tratado como acha que merece. E acaba-se confundindo temor com respeito e “ser temido” com “ser respeitado”, com todas as consequências que daí podem advir.
Quando se é respeitado, é-se sempre tratado com respeito, estando presente ou ausente; quando se é, simplesmente, temido, recebe-se manifestação de respeito quando se está presente, mas é-se vergastado na ausência. Quer isso dizer que aquele que é temido, para receber manifestações, aparentes, de respeito, deve estar sempre presente – ele ou o instrumento de domínio sobre os outros.
Significa que, nos dias que correm, as pessoas se satisfazem em saberem-se temidas. Sabem que não são respeitadas como, por exemplo, seus progenitores, mas satisfazem-se com a ilusão de serem respeitadas. E têm a consciência do preço alto que são obrigadas a pagar. Há necessidade de renovação permanente da “legitimidade”: o que provoca o temor do vizinho (ou a sua representação mental) e o obriga a prestar vassalagem a um safardana qualquer tem de estar sempre presente. E isso tanto pode ser o poder sobre a manutenção do emprego, como a posse de bíceps poderosos, de arma de fogo, ou de qualquer outro factor que confere poder não sujeito a controlo. O problema é que impor respeito é super complicado.
Por vezes, não basta o potencial de despedir um fulano do seu posto de trabalho: para desencorajar a veleidade dos demais, pode-se sentir a necessidade de despedir um pai de família só para manter os demais em respeito. Pode não ser bastante saber-se que se tem bíceps poderosos: para manter o respeito dos demais, sente-se a necessidade de distribuir uns cascudos por uns tantos. Pode não ser suficiente ter um automóvel potente, último grito: será preciso fazer umas ultrapassagens, onde haja espectadores, para se manter respeitado. Enfim, quando se é simplesmente temido e se tem a presunção de ser respeitado, não basta a ameaça, o potencial, a capacidade latente: são precisas, vez por outra, manifestações de poder que façam com que as pessoas se submetam, finjam respeito. E, um pouco como acontece com a droga, cada vez se tem de usar uma dose maior, para se obter o mesmo efeito. E é por esse caminho, por essa espiral, que se chega à volúpia da violência, à «overdose», ao irreversível.
No fundo, no fundo, os problemas que a nossa sociedade vem enfrentando têm a ver com o PODER e com a forma de sua legitimação. Quando, em vez de se conquistar o respeito do semelhante (se dando ao respeito e respeitando o próximo), se decide impor o respeito, PORQUE É BOM E SE GOSTA, sem contudo respeitar ninguém (nem os mais velhos, nem os colegas, mormente os mais novos e os mais fracos), o jeito é ter o PODER de impor. É por isso que se luta pelo PODER de forma tão desbragada; é por isso que se apega ao PODER de forma tão descarada; é ainda por isso que se aposta no SER e no TER, como formas de PODER, com tanta avidez: porque o PODER permite IMPOR respeito, sem se ter o «desprazer» de se ter de respeitar espécimes tidos como menores.
Um militante bem posicionado no partido do poder ou em um partido com vocação de poder; um bom quadro; um bom gestor; um empresário de sucesso; ou os familiares destes; um estudante aplicado; querendo, podem optar entre SER RESPEITADO e SER TEMIDO. Dependerá de muita coisa (entre as quais o berço e o sinal da influência que a necessidade de reconhecimento exerce sobre o sujeito) a opção por se dar ao respeito e respeitar os outros ou por, simplesmente, impor respeito aos demais, fazer-se temível. Abre-se-lhes a possibilidade de escolha.
As coisas pioram quando não se tem muito por onde escolher; quando não se têm os pergaminhos necessários para aceder ao PODER, digamos, tradicional, e impor respeito aos demais. Um miúdo que é alijado do sistema de ensino e não tem mais para onde se virar; ou que termina o liceu, não tem meios para seguir uma formação superior, nem consegue um emprego; um jovem desempregado, permanentemente bombardeado pela exposição, nas vitrines das boutiques e feiras, de roupas e calçado da moda e perfumes franceses; um jovem que não consegue atrair a atenção de meninas de sua idade porque é preciso dar um «soco na rosto» e ele não tem como; a miúda que não consegue a atenção da pessoa que ama, porque não usa perfumes caros, nem pode ir ao cabeleireiro, à manicure ou à pedicure; o jovem que perde a «pequena», à saída da «boate», para um «tio» barrigudo, mas que tem uma viatura vistosa; um miúdo bem comportado, mas que é, sistematicamente, passado para trás por um traficante que dá «socos na rosto» incríveis; jovens que não conseguem uma audiência com uma autoridade e que vêm estes recebendo traficantes nos seus gabinetes, ou se confraternizando com eles; que caminho lhes resta?
