Tuesday, February 23, 2010

FOLCLORE E… ELEFANTES BRANCOS

“Conquiste o inglês para tornar a China mais forte.” LI YANG
“Aprender um idioma global é vital para qualquer nação, não apenas para a China.”
DAVID CRYSTAL

Um leitor fidelizado perguntava-me outro dia se não pensava intervir a propósito das eleições presidenciais do próximo ano. Se não considerava a questão importante, se não tinha ainda opinião formada sobre o assunto ou se estava satisfeito com as colocações feitas na comunicação social. Respondi-lhe que a questão não era prioritária, que há tantas e tão importantes questões que clamam pela atenção do cabo-verdiano, e que, por isso, a questão presidencial pode e deve esperar. Mas não deixei de acalmar o leitor, informando-o da existência de um grupo de reflexão que definiu já cenários de intervenção e participação democrática em relação às presidenciais de 2011 – daqui a, mais ou menos, 18 meses.
O grupo de reflexão, deitando mão dos princípios do PES – Planeamento Estratégico Situacional – de Carlos Matus, definiu os cenários seguintes:
- Cenário 01 : O MpD e o PAI, em processos democráticos, definem apoiar o melhor candidato de cada um dos campos (Jorge Carlos Fonseca e Aristides Raimundo Lima, por exemplo) e estes, e só estes, entram em campo. Aí, o pessoal fecha o dossier presidencial e vai votar no dia marcado, cada um escolhendo o candidato que lhe parecer melhor para o país;
- Cenário 02: Carlos Veiga impõe um candidato aos militantes do MpD, numa demonstração de força (por exemplo, Amílcar Spencer Lopes), e o PAI apoia um candidato escolhido em processo democrático próprio (por exemplo, Aristides Lima) e estes, e só estes, entram em campo. Aí, o pessoal, em defesa da democracia que deve reger os processos políticos de escolha, escolhe votar, e promover a votação, em Aristides Lima;
- Cenário 03: O MpD escolhe, em processo democrático próprio, apoiar um candidato (por exemplo, Jorge Fonseca) e José Maria Neves decide impor aos militantes do PAI o «seu» candidato (por exemplo, Manuel Inocêncio de Sousa) e estes, e só estes, entram em campo. Aí, o grupo, sempre em defesa da democracia nos processos de escolha, ainda que internos, escolhe votar, e promover a votação, em Jorge Carlos Fonseca;
- Cenário 04: Veiga e Neves impõem candidatos aos militantes dos respectivos partidos, em demonstração de força (não se acham, ambos, mais populares que os partidos que lideram?), por exemplo Spencer Lopes e Inocêncio Sousa. Aí o grupo sai à rua, buscando um candidato da cidadania (o Rev. Adérito Ferreira, jornalista Filomena Silva, o escritor Germano Almeida, o historiador António Leão Correia e Silva, a professora Ondina Rodrigues, o empresário Jacinto Santos, o cientista político Onésimo Silveira ou outro cidadão elegível), construindo, à volta deste, os consensos necessários, montando uma boa plataforma, definindo um bom discurso, fazendo a necessária engenharia financeira, desafiando os «bodonas» nacionais, tudo fazendo para que nas eleições presidenciais de 2011 haja um candidato escolhido segundo cânones democráticos, e de lá saia um Chefe de Estado amplamente consensual.
