Thursday, June 21, 2007

COMUNICAÇÃO APRESENTADA AO SYMPOSIUM ORGANIZADO PELO Xº ANIVERSÁRIO DO JORNAL «A SEMANA»

COMUNICAÇÃO SOCIAL: PODER OU CONTRAPODER*

As motivações do Homem
A história indica a ocorrência de quatro motivos fundamentais da existência humana: o Ser, o Poder, o Saber e o Ter.
O indivíduo motivado para SER caracteriza seu desempenho pela busca incessante da auto-realização de seu potencial, transcendendo a linha da normalidade social, em direcção ao desabrochar das faculdades superiores do ser humano.
O indivíduo cuja motivação predominante de sua vida é o PODER, tem como necessidade suprema a conquista, manutenção e ampliação de sua ascendência sobre os outros, objectivada através da influência, do controle ou da dominação dos comportamentos daqueles que, de alguma forma, lhe estão subordinados.
O indivíduo orientado para o TER caracteriza-se pela exacerbação da necessidade de adquirir e acumular bens materiais.
O indivíduo cuja motivação é o SABER faz do conhecimento filosófico ou científico a razão de sua existência.
No demais, serão os valores pessoais do indivíduo a dar sentido a estes motivos, segundo duas direcções: a satisfação do próprio ego (motivação egoística) e o servir aos outros (motivação altruística).

Qual destas motivações faz andar os órgãos de Comunicação Social? Órgãos com funções de informar, formar e conformar, o que os fará marchar? Informadores do que se passa à sua volta, formadores de opinião e de cidadania e conformadores de vontades, que motivação os fará marchar?
Parece-me claro que o que faz mexer a Comunicação Social é o PODER. Quem tem a função de informar, formar e conformar vontades precisa do poder como do pão para a boca. Precisa do poder para melhor servir a sociedade.

O que é o poder?
Mas, afinal, o que vem a ser o poder?
O poder pode ser entendido como o potencial de influência de uma pessoa ou grupo sobre outras pessoas ou outros grupos; ou, simplesmente, a capacidade de influenciar, mudando maneiras de pensar, agir, ser.
Tal influência, porém, pode ou não se exercida, na medida em que está condicionada à sua aceitação ou legitimação pelo papel complementar.
A questão que se pode pôr agora é esta: a CS tem, em potencial, a capacidade de influenciar, de mudar maneiras de pensar, de agir e de ser?
A resposta no que concerne ao potencial só pode ser positiva. Aliás os objectivos estratégicos perseguidos pela CS pressupõem a existência prévia de um capital de influência.
A questão que se impõe agora será: em que grau os órgãos de CS conseguem passar do potencial ao desempenho efectivo? Porque uma coisa é ter potencial outra bem diferente é a capacidade de fazer desabrochar o potencial e transformá-lo em efectiva acção.
Aqui a resposta não pode ser única.
Haverá órgãos muito bem aceites, há-os de credibilidade média e existem outros cujos créditos andam muito em baixo.
O que se precisa, pois, é mexer as coisas de modo a fazer com que todo o potencial existente se transforme em efectivo desempenho de qualidade.

Uma figura um tanto ou quanto lírica pode dar-nos uma ideia do que aqui se preconiza como a passagem do potencial à acção efectiva. Imagine-se um botão de rosa. É uma flor em POTENCIAL. Pode desabrochar numa linda rosa ou murchar e morrer mesmo antes de abrir.
No exemplo do botão de rosa cabe ao jardineiro cuidar das coisas de modo a que o botão se transforme numa linda flor. E no caso da Comunicação Social?

Ter poder e ser poder
Passar do potencial à acção pressupõe, no caso cabo-verdiano, um salto qualitativo que, a um tempo, restabeleça a bonna fides dos órgãos e garanta um produto final de qualidade.
Mexer em sistemas tão complexos como a Comunicação Social exige, via de regra, que se mexam nos seus eixos vitais.
E quais seriam os eixos vitais a alterar no sistema Comunicação Social?
Seriam, a meu ver, os eixos “INOVAÇÃO”, “PESSOAS” e “RESULTADOS”.