Não são respeitados porque esta nossa sociedade cínica prega uma coisa e faz outra: condena a violência, mas abre os seus salões aos maiores promotores da violência no mundo, que são os traficantes de droga, armas e outras merdas; diz-se cheia de valores, mas não questiona as filhas que chegam à casa tarde e a más horas, a bordo de um bólide pertencente a um desconhecido muito mais velho; fecham os olhos ao material escolar espectacular que não pagaram, ao telemóvel último grito, às roupas de griffe, ao perfume francês, aos sapatos italianos, ao banho de beleza (cabelo, depilação, manicure, pedicure) e às disponibilidades em numerário que a filha ostenta; diz que acredita em amor e uma cabana, mas bloqueia o pretendente honesto, mas pobre, e abre alas para o «tio» barrigudo e para traficantes, ricos. E não podem impor respeito com recurso ao dito PODER tradicional, porque lhes faltam pergaminhos e padrinhos para lá chegarem. Qual a saída para algum respeito, ainda que de mentirinha?
É isso aí. A união faz a força. Mesmo se tratando de marginalizados. Os marginalizados estão se organizando para se fazerem respeitar. Perceberam bem a lição: nesta nossa sociedade, ou se tem algum PODER e se obtém algum «respeito» dos outros, ou se morre pária (capacho para os demais exercitarem orgias do poder que detêm). E vão de se organizar em GANGS.
Os «gangs» vêm a ser, pois, a via de acesso ao poder daqueles que querendo, como os demais, impor respeito, não têm o direito do lado deles. E não há que ficar espantado diante dos integrantes dos «gangs»: não são integrados apenas pelos ditos deserdados da sorte, mas por todos aqueles que querem ser alguém em si. Fazer parte de um «gang» oferece ao integrante, antes de mais, uma relação de pertença, uma âncora, uma referência, que o faz sentir-se «alguém»; depois, sabe-se protegido contra abusos, uma vez que, pertencendo a uma estrutura de poder, quem se atrever a mexer com ele, mexe com toda a estrutura, a qual tem, via de regra, uma boa capacidade de resposta; e ganha o direito a puxar, vez por outra, da «carteirinha»: sabe com quem está se metendo? Sabe quem eu sou?
Perder de vista os circunstancialismos que ditaram o surgimento de pessoas que, organizadas ou não, se predispuseram a exigir que sejam tratadas com respeito, sem se darem ao respeito ou respeitarem aqueles a quem exigem respeito, só fará com que o fenómeno se perpetue. Esta sociedade, se quiser, de facto, combater a violência que a incomoda, precisa realizar uma catarse e, quiçá, uma revisitação ao passado.
O gosto desbragado pelo poder e o uso despudorado desse mesmo poder para satisfação de paixões, aliado a uma dose incrível de intolerância e à postura de complementaridade desta sociedade, constituem o húmus onde fermenta, medra e floresce a violência que nos assusta. E ou se consegue moralizar a vida em sociedade ou continuaremos chafurdando nesta lama podre, onde ninguém se dá ao respeito, ninguém respeita ninguém, mas todos exigem ser respeitados.
RESPEITO É BOM E TODO MUNDO GOSTA? Então, mister se torna que comecemos por nos darmos ao respeito, passarmos a respeitar os outros e, sobretudo, recuperemos os valores cristãos que tão bons resultados deram até um certo tempo. Só assim poderemos almejar uma sociedade onde direitos e deveres andem de mãos dadas, onde as recompensas sejam em função do mérito e a inclusão social não seja uma expressão vã.

Saturday, January 9, 2010

PLENO EMPREGO E PAZ SOCIAL

“A palavra apoteose significa literalmente transformação divina: o homem se transforma em Deus. Vem do grego antigo apo, que aqui significa tornar-se, e theos, que significa Deus.”
Dan Brown*
Depois de muito se ouvir falar em taxas de desemprego (a um e a dois dígitos), apraz-me hoje aflorar a possibilidade latente de se poder vir a falar não de desemprego, mas de emprego e... a três dígitos.
Onde existe, em que paraíso existirá, o pleno emprego ou o emprego a três dígitos?! – perguntarão, com razão. Não existirá, mas é possível, mormente em uma economia onde o número de desempregados se fica pelos cinco dígitos e o próprio mercado de trabalho se resume a não mais de seis dígitos, sendo que o primeiro deles é, certamente, um algarismo menor do que 4. Em uma economia como a nossa, bastaria haver ocupação para um segundo turno de trabalhadores, para se garantir o pleno emprego.
A questão que me podem pôr é esta: se é assim tão fácil, porque será que ainda não se trilhou tal caminho? Por que economias consolidadas não conseguiram ainda o pleno emprego? Primeiro, porque tal saída não é realizável em relação a economias grandes, com milhões de trabalhadores e onde qualquer taxa de desemprego diz respeito a milhões de indivíduos; depois, porque estas economias já têm dois, três e até quatro turnos de trabalho e um mercado esticado até não poder mais. No caso de Cabo Verde, bastaria investir forte em algumas infra-estruturas; apostar, de forma criteriosa, na formação profissional; e negociar parcerias poderosas que lhe pudessem abrir mercados. Preciso me explicar?
Pessoalmente, acredito que a nossa saída passa pela atracção de investimentos (externos e internos) para a indústria ligeira e para um turismo de qualidade (isso sem pretender abjurar os investimentos no turismo de massas e na imobiliária turística). Nesse pressuposto, apostaria o JOCKER na adequação dos custos da água e da energia; na preparação e implementação de um cuidado plano de formação profissional, capaz de dotar o país de uma bolsa de verdadeiros operários qualificados; em um programa de incentivos especiais ao investimento (externo e interno) na indústria ligeira e no turismo de qualidade; e em parcerias poderosa (pagando o que tiver de ser) para garantir aos nossos produtos acesso preferencial aos mercados de destino.
Daí que a eventual utilização dos fundos do MCA II para investimento na dessalinização das águas do mar das ilhas pareça uma óptima opção. Estou pensando grande: dessalinizadores cercando as ilhas por todos os lados, embaratecendo o custo da operação, e baixando, em consequência, o preço da água para indústria, para a agricultura e para outros consumos humanos. Seria um investimento que permitiria a administração de preços diferenciados para os diversos usos desse bem essencial. E a adopção de um preço especial para as unidades industriais e para as de produção agrícola empresarial pode conduzir à viabilização de investimentos nessas áreas.
Optaria, igualmente, no aproveitamento inteligente de factores que temos em abundância, para garantir a produção de energia limpa e a custos razoáveis. Penso no SOL e no VENTO e na utilização de ambos para a produção de energias renováveis. Seria uma forma de contribuir para a redução das emissões de CO2; de reduzir a nossa dependência dos caprichos dos cartéis do petróleo; de disponibilizar energia a preços bem mais atractivos; de poder fornecer energia eléctrica de forma ininterrupta; e, finalmente, de completar a electrificação do país. Pode parecer fixação, mas seria um bom investimento para os fundos do MCA II e do III (que nos seria, certamente, disponibilizado, logo que a senhora Embaixadora relatasse a H.E. a senhora Secretária de Estado, que em Cabo Verde se está operando o milagre do PLENO EMPREGO).
Virar-me-ia para o Brasil e para os USA em matéria de cooperação para a formação dos operários de que a gente vai precisar para operar o milagre. Estou pensando nas unidades de formação profissional de alto nível dos USA e na SANAE, SEBRAE e outras estruturas de formação operária especializada das Terras de Vera-Cruz. Se estes dois países nos quiserem mesmo ajudar, se quiserem, a prazo, “cortar-nos” das suas listas de ajuda, que nos apoiem, a sério, nesta decisiva batalha pela formação do nosso operariado.
O mais difícil talvez seja conseguir que os nossos parceiros nos ajudem a trazer para Cabo Verde os investidores de que se precisa; incutir nos nossos operários a ideia de qualidade total; e o acesso a mercados consumidores interessantes, i.e., com o necessário poder de aquisição.