O discurso seria muito simples. Antes de mais sublinhar-se-ia a necessidade de desmontagem da fraude dos líderes mais populares do que os partidos que lhe dão o «empowerment»; depois, sublinhava-se a necessidade dos militantes do PAI e do MpD se realizarem na escolha, PESSOAL, de um candidato (não se submetendo à imposição dos respectivos líderes); finalmente, sublinhava-se a necessidade de cidadão nenhum ficar em casa no dia das eleições (chova ou faça sol), fazendo uma clara demonstração de força (aí, SIM) da cidadania. O bom e o bonito será ver os «bodonas» e seus afilhados retirarem-se da cena, com o rabinho entre as pernas. Não há, portanto, razão para estar afoito a 18 meses das eleições. E se pensarmos que se as Legislativas forem em Março, as Presidenciais em Setembro, a posse do Chefe de Estado em Outubro, nem valeria a pena nos desgastarmos. Afinal, o Mundo não acaba em 2012? Tanto leva e traz para eleger um Presidente que talvez venha a ter um mandato de um par de meses…
O meu leitor sorriu, balançou a cabeça e quis saber o que era então prioritário, para mim. Respondi-lhe, de pronto, que a prioridade era aprender a criar oportunidades, aprender a aproveitar estas e outras que nos baterem à porta e, sobretudo, aprender que basta de investimentos em elefantes brancos. Perguntei-lhe se sabia quantos elefantes brancos já temos enjaulados em Cabo Verde, onde se encontram as jaulas, quem eram os responsáveis, quem os tinha industriado a tomar tais decisões, enfim as questões da praxe, nesses casos. Identificou com exactidão todos os bicharocos nacionais, onde estão localizados, só falhando na resposta acerca das eminências pardas por detrás de tais decisões. Ah! E quis saber que importava isso, sendo certo que o Mundo acabará em 2012.

Tive que lhe explicar que, antes de mais, não é certo que o Mundo acabará em 2012 e que mesmo aceitando a fatalidade, seria sempre mais honroso não terminar os nossos dias endividados (todos nós) por causa de… elefantes brancos. Deixei claro para o leitor que diante do falhanço da profecia que dizia que o Mundo acabaria no ano 2000, o melhor mesmo era nos prepararmos para a eventualidade de novo falhanço. E aí, seria necessário que tivéssemos tudo funcionando no sentido da realização das nossas opções: CABO VERDE – Centro Financeiro Internacional; INDÚSTRIA LIGEIRA, virada para a exportação, instalada e funcionando a todo o vapor; AGRICULTORES menos pobres e muito próximos de nos garantirem a auto-suficiência alimentar (falhando apenas nos cereais).
Sublinhei o facto de podermos falhar a realização das nossas opções, caso falhemos o acesso efectivo aos fundos do MCC. Diante da sua incredulidade face à eventualidade de não acesso aos fundos, apesar de termos sido seleccionados para um segundo compacto do MCA, expliquei-lhe que com os fundos geridos pelo MCC, as coisas se passam um pouco como com os vistos de entrada nos Estados Unidos da América: o VISTO de entrada emitido pelos Consulados dos USA permite viajar até àquele país, mas a entrada efectiva nos States depende das autoridades fronteiriças das terras de Uncle Sam; se disserem NÃO, não vale apelar pela existência do VISTO. Com o MCA, acontece algo muito parecido: um país é seleccionado, mas, ao contrário da loteria (onde o ganhador se apresenta munido do bilhete premiado para sacar o prémio), só a coerência e a relevância dos projectos submetidos a financiamento ditam o desbloqueio dos fundos. Por isso, corremos riscos sérios que convém, elencar e ultrapassar. Aqui ficam alguns dos riscos expostos ao meu fiel leitor:
1. Negociação final muito próximo do termo da Legislatura, o que pode levar à assumpção de projectos que tenham a ver mais com a premência da reeleição do que propriamente com a realização das opções já consensualizadas;
2. Possibilidade de os projectos a financiar venham a ser apresentados por um um novo Governo, saído das eleições dos primeiros meses de 2011. Havendo alternância, i.e., sendo o MpD a dirigir o executivo da nova Legislatura, a SEZ (Síndrome da Estaca Zero) poderá complicar as coisas, levando a que os projectos sigam na contra-mão dos consensos iniciais, para escapar à acusação (esdrúxula, diga-se em abono da verdade) de estar a operacionalizar projectos deixados pelo Governo anterior;
3. A grande tentação de, seja qual for o partido do Governo, sob pressão, se apresentarem projectos megalómanos, votados a darem à luz novos elefantes brancos.
A filosofia subjacente ao novo figurino de Ajuda dos USA privilegia o apoio a esforços de investimento virados para o crescimento económico e consequente redução da pobreza. Todo e qualquer desvio em relação a tal filosofia pode levar-nos a bater com o nariz nas pesadas portas dos cofres do MCC. Assim, não só não sobra espaço para elefantes brancos, como ainda as soluções devem estar consensualizadas e não se afastarem muito de soluções já testadas com sucesso.
Na última década, a China praticamente dobrou o número de pessoas capazes de se comunicar em inglês e já superou até mesmo a Índia no total de falantes. Em 2008 o governo chinês tornou obrigatório o inglês nas escolas para crianças a partir dos 09 anos de idade e, em cidades maiores, como Pequim e Xangai, a obrigatoriedade começa aos 06 anos. Para receber os visitantes durante a Olimpíada de 2008 e a feira internacional Expo 2010 – que acontece a partir de Maio próximo em Xangai - foram criados programas de treino intensivo para profissionais como taxistas, médicos e pessoal do sector de turismo*. Estará na aposta no inglês a justificação para o milagre chinês? Não será, certamente, o único fautor de tal milagre, mas ninguém nega o peso de tal aposta no sucesso de muitos países. Em um país que se diz, e se sente, vocacionado para sediar um Centro Financeiro Internacional (sério e a sério), e que não se vai conformar em apenas dar prédios de arrendamento para instalação das instituições de crédito, a aposta no Inglês certamente não será negligenciada, nem o MCC negará os necessários fundos para a realização da vocação: Popularização do Inglês, Massificação da Internet, Vulgarização da Informática e Formação de bancários e profissionais da intermediação financeira.
Insisto em propostas já registadas anteriormente (a registada acima; investimentos na infra-estruturação de zonas francas, na produção de água e de energia eléctrica que permita o seu débito a preços mais competitivos, em redes de distribuição de água e energia, na capacitação da nossa mão-de-obra; no desenvolvimento da Agricultura, pela via da modernização dos processos de produção, na mudança das mentalidades, na aposta na preparação, equipamento e motivação de Extensionistas Rurais) mas não tenho a pretensão de ser o dono da verdade. A ideia é tão-somente cimentar um enfoque pragmático na construção das propostas a serem submetidas: NÃO a megalomanias; um NÃO claro a elefantes brancos; preocupação constante com o retorno dos investimentos (promoção de crescimento económico que deverá desembocar na redução dos níveis de pobreza e do número de pobres); banimento absoluto de tentativas de ajuste de contas (essa foi-me sugerida por uma colocação feita por um dirigente do PSD - por ocasião da discussão da Lei das Finanças Regionais - segundo o qual, não faz o mínimo sentido travar a Região Autónoma da Madeira ou a Região de Lisboa, só porque estão acima da média nacional.
A prioridade agora, amigo leitor, é a preparação do país para a eventualidade de não se realizar a profecia segundo a qual o Mundo acabará em 2012. Por isso, não se exclua, nem se deixe excluir, do processo de construção das propostas de projectos a submeter ao MCC. Quanto às presidenciais de 2011… por enquanto, é puro folclore, NADA PORQUE VALHA A PENA PERDER O SONO.
* ver «A nova fronteira do Inglês», publicado na edição 960 da Revista «EXAME».

Tuesday, February 9, 2010

MCA II

"A sociedade é composta por duas grandes classes: aqueles que têm mais jantares que apetite e os que têm mais apetite que jantares.”
SÉBASTIEN-ROCH CHAMFORT
Não faço a mínima ideia acerca das linhas orientadoras das propostas que o Governo de Cabo Verde irá apresentar ao Millenium Challenge Corporation – MCC. Nem faço tenção de pagar para ver.
Como qualquer bom cabo-verdiano, penso o país e tenho esperanças de vê-lo crescer, produzindo e redistribuindo riquezas, esforçando-se por doar a seus filhos uma qualidade de vida aceitável. Por isso, cada oportunidade, cada trampolim, que aparece, me deixa expectante quanto ao modo como vai feita a «chamada», como se vai pisar o trampolim, como se evolui no ar e, principalmente, como se dará a «saída» (a classe, o estilo, da aterragem depois do salto). Daí que, no momento em que se forjam as propostas de projectos a serem financiados pelos fundos geridos pelo MCC, me sinta na obrigação de dizer de minha justiça.
Diante do amplo consenso sobre a transformação de Cabo Verde em Centro Financeiro Internacional; perante a minha convicção de que o país só teria a ganhar se investisse firme na atracção de investimentos para o sector da indústria ligeira; e acreditando na possibilidade dos nossos agricultores, devidamente «trabalhados», se tornarem capazes de nos levar para muito próximo da auto-suficiência em frescos e legumes; aplicaria os fundos do MCA II na consecução de três grandes objectivos, a saber: (i) a instalação de competências nacionais para dar corpo à PRAÇA FINANCEIRA INTERNACIONAL; (ii) a infra-estruturação do país para atrair e suportar unidades industriais (indústria ligeira) viradas para a exportação; e (iii) o investimento na reconversão da agricultura nacional, com uma aposta forte na componente EXTENSÃO RURAL.
Para o primeiro objectivo, não teria dúvidas em sugerir uma forte aposta nos três «is» - INGLÊS, INFORMÁTICA, INTERNET – e na formação de bancários e de agentes de mediação financeira. INTERNET com acesso gratuito, pondo o mundo todo ao alcance de um clique de qualquer cabo-verdiano. Factível? Penso que sim! O INGLÊS, como segunda língua, a ser ensinado já a partir do pré-escolar, tornando-se factor preferencial para a concessão de isenção de propinas, bolsas de estudo, etc, o domínio da língua que foi de Shakespeare e que agora se transformou em língua universal (ultrapassando, largamente, o ESPERANTO). No momento, e com recurso aos fundos do MCA, poder-se-ia abrir um programa, tipo «NOVAS OPORTUNIDADES», de formação em INGLÊS, virado para os adultos, e outro de aprofundamento dos conhecimentos, e destinado àqueles que já tiveram contactos anteriores com a língua.
A INFORMÁTICA, enquanto ferramenta de excelência, nos tempos que correm, deve poder ser dominada pelos profissionais cabo-verdianos, não importa em que ramo operem. Uma vez que os nossos desafios precípuos têm a ver com a excelência e com a qualidade, o domínio da INFORMÁTICA é imprescindível. O MCA II pode (e deve) ajudar.
Queremos um Centro Financeiro Internacional operando com quadros e especialistas nacionais em matéria bancária e de intermediação financeira, ou um Centro que traga gente de fora para dar conta das suas necessidades? Sendo nossa vocação inequívoca a prestação de serviços (que não se cinjam a simples arrendamento de espaços para instalação das instituições financeiras), necessário se torna que formemos uma bolsa de recursos humanos com as valências necessárias para a realização da nossa vocação. O MCA II poderia, também neste particular, fazer um bom investimento.

A identificação de espaços para albergarem as futuras ZONAS INDUSTRIAIS do país (Praia, Assomada e Porto Novo, esperam há que tempos); a devida infra-estruturação, dos referidos espaços, para a finalidade (vias, energia, água, telecomunicações, esgotos, estação de tratamento de águas residuais, etc.); e a aprovação de um Código de Incentivos virados para a indústria ligeira; poderiam, TAMBÉM, ser suportadas pelos fundos do MCA, sem qualquer dúvida quanto ao retorno do investimento (redução do desemprego, rendimento das famílias, arrecadação de impostos sobre o consumo, redução do desequilíbrio da balança comercial, entrada de divisas, etc.)
A par da oferta de zonas industriais devidamente infra-estruturadas e de incentivos fiscais, o investimento na formação profissional de alto standing (HS) completaria o quadro de atractivos para o investimento na indústria ligeira em Cabo Verde. Se outras razões não existissem (e existem), só esta já justificaria a aposta. E o MCA II poderia contribuir. Afinal, a ideia não é ajudar o país a crescer e a combater a pobreza? Então…
Mas a questão da industrialização do país não pode ficar pela atracção dos investidores (nacionais e estrangeiros). De que serviriam as zonas industriais infra-estruturadas, os incentivos atraentes e os operários altamente especializados, se se mantivessem os preços proibitivos das telecomunicações, da água e da energia eléctrica? O mais certo seria os investidores torcerem o nariz diante do que considerariam uma armadilha. Será necessário, portanto, ir muito mais fundo: investir na dessalinização das águas que nos cercam por todos os lados; apostar na utilização da natureza para a produção de energia limpa e mais barata; construir novas redes de distribuição de água e de energia eléctrica. Aí sim, teríamos o país preparado para a diversificação do seu papel na economia global (não ficaria na dependência exclusiva de um turismo de réditos mais do que duvidosos). DESSALINIZAÇÃO, ENERGIAS RENOVÁVEIS E NOVAS REDES DE DISTRIBUIÇÃO DE ÁGUA E DE ENERGIA, PODERIAM SER EXCELENTES DESTINOS PARA OS FUNDOS DO MCA.
Mas Centro Financeiro Internacional e o estatuto de país exportador não nos podem fazer esquecer do objectivo maior de qualquer país: a prossecução da AUTOSUFICIÊNCIA ALIMENTAR.
Os impactos do MCA I na qualidade e na quantidade da produção agrícola nacional, com destaque para a disponibilização de frescos e legumes nas principais feiras nacionais (o arco-íris que é o Mercado Municipal da Praia, pintado com frescos de várias cores, provenientes das unidades familiares de produção, catapultadas pelas novas tecnologias de cultivo e irrigação, prova isso mesmo). O MCA II tem o dever e a obrigação de reforçar a aposta na melhoria das condições de produção agrícola do país, investindo recursos nas ilhas de Santo Antão, São Nicolau, Santiago e Fogo, sem dúvida os principais abastecedores do arquipélago. A minha sugestão iria no sentido do reforço da EXTENSÃO RURAL, sem dúvida o artífice das transformações que se vêm registando nos campos de Cabo Verde: uma aposta firme na formação de EXTENSIONISTAS RURAIS e nas suas condições de trabalho. Falava, outro dia, o Presidente da República da necessidade de se recorrer a novas sementes. Tem Sua Excelência toda a razão. Extensionistas Rurais devidamente preparados, equipados e motivados; novas tecnologias de cultivo e de rega; camponeses com mentalidade renovada; é muita coisa. São grandes conquistas. Mas é preciso ir, de facto, mais fundo: aposte-se, TAMBÉM, na selecção de sementes garantidas, certificadas e ADEQUADAS ao nosso clima e à irregularidade das nossas precipitações. Alguém discorda que os recursos do MCA II poderiam, TAMBÉM, servir para este fim? A pobreza, o atraso, a subnutrição e a vontade de trabalhar, em Cabo Verde, habitam o meio rural. Então, de uma única vassourada, empurremos para o escanteio, a pobreza, o atraso e a malnutrição; ao mesmo tempo que abrimos o caminho para a realização do sonho de gente que nunca teve medo de trabalhar, antes pelo contrário. Quem nunca viu a fé do trabalhador das montanhas de Santo Antão e das ladeiras de Santiago, traduzida na mobilização de solo arável (Sto. Antão) e de água (Santiago) caneca a caneca? Merecem ou não serem beneficiados com os fundos do MCA? Eu apostaria, TAMBÉM, neles.
E aqui fica o desafio aos meus compatriotas: não fiquem à espera do que decidir a equipa chefiada pela Ministra das Finanças. Os fundos do MCA não são doados a Governos, mas sim a POVOS. Não é assim Senhora Dona Marianne M. Myles?

Monday, February 1, 2010

OS INFALÍVEIS

“A parte mais importante de um negócio é o sistema que está por trás do produto ou da ideia. Muita gente pode preparar um hambúrguer melhor do que o McDonald’s, mas poucos podem criar um sistema de negócios melhor do que esse.”
ROBERT T. KIYOSAKI
A tese da infalibilidade foi sempre brandida com a finalidade de manter as pessoas em sentido, escutando e dizendo Amén, matando, no ovo, toda e qualquer forma de protesto. Felizmente, a história está recheada de homens que ousaram protestar, reduzindo a pó tais pretensões. Lutero ousou, protestou e fez baquear a infalibilidade papal; e mesmo a infalibilidade de Deus tem sofrido sérios revezes, diante “distracções” imperdoáveis como o Holocausto, os genocídios da África Central e dos Balcãs e, mais recentemente, os sismos no Haiti. Já nem a tese de que Ele escreve direito por linhas tortas está convencendo como dantes.
Mas, apesar dos revezes da tese, estamos agora a braços com a mania de infalibilidade dos políticos. Fazem asneiras de bradar aos céus e se acontecer um cidadão contestar as suas decisões, fazem cair o Carmo e a Trindade. A meu ver, mais ameaçador do que a infalibilidade papal, é o facto de os Governos da República e da Capital, se julgarem, também eles, infalíveis. Configuraria o princípio do fim da alternância política e a morte da democracia, caso os governos fossem reconhecidos como infalíveis. E o risco agiganta-se em época de revisão constitucional e com uma oposição tão distraída.
Estão fazendo furor aqui na Cidade da Praia os casos “INPS” e “Estádio do Côco. Neste último, os infalíveis da Câmara Municipal da Praia não conseguindo engolir a posição assumida por um grupo de cidadãos - representando cinco equipas federadas, vários bairros da Capital e mais de 40% de praticantes do futebol na Praia - que se opõem à decisão do Governo da Cidade de «fechar» o Estádio do Côco, vão de conotar o grupo com a oposição do PAI. Nem o facto de os líderes do movimento serem, na sua maioria, activistas do MpD, parou a intolerância da edilidade: os infalíveis não concebem que as pessoas sejam capazes de pensar com as próprias cabeças e de agir em consequência.
Pior do que se considerar infalível (cada doido tem a sua mania) é encomendar artigos de opinião de outros pretensos infalíveis, com o escopo de fazer calar os protestantes, quando sentem que a balança está a pender para o lado dos cidadãos, esquecendo, ou fingindo não se lembrar, que a crise que segue trespassando o mundo foi provocada pela pretensão e soberba dos FINANCEIROS e potenciada pela miopia e imprevidência dos GOVERNOS – exactamente a dupla infalível do caso INPS.
Mas vamos aos factos. Aconteceu o Governo instruir o patrão do INPS a transferir 525 mil contos para a conta da ELECTRA (uma empresa a braços com dificuldades de tesouraria e com um passivo circulante que inibe os bancos e os fornecedores de lhe darem crédito), a fim de obviar a que o país parasse. Até aí, tudo bem. Outros já haviam feito o mesmo (ir à burra do INPS buscar dinheiro) e com motivações menos nobres.
Passado um tempo, o boss troca o INPS pelos TACV (outra empresa sempre à míngua de crédito e de numerário), e, ao que parece, quis também ser socorrido com os fundos da sua antiga organização, o INPS; ou porque o Governo, mais cauteloso, não quis repetir a dose, ou porque a nova administração do INPS tenha torcido o nariz à ideia, o certo é que a transferência secreta de fundos para a ELECTRA acabou chegando ao domínio público. E é aí que a porca torce o rabo e se dá a patada que se pretende agora branquear: o INPS passou de credor para accionista da ELECTRA, por obra e graça dos infalíveis de serviço. E o pecadilho dos protestantes foi terem achado que, entre ser accionista ou credora da ELECTRA, era preferível a última hipótese. E há de se entender bem porquê: o credor tem sempre hipóteses de receber o seu, ainda que recorrendo à penhora dos bens do devedor; enquanto o accionista não só pode nunca mais voltar a ver a cor do seu rico dinheirinho, como ainda, em caso de échec, ser obrigado a comparticipar no pagamento das dívidas da empresa.
E, perante a opção feita, choveram reacções, na sua maioria na contra-mão desta. E se bem me lembro, a grande maioria deixou claro que a energia e a água são um excelente negócio, mormente quando em regime de monopólio. A questão que se pôs (e ainda se põe) nunca teve a ver com o negócio em si, mas com a empresa detentora do negócio. É que para a decisão de investir numa empresa não conta apenas o negócio a que esta se dedica, mas a empresa em si, como um todo, seu histórico e sua performance* : os activos, o passivo, a rácio activo/passivo e o passivo circulante ou dívida de curto prazo; as receitas, as despesas, a rácio receitas/despesas; a qualidade da gestão; as questões laborais em que se encontra envolvida, as ineficiências em que se encontra enredada, enfim, sua rentabilidade, seu potencial e sua capacidade de sobrevivência.
O potencial da empresa em que se pretende investir é importante, sim senhora; mas, mais do que o potencial, a demonstração financeira tem de nos mostrar que a empresa tem condições de sobrevivência. Um botão de rosa tem tudo (potencial) para se transformar numa linda rosa; contudo, passar do potencial (botão de rosa) à efectividade (a linda rosa) depende muito do jardineiro (o gestor do processo), o qual tem o dever e a obrigação de proteger o botão de rosa das intempéries, irrigar a roseira, mantê-la livre das pragas e das ervas daninhas, garantir-lhe, afinal, condições de sobrevivência. Nem o botão de rosa mais promissor, nem a empresa detentora do melhor negócio do mundo (e a água e a energia estão nesse universo) chegam a lugar nenhum sem uma boa gestão. E a questão que teima é esta: PODE O INPS, COM O NÍVEL DE INVESTIMENTO QUE FEZ, INFLUENCIAR A GESTÃO DA ELECTRA? Parece que não. E assim sendo, a decisão do Governo, de fazer com que o INPS deixasse de ser mais uma credora da empresa, para se transformar em accionista minoritária, constitui um mau passo. Diga-se o que se disser.
Pretenda-se ser fornecedor, credor, parceiro ou accionista de uma empresa, mister se torna analisar a performance financeira da mesma . Cada um dos papéis pondo a tónica no item que mais lhe interessa** (a rentabilidade, o potencial, as hipóteses de sobrevivência, etc.) a verdade é que as decisões passam, inexoravelmente, pela análise da demonstração financeira. A ENACOL, quiçá a fornecedora principal da ELECTRA, analisou, não gostou do que viu e decidiu suspender os fornecimentos; a BANCA, o credor, por excelência, analisou, não gostou do que viu e decidiu pela cessação dos créditos; antes, uns ACCIONISTAS haviam analisado, não gostado do que viram e decidido tirar seu time de campo; mais recentemente, os INVESTIDORES nacionais torceram o nariz às obrigações emitidas pela empresa, só se decidindo a adquiri-las quando obtiveram a garantia de que o Tesouro público cobriria qualquer eventualidade. A questão que resta é esta: QUE CARGAS DE ÁGUA TERIA VISTO O INPS NA ELECTRA, QUE NEM OS FORNECEDORES, NEM A BANCA, NEM OS ANTIGOS ACCIONISTAS, NEM OS INVESTIDORES NACIONAIS VIRAM? Bom… sabe-se hoje que a decisão não foi do C.A., mas do Governo; que não terá sido decisão de gestor, mas de político; que não foi uma decisão baseada em critérios de eficácia e rentabilidade do capital, mas baseada unicamente em critérios políticos, e assumida por políticos, e em vésperas de eleições. E todo mundo sabe o que valem as decisões dos políticos tomadas em tal clima. No entanto, ainda assim, os artistas do negócio insistem que se deva considerar apenas o objecto da empresa.
Curioso é que a encomendinha do Governo traz à liça exemplos prosaicos acerca de decisões de investimento muito elucidativos do que não se deve fazer. Por exemplo, aquela de comprar boi novo e magro surte efeito contrário ao pretendido pelo mago de serviço. Que comprar um boi novo e magro para engorda é muitíssimo diferente de se fazer sócio de um péssimo criador de gado. Que uma coisa é alguém ir à feira de Assomada e comprar um novilho para engorda ou reprodução; e coisa muito diferente seria essa pessoa fazer-se sócio de um mau criador de gato, tipo um amigo meu, de Ribeirão Galinha, que tem imensas dificuldades em manter vivo qualquer rês que se lhe confie: no primeiro caso, o fulano seria DONO e assumiria a “gestão” do novilho que pretende transformar em boi gordo; no segundo caso, seria apenas CO-PROPRIETÁRIO (accionista) do novilho cuja engorda ficaria confiada a um, digamos, azarado criador de gado. Nas mãos do meu amigo Jeová é quase uma certeza que o novilho jamais chegará a boi. Ser accionista minoritário da ELECTRA (portanto, sem qualquer influência na gestão e tendo que se submeter à gestão instalada) é como investir no novilho e deixá-lo à guarda de um criador falhado. O melhor mesmo é comprar um novilho só seu, e dedicar-se, pessoalmente, à sua engorda. Ou confiá-lo a um assalariado que saiba do ofício, que queira exercê-lo e que… não seja tão azarado como o meu amigo de São Jorge.
