Monday, May 18, 2009

ADMINISTRAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO

“Guardamos a regra de ouro na memória; está na hora de colocá-la em prática.”

Edwin Markham
Creio haver um consenso de que a eficácia da administração resulta da conjugação dos melhores coeficientes de vínculo espacial e de lapso temporal. O corolário lógico de uma tal assumpção é a aceitação de que a administração eficaz é aquela com menor vínculo espacial (a descentralizada) e com a capacidade de reagir no menor coeficiente temporal (a desconcentrada). Perante a convicção de que para equacionar correctamente e resolver de forma irreversível os constrangimentos que obstam a que tenhamos a qualidade de vida urbana que almejamos, imprescindível e inadiável, portanto, se torna a instalação de uma administração eficaz.
Contudo, antes de avançar com o tema e em jeito de parêntesis, quero deixar aqui registado que uma tal administração precisa contar com uma sociedade civil organizada, engajada e actuante na defesa de uma boa qualidade de vida e na sustentabilidade das soluções. Sociedade civil que pugne pela instalação de uma administração eficaz, que colabore com ela e que cobre dela o cumprimento das obrigações implícitas e dos políticos o cumprimento das promessas das campanhas eleitorais.
Voltando à vaca fria e para início de conversa, vamos ter que clarificar alguns conceitos. Por exemplo, a necessidade da presença da vontade do Estado próxima do cidadão, para a consecução do tal vínculo espacial, de que falamos atrás, configura uma DESCENTRALIZAÇÃO, que poderemos definir como sendo o processo destinado a conferir ao poder autárquico responsabilidades, competências, RECURSOS (humanos, materiais, financeiros, patrimoniais, técnicos e tecnológicos) e poderes de decisão em matérias até então situadas a nível do Poder Central, SEM DIREITO DE AVOCAÇÃO. Importará não confundir descentralização com DESCONCENTRAÇÃO (que vem a ser o processo administrativo que se destina a transferir para agentes locais do Poder central poderes de decisão até então situados a nível do centro político, mantendo, entretanto o delegante o poder de avocação – que pode ser exercido a todo o tempo) também importante iniciativa e que pode representar tanto um coeficiente de eficiência no sentido temporal como um esforço de redução da macrocefalia da administração central.
Em Cabo Verde, como um pouco por todo o lado, a descentralização foi, inicialmente, o que se pode chamar de DESCENTRALIZAÇÃO DE OFERTA. Isto é, o Poder Central, de motu proprio, criou e instalou o Poder Local, passando-lhe responsabilidades, competências e poderes de decisão em matérias até então por Ele detidas. No entanto, aos poucos, foi-se constatando alguma inadequação entre os recursos e as responsabilidades repassados às autarquias locais, ao mesmo tempo que se tomava consciência de que há mais «serviços» que o Governo Local pode prestar com maior eficácia de que o Poder Central. Daí surgiram as primeiras reivindicações no sentido da exigência de mais recursos (transferências de mais dinheiro, de tecnologias e de capacidade de gestão) e da descentralização de mais poderes (acompanhados, obviamente, de recursos coerentes). Aqui chegados, a descentralização já não é uma oferta do Poder Central, mas, antes, uma demanda dos cidadãos e das suas autarquias. É o que se pode chamar DESCENTRALIZAÇÃO DE DEMANDA, uma questão bem mais complexa: já não é o Governo nacional a alijar, segundo as suas conveniências, dores de cabeça para os Governos locais, mas são estes e os cidadãos locais a exigirem uma inegável erosão do poder central em prol do reforço do poder e da cidadania locais. Os aparentes abrandamentos do fenómeno terão a ver, necessariamente, com a necessidade de apropriação das situações novas, por parte das autarquias; e da dura digestão da nova realidade (a demanda de descentralização, com a consequente redução da influência local do Governo nacional) por parte Poder central. A solução vai ter de passar por oficinas de construção democrática de consensos, preocupadas com a melhoria permanente da qualidade de vida nas comunidades.
