Wednesday, November 28, 2007

O LIVRO BRANCO DA PARCERIA UE/CV

A parceria especial destina-se a reforçar a concertação e a convergência entre ambas as partes (UE/CV), permitindo acrescentar um quadro de interesses comuns à relação tradicional dador/beneficiário. Esta a finalidade da parceria, conforme se vê do documento que a Comissão submeteu ao Parlamento Europeu e ao CAGRE.
Perceberam agora o que é a propalada parceria UE/CV? Não? Arre! Vamos lá a ver se nos entendemos.
Você quer estar entre PhD’s mas ainda não se doutorou. É bom aluno; discorre articulado, com ciência e profundidade, sobre vários assuntos da actualidade; ministra cursos sob a batuta de um catedrático; tem um pensamento filosófico avançado; há muito que avançou das abordagens superficiais para interpretações filosóficas das questões; enfim, você pode ser confundido com um PhD, mas, formalmente, ainda não é um PhD. Certo? Como resolver isso?
Vai ter com um dos seus tutores e diz-lhe: Mestre, quero ter um título académico que me coloque, ao menos formalmente, ao nível de V.. Quero reger a minha própria cátedra. Quero que a nossa relação protegido/protector avance para uma, digamos, parceria. O que acha que poderá acontecer?
O mais certo é o Mestre - se ele for um cara porrêta, amigo mesmo, e se reconhecer que você tem potencial e que pode, de facto, vir a ser um bom parceiro – assumir-se como teu mentor; te ajudar a montar um belo programa de doutoramento; a identificar uma boa Universidade; e a conseguir uma belíssima bolsa de estudos. O que tem D. Carlos a ver com o barco?
Tudo. Imagina o nosso Cabo Verde, mais a sua indómita vontade de crescer e aparecer, como sendo o fulano muito bom, mas a quem falta o canudo. Será difícil fazer a União Europeia trajar as vestes do velho Mestre, catedrático porrêta, amigo mesmo, daqueles que não têm medo da sua sombra e que são capazes de dar luzes a quantos queiram ser iluminados? Parece que não. É-te difícil abstrair e considerar «les six piliers» do PLANO DE ACÇÃO como sendo as disciplinas centrais do PROGRAMA DE DOUTORAMENTO? BOA-GOVERNAÇÃO, SEGURANÇA/ESTABILIDADE, INTEGRAÇÃO REGIONAL, CONVERGÊNCIA TÉCNICA E NORMATIVA, SOCIEDADE DO CONHECIMENTO e LUTA CONTRA A POBREZA. Podes ou não entender que os fundos e a assistência técnica constituem uma espécie de bolsa de estudos? Entendes ou não que se não obtiveres bons resultados a bolsa pode ser suspensa?
Então é isso mesmo. Os seis pilares do Plano de Acção são seis desafios que são postos a Cabo Verde, seus governantes e governados. Entendendo-se que seja possível atingir-se bons níveis nessas seis disciplinas e reconhecendo-se que será preciso dedicação a tempo integral, para poder dar conta delas, oferece-se, concomitantemente, um mecanismo de financiamento. O FEDER, o FED, incluindo as facilidades de investimento geridas pelo BEI, o OG da União, recursos próprios do BEI, etc., estarão acessíveis para ajudar o amigo Cabo Verde a sair-se bem dos desafios lançados e aceitos. É exactamente a situação de um bolseiro que quer cursar um doutoramento. Tem um programa, tem uma bolsa e o correspondente benfeitor, e tem a OBRIGAÇÃO de não fazer feio. Se tudo correr bem, o Conselho Científico outorga-lhe o título, após a defesa da tese. Se não, se se limitar a somar reprovações, o benfeitor corta-lhe a bolsa. É que há mais candidatos à bolsa.
Então, as conquistas são, de facto, enormes: a admissão ao programa de doutoramento; o apoio inequívoco de um orientador experimentado; e a magnífica bolsa de estudo. Estudando com afinco, vencendo os desafios, não só conservará a bolsa de estudos, como pode obter o almejado doutoramento e, quem sabe, os pós-doutoramentos que desejar. E aí, ostentará os mesmos títulos que o mentor, poderá acordar parcerias outras com os seus «novos iguais» e, who knows, poderão até passar a frequentar o mesmo country club.
Mas há dois erros que, na nossa situação, não podemos cometer: menosprezar a importância da bolsa de estudos e considerarmo-nos, JÁ, PhD.
Seria muito difícil vencer os desafios que aceitamos (BOA-GOVERNAÇÃO, SEGURANÇA/ESTABILIDADE, INTEGRAÇÃO REGIONAL, CONVERGÊNCIA TÉCNICA E NORMATIVA, SOCIEDADE DO CONHECIMENTO e LUTA CONTRA A POBREZA), atingir os patamares esperados pela Comissão Europeia (os critérios de convergência serão muito exigentes), sem um plano de financiamento associado ao Acordo. Seria de bom-tom não menosprezar a importância dos fundos europeus. E é mesmo um erro proclamar que eles não são tão importantes como isso. Eles são IMPORTANTES e fomos atrás deles, sim senhor.
Outro erro seria cair no embalo do Dr. Mário Soares e acreditar que nós somos dos melhores que há e que podemos dar conta dos desafios da União Europeia (que aceitamos, orgulhosamente) com uma perna às costas. A UE não se dará por satisfeita com a nossa fasquia em matéria de boa governação, vai exigir muito mais; não seremos nós a aferir os níveis de satisfação em matéria de segurança e estabilidade; a questão da integração regional, maximé em relação à CEDEAO, terá que ser perseguida como um compromisso nacional sério, pelo que não poderá continuar dependente da carolice de uns tantos e sob o bombardeio contínuo de uma boa franja de intelectuais afro-pessimistas; não vai ser fácil a convergência técnica e normativa, uma vez que os critérios vão ser muito exigentes, obrigando-nos, por vezes, a andar aos pulinhos; construir a sociedade do conhecimento - e esconjurar os riscos de exclusão que lhe estão associados - vai nos dar água pelas barbas; os programas de luta contra a pobreza vão ter que dar frutos e frutos visíveis (lembram-se daquela passagem da Bíblia, que diz que toda a árvore que não der bons frutos será cortada e deitada ao fogo?).
Ora muito bem. A parceria especial abriu-nos as portas da Universidade, disponibilizou-nos um bom orientador, ajudou-nos a definir um bom programa de doutoramento, garantiu-nos bolsa de estudos e explicadores (assistência técnica). Ser ou não ser doutor, só vai depender de nós. Do nosso empenho, do engajamento de todos. Aqui e na diáspora. Da situação e da oposição. Da sociedade civil - dos patrões, dos empregados, dos investigadores. E se há questão que clama por um pacto de regime, é esta.
Mas estaremos suficientemente maduros para entendermos que todos queremos o mesmo e que as eventuais divergências se situam mais nos caminhos escolhidos (os meios) para chegar ao desenvolvimento (o fim)? É que se metermos na cabeça que a alternância poderá ser “inquinada” por este acordo ter sido conseguido durante o mandato de José Maria Neves… temos o caldo entornado. Os fundos europeus e a disponibilidade da União Europeia estarão para Cabo Verde, nesta FASE, assim como uma bolsa de estudos e um orientador de doutoramento estão para um doutorando. Se bobear, perde o orientador e perde a bolsa. E pode ver-se obrigado a retornar ao ponto de partida.
Este acordo é, sem sombras para dúvidas, uma grande conquista. Mas encerra um enorme potencial de risco. Si nu da pa dodu, teremos que nos contentar, quando muito, com um mero APE (Acordo de Parceria Económica) como um qualquer membro do grupo ACP (África, Caraíbas e Pacífico).
E desenganem-se aqueles que acreditam (como eu, inicialmente) que tínhamos ainda um LIVRO BRANCO para preencher. O LIVRO até pode existir. Pode até estar, AINDA, em BRANCO. Mas não seremos nós (cabo-verdianos) a preenchê-lo. Disso tenho a certeza absoluta.

Monday, November 19, 2007

A VIZINHANÇA, O VIZINHO E EU

“Um elefante, em qualquer local de trabalho, é um problema. Mas ninguém quer falar nele, pois de certeza que isso implica trabalho e dificuldades, para não falar do cheiro.”
Marianne M. Jennings

Havia muito tempo que não parava para pensar nos vizinhos, na vizinhança, nas relações impostas pela proximidade. Minha avó tinha uma máxima porreta que se farta e, orientando-me por ela, não me preocupava nada pela proximidade geográfica.
FAZ O BEM, NÃO OLHES A QUEM! – não se cansava Nhâ Mariazinha de repetir. E ela era coerente. Não me lembro dela frequentando a igreja, mas passava um tempão rezando.
- Porque é que a senhora reza tanto? – perguntei um dia.
- Rezo por ti, pelas tuas irmãs, pelos meus outros netos, pelo Caetano, pela Augusta, pela Lídia, e por aqueles que não sabem rezar e não têm quem por eles reze.
- Como assim? – quis saber.
- Rezo e largo. Vai servir a quantos precisem – explicou.
Uma filosofia de vida como a da minha avó marca para sempre. É assim que eu estou sempre disponível para o próximo, esteja ele onde estiver. E o próximo, para mim, é aquele que estiver na situação do desgraçado da parábola do BOM SAMARITANO. Não importando se é amigo ou inimigo, parceiro ou adversário, precisando e eu podendo ajudar, lá vou eu.
No entanto, houve momentos em que tive que para pensar ou repensar o conceito de vizinho e vizinhança. Numa das primeiras vezes que falei com a Zelinda Cohen, ela se reportou a mim, dizendo:
- Já o conhecia de cara. É meu vizinho.
Fiquei confuso. Eu estava morando no Platô e o Tó e a Zelinda num dos bairros novos do extremo Sul da cidade. Ainda pensei que talvez fosse por causa do sogro, o meu bom amigo senhor Filinto. Mas aí, interpretando bem a confusão que a minha face não conseguia esconder, explicitou:
- Somos vizinhos de página. No A SEMANA – completou.
Rimo-nos, é claro. Ele há cada vizinhança a considerar!
Mas foi interessante o que aquela situação despoletou em mim. E verifiquei, com espanto, que muitas das coisas que sei fazer, aprendi-as com vizinhos. Velhas, moças, colegas.
A primeira vez que comi uma gemada foi na casa de uma velha vizinha. Estava na terceira classe. Escrevi uma carta para a filha dela que estava cumprindo um contrato em São Tomé e Príncipe e ele me deu um ovo em pagamento. Era o meu primeiro pagamento por ter aprendido a escrever.
- É para fazeres uma gemada – sugeriu Nhâ Maria da Paz.
Ela foi perspicaz e logo entendeu que se eu já ouvira falar de gemada, com certeza não sabia ainda fazer uma.
- Vou te ensinar a fazer uma gemada – decidiu.
E gostei muito. E aprendi a fazer.
Li o meu primeiro livro sem imagens na casa de um vizinho muito especial. Meu tio Néné di Nhâ Pomba. Já não me lembro do título. Mas falava da fundação da Califórnia, ou a minha memória já me começa a pregar partidas. E muitos outros livros li ali, naquela biblioteca improvisada, paredes-meias com a marcenaria do meu tio.
Conheci, e aprendi a respeitar, usos e costumes do interior de Santiago e das ilhas. Aprendi a conviver com o diferente, com o que não percebia muito bem. Aprendi a dizer que estava farto quando me pediam para comer algo que não conhecia ou de que não gostava. Aprendi a jogar às cartas. A jogar damas e ouril. E a apostar no sete-e-meio, no nove, no vinte-e-um e no trinta-e-um.
Nasci e cresci na Travessa, um lugar sobranceiro e à parte, na Vila Nova. E na Vila Nova se aprende de um tudo.
E quantas asneiras não aprendi fora de casa, na vizinhança? Quase todas.
O vizinho é o teu familiar mais chegado – dizia minha avó. Diante do meu ar de incompreensão, explicava: se te acontecer alguma coisa, e antes que a família possa chegar, tens aí um vizinho te socorrendo. Fantástico. Entendi. E nunca mais esqueci. E hoje repito os mesmos conselhos.
Mas hoje a vizinhança e o vizinho são realidades bem mais complexas. Estamos todos fechadinhos na nossa concha. A televisão não nos dá uma aberta para escutar as estórias da avó do nosso amiguinho. Os avós moram a quilómetro, quando não quilómetros, de distância. E as estorinhas vão caindo no esquecimento.
Pessoalmente, e apesar dos pesares, ainda acho o vizinho um parceiro importante. E quanto menos vizinhos, mais importantes se tornam. E, nos dias que correm, são exactamente como os familiares: a gente não os escolhe; encontramo-nos na vida, estamos muito pertos um do outro, e não há como nos desvencilharmos um do outro sem mágoas. Bem diferente de amigos. Que esses, a gente escolhe. E, ao contrário dos vizinhos, não escolhemos um qualquer como amigo. E não nos aceitam só porque estamos por perto. Amigos, como diz o outro, a gente guarda do lado esquerdo do peito. Vizinhos têm confrontação connosco: pelo Norte, pelo Sul, pelo Leste ou pelo Poente; no andar de cima, na porta ao lado ou no andar de baixo. Na página ao lado, numa qualquer página de um número de um jornal ou revista, também.
Como em tudo na vida, há vizinhos de que a gente gosta e há-os que a gente abomina.
Gostei de ter Nhâ Maria da Paz, Chico de Maria, Tói Serra, José Manaia, Nhâ Maria Sábo e muitos outros como vizinhos de proximidade na minha infância; adoro poder contar com o senhor João (melhoras, João) e dona Aldina como vizinhos; sinto um certo orgulho em ter tido a Zelinda como vizinha de página; gostaria de poder ter o Oscar Santos como vizinho de página; honra-me a vizinhança do velho Firmo Pinto e do jovem Baluka Brazão.
Mas detesto certas vizinhanças e determinados vizinhos. Não sou santo. Nunca fui e espero não vir a ser. Ou deixava de ser o vosso amigo LUDGERO. Suporto-os porque cultivo a tolerância e o respeito pelas diferenças e pelo diferente. Mas confesso que me custa.
A minha sorte é que tenho uma belíssima vizinhança de proximidade. Moradores, comerciantes, profissionais liberais que são um verdadeiro must. Classe A. Desses não pretendo me afastar nunca mais. Da minha parte, só penso fazer mais uma mudança de residência. A definitiva. Para a Cidadela dos Pés juntos. E oro para que os meus vizinhos continuem pela Rua da Horta (Miguel Bombarda, Justino Lopes, ou como a quiserem chamar no futuro) até ao fim dos tempos.
Em relação às outras vizinhanças, e se deles quiser, de facto, distância, valerá o ditado «O INCOMODADO QUE SE RETIRE». E eu me confesso «O INCOMODADO». Só que… retirar-me seria fugir (mais uma vez) da sede onde se travam as batalhas. Primeiro fugi das lutas políticas, invocando a fragilidade do meu estômago e a hipersensibilidade do meu nariz. E agora estou inventando e somando razões para voltar as costas à luta pela cidadania. Seria uma cobardia sem nome. Não apenas pelo facto de voltar às costas à luta (que isso seria de somenos, já que outros valores mais altos se levantariam, cobrindo, com vantagem, o espaço deixado vago), nem porque estaria dando alegria para o outro lado, mas porque estaria encorajando e dando mais força ao vizinho desafecto. E isso seria mau. Muito mau. É que, rompido o equilíbrio, se o mau vizinho ficar na mó de cima, a vizinhança ficaria pior. Para todos. E eu me sentiria culpado. Por não ter feito valer os meus argumentos.
Espero não vir a ter de fugir. Vou combinar com o meu síndico uma modalidade de coexistência pacífica. Vou dizer-lhe que só ocuparei o meu espaço quando o espaço do vizinho que me incomoda estiver vazio, e que, para tanto, agradecer-lhe-ia imenso que me mantivesse informado acerca das idas e vindas do indesejado, prevenindo, assim, qualquer acidental proximidade. Que não é treta minha, não senhor. Tenho, de facto, o estômago muito fraco. E tenho de o poupar. Não concordam?

Tuesday, November 13, 2007

CRISE INSTITUCIONAL GRAVE?!

O que teria de acontecer para que se considere estar-se perante uma crise institucional grave, para efeitos do nº 2 do artigo 142º da Constituição da República de Cabo Verde?
Uma situação que esteja bloqueando o regular funcionamento das instituições democráticas configuraria uma crise institucional grave, para efeitos do comando legal registado atrás?
A impossibilidade sistemática de construção de uma maioria de 2/3 (dois terços), necessária para que a Assembleia Nacional tome decisões cruciais para o regular funcionamento do sistema democrático, pode configurar uma crise institucional grave?
O protelamento do recenseamento eleitoral e um eventual adiamento sine die das eleições autárquicas não será uma consequência suficientemente nefasta para que, em decorrência, se considere estar perante uma crise institucional grave?
A possibilidade de o Presidente da República não optar pela dissolução da Assembleia Nacional, mesmo que sejam rejeitadas duas moções de confiança ao Governo ou aprovadas quatro moções de censura, com medo de não se conseguir eleger uma nova assembleia, diante da não existência, no país, de uma Comissão Nacional de Eleições, não configura uma pré-crise institucional grave?
Imagine-se, por absurdo, que o processo de constituição da nova CNE dure o tempo que vem demorando o processo da escolha do 5º Juiz do Supremo Tribunal de Justiça (STJ). Diante disso, não poderiam ser realizadas nem as autárquicas do próximo ano, nem as legislativas previstas para 2011. Por criar obstáculos ao processo eleitoral, por prolongar mandatos, à revelia da Lei, a impossibilidade de se construir a maioria necessária para a eleição da CNE não configura uma crise institucional grave?
E não será tão absurdo assim, se se considerarem os sinais de autismo que emanam do centro constitucional do poder em Cabo Verde. A título meramente exemplificativo, transcrevemos abaixo o nº 1 do artigo 180º (COMPETÊNCIA EM RELAÇÃO A OUTROS ÓRGÃOS) da CR e os órgãos que não funcionam porque não foi possível a composição da maioria necessária para a sua eleição:
- “ARTIGO 180º DA CR
1. Compete à Assembleia Nacional eleger, por maioria de dois terços dos Deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções:
- Os Juizes do Tribunal Constitucional;
- O Provedor de Justiça;
- O Presidente do Conselho Económico e Social;
- Os membros da Comissão Nacional de Eleições;
- Os membros do Conselho Superior da Magistratura Judicial e do Conselho Superior do Ministério Público;
- Os membros do Conselho da Comunicação Social e de outros órgãos cuja designação lhe seja cometida pela Constituição ou pela lei.
2… “
- O papel do Tribunal Constitucional vem sendo desempenhado, em regime de acumulação, pelo STJ; não há Provedor de Justiça (deixando uma lacuna claramente perceptível no arcabouço do Estado de direito democrático); desconhece-se quem seja o Presidente do Conselho Económico e Social (o próprio Conselho prima pela ausência); não há Comissão Nacional de Eleições (e, a continuar assim, corre-se o risco de também não haver eleições); não se consegue chegar a consenso para a eleição do Conselho da Comunicação Social.
Do rol dos órgãos que são eleitos pela AN, por maioria de dois terços, só se conseguiu pôr de pé os Conselhos Superiores da Magistratura Judicial e do Ministério Público. Convenhamos que é pouco. Muito pouco.
Em meu entender, a situação é grave. Está-se, salvo melhor opinião em contrário, perante uma crise institucional. A questão a pôr (e a responder) agora é esta: A PRESENTE SITUAÇÃO CONFIGURARÁ UMA CRISE INSTITUCIONAL GRAVE?
Eu não sei responder. Melhor: tenho medo das consequências da resposta que possa dar. Isso, tendo em vista o conteúdo do nº 2 do artigo 142º da Constituição da República, que transcrevo abaixo:
2. A Assembleia Nacional poderá ainda ser dissolvida em caso de crise institucional grave, quando tal se torne necessário para o regular funcionamento das instituições democráticas, devendo o acto, sob pena de inexistência jurídica, ser precedido de parecer favorável do Conselho da República. (sublinhado meu).
Perguntar-se-á: O QUE TEM DEMAIS UM PRESIDENTE DA REPÚBLICA DISSOLVER O PARLAMENTO, A VER SE SE CONSEGUE, NA ELEIÇÃO SEGUINTE, UMA NOVA CORRELAÇÃO DE FORÇAS CAPAZ DE DESBLOQUEAR A SITUAÇÃO?
Realmente, não seria nada demais. Seria a instituição Presidente da República funcionando, desfazendo o nó cego dado por outros actores políticos. Não seria nada demais… não fosse a inexistência de uma CNE e, logo, a impossibilidade de realizar umas eleições antecipadas sem o órgão gestor do processo eleitoral. Só isso.
E a situação é mesmo grave. Mesmo que não se considere a impossibilidade de construção da maioria necessária para a eleição da CNE uma crise institucional grave, só o facto de o PR não se atrever a dissolver o Parlamento, mesmo diante da rejeição de duas moções de confiança ou da aprovação de quatro moções de censura ao Governo, por não ter uma CNE para conduzir o processo para as subsequentes eleições antecipadas, configuraria uma crise institucional grave. Temos o Presidente da República manietado! E isso é grave. Aqui e na Cochinchina!
Que fazer? Ninguém, nem o mais inconsequente desbocado da praça, ousaria sugerir a dissolução da Assembleia Nacional. Como eleger uma nova Assembleia, se a crise é exactamente, derivada do facto de não termos uma CNE?
Qual a saída, então? A saída mais airosa seria, sem sombra para dúvidas, os deputados da Nação demonstrarem-nos, categoricamente, que não há crise. Fecham-se numa sala, põem Cabo Verde acima de tudo, mostram o seu amor à terra, e, numa manhã, escolhem os cinco cabo-verdianos que vão integrar a Comissão Nacional de Eleições. E ponto final. Qual crise, qual carapuça – poderão dizer alto e bom som.
Esta seria não só a saída mais airosa, como a mais simples. Gente, deputados, qual é a dúvida em aceitar este ou aquele magistrado judicial para a CNE? Será que o exercício de funções na CNE é mais importante do que a de Juiz? Põem em causa a honorabilidade de um homem (ou de uma mulher) que decide, diariamente, se um cidadão que lhe é presente continua a usufruir do direito IR E VIR livremente ou se fica privado desse direito? A responsabilidade de integrar ou presidir a CNE é maior do que a de ter de decidir acerca da liberdade de um indivíduo? É razoável entender-se que um homem (ou uma mulher) serve para Juiz mas não serve para integrar ou presidir a CNE? Não se estará menosprezando o papel e a responsabilidade de um magistrado judicial? Não se estará ultrajando a classe? E se, em retaliação, os magistrados judiciais se mostrarem indisponíveis para entrar nesse joguinho rasca, fruto de mentes rascas, de gente que acha que todos são capazes de fazer o que eles próprios passam a vida a fazer? Lá diz o ditado: DESCONFIADU TUDO Ê LADRON.
A outra saída seria Sua Excelência o senhor Presidente da República começar a usar a única linguagem que essa gente entende: a da FORÇA. Convocar o Conselho da República e começar a deixar claro que Sexa também tem poder e que se o jogo é cada um levar o SEU poder até ao limite, Sexa também estaria disposto a atingir o seu limite, ou seja dissolver o parlamento e convocar eleições antecipadas, DOA A QUEM DOER. Depois… é pagar para ver. Convenhamos que uma tal posição de força poderia ser assumida, sem problemas, por um Mário Soares ou por um Carlos Veiga, ou mesmo pelo NOVO Don Juan Carlos de Bourbon, mas nunca, por exemplo, pela Rainha da Inglaterra.
Outras saídas? Certamente que haverá outras saídas. Mas o jeito é mesmo os políticos deixarem aquela velha e saloia esperteza de quererem passar o pau um ao outro. E lá vem outro ditado: DÔS ESPERTO KÂ TÂ PÔ BURRO CARGA. Quando assim é, o burro faz a jornada com o lombo livre, enquanto a carga é transportada pelos ditos espertos. Quem disse que o Homem é o mais inteligente dos animais?! Só pode ter sido mesmo o Homem. E elogio em boca própria…
Mas chega de ditados por hoje. Temos uma situação que chegou ao ponto a que chegou porque não acreditamos no Homem; temos dele aquela visão que o psicólogo norte-americano Douglas McGregor condensou naquilo a que chama de Teoria X: o homem capaz de tudo e do pior.
Assumamos que se estamos onde estamos, se estamos na moda como usa agora dizer-se, que isso é resultado do trabalho e dos esforços de todas as cabo-verdianas e de todos os cabo-verdianos, com as nossas limitações, nossos erros e acertos. Vale a pena ter e manter uma outra ideia do Homem cabo-verdiano, que é como quem diz que devemos fazer algum esforço para que dele tenhamos aquela visão que McGregor explana naquilo a que apelidou de Teoria Y: capaz de tudo, do bom e do melhor, fazendo muito com pouco. Até porque não temos outra saída. Importamos tudo (ou quase tudo), mas não há como importar uma COMISSÃO NACIONAL DE ELEIÇÕES.
Vamos tomar juízo e esconjurar a crise? Ou será preciso simplificar a Constituição, deixando que tudo seja decidido na base da maioria absoluta (ou mesmo simples, não vá o diabo tecê-las), confessando que ainda somos demasiado imaturos para lidar com arranjos e compromissos?
Para os senhores deputados (e demais políticos) registo aqui, pela sua relevância, uma pequena passagem do discurso de posse de George Bush (the father):
“Escolho como guia as palavras de um santo: nas coisas cruciais, unidade; nas coisas importantes, diversidade; em todas as coisas, generosidade.

Tuesday, November 6, 2007

O XEQUE-MATE

No xadrez é aquele lance que encosta o Rei à parede. Seja qual for o movimento que o Rei faça, ele é inexoravelmente capturado. É o lance decisivo do jogo, que só encontra paralelo no golo fatal no sistema da «morte súbita».
Pode estar tudo parecendo correr às mil maravilhas ao adversário. Pode bater bolas no poste, na trave, dominar o jogo, enfim. Mas se acontece sofrer um golo, não tem a mínima oportunidade de revidar. Acaba o jogo na hora. É uma espécie de «knock-out» técnico.
No futebol o golo súbito pode resultar de um acaso, de uma distracção dos defesas ou do keeper, pode ser apadrinhado por um árbitro safado. No futebol há de tudo e tudo pode acontecer.
No boxe, pode-se estar a ganhar aos pontos e, de repente, ser-se surpreendido por um uppercut ou por um terrível gancho de esquerda e se quedar desacordado. Um Knock-Out que não se pode contestar.
E no xadrez? Como pode acontecer uma surpresa dessas em um jogo que os entendidos consideram ser o único onde não se pode fazer batota? Como é que um jogador leva o outro à parede, colocando-o em uma situação em que o seu Rei fica prisioneiro? O que falha no jogo do jogador vítima do xeque-mate? Há falha da vítima do xeque-mate ou é a classe do adversário que vem ao de cima?
Eu que não sou grande entendedor do jogo, sempre achei que quando começassem a acontecer xeques às outras peças, digamos menores, do tabuleiro, era chegada a hora de manter os olhos bem abertos, não vá o Rei ficar nu. Mas a verdade, conforme me explicaram, é que às vezes é-se surpreendido com um xeque ao Rei sem pré-aviso, sem que qualquer outra peça tenha sido expressa e definitivamente ameaçada. E a beleza disto tudo é que é sem batota.
Mas é possível entrar-se num jogo que normalmente termina com um xeque ao Rei e ficar-se entorpecido ao ponto de nos capturarem o Rei que, à partida, juramos proteger? Como é que acontece entrar-se num jogo com o objectivo de capturarmos o Rei do adversário e acabarmos sem o nosso Rei, ainda por cima sabendo antecipadamente que era exactamente esse o objectivo do adversário?
Tenho de me render à evidência. É aí que reside a beleza do jogo. Começa-se com o mesmo objectivo e tudo se faz para conquistar o Rei do adversário. Qual a explicação para o facto de um conseguir o seu objectivo e outro não? E sem batota, convém frisar.
Maxilar – diria a personagem de um seriado brasileiro, batendo na testa com a ponta do indicador da mão direita. Maxilar – repetia, para gáudio da assistência.
Até um fulano completamente analfabeto em anatomia, que confunde a fronte com o maxilar, acha que o desfecho depende do desempenho da massa cinzenta. Mas será verdade? Um dia desses vou confrontar os meus amigos xadrezistas para tentar entender.
Mas será que as explicações que me derem irá explicar o xeque do Felisberto Vieira ao Ulisses Correia e Silva? Ainda antes do jogo, quando apenas os Reis foram arrumados no tabuleiro, eis que Filú surpreende Cutice com um xeque.
Previstas eleições autárquicas para princípios de Abril de 2008(poderá ainda ser finais de Março?), quando se sabe de apenas duas candidaturas e só são conhecidos os cabeças-de-lista, eis que a 06 de Novembro de 2007, o Presidente da Câmara, e candidato à sua própria substituição, dá início, com pompa e circunstância, à obra do mandato. Organiza um desfile de carros, passando pelos lugares que vão receber benefícios. Requalificação do Plateau. Asfaltamento das rampas da Imprensa Nacional, da Fazenda e do Hospital; da Avenida «Che» Guevara até à primeira Ponte da Vila Nova; do segmento que vai da Rotunda do Homem de Pedra até à Rotunda do Anel Rodoviário da Praia, a Oeste; da Chã-de-Areia ao Palmarejo, passando pela Prainha; da Rotunda da Várzea até à Sede da CVTELECOM; DA PONTE DA VILA NOVA, PELA ESTRADA ANTIGA, ATÉ À SAÍDA DA POVOAÇÃO, NO CRUZAMENTO COM A ESTRADA PRINCIPAL; DA PONTE DE LÉM FERREIRA ATÉ AO PORTO DA PRAIA; da ligação da Sede da CVT com a Avenida dos Combatentes, passando pelas traseiras da Alfândega Velha e pelo armazém da Sociedade Luso-Africana; da Avenida Cidade de Lisboa ao Cemitério da Praia; da Rotunda da CVTELECOM ao Sucupira, passando por baixo da Ponta Belém; da Avenida principal da Ponta d’Água.
