Thursday, April 23, 2009

2011: VEIGA versus NEVES

“Não haja medo que a sociedade se desmorone sob um excesso de altruísmo. Não há perigo desse excesso.”
Fernando Pessoa
Os militantes chamaram e Veiga respondeu. Muito bem. E vai ser interessante ver, em 2001, em sede de eleições legislativas, dois pesos pesados da política nacional digladiando-se para conquistar a maioria dos mandatos em disputa.
Veiga, primeiro Chefe de Governo da II República, inaugurou um período de presidencialismo de Primeiro-ministro, assumindo-se, indubitavelmente, como o homem forte do país. Ganhou duas eleições legislativas e ambas por folgadas maiorias, baptizadas de “qualificada”.
Cumpriu a sua primeira legislatura com um brilho tal, que lhe viria a valer a recondução. No segundo mandato, quiçá ofuscado pelo tal brilho, abriu flanco para a instalação de uma era de arrogância, de desrespeito pela diferença e de um certo quero, posso e mando. Sabe-se que tentou travar a onda, mas piou tarde. Tão tarde que permitiu que a fidelidade medíocre ganhasse foros de cidadania no movimento, pondo em marcha esquemas de desligação de militantes e amigos que tivessem ideias próprias.
Depois do cisma de 1993 Veiga acreditou que o partido tinha ficado mais forte. Pudera! Tinha-se livrado dos mais indisciplinados. Com o cisma de 2000, ainda acreditou que o que restara do movimento ficara mais forte. Mas o eleitorado não acreditou. Nenhum movimento (ou partido), em Cabo Verde, pode ficar mais forte depois de perder personalidades como Jorge Carlos Fonseca, Eurico Correia Monteiro, Jorge, Domingos e António Maurício Santos, Germano Almeida, Alfredo Teixeira, Luís Leite (primeira cisão), Jacinto Santos, António Espírito Santo, José António Reis, José Luís Livramento, Simão Monteiro (segunda cisão). E a verdade é que Gualberto do Rosário, que substituiria Veiga nos derradeiros dias do ano 2000, não conseguiu vislumbrar a força que Veiga lhe garantira que o movimento ainda detinha. E saído Gualberto… a fraqueza ficou tão exposta que, hoje, passados quase 09 anos e após algumas penitências, muitas mea culpa e uma tremenda catarse, Veiga se vê forçado a regressar à liderança do movimento.
Pessoalmente, já sugerira ao pessoal que uma das soluções possíveis para os problemas que o MpD tem em relação às legislativas seria CHAMAR O VEIGA. Assim como o PAI se viu forçado a APELAR AO ZÉ MARIA para ficar mais uma temporada no comando do team. Pelas mesmíssimas razões: depois do JMN, no PAI, instalar-se-ia uma crise em tudo parecida com a que vitima o MpD.
Afinal, sabe-se agora, não era coisa boa o líder do partido ser mais popular do que o partido (ou movimento) que lidera. Quem disso se ufanava é agora obrigado a pôr as barbas de molho. Veiga e JMN, para além da incumbência de ganhar as eleições legislativas de 2011, vão ter que aprender que, afinal, um bom líder não é aquele que pode meter todos os concorrentes putativos no bolso. O bom líder é aquele capaz de desenvolver um bom corpo de dirigentes, qualquer deles à altura de o substituir, em qualquer eventualidade. Não canibalizar os ambiciosos, nem apadrinhar delfins, mas dando espaços e oportunidades para que os colaboradores cresçam enquanto políticos e enquanto seres humanos - eis a receita, prosaica e elementar qb, mas que pode funcionar.

Quando um país pode ter frente-a-frente dois monstros sagrados da política, disputando o direito de conduzir a terra amada a bom porto, que atitude se pode esperar dos cidadãos? Os militantes vão se reunir à volta das siglas dos respectivos partidos. E os não-militantes?
A questão é interessante (e por isso exige resposta) porque dados empíricos nos dizem que os eleitores militantes, de todos os partidos, somados, não chegarão aos 40%. Isso quer dizer que as vitórias nas urnas são ditadas pelos não-militantes, hoje cada vez mais conscientes e, pour cause, mais exigentes. Uma sigla, muita música, cartazes e camisolas de montão, vão chegar para convencê-los? A resposta é um redondo e contundente NÃO.
Por isso, CV e JMN vão ter que se esmerar nas respectivas plataformas eleitorais; vão ter que demonstrar que respeitam o eleitorado; vão ter de poupar em cartazes e camisolas e investir forte na preparação e na apresentação do projecto que têm para a sociedade; e, principalmente, vão ter de levar para os palanques, pelo menos, os seus propostos para a chefia da equipa económica, para a pasta das relações exteriores e para a pasta do interior (eu seria capaz de exigir que me exibissem também o futuro Ministro da Educação). Ah! E vão ter que participar em quantos debates forem necessários para convencer o grosso do eleitorado, que está-se nas tintas para as siglas partidárias e que votam em plataformas, programas, projectos e… gente capaz.
Cabo Verde já teve 03 Primeiros-ministros (Gualberto não entra nesta contabilidade, por razões mais do que óbvias), todos eles muito fortes politicamente, todos propensos a fazer do Executivo o centro do poder, todos muito convictos de que eram, eles próprios, o centro do poder. Todos eles fizeram jus ao que alguém já chamou de presidencialismo do Primeiro-ministro.
Pedro Pires, Presidente do Conselho Nacional do PAIGC (apesar de Aristides Pereira ser seu superior hierárquico na estrutura supra-nacional do PAIGC) é, sem dúvida, o homem forte do regime e o artífice da viabilização de Cabo Verde, enquanto país independente. Os louros e o odioso de uma tal assumpção, ele merece-os por inteiro.
Carlos Veiga, Presidente do MpD, foi, indubitavelmente, o protagonista da abertura política e líder absoluto das primeiras legislaturas da II República. Reinou enquanto quis, desfazendo-se de quantos levantavam ondas. Não raras vezes deixou Mascarenhas Monteiro de fora de cimeiras de Chefes de Estado de organizações de que Cabo Verde era membro.
José Maria Neves, Presidente do PAI, parece ter-se inspirado em Veiga, com um único senão: não se desfaz dos seus imediatos, antes partilha com eles o poder. Partilha, mas deixa claro que quem manda é ele. Há quem interprete uma tal forma de partilha como uma estratégia de controlo dos potenciais opositores, um pouco como naquela máxima «OS TEUS INIMIGOS MANTENHA-OS POR PERTO». Enquanto Veiga se desfaz das ameaças, Neves controla-as. Diferença de nada.
Tinha razão a jornalista Lionela Borges, quando, por ocasião de uma entrevista de rua, disse para um velhote, apontando para JMN: «Nhu odja li. É quel homi lá qui ta manda na Cabo Verde». E teria razão quem quer que fosse que apontasse para PP ou para CV e fizesse a mesma asserção. Todos eles mandavam, tinham gosto em mandar e não faziam por escamotear o seu poder e a sua pretensão de ser o centro do poder político. E não é por acaso que PP e CV acabaram candidatos a Presidente da República. E JMN só não é candidato à suprema magistratura da Nação pelas razões que fizeram com que Veiga deixasse agora de o ser: não acredita que nenhum dos seus Imediatos seja capaz de levar o barco a bom-porto.
Assim como assim, vamos ter em 2011 umas eleições legislativas com sabor a eleições presidenciais, em ambiente presidencialista. Vamos eleger um homem que, mais do que certo, vai confirmar a tendência nacional para a prática presidencialista, ainda que em regime parlamentar. Veiga ou JMN, seja qual deles for o vencedor do pleito, vai manter de pé o presidencialismo do Primeiro-ministro. A questão que fica no ar é esta: PORQUE NÃO FAZER, ENTÃO, A OPÇÃO PELO SISTEMA PRESIDENCIAL DE GOVERNO?