Mas a cada vez maior responsabilidade dos Governos locais perante os cidadãos locais obriga a que tais Governos sejam senhores das suas decisões de GASTO e ARRECADAÇÃO, o que implicaria em maior acutilância, seja da tutela inspectiva do Poder Central, seja do controlo social. Autonomia de GASTO que não rima com despesas sem a desejável qualidade; e a autonomia de ARRECADAÇÃO que pressupõe, de entre outras coisas, um bicho-de-sete-cabeças denominado descentralização tributária. Não sendo uma questão tabu, é, contudo, um assunto a tratar com luvas de pelica. Descartar o debate sobre o assunto não será uma atitude séria, como ficou demonstrado no recente Fórum Internacional sobre «Governança Local e Desenvolvimento Territorial», realizado na Capital da República nos dias 14 e 15 de Maio decorrente.
Caracterizada pela transferência de funções (que passam a ser exercidas localmente); pela autonomia na provisão dos serviços (sem interferência externa nos serviços nem nos gastos); pela autonomia tributária (assumpção de fontes tributárias pelos Governos locais e liberdade para definir a base tributável e as alíquotas); por alguma liberdade para endividamento; com transferências de recursos (devidamente protegidas por fórmulas e sem condições); e pela liberdade política (definições específicas quanto à forma de realização das vontades colectivas) a descentralização resulta muito sedutora. E é vantajosa para as comunidades, não haja dúvidas. Porém, ela não está imune a ciladas e armadilhas. Ciladas e armadilhas que não devem ser escamoteadas, que não devem servir de desculpas para não trilhar um tal caminho, mas que devem ser conhecidas, a modos de poderem ser devidamente prevenidas.
Logo à primeira vista ressaltam alguns “perigos” como, por exemplo, a forte probabilidade de agravamento das assimetrias regionais de crescimento; a possibilidade de agravamento das dificuldades económicas do país; e a eventualidade de perda de alguma capacidade do Poder Central em promover o desenvolvimento do país e a estabilização da economia. De facto, a autonomia dos Governos Locais pode acabar privilegiando as comunidades mais ricas (com maior capacidade de mobilizar recursos), o que poderia redundar num agravamento das assimetrias regionais, na contra-mão do programa do Governo Central. E pode acontecer também que o grau de liberdade que o Poder Central tem para implementar políticas estabilizadoras (penso, por exemplo, no controlo da inflação) pode ficar reduzido, em função da descentralização tributária e de um conjunto de outras cedências em favor dos Governos Locais. É que diante do novo quadro e da nova correlação de poderes, aumenta o número de orçamentos a serem equilibrados e de endividamentos excessivos a serem contidos (no nosso caso, há um orçamento do Estado e 22 orçamentos locais, sem contar com o voluntarismo dos nossos autarcas no que à realização de despesas diz respeito).
É claro que estas ciladas e/ou armadilhas, uma vez conhecidas, podem (e devem) ser prevenidas. Conduzindo a descentralização de forma ordenada; mantendo nas mãos do poder central as bases impositivas de maior dinamismo; aprovando e implementando medidas que conduzam a ganhos de responsabilidade e de eficiência na gestão dos recursos (penso na questão incontornável da qualificação das despesas e no comprometimento com a efectividade e a equidade da acção tributária); pode evitar dissabores e amargos de boca e, principalmente, pode contribuir para uma significativa melhoria da qualidade de vida nas comunidades.
Como diria Peter Drucker, a descentralização é o novo e precisa ser feito. Desde que, digo eu, não se percam de vista os requisitos essenciais a uma boa descentralização, destacando-se (i) a capacitação das instâncias locais; (ii) o desenho das relações entre os poderes; (iii) a funcionalidade das instituições políticas. O que já não dá é fazer como o outro e deixar tudo como está, para ver como fica. EM NOME DE UMA MAIOR EFICÁCIA DA ADMINISTRAÇÃO DE PROXIMIDADE E POR UMA MELHOR QUALIDADE DE VIDA.
Refrerências:
- Celina SouzaRelações Intergovernamentais e a Reforma da Administração Pública Local;
- Amaury Patrick GreamaudDescentralização na América Latina: Benefícios, Armadilhas e Requisitos

No comments: