Monday, October 29, 2007

PARCERIA ESPECIAL UE/CV

Você sabe o que é caviar?
Não sei, nunca vi, só ouço falar.
Caviar é comida de rico,
de quem tem bala na agulha.
Lá em casa é mais arroz, feijão e torresmo
...

Se lerem estas estrofes a um ritmo tipo samba-pagode, vão ver que soa bem. Muito animado. Para os entendedores está claro que se trata de uma música gravada por esse monstro sagrado do samba que é ZECA PAGODINHO, nascido Jessé da Silva Filho.
Ainda hoje, para muita gente em Cabo Verde, a parceria especial União Europeia/Cabo Verde está que nem o caviar para o compositor da modinha cantada acima: NÃO SEI, NUNCA VI, SÓ OUÇO FALAR.
Compreende-se que o segredo seja a alma do negócio. Tudo bem.
Mas o segredo demasiado bem guardado pode se perder. Pelo que se pôde ler da queixa amarga registada pela agência Lusa, depreende-se que nem Pedro Pires, nem Aristides Lima sabem a letra da canção.
Que Cristina Fontes não sabe, ou sabe muito pouco, ficou patente na comunicação que fez ao país. Inocêncio e Basílio saberão alguma coisa? De José Maria Neves se sabe que conhece a música, de o ouvirmos trauteá-la. Conhecerá a letra? Haverá, mesmo, uma letra?
Pode até acontecer que ainda não haja letra para a música. Os compositores, dependendo do momento e da inspiração, ora compõem uma bela melodia, depois casam com um poema que vem do fundo da alma; ora têm uma letra que só mais tarde é musicada. No caso da parceria especial UE/CV pode bem dar-se o caso de haver melodia (que encantou o Primeiro-ministro de Cabo Verde) e está-se a dois passos de se ter uma letra a condizer (com os insubstituíveis contributos do Parlamento Europeu e do Conselho Europeu para os Assuntos Gerais e Relações Exteriores).
Mas seja qual for a letra, o importante é que, apesar dos pesares, Cabo Verde não perca. Ganhar não é, do meu ponto de vista, o mais importante. Tratando-se de uma parceria, o importante mesmo é que ambas as partes fiquem de coluna erecta, se olhem olhos nos olhos e, sobretudo, que haja respeito mútuo. Que parceria é isso mesmo: duas partes, com vantagens recíprocas, obrigações negociadas e dignidade qb.

Mas neste Cabo Verde, terra de poetas e músicos, ninguém se aventura a improvisar uma letrinha para a gente seguir cantando, até que o segredo nos seja desvendado? Vamos lá!
Eu, que sou mais tipo prosador bárbaro, vou ensaiar um rap, embora tenha quase a certeza que a música que segue encantando Neves, Barroso, Sócrates e, why not?, Fontes, deva ser uma valsa vienense.
Eu vou querer que os produtos originários de Cabo Verde, ou com valor acrescentado em solo cabo-verdiano, continuem a ver franqueadas as portas da Europa sem qualquer tipo de restrição e em completa exoneração de impostos de porta (apesar do aviso atempado de que, ainda nesta primeira década do novo milénio, cessariam os benefícios sem reciprocidade, o que, traduzida por miúdos, significa que a UE só vai aceitar importações em exoneração de taxas da parte de quem aceite, no respectivo território, importações de produtos originários da Europa com exoneração de taxas). Isso já dava letra que, por si só, seria música para muitos bons ouvidos. Melómanos ou não.
Vou querer que a União Europeia participe activamente no policiamento da grande praça off shore localizado a Norte da ilha de Santo Antão (e onde ganha corpo tudo quanto os manuais tipificam como crime transnacional) e colabore connosco na realização da soberania sobre toda a nossa ZEE (Zona Económica Exclusiva). De momento, diga-se o que se disser, a nossa soberania, com as limitações impostas aos pequenos países pobres e insulares, só se exerce sobre os 4.033 Km2 distribuídos pelas ilhas e pelos ilhéus. Era a oportunidade para um efectivo alargamento do nosso território e para preservação das riquezas que, eventualmente, aí existam.
Receberia de bom grado a notícia de que a União Europeia vai disponibilizar recursos, para o orçamento do estado de Cabo Verde, a modos de se poder investir em (1) um programa de atracção de investimentos na indústria para exportação; (2) no reforço da competitividade das empresas nacionais que apostem na indústria; (3) na qualificação da nossa mão-de-obra; (4) no reforço do controlo das nossas fronteiras marítimas e aéreas, arvorando-as em linhas avançadas de defesa das fronteiras mediterrânicas da Europa; (5) na criação, enfim, de um ambiente que desencoraje seja os nacionais de embarcarem na aventura de uma emigração não desejada pela Europa, seja a utilização destas ilhas como base de assalto à tranquilidade dos europeus, seja ainda a utilização deste porta-aviões estacionado no Atlântico médio como hub para o fornecimento de drogas aos dealers operando na Europa.
Eu me daria por satisfeito com este rap. Mas é claro que se nos dessem garantias efectivas de manutenção do acordo cambial (apenas à condição de respeitarmos os critérios de convergência de Maastricht); se garantissem dispensa de vistos de entrada aos nossos empresários, aos altos quadros das empresas e da Administração do Estado, em missão de serviço ou em férias (exigindo, neste particular, a necessária reciprocidade); se concedessem aos nossos estudantes o direito de trabalharem, em part-time, a modos de poderem melhorar a qualidade de vida que têm longe da família; se se dispusessem a nos ajudar (com o know-how adquirido na construção europeia) a fazer funcionar a CEDEAO; seria ouro sobre azul. E, sem receio de exagerar, iria mais longe do que José Maria Neves. A parceria especial UE/CV seria, muito mais do que um mero facto histórico: seria um verdadeiro marco histórico. Nas relações Cabo Verde/União Europeia, nas relações Europa/África, no sonho (não sei de quem, mas não interessa) da reconstrução do continente Euro-Africano, referenciado nos manuais de Geografia da 3ª classe dos meus tempos de primária.
Seria um belíssimo acordo. Uma extraordinária parceira!
Mas será isso que vamos ter? Vamos ter mais do que isso? Não sei. Mas não é proibido sonhar e, vamos e venhamos, sonhar é preciso!

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