Mexer com o eixo inovação significará investir fortemente nas novas tecnologias de modo a ter um produto final de qualidade.
Mas, atenção, investir em tecnologias não deverá nunca ser “verter dinheiro cegamente nas tecnologias” o que, no dizer de Michael Hammer, sempre foi como deitar pérolas a porcos. A diferenciação estratégica reside em mudar a forma de pensar a relação da tecnologia com a qualidade total do bem ou serviço.
A ideia não será, pois, usar as novas tecnologias para fazer as mesmas coisas em ritmo acelerado mas arrancar com o que nunca nos passou pela cabeça fazer. Isso é que é inovar.

Mexer com o eixo pessoas significará outro grande investimento, desta feita em Recursos Humanos. Não o mero desenvolvimento profissional mas, e principalmente, um forte desenvolvimento humano. Afinal esse homem novo que se quer actuante na CS, terá, de entre outras, as funções de informar, formar e conformar vontades; participará na formação dos cidadãos que estarão diariamente escrevendo páginas da história de Cabo Verde e da Humanidade.

Mexer com o eixo resultados significará a assumpção de novos e mais ambiciosos desafios.
A aceitação geral como pessoa de bem; a adopção do inconformismo como elemento fundamental da cultura organizacional dos órgãos; a oferta de um serviço de qualidade, sério, credível, capaz de influenciar os utentes, mudando suas maneiras de pensar, de agir e de ser; esses serão objectivos que têm que ser atingidos em decorrência das mudanças a introduzir.
Conquistando, ampliando e renovando a sua capacidade de influência, dir-se-á que a CS é detentora de poder.

Mas, ter poder é ser poder?
Ficamos em que ter poder significa ter capacidade de influenciar, mudando maneiras de pensar, agir, ser.
Ser poder, no meu entender, significa fazer uso sistemático e reiterado do poder, de forma ética e paradigmática, de forma a se tornar uma referência para a sociedade e um limite aos demais poderes.
Conquistando, ampliando e reforçando o poder e dele fazendo uso de forma reiterada e sistemática, poder-se-á dizer que a CS é um poder. Mais um poder, o QUARTO PODER, se se preferir.

O poder na relação
O poder é um fenómeno relacional. Exerce-se sempre na relação. Se se exerce influência, haverá sempre um que influencia e, pelo menos, um outro que é influenciado.
Na relação há, contudo, tendência a que ocorram alterações, de tempos em tempos ou progressivamente, mesmo sem qualquer perturbação de origem externa. Bateson chamou essa tendência de cismogénese e identificou dois tipos de cismogénese: a complementar e a simétrica.

A cismogénese complementar ocorre quando, por exemplo, o poder de influência de A reforça a submissão de B e esta reforça, ainda mais, o poder de influência de A; e assim por diante, até à completa subjugação de B.

A cismogénese simétrica ocorre quando detentores de poder equivalente entram em interacção mantendo atitudes e/ou comportamentos de independência em relação ao outro, não aceitando submeter-se.

A cismogénese simétrica parece-nos ser um fenómeno que, devidamente monitorado, poderá erigir a CS em efectivo QUARTO PODER.

A cismogénese complementar, por outro lado, parece ser de evitar a todo o custo por quem se bate pela ética e pela formação da cidadania. Daí a necessidade de se chamar a atenção para as questões éticas derivadas do uso do poder da Comunicação Social.

Sobre um contínuo de intensidade de influência que vá do INFORMAR ao DESTRUIR, passando por ALERTAR, SUGERIR, PERSUADIR, ORIENTAR, IMPOR, SEDUZIR, FANATIZAR e SUBJUGAR, a acção da CS não pode, nem deve, ficar aquém do alerta nem ir para além do fanatismo. É imperioso que a intensidade de indução do influenciador (no caso a CS) deixe uma margem de liberdade ao complementar.

Poder e Contra-poder
O poder ou a capacidade de influenciar pessoas ou grupos, mudando formas de pensar, de agir e de ser, claramente aceite e legitimado pelo complementar confere à CS o estatuto de sistema de poder.