Monday, April 20, 2009

PRAIA – A CIDADE DOS PLANALTOS

“O homem superior é persistente no caminho certo e não apenas persistente.”
Confúcio
Comove-me o carinho dos poetas e literatos portugueses, alfacinhas e não só, quando falam da velha Ulissipo, referindo-se a ela como a Cidade das 7 colinas. E fico meio cabreiro, quando vejo que meus compatriotas não ligam peva para a configuração da nossa Capital, a Cidade da Praia de Santa Maria da Vitória. E fiquei p. da vida quando constatei que nem os eleitos municipais da Capital, todos eles autóctones, quando encetaram a divisão administrativa da Cidade da Praia, se lembraram do papel estruturante dos planaltos em relação à vida na Capital.
Planaltos de SANTA MARIA DA VITÓRIA, da ACHADA DE SANTO ANTÓNIO, da ACHADA GRANDE, da ACHADINHA EUGÉNIO LIMA & ACHADINHAS, da ACHADA S. FILIPE & PONTA D’ÁGUA e da ACHADA de SIMÃO RIBEIRO, constituem o esqueleto, a estrutura que enforma e anima a Cidade da Praia.
O planalto de Santa Maria da Vitória, ou Riba Praia, que, em tempos, foi «a Cidade da Praia», é o centro histórico da cidade e o ponto para onde convergem todos os citadinos e referência para as pessoas que vêm do interior. Ainda hoje as pessoas dos Vales e das outras Achadas dizem «VOU À PRAIA» quando saem de casa para irem ter ao Planalto de Santa Maria da Vitória (também referida como PLATEAU, assim mesmo, em francês). É lá que ficam a Presidência da República, o Supremo Tribunal de Justiça e os Tribunais da Comarca, a Procuradoria-Geral da República, o Hospital Central, os Paços do Concelho, o Banco Central e as principais agências dos bancos comerciais, o Liceu de Adriano Moreira, a Reitoria da Universidade de Cabo Verde, as principais Farmácias, o principal Mercado de Frescos da Cidade. E é, sem sombras para dúvidas, o bairro melhor estruturado do país.
A Achada de Santo António, que já foi, simplesmente, O PLANALTO, é o centro populacional mais importante da cidade, uma verdadeira cidade dentro da Cidade da Praia. O bairro de Djudja, de Frank Mimita, de Kwame Kondé, de Tchim Tabare e de muitas outras celebridades e do «SANTOS» Futebol Club – hoje abreviadamente, ASA – já foi a capital da vida nocturna na cidade da Praia. Lá pontificam o Parlamento Nacional, o Tribunal de Contas, um bom número de Ministérios e as Embaixadas de Portugal, da Rússia e da China e a Residência do Embaixador do Brasil (para só citar as de maior visibilidade). Sintomaticamente, o nosso Palácio das Necessidades (o MNE), a Bolsa de Valores, a Escola de Negócios e Administração e as maiores empresas do ramo imobiliário têm aí a sua sede. Todos os bancos comerciais têm aí uma agência. É, indubitavelmente, uma referência na Cidade da Praia.
A Achada Grande é outro planalto de incontornável importância. É aí que fica o Novo Aeroporto da Praia (o antigo também fora aí construído), a principal porta de entrada do país. No fundo da falésia do extremo Sul, onde acaba a Achada Grande e começa o Atlântico, fica o Porto da Praia, o maior porto comercial do país. O planalto, que alberga a Zona Industrial da Praia, acolhe os principais armazéns de stockagem do país, as mais importantes Cash & Carry da Capital, o Terminal de carga marítima, os depósitos de Fuel, Jet A-1, Gasolina, Gasoil, Gás Butano, Metanol, etc., das petrolíferas SHELL CABO VERDE, SARL e ENACOL, SA e ainda o maior centro de vendas a grosso do país – a ADEGA, dos Moreiras de Almeida & Companhia. Resumindo e concluindo, pela Achada Grande entram todos os visitantes e quase tudo que se consome na ilha; armazenam-se todos os combustíveis necessários ao funcionamento da Ilha; faz-se a stockagem da maior parte do que se consome na Ilha (reparem que deixei de me referir apenas à Cidade da Praia), desde materiais de construção a géneros alimentícios. Um planalto de relevância incontornável, pois, na Cidade da Praia.
Os planaltos da Achada Eugénio Lima/Achadinhas e Achada São Filipe/Ponta d’Água são os maiores dormitórios da Cidade. Estes planaltos, suas encostas e as povoações de seus sopés, acolhem, maioritariamente, os cabo-verdianos de outros municípios (de Santiago e de outras ilhas) e estrangeiros que demandam a cidade da Praia em busca de uma vida melhor. Estes planaltos/dormitórios acabam sendo centros de referência quando se busca equacionar a integração dos migrantes e/ou debelar a pobreza na cidade da Praia.
O planalto de Simão Ribeiro, infelizmente, perdeu importância, diante do declínio da pastorícia no concelho e face ao surgimento de novas realidades corporizadas pelos fenómenos socio-demográficos que são os novíssimos bairros-dormitórios de Safende e Eugénio Lima.

A Câmara Municipal da Praia precisaria revisitar os planaltos da cidade e verificar as respectivas potencialidades antes de avançar com qualquer solução de reordenamento do território.
Pessoalmente, não tenho dúvidas de que o PLATEAU é um planalto e um bairro com personalidade própria. E se levarmos em conta que está na forja um projecto de candidatura do Plateau a património mundial, nada de mais indicado que se apostasse numa administração personalizada, virada para a sua requalificação e salvaguarda.
Que a Achada de Santo António tem tudo para ser o CENTRO e a referência de todo o Sudoeste da Cidade da Praia, não deve passar despercebido a ninguém. Definido o núcleo, restaria analisar os bairros que deveriam ser juntas à ASA para constituir a novel Unidade Territorial Administrativa (UTA). Em nome da coerência e do reconhecimento da capacidade deste planalto de puxar, e nivelar para cima, os bairros associados.
Tudo o que foi dito em relação à ASA é válido para a Achada Grande. O planalto, suas falésias, encostas, sopés e prolongamentos, dariam uma UTA interessante e homogénea, em termos de potencialidades, tradições, sonhos e aspirações.
O planalto de Eugénio Lima/Achadinhas seria outro bom núcleo central para uma UTA. Os bairros que crescem entre este planalto e o da Achada São Filipe/Ponta d’Água ficariam divididos entre estes dois pontos de referência, ficando o planalto de Simão Ribeiro (e as suas principais zonas de influência) incluído na UTA centrada no planalto Eugénio Lima/Achadinhas.
Na reorganização administrativa da Praia - a cidade dos 07 planaltos (SANTA MARIA DA VITÓRIA, ACHADA DE SANTO ANTÓNIO, ACHADA GRANDE, ACHADA EUGÉNIO LIMA, ACHADA S. FILIPE, PONTA D’ÁGUA e ACHADA de SIMÃO RIBEIRO) – nada de mais natural que fossem recuperados estes acidentes orográficos para a definição das novas Unidades Territoriais Administrativas. Em nome da economia de estruturas, pensando na melhor operacionalização dos recursos da cidade e aceitando que a CMP tem estudos que recomendam que o número das UTAS não deva ser superior a 05, porque não organizar as 05 UTAS à volta dos 05 principais planaltos que enformam a cidade - (1) SANTA MARIA DA VITÓRIA, (2) ACHADA DE SANTO ANTÓNIO, (3) ACHADA GRANDE, (4) ACHADINHAS/EUGÊNIO LIMA, (5) ACHADA S. FILIPE/PONTA D’ÁGUA?
A ideia aqui não é simplesmente questionar a divisão administrativa levada a cabo pelos eleitos municipais. O escopo desta intervenção é demonstrar que, na sociedade praiense, podem ser encontradas outras ideias, tão boas (ou melhores até) do que as da edilidade. Esta é apenas uma delas e que bem pode ser rotulada como sentimentalista. Mas como operar a organização da cidade sem sentimentos?
A forte relação de pertença que tenho com a cidade, permite-me conhecê-la bem, leva-me a regulares revisitações voltadas para a actualização da avaliação da qualidade de vida e para o reforço dos laços afectivos. E isso só pode reforçar o conhecimento das realidades, o que, sem dúvida, permitirá uma melhor performance nas intervenções transformadoras das realidades e para a permanente melhoria da qualidade de vida das comunidades.
Mais importante do que usar lápis de cor sobre um mapa da cidade, é subir aos planaltos, olhar para os outros planaltos, baixar a vista e observar as encostas e os vales. Mas, sobretudo, pensar que uma comunidade não é um simples ponto sobre um mapa: são pessoas humanas, com dificuldades, sonhos, aspirações e, quase sempre, com vontade de melhorar de vida. Por isso, o ordenamento do território não pode ser uma operação meramente académica, que esteja na moda ou que pode ser chique levar a cabo, a partir de cómodos e climatizados gabinetes de trabalho. Precisa ser um trabalho multidisciplinar, com centro nas comunidades, e sempre voltado para a melhor administração das potencialidades do território e de suas gentes.
Valeria sempre a pena, por isso, sair dos gabinetes, ir às comunidades, e, sobretudo, dar vez e voz aos munícipes. Deve o processo da CMP ser revisto? Que respondam os munícipes. Os mesmos que, fartos de Felisberto (e de sua equipe) lhe exibiram o cartão vermelho, podem AGORA mostrar a José Ulisses (e sua equipe) a cor do cartão que a sua cultura democrática está merecendo. Vermelho? Francamente? Não. Verde? Seguramente, também não.
09.ABRIL.09

Monday, April 13, 2009

BARRIGA DE ALUGUER

“Não repitas tácticas que te deram uma vitória; deixa antes que os teus métodos sejam ditados pela infinita variedade das circunstâncias”
Sun Tzu
«CHAMAR O VEIGA» não espanta, enquanto projecto de solução para a descoberta do caminho de regresso ao poder. É que, ao que parece, quando Veiga deixou a liderança formal do partido, levou consigo a bússola.
De facto, o MpD parece o palhabote Santiago, comandado pelo saudoso Capitão Aníbal. Havendo Sol ou a Estrela Polar, mesmo que as cabras comessem o mapa, acabava sempre chegando ao destino. Porém, numa das muitas viagens que fez à ilha do Fogo, o velho capitão viu-se chinês, quando o céu se cobriu de um manto de breu e não pôde divisar a sua estrela-guia. Macambúzio, passou toda a noite ruminando. De manhãzinha, quando, segundo os seus cálculos, deveria estar a fundear em Fonte Bila, reuniu os principais da tripulação e lavrou um protesto contra o mar e o céu encoberto e quem mais interessar pudesse: OS SENHORES SÃO TESTEMUNHAS DE QUE CHEGUEI AO FOGO E O FOGO NÃO ESTÁ CÁ.
Com o MpD, salvaguardando as proporções, as coisas têm funcionado de forma muito parecida. Passado o ritual da contestação dos resultados das eleições legislativas e presidenciais, lançam-se ao trabalho e levam de vencida o PAI, conquistando a maioria das Câmaras Municipais. Da última vez, não só levaram a maioria, como as maiores e as mais emblemáticas (Praia, Santa Catarina, Ribeira Grande de Santiago). Mas o que é que acontece depois? Entram em pânico quando fica confirmado que será ainda José Maria Neves a comandar as hostes tambarinas no 1º embate eleitoral de 2011.
A primeira ideia que lhes vem à mente é deixar cair Jorge Santos e arranjar alguém, lá dentro, capaz de levar JMN de vencida. O baú é passado a pente fino sem que se encontre uma solução capaz de pôr fim a uma travessia do deserto, que já vai longa. Livramento posiciona-se para substituir Dos Santos, mas cedo se constata que ele não traz solução para o problema que aflige o partido. Porque se é verdade que Jorge Santos precisa ser trabalhado para se transformar num estadista capaz de ir buscar votos aos não-militantes, não é menos verdadeiro que Livramento exige umas boas demãos de popularidade e uns tantos decilitros de liderança, para estar em condições de defrontar JMN, com hipóteses de sucesso. De facto, nenhum dos postulantes dá garantias de que o MpD não voltaria a morrer na praia: sem Norte, o navio pode chegar a qualquer porto; mas chegar aonde, de facto, se quer chegar, só por obra do acaso. E o partido não pode correr um tal risco. Sob pena de, desta feita, danificar o casco e pôr em perigo a navegabilidade futura da embarcação.
Chegados a este ponto, das duas uma: abandonar o barco, que nem ratos, quando pressentem o naufrágio; ou identificar, localizar e convencer o homem da bússola a voltar.
A segunda opção surge como a mais honrosa. É consabido que aqueles que sempre estiveram com Veiga, os tais que deram corpo ao núcleo duro, depois dos abalos que foram os cismas que originaram o PCD e o PRD, não herdaram a bússola. Tanto assim é que andaram atrás dos retornados, à cata de um filho pródigo que tivesse recebido do pai, à socapa, o bendito instrumento. Eurico Monteiro e Jorge Santos movimentam-se bem, mas salta à vista que não foram eles que herdaram a bússola; sondado Livramento, chegou-se à conclusão de que também não era ele o homem. Daí a se concluir que o Chefe levara consigo o instrumento de navegação, foi um passo. Identificado o timoneiro, a sua localização não suscitou problema nenhum: ele esteve sempre por perto. Convencer o homem é que seria o verdadeiro busílis.
Veiga tem um projecto político de que não vai querer abrir mão. E sabe que manigâncias políticas como essa de concorrer para Primeiro-ministro, para depois entregar o Governo na mão de um indesejado qualquer e se candidatar à Presidência da República podem dar bode e fazê-lo entrar pelo cano.
Aliás, alguém acredita, verdadeiramente, que se pode iludir o eleitorado dessa forma? Porque o Jorge não convence o eleitorado, faz-se avançar o Veiga; ganha a eleição, impõe-se aos cabo-verdianos o mesmo Jorge (ou outro indesejado qualquer) como Primeiro-ministro; depois, Veiga, tranquilo e sereno, segue para a eleição que lhe interessa. Depois de pedir, para si, votos para governar o país, vai pedir, ao mesmo eleitorado, votos para ser também árbitro (presumivelmente imparcial) do sistema político, guardião da Constituição e limite ao Governo. Fala sério! Veiga é um fulano inteligente, mais do que o suficiente, para entender que isso é navegar em águas turvas e que pode dar para o torto. E diante de um tal quadro, parece crível que Veiga abrace um tal projecto, todo ele edificado sobre esquemas, truques e manigâncias? Du – vi – d - o – dô.

Chegado a este ponto do raciocínio, fica clara a necessidade de um TANQUE PENSANTE. E, ao que consta (pela composição, timing e sentido estratégico), parece um verdadeiro PANZER alemão. Marca, indubitavelmente, pontos ao lançar o balão de ensaio na manhã de Quinta-feira de Endoenças. Aproveitar a tolerância de ponto de Quinta à tarde e os feriados dos três dias seguintes, é de mestre. Digna de Jacinto Santos, Jorge Carlos Fonseca ou do próprio Carlos Veiga. Fala-se de José Tomás Veiga, mas, esse, não o vejo a pressionar o mano para entrar numa canoa furada.
A verdade, porém, é que um babado desses, lançado ao éter às primeiras horas do dia, pelas estações de rádio; posto a circular no ciberespaço, quase que simultaneamente, pelos jornais digitais; dado à estampa no semanário A NAÇÃO, na mesma manhã; e confirmado, em grandes parangonas, no dia seguinte, no A SEMANA, o jornal nacional campeão de «audiências»; tem todas as condições de chegar a todas as achadas e fajãs, cutelos e ribeiras, no território nacional e na diáspora. Daí a despoletar uma forte onda de pressão sobre Carlos Veiga, a modos de demovê-lo do seu projecto político e levá-lo a abraçar o projecto de salvação da pátria, vai um nada. E parece ser essa a esperança do auto-denominado TANQUE PENSANTE: colocar Veiga sob pressão e convencê-lo que assumir a Presidência do MpD é um desígnio nacional.
Mas, estará o PANZER a ser justo com Veiga? Não haverá um quê de egoísmo no movimento? Se a questão é a recuperação da bússola, porque levar o timoneiro junto, sabendo que ele tem um projecto político próprio e também virado para servir Cabo Verde? Não dá para sentir um cheirinho de blackmail, quando se condiciona o apoio à realização do projecto político pessoal de Veiga à ajuda que este der ao MpD? Não basta o que ele já fez pelo partido? Não haverá no MpD ninguém que, de posse da bússola recuperada, possa levar o barco a bom porto? Codé di Dona cantou que, em São Domingos, depois do desaparecimento físico dos manos Isidoro e António Soares, só ficaram ‘nbatche ku boka rato (N.C.: espigas mal-formadas e espiguinhas que os ratos experimentaram e não gostaram). Que dirá agora o bardo, diante desta ideia desesperada de querer fazer de Veiga barriga de aluguer?
Ninguém deseja um frente-a-frente Carlos Veiga/José Maria Neves, mais do que eu próprio. Com debate de ideias (ao cabo e ao resto, a retoma da iniciativa do A SEMANA no último regresso ao trabalho), confrontação de projectos para a sociedade, despique de criatividade e imaginação. Mas sem truques, nem manigâncias. Disponibilizem-se, ambos, para concorrerem à mais alta Magistratura da Nação, com aprimoradas plataformas eleitorais, à altura de uma eleição para a escolha de um Presidente da República, Chefe de Estado e de Governo. Aí sim. Bateria palmas. Pôr-me-ia em bicos dos pés para não perder pitada da contenda. E escolheria um lado para torcer por. Por isso, ficaria sumamente feliz se ouvisse ou lesse que o PANZER PENSANTE estaria tentando influenciar os deputados a irem mais fundo no processo de revisão constitucional; que estaria usando a sua influência para conseguir, em sede de revisão constitucional, a mudança do sistema de Governo de PARLAMENTARISMO MITIGADO para PRESIDENCIALISMO.
Mas um movimento (mais um) sem um substrato ideológico claro, virado apenas para barrar a passagem ao PAI… não me convence. E continuo manifestando as minhas dúvidas sobre se o Dr. Carlos Veiga, que penso conhecer, aceite ser barriga de aluguer de quem quer que seja. É que, no fundo, no fundo, o movimento mais parece coisa de miúdos que apanham de um coleguinha mais pujante e, não podendo revidar, correm a chamar o mano velho para vir tomar-lhes as dores. Há que fechar o corpo, vender o medo e comprar coragem e fazer a coisa certa para um político: dar o corpo ao manifesto e lutar, sem truques, pelo poder que tanto ambiciona. E deixar que o Veiga complete o seu percurso político.
No entanto, e já que o PANZER já está montado e bem oleado, porque não fazer um forcing no sentido de, em sede de revisão constitucional, se fazer a opção pelo PRESIDENCIALISMO? Think about!

Wednesday, April 1, 2009

FACTOS & CONCEITOS

“Dificuldades reais podem ser resolvidas; apenas as imaginárias são insuperáveis."
Theodore N. Vail
Um conceito é sempre mais forte do que um facto. Mas importa não integrar o facto, à força, dentro do conceito.
Pela postura diante de factos e conceitos se reconhece e se distingue o teórico diletante do teórico especialista. O teórico diletante (que vou chamar aqui, por comodidade, apenas teórico), faz tábua rasa dos dados empíricos. Para este profissional valem mais os princípios, as teses, os teoremas, do que a história e o que lhe entra pelos olhos adentro. Já o teórico especialista (que aqui vou chamar apenas de especialista) casa factos com conceitos, dá a devida importância aos dados empíricos, não perde de vista a evolução semântica dos termos e locuções.
Lembro-me que na década de 90 do século passado começou a estigmatização de alguns termos e locuções. «Guichet», «serviços periféricos», «gabinete», etc. Que o «guichet» (e o balcão de atendimento que encimava) levantava uma barreira à comunicação com o utente/cliente e que, por isso teria que cair; que «serviços periféricos» dava uma ideia errada da importância do serviço e que, por isso, devia ser substituído por «unidades de base territorial», conceito politicamente mais correcto e que acaba exprimindo melhor a ideia do serviço instalado fora e longe do centro.
Tanto se barafustou que, a páginas tantas, os serviços periféricos, as unidades de base territorial, os serviços desconcentrados, factos, realidades e conceitos com pontos comuns, mas que não devem ser confundidos, ganharam um rótulo único – SBT, Serviços de Base Territorial.
Até aqui, nada demais. São, de facto, serviços com responsabilidades sobre uma determinada parcela do território nacional. Mas há variantes e nuances que teriam de ser levados em consideração, quando tais entes estão em pauta e que, pura e simplesmente foram atirados para o olvido. E a descontinuidade do nosso território pode ter ajudado um pouco na densificação da confusão.

Ninguém poria em dúvida, por exemplo, que a Alfândega de Lisboa é um serviço de base territorial. Certo? Assim como a Delegação de Xabregas, o da Matinha ou o do Jardim do Tabaco. Certo? Mas algum especialista se lembraria de fazer essas casas fiscais portuguesas depender directamente do Ministro das Finanças de Portugal? Ocorreria a um especialista excluir essas estâncias aduaneiras do controlo da DGAIEC (Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo)? Creio bem que não. Senão, vejamos o organograma do Ministério das Finanças de Portugal, no ramo que interessa para esta análise: a DGAIEC aparece como serviço central do Ministério; as Alfândegas, unidades de base territorial (em Portugal já não se fala em Delegações aduaneiras desde a década passada, quando todas as estâncias aduaneiras passaram a designar-se Alfândegas, designação porque já eram popularmente conhecidas), aparecem na linha de subordinação da DGAIEC. Razões? Avanço apenas esta: é que uma Alfândega não é uma Delegação do Ministério das Finanças, sendo antes, e apenas, ponta-de-lança da DGAIEC, posicionada nas fronteiras ou nos pontos onde acontecem factos geradores dos impostos que está encarregue de arrecadar. Tout court. E se se tiver a preocupação de ver o articulado do diploma orgânico se verá que «a Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais de Consumo é o serviço central do departamento governamental, responsável pela área das Finanças que tem por objectivo estudar, promover, coordenar e executar as medidas e acções de política aduaneira relativas à organização, gestão e aperfeiçoamento do sistema aduaneiro, bem como o exercício da autoridade aduaneira» e, mais à frente, que a cobertura fiscal do território português se faz através das Alfândegas, as quais se relacionam verticalmente (de baixo para cima) com a DGAIEC. É assim: a DGAIEC define as regras e as Alfândegas aplicam-nas nas suas áreas territoriais, arrecadando os réditos para o Tesouro público e cumprindo as demais missões confiadas, orgânica e especificamente, à DGAIEC (não as missões gerais do MF). E ficamos em que as Alfândegas são unidades de base territorial; serviços desconcentrados da DGAIEC; estâncias periféricas do sistema aduaneiro português. Lembraria a algum especialista colocá-las na dependência directa do Dr. Fernando Teixeira Santos (MF)?

Fica mais fácil entender a questão quando a descontinuidade territorial não entra no barulho. Certo. Mas um teórico que se alheasse dos dados empíricos, da história e da evolução (semântica e não só) ocorrida, certamente insistiria em colocar uma Alfândega (Delegação da DGAIEC) em pé de igualdade com delegações do Ministério da Agricultura, da Saúde, da Educação, etc. E estaria laborando em erro por tratar de forma igual o que não é igual: as delegações dos Ministérios nas capitais de distrito representam todas as actividades do Ministério, aplicam as políticas do Ministério na sua área territorial; as delegações da DGAIEC (nas fronteiras e nos pontos geradores de impostos indirectos) cumprem as missões das Alfândegas e arrecadam os tributos administrados pela DGAIEC.
Compreender-se-ia que numa abordagem revolucionária da reforma orgânica de um Ministério das Finanças se pretendesse dar um salto para um patamar onde cada Ministério teria, em determinados pontos do território nacional, uma representação única. É claro que se podia equacionar a questão. Aliás, as Delegações da Receita Federal, no Brasil, acumulam funções aduaneiras, tributárias e previdenciárias. Mas, atenção! não são delegações do Ministério da Fazenda, nem do Ministério do Planejamento: são delegações da Receita que, por aqui, vai encontrando paralelo e equivalência (parcial) na DNRE - Direcção Nacional das Receitas do Estado (que eu gostaria de ver designada DNAF - Direcção Nacional da Administração Fiscal). Mas dizia que a coisa pode ser fazível. De todo o modo, na reformulação que se projectar, não se poderá perder de vista a história, os factos e os conceitos envolvidos; e os dados empíricos, o benchmarking com realidades afins e a relação custo/benefício da «revolução» não podem também ser perdidos de vista.

Voltando para dentro, para este nosso Cabo Verde de esperança, arquipélago de 10 ilhas, com 22 Repartições de Finanças e 14 estâncias aduaneiras (número que vai subir para 17 até ao final do ano) quais são os factos? As Repartições de Finanças são, essencialmente, pontas-de-lança da DGCI (Direcção-Geral das Contribuições e Impostos). Lançam, liquidam e arrecadam os impostos cuja administração está confiada à DGCI, para além de outras tarefas afins. Para além destas funções essenciais, fazem a representação de outros departamentos, como o Tesouro, o Património, etc. As estâncias aduaneiras, delegações da Direcção-Geral das Alfândegas, por necessidade instaladas nos pontos fronteiriços marítimos (portos) e aéreos (aeroportos), apenas cumprem funções aduaneiras. Um serviço desconcentrado do Ministério das Finanças, cobrindo todas as valências do Ministério, poderia integrar as Repartições de Finanças e as Alfândegas presentes no concelho: Delegação do Ministério das Finanças da Praia; Delegação do Ministério das Finanças de Sanvicente; do Fogo, da Brava, etc.
Agora, das duas três: funciona a Alfândega no Porto da Praia, com uma Delegação no Aeroporto e a Repartição de Finanças no Plateau, superintendendo o conjunto; ou instala-se a Delegação do Ministério em Lém Ferreira ou Achada Grande (localidades equidistantes do porto, do aeroporto e da «cidade»), dando despacho de mercadorias vindas por via marítima e aérea e liquidando e cobrando o IUR e o IVA; ou vai todo mundo cumprir obrigações fiscais (todas) no porto? Quem fala da Praia, fala de Sanvicente, de S. Filipe, da Brava…
Convenhamos que a transposição do que se tem para o que se sonha não é pêra doce. De um Ministério das Finanças com seus serviços centrais; de uma DNRE com suas delegações tributárias, aduaneiras e tributárias/aduaneiras (possível em Santa Catarina, Mosteiros e mais alguns concelhos do interior), dependendo do DNRE (directamente ou através dos seus adjuntos para os assuntos tributários e para os aduaneiros); para uma nova realidade, em que são instaladas Delegações concelhias do Ministério das Finanças (36 agora e 39 até ao final do ano), despachando directamente com o Ministro das Finanças, dando despacho de mercadorias (vindas por ar, mar e terra) e colectando impostos directos; vai um salto e tanto.
A questão a pôr, portanto, é esta: O SALTO SERÁ EXECUTÁVEL? Pode ser. SEM REDE? Eu não aconselharia ninguém a executar um tal salto sem rede. É que uma tal revolução seria tudo menos silenciosa. Exigiria muitos ensaios, muita ponderação, muita consulta e, sobretudo, teria que garantir ganhos quânticos, da ordem dos 1000 (mil) ou mais por cento. Menos do que isso, e ainda por cima feito de supetão e sem considerar a história, os factos e as realidades, as forças, fraquezas, oportunidades e ameaças (uma análise SWOT, sim senhora), seria apenas mais uma aventura, baseada apenas em considerandos teóricos, uma das muitas que a gente foi vivendo ao longo dos tempos.