Começando pelo fim, diria que o programa AGOA (African Growth and Opportunity Act), ligando os USA à África; o APE (Acordo de Parceria Económica), ligando a UE aos ACP (África, Caraíbas e Pacífico); e o próprio Acordo de Parceria Especial, ligando a União Europeia a Cabo Verde; poderiam ter componentes de ajuda à qualidade total dos bens a exportar, como forma de facilitar, VERDADEIRAMENTE, o acesso aos mercados que contam. É que não basta garantir o acesso preferencial aos seus mercados (que, na prática, se resume à exoneração fiscal das importações feitas a partir de Cabo Verde, o que não significa que não seja um enorme FAVOR): é preciso que os nossos produtos, para além da facilidade fiscal, tenham um selo de qualidade que, em termos comerciais, interessem ao consumidor mais exigente. É disso que precisamos e é isso que devemos pedir aos nossos parceiros – know how. E se nos quiserem ajudar, de facto (e eu acredito, piamente, que sim), é por aí que temos que começar.
E resolvidas que estejam as questões ligadas às infra-estruturas, à qualidade e à formação profissional, e ao mercado, fica mais fácil atrair bons investidores para deslanchar a indústria ligeira no nosso país. Podendo parecer haver a pretensão de explorar os nossos parceiros, a verdade, porém, é que a melhor maneira de rentabilizar as ajudas que nos concedem, é garantir que as respectivas contribuições estejam fadadas para o sucesso. E não haverá melhor resultado do que o PLENO EMPREGO. A introdução deste parágrafo prende-se à necessidade sentida de, mais uma vez, sugerir o engajamento dos parceiros: será preciso negociar com eles o envolvimento de “seus” investidores sérios e detentores do necessário know how. Da nossa parte, necessário se torna oferecer, como contrapartida, uma legislação laboral moderna, uma bolsa de operários qualificados, infra-estruturas de qualidade, meios de produção a preços competitivos e... mercado para os produtos. Fundamentalmente, fornecer elementos aos parceiros capazes de os ajudar a influenciar os investidores. Traduzido por miúdos, será preciso deixar claro que um investimento na indústria ligeira, em Cabo Verde, é um bom negócio. E um bom negócio interessa a todo o mundo.
Com empresas laborando a todo o gás, e incentivadas pela boa recepção dos seus produtos nos mercados, natural se torna a implementação de mais um turno de trabalho. E em uma economia em que a taxa de desemprego se situa abaixo dos 20% (da população activa), em uma realidade em que a Função Pública absorve menos de 10% dos recursos humanos disponíveis, um segundo turno nas unidades industriais reduziria, drasticamente, a taxa de desemprego, não sendo de descartar a hipótese de se atingir o pleno emprego.
Seria a solução de todos os nossos problemas? O PLENO EMPREGO talvez não resolva TODOS os nossos problemas. Pode parecer que seja um fim em si, mas ele é apenas um meio, indispensável é certo, para a nossa realização como Nação. Em o conseguindo, teríamos posto de pé condições, nada negligenciáveis, para a realização de um conjunto grande de sonhos: a REDUÇÃO DO PODER DE SEDUÇÃO DOS GANGS (se não, mesmos, o número deles); a PAZ E A TRANQUILIDADE SOCIAIS; o lançamento, definitivo, de um AMBIENTE PROPÍCIO AO DESENVOLVIMENTO.
Costuma-se dizer que “DEUS FEZ O MUNDO E O HOLANDÊS FEZ A HOLANDA”. E diz-se que os naturais do Brasil são chamados BRASILEIROS (atente-se no sufixo ‘EIRO’, indicador de ofício -v.g. pedreiro, ferreiro, sapateiro, etc.) , porque, ao cabo e ao resto, TRABALHARAM o território que se transformaria no Brasil que hoje se conhece. Nós, se realizarmos o sonho do pleno emprego, estaremos fazendo jus à designação de CABOVERDEIROS – artífices do novo país que iremos deixar às gerações vindouras.
O PLENO EMPREGO seria uma verdadeira apoteose para todo um povo e não apenas para algumas figuras ampliadas pelas luzes da ribalta, como se tentou, no passado, com Cabral, Pires e Veiga; e se continua tentando, hoje, envolvendo o mesmo Veiga (à direita), e JMN (à esquerda).
Afinal, o pleno emprego, em Cabo Verde, é possível ou não? Pessoalmente, acredito que sim! Piamente.
*in “THE LOST SYMBOL”