Mantendo, ampliando, reforçando o poder e exercendo-o com ética, e de forma sistemática e reiterada, arvorando-se em agente de mudança diria que a CS é poder. Quer dizer, se a CS assume a co-liderança (ou mesmo a liderança) dos processos de mudança, ajuda a definir novos valores culturais, as novas regras do jogo, se assume a proactividade necessária a se manter na crista da onda da mudança, confirmar-se-á como poder de per si.

Se, pelo contrário, e apesar de ser detentora do poder, se posicionar na reacção, isto é, se se deixa surpreender pelos acontecimentos, se se deixa levar pela onda da mudança, ficando-se pelos comentários e críticas perante factos consumados e regendo-se por novas regras impostas de fora e que mal dominará, poderá somar alguns pontos mas não passará de mero contra-poder.
Nos tempos que correm, ou se é parte do problema ou se é parte da solução. Não há meio termo.

Ser parte do problema significa ser-se levado pela enxurrada da mudança, passar a funcionar em um ambiente desconhecido, com regras que não se domina e agindo a reboque dos demais poderes.

Ser parte da solução significa ser proactivo, antecipar soluções a problemas apenas intuídos, ser agente de mudança e tendo a vantagem de funcionar em ambiente de que se conhece bem as regras do jogo. É-se, de facto, um verdadeiro poder em si.

Ser PODER ou CONTRA-PODER, em meu entender, é uma questão de postura.
Ou se tem uma postura proactiva, se é agente de mudanças, e é-se PODER ou se tem uma postura reactiva, se vive a reboque dos outros poderes, e é-se apenas CONTRA-PODER.

A sustentabilidade do poder da CS
Saber onde se está e para onde se pretende ir é já meio caminho andado.
Os caminhos a trilhar terão que ser os da independência, da objectividade, da honra, do respeito, do inconformismo, da proactividade, em suma, os caminhos para a conquista, manutenção e ampliação do capital de poder dos órgãos.
A chegada ao destino só acontecerá quando os profissionais tiverem palmilhado os mesmos caminhos dos órgãos.
Isso porque o poder dos profissionais, e da classe, conferirá, sempre, poder aos órgãos, enquanto a inversa nem sempre será verdadeira.
O poder da Comunicação Social deverá estar, pois, ancorada ao poder dos profissionais e da classe dos fazedores da Comunicação Social. Daí a enorme responsabilidade que impende sobre a classe.

Conclusão
A CS, pelos objectivos estratégicos que persegue, tem vocação de poder.

Se não passa o potencial de poder para o exercício efectivo do poder é porque há problemas que clamam por urgente intervenção.

Removendo os constrangimentos, (r)estabelecendo a sua mui comprometida bonna fides e disponibilizando-se para uma permanente renovação da legitimidade terá poder efectivo.

Conquistando, mantendo e ampliando a sua capacidade de influenciar dir-se-á que tem poder. Reforçando e legitimando, em permanência, o capital de poder e alcandorando-se ao patamar de referência dos cidadãos e de limite aos demais poderes, poder-se-á dizer que é PODER. O QUARTO PODER.

Poder que deverá ser usado adentro de limites éticos, sendo de condenar todo e qualquer mau uso ou abuso. Afinal, o poder da CS deve servir para libertar e fazer crescer e, por isso, jamais deverá ser usado para manipular, subjugar ou destruir.

Ser poder ou contra-poder tem mais a ver com a iniciativa no exercício do poder: ou se é proactivo e se é PODER de per si ou se vai a reboque dos demais poderes e é-se mero CONTRA-PODER.

O poder da Comunicação Social deve ancorar-se mais ao poder dos seus profissionais e da classe do que ao poder dos órgãos em si. A luta terá que ser, pois, não só para a afirmação dos órgãos (que são importantes, sem dúvida) mas, e sobretudo, para o sucesso e para a afirmação da classe dos profissionais da Comunicação Social.

* Comunicação apresentada no Fórum Internacional organizado pelo jornal A SEMANA, por ocasião das comemorações do seu X aniversário.

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