Fico às vezes perplexo quando escuto algumas colocações de pessoas muito bem cotadas na nossa sociedade. Fala-se que o “partido A” ganhou as eleições legislativas; que o “partido B” ganhou as autárquicas; fala-se de “Governo do partido A”; que o “partido B” está na oposição; etc.. Tudo bem. São constatações. São factos.
Mas também se escuta que o “partido A” está se imiscuindo nos assuntos do Governo; que o “partido B” não tem lições a dar a ninguém porque quando foi Governo agiu mal; que a “Câmara P” não confronta o Governo porque são da mesma cor política; etc..
Tais asserções não podem ter o mesmo sujeito. Como é possível que alguém, numa hora, barafuste com o Governo do “partido A” e noutra entenda que o “partido A” não pode pretender tirar satisfações ao Governo ou sugerir-lhe caminhos? Como conciliar o facto de o “partido A” ter ganho a “Câmara P” e as eleições legislativas com a recusa em lhe reconhecer o direito de tentar a conciliação dos interesses entre o executivo camarário e o Governo? Como pretender que o “partido B”, por estar na oposição, não tenha voz, só porque, num passado recente, agiu mal? Como pretender que, por exemplo, o “partido B”, que ganhou a “Câmara M”, não oriente a actuação do executivo daquela Câmara?
Quem vai a votos são os partidos. Quem ganha as eleições são os partidos. As cobranças são feitas aos partidos. Como pretender-se, pois, que os partidos fiquem à margem da governação. A proposta de sociedade – ou as propostas para a sociedade, como se preferir – são do partido. A plataforma eleitoral sufragada é do partido. O Governo é um governo do partido vencedor das eleições. Então, há que convir que um partido não pode – nem deve – se limitar a ganhar eleições e só voltar a dar ares da sua graça nas eleições seguintes. Tem o dever e a obrigação de mergulhar na sociedade profunda, auscultar as suas necessidades e aspirações, processá-las e, a partir de tais reiterados exercícios, municiar o Governo, influenciar as suas políticas públicas, perseguir a satisfação das necessidades auscultadas e não só. Tem o partido do poder esse direito. Conquista-o nas urnas.
Vão os partidos às urnas. Ganha um, perdem os demais. Mas têm algo em comum: todos receberam votos do eleitorado. Uns mais do que outros, mas todos têm responsabilidades perante o eleitorado, não fazendo, por isso, sentido que uns possam falar, dizer de sua justiça e os outros não. Há um programa que é sufragado pela maioria do eleitorado que se dignou comparecer perante as urnas, é certo; mas há uma boa franja desse mesmo eleitorado que não esteve pelos ajustes: votou noutra força política. E a consequência lógica do voto que não conformou a maioria é a obrigação dos seus beneficiários exercerem vigilância e controlo na realização do programa sufragado pela maioria. QUEM recebe mais votos, GANHA e GOVERNA; QUEM recebe menos votos, PERDE mas fica com a obrigação de contribuir para que a Legislatura sirva os interesses da Nação. Tem toda a legitimidade do Mundo para participar - criticando, sugerindo, propondo, censurando. E o facto de, no passado, ter agido mal não pode ser arvorado em açaime: por ter agido menos bem, foi apeado do poder. E isso é, a um tempo, a beleza e o castigo máximo em democracia. A ALTERNÂNCIA é a censura para quem não satisfez e a oportunidade de quem se posiciona com uma aliciante proposta para a sociedade. Não é – nem poderia ser – o silêncio de uns diante de uma voz dominante e hegemónica.
Mas fico perplexo diante de tais asserções porque sou um romântico inveterado.
Que esperar de partidos que em chegando ao poder fazem desaguar todas as suas competências no Governo, no Parlamento, nas Embaixadas, nos Institutos Públicos e noutras estruturas da administração? Parece que o objectivo é ganhar as eleições, garantir jobs for the boys (and the girls). E o Partido? O partido quando não fica entregue a militantes medianos, pouco hábeis ou sem o necessário traquejo político, mantém as portas encostadas e o letreiro “VOLTAMOS DENTRO DE MOMENTOS” (leia-se, na próxima eleição).