Obras por que todos esperam há lustros e que agora acontecem, abrindo as «hostilidades» para as eleições autárquicas de 2008.
A pergunta que faço agora é esta: está-se diante de um xeque-mate? O facto de só estarem os Reis no tabuleiro faz pressupor isso. Mas, ACABA O JOGO? Ou prossegue com o Rei imobilizado?
Se estas obras – que vão levar 12 meses a serem concluídas – tivessem arrancado, digamos, no primeiro trimestre deste ano e estivessem concluídas, ou em fase de conclusão, pelo final do ano, com inauguração aí pelo primeiro trimestre de 2008, diria que bem poderia ser um definitivo xeque-mate. Não tendo as coisas acontecido desse modo (parece que o Filú se esqueceu de accionar o cronómetro) sempre poderão render alguns xeques às peças menores, podendo, por essa via, reduzir o espaço de manobra do Rei de Cutice.
Todos parecem estar de acordo que não se pode fazer batota no xadrez. Certo? Todos sabem que, por convenção, quem tiver as pedras brancas abre o jogo. Certo? Todos sabem que o jogo do detentor das pedras pretas acaba, de alguma forma, sendo condicionado pela jogada de abertura do detentor das pedras brancas. Certo? Jogando o Filú com as brancas e abrindo com um xeque, qual poderá ser a jogada de Cutice? Esta abertura do Filú não vem nos manuais. Ele há tantas jogadas de abertura esquematizadas, mas nenhuma que comece com um xeque. É um desafio para os xadrezistas locais. A mim, leigo no assunto, a coisa cheira-me a xeque-mate.
À primeira jogada das pedras brancas e antes do apito inicial do árbitro, constituirá jogada válida? Não soará a um knock-out durante o aquecimento dos pugilistas? Lembra-mee aquele combate, no Ginásio do Liceu de ADRIANO MOREIRA, entre o Batcha e o Cácá (do senhor Amadeu)? Quando os espectadores ainda estavam entrando, o Batcha já saía em KO, com a mão segurando os testículos. No nosso caso, como ficariam os aficcionados que já compraram bilhete para o combate, que era para ser em Abril?
Parece que a bola está agora do lado do Ulisses. Vai precisar de engenho e de muita arte para convencer os praienses de que o futuro que pretende construir para a Praia é muito mais aliciante do que o presente do Felisberto.
À cautela, e porque este xeque pode não ser ainda um xeque-mate, aconselharia ambos a se prepararem para explicar aos eleitores coisas elementares mas que os políticos parecem não dominar:
1. Como exercer a autoridade sem cometer excessos;
2. Como garantir a segurança sem violar as liberdades;
3. Como dizer «não» sem perder pose;
4. Como uma cidade limpa pode ser tão importante como um equipamento social urbano;
5. Como uma obra que parece escondida, pode ser tão importante como uma localizada à beira da estrada;
6. Como é possível haver uma política de habitação social noutros recantos de Cabo Verde e não haver na Região mais rica do país;
7. Como é possível fiscalizar e manter a ordem no Município com fiscais recrutados do universo onde os da Praia são recrutados e com as motivações que não têm;
8. Como garantir a saúde pública com esgotos a céu aberto e sem equipamentos públicos para a satisfação das necessidades fisiológicas dos visitantes;
9. Como fazer do Plateau património mundial com riachos de águas negras correndo pela Av. Amílcar Cabral e pela Rua 05 de Julho, permanentemente;
10. Como conciliar a reeleição com a manutenção do status quo do mercado do Plateau e suas cercanias.

Com tantas questões e tão poucas respostas, no nosso caso, pode muito bem dar-se o caso de o árbitro não aceitar a morte súbita do adversário, apesar do limpo golo obtido. Que há coisas na Praia que precisam ser resolvidas de uma vez por todas. Será que DESS BESS QUÊ BESS? Ou vai ser preciso chamar o LIEDSON? Que Ele, sim, RESOLVE!