E quanto aos riscos que se diz que todo mundo corre, a marosca está no que fica por dizer: tanto quem contratou, como quem fez o frete, sabe que os tais riscos de que fala o ditado (QUEM NÃO ARRISCA NÃO PETISCA) não são aleatórios: são RISCOS CALCULADOS e que têm na sua base a recolha e o processamento de informações e a análise e gestão de risco. Há, por exemplo, uma enorme diferença entre entrar para uma sociedade em “andamento” e a montagem de uma empresa, para depois abrir o capital aos investidores. Transformar uma ideia num negócio, começar um negócio (de água e energia, por exemplo) é uma coisa; coisa diferente é pegar a carreta já em andamento, com os pneus já rotos, o motorista desgastado e relaxado, os ajudantes desmotivados; sem reservas, nem crédito, junto da banca; e sem a confiança dos fornecedores de peças de substituição e combustível.
Deus deve estar desiludido tanto com quem encomendou como com quem fez o frete. É que não há justificação para o facto de as coisas terem sido feitas da forma como foram: o INPS, pelo volume de liquidez que detém, pelas responsabilidades que lhe estão confiadas, pela importância que tem na vida, presente e futura, do trabalhador cabo-verdiano, deve aplicar, sim senhora, o excesso de liquidez. Mas, quando toma decisões de investimento, deve fazê-lo, SEMPRE, com as vestes de INVESTIDOR SOFISTICADO.
O que é um Investidor sofisticado?! Segundo Robert. T. Kiyosaki,*** um investidor sofisticado é aquele que entende os dez controlos do investidor. Ele entende e tira partido das vantagens do lado direito do quadrante (que representa a posição relativa do Empregado e do Autónomo, do Investidor e do Empresário, no mundo dos negócios). E aqui deixo registado, com a devida vénia, os tais DEZ CONTROLOS DO INVESTIDOR:

1. Controlo sobre si mesmo;
2. Controlo sobre os quocientes receita/despesa e activo/passivo;
3. Controlo sobre a gestão do investimento;
4. Controlo dos Impostos;
5. Controlo sobre o momento de comprar e o momento de vender;
6. Controlo sobre a corretagem;
7. Controlo sobre o EOC (Estatuto jurídico, Oportunidade e Características);
8. Controlo sobre os termos e condições dos contratos;
9. Controlo sobre o acesso à informação;
10. Controlo sobre o devolver, filantropia, redistribuição da riqueza.

Kiyosaki faz ainda questão de sublinhar a importância de um investidor sofisticado poder optar por não ser um investidor completo, à condição de entender, exactamente, os benefícios de cada um dos dez controlos e de ter sempre presente que quanto mais desses controlos possuir, menos riscos terá em seus investimentos. E a questão que queima é esta: O INPS, NO CASO EM APREÇO, AGIU COMO UM INVESTIDOR SOFISTICADO? A resposta é um redondo NÃO.
Errar é humano; persistir no erro é arrogância pura; e reconhecer o erro, e dar a mão à palmatória, é divino. Um mau passo pode acontecer a qualquer um. E reconhecer o mau passo e voltar à primeira forma não tira pedaço. Antes, pelo contrário: gera uma aura de credibilidade que demagogia nenhuma consegue (nem a pretensão besta de infalibilidade, nem a doce embriaguez dos sentidos que provoca). THINK ABOUT.
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* DAMODARAM, Aswath, «DAMODORAN ON VALUATION: Security Analysis for Investment and Corporate Finance» da WILEY & SONS, Inc.
** MATARAZZO, Dante C., «Análise Financeira de Balanços», Atlas Editora, Lda.
*** KIYOSAKI, Robert T., in «Rich Dad's Guide to Investing», da Elsevier Editor, Ltd.