Que esperar de partidos cujos militantes, quando perdem eleições, vão à vida, deixando o aparelho entregue a carolas, as mais das vezes com pequena ou nula capacidade política , ou a pessoas para quem a política não é mais do que um exercício de intrigas e mal-dizer? Enquanto no grupo que ganha todos se disponibilizam e se põem nos bicos dos pés para conseguir um cargo, no grupo que perde todo o mundo ganha ciência de que precisa, com urgência, continuar os estudos, tirar projectos empresariais inadiáveis da gaveta, ir à vida, enfim. É caso para dizer que só temos partidos para as eleições.
Em realidades em que os partidos pensam e agem como os nossos, o mais certo é todos se estranharem quando um partido se interessa pela governação (não apenas enquanto partido do governo, mas, essencialmente, na qualidade de partido dos eleitores e da sociedade em geral); soa a heresia um partido aparecer a conciliar os interesses e as políticas de um “seu” executivo municipal com o “seu” governo central; parece absurdo alguém que não um Ministro, um Embaixador ou um Presidente de Instituto, estar a chatear-se com problemas que o Governo assumiu resolver. Tentar exercer o controlo popular do poder acaba parecendo acto subversivo da oposição e das organizações da sociedade civil. O partido do poder tem tanta legitimidade para orientar os seus governos (central e locais) quanto os partidos da oposição e as organizações da sociedade civil de interpelarem os governos (central e locais) em relação às políticas públicas e às medidas de política.
Mas os tempos parecem ser de mudança. O PAI, por não ter feito o trabalho de casa, já está recebendo facturas de São Filipe (Fogo) e de Santa Catarina (Santiago). No MpD as facturas vêm de Sanvicente e de Santa Cruz.
Os bambambans do PAI que poderiam responder politicamente pelo Fogo, estão na Praia – no Governo, no Parlamento, etc.. O Sector de São Filipe do PAI não escapa à regra nacional de esvaziamento de competências. Nem à inexorável lei do vácuo: o vazio deixado é imediatamente preenchido. Por gente com boa dose de boa-vontade, mas também por caciques, carreiristas, intriguistas, etc. Em Santa Catarina (de Santiago) verifica-se fenómeno semelhante: o órgão local do partido não é lá essas coisas e as intrigas palacianas fazem o resto.
Tarde e a más horas (dirão muitos, antes tarde do que nunca) os órgãos nacionais vão intervir para salvar a honra do convento. Se a solução para São Filipe for como aquela que se vislumbra para Santa Catarina, os munícipes desses concelhos vão ter que carpir mágoas por muito tempo. É que uma lista consensual para a Câmara de Santa Catarina, com João Baptista à cabeça, mas contendo os elementos do grupo contestante bem posicionados, é um presente envenenado para o João e para Santa Catarina. Não vai funcionar. Principalmente quando o Presidente tomar a decisão de não profissionalizar nenhum dos seus contestantes. É a única atitude que se espera de um político (e engenheiro que, felizmente, ainda não se esqueceu do anel que usa, ou devia usar) que sabe que os Vereadores profissionalizados são os HOMENS DO PRESIDENTE. E esses que orquestraram a sua exclusão - não mediante umas primárias, como seria de esperar em democracia, mas numa reunião de burocratas locais do partido, com a presença (ou será, antes, a bênção?), ainda mal explicada, de um par de dirigentes nacionais – não serão, certamente, o que se chamaria de HOMENS DO PRESIDENTE. O raciocínio é válido, mutatis mutandis, para São Filipe.
O MpD parece ter optado por uma posição de força da Comissão Política Nacional: será candidato quem a CPN sancionar e PONTO FINAL. E olha que é uma posição corajosa. De macho! Não que as soluções sejam as ideais (pelo que conheço dos dois galos para o poleiro de Santa Cruz, Policarpo não ganha do Lando e não vejo Dias como administrador de um município como Santa Cruz) mas porque é a opção por um mal menor: antes um team fraco, mas coeso, do que uma manta de retalhos desavindos.
Mas é preciso que as mudanças cheguem. E depressa. Pode-se lá aceitar uma coisa dessas? Onde já se viu uma PATIDOCRACIA sem PARTIDOS? Crescer e aparecer tem de ser a nova palavra de ordem. Para